O quadro geral da eleição presidencial mudou apenas em centímetros desde que o STF tirou Lula da cadeia e o tornou elegível. Não houve qualquer abalo sísmico, e cabe se perguntar qual teria de ser o tamanho de um terremoto político para alterar um confronto que, a rigor, é bastante profundo e já escancarado na corrida para a eleição de 2018.
Lamentava-se então (e desde sempre) que o fenômeno da “vassourada bolsonarista” sobre o lulopetismo significava o esfacelamento de qualquer “centrismo” entendido como posturas antagônicas a populismos de “esquerda” ou “direita”.
Como assinala o sociólogo Bolívar Lamounier, não estamos diante de polarização de período eleitoral. Mas, sim, diante de uma “terceira onda de desavenças” só comparável a eventos históricos como o getulismo/antigetulismo ou o período 1961-1964, que levou ao golpe militar.
E muito perigosa: a atual “desavença” inclui religião, redes sociais que agravam o tribalismo, e o descrédito geral de instituições como a imprensa ou o Judiciário – numa economia de crescimento médio medíocre nos últimos 30 anos.
Bem antes da Lava Jato o lulopetismo havia regredido para o cinismo político, clientelismo e corrupção como ferramentas para permanecer no poder em nome de um projeto nacional-desenvolvimentista que implodiu ao fim de 13 anos. O descontentamento social amplo deu força, em parte, a uma vertente política profunda, o bolsonarismo, que desacreditou plataformas conservadoras e liberais e trouxe à tona mistura asquerosa de boçalidade e mediocridade (que sempre existiram).
Há, sim, elementos culturais (em sentido amplo) muito relevantes nessa clivagem – como o fato de regiões inteiras nas quais prosperou a produção de grãos e proteínas enxergarem em Lula e no que ele representa a antítese do empreendedorismo, dos valores da família e do esforço do indivíduo. E temerem pela sua propriedade e atividade.
Ou o fato de significativas camadas urbanas enxergarem em Bolsonaro a antítese de valores como solidariedade, compaixão, tolerância, defesa de direitos de minorias e do ambiente. E temerem pelo futuro do estado de direito e pela sobrevivência de regras básicas de convívio social.
Por enquanto, as eleições não parecem que resolverão essa “desavença” e conseguirão levar, qualquer que seja o resultado, a uma “pacificação”. Como em toda “guerra cultural”, não há termos de um armistício que se possa acordar (e fazer respeitar) entre inimigos dedicados ao combate ao “horror”.
Por necessidade ou por frio cálculo político, Lula está manobrando para parecer que é capaz de juntar forças para superar esse fosso. Bolsonaro parece ver vantagens em aprofundá-lo.