A prisão da influenciadora Deolane Bezerra e o sucesso eleitoral de Pablo Marçal são dois lados da mesma moeda. Trata-se de decisiva mudança de valores em vastas parcelas da sociedade brasileira – que já transforma a política.
As relações de cada um com a lei não é o tema aqui. Mas, sim, o tipo de “pregação” da prosperidade que fez deles fenômeno no mundo das redes sociais muito antes de se tornarem fenômenos de noticiário.
Esse tipo de “pregação” há mais de vinte anos foi consagrada no Get rich or die tryin’ (fique rico ou morra tentando) do rapper americano 50 Cent. Surgiu da pregação da prosperidade de várias denominações pentecostais.
Também no Brasil essa “pregação da prosperidade” ressalta o mesmo tipo de valores que boa parte do marketing político não reconheceu. É a exaltação do esforço do indivíduo e sua capacidade de superação sem limites, em vez de acreditar na bondade de um Estado ocupado por algum agrupamento político e suas utopias sociais.
Ocorre que no Brasil o “enriqueça ou morra tentando” tem mais um componente: enriqueça não importa de que maneira. É algo que ainda se constatava, mas com certa timidez, no funk ostentação.
Há motivos para se acreditar que o “match” entre a pregação da prosperidade e sucesso político de candidatos não seja circunstancial, isto é, não depende das características de apenas um indivíduo. A tal fé irrestrita em si mesmo é acompanhada de um claro apelo anti-sistêmico.
E de um desapego ao que convencionalmente se qualificaria como aderência a conceitos do tipo “justiça social”, “luta de classes”, “nacionalismo” ou mesmo de grupos de identidade. A minha geração diria que apenas potencializamos na brasileiríssima “Lei de Gerson” (para lembrar aos mais novos, o jogador tricampeão do mundo para quem o essencial era sempre levar vantagem).
Porém, o que vem acontecendo é bem mais abrangente. A enorme expressão social e política está ligada a uma inversão de valores, se se preferir assim.
Goste-se disso ou não, esse universo tem crescente relevância na política. É o universo no qual estruturas hierárquicas (como partidos, por exemplo) são ofuscadas pela mobilização em redes sociais. No qual “projetos ou plataformas” foram completamente substituídos pela excitação emocional trazida por alguns frames de imagens.
Em outras palavras, uma parte importante da política brasileira vai depender de influencers, subcelebridades ou personagens mais ou menos desvinculados de padrões “convencionais” de qualquer tipo (morais, éticos, religiosos). O atual sistema político está absorvendo isso depressa. Já é parte desse universo.