Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado Cristiano Zanin Martins conseguiu adiar para depois da sabatina no Senado o depoimento de uma testemunha em um processo em que é acusado de violar direitos trabalhistas de uma babá, entre eles não registrá-la em carteira, não pagar horas extras e não permitir folgas nos fins de semana. O depoimento seria realizado no dia 27 de abril, mas foi remarcado para julho a pedido de Zanin. O advogado também solicitou à Justiça para colocar o processo em sigilo. Procurado, o advogado disse que não iria comentar.
Zanin e a mulher, Valeska Teixeira, já haviam sido processados antes por uma empregada doméstica, uma outra babá e um gerente-administrativo na Justiça do Trabalho. No caso da empregada doméstica houve condenação parcial de Zanin, em fevereiro de 2016. O advogado foi obrigado pela Justiça a assinar a carteira de trabalho. Uma emenda à Constituição para garantir os direitos das trabalhadoras domésticas foi promulgada durante o governo Dilma Rousseff (PT) há dez anos com um único voto contrário – o do então deputado federal Jair Bolsonaro (PL).
A sabatina que pode tornar Zanin ministro do Supremo está marcada para esta quarta-feira, 21. Advogado de Lula na Operação Lava Jato, ele é o primeiro indicado do petista para a Corte de duas vagas a que o petista tem direito a preencher. Foi Zanin quem conseguiu anular as sentenças que condenaram o presidente por corrupção, o que devolveu ao petista o direito de disputar eleição e voltar à Presidência.
Zanin pediu a remarcação do depoimento da babá quando já estava em campanha aberta para a indicação ao Supremo. Ele alegou à Justiça que sua testemunha de defesa, o cientista político Hussein Kalout, ex-secretário de Assuntos Estratégicos do governo Michel Temer (MDB), estaria em viagem internacional no dia inicialmente marcado para a audiência.
Para comprovar essa viagem, a defesa de Zanin anexou um tíquete de voo da Avianca, em que estava prevista para a data a chegada de Kalout a Boston, nos Estados Unidos. Kalout chegou a ciceronear o advogado de Lula em campanha para o posto no STF. Procurado pelo Estadão, Kalout não quis comentar o caso.
Para se defender das acusações feitas pela babá, os advogados de Zanin alegaram à Justiça que era “indispensável” a realização do depoimento de Kalout, porque ele “conhece a dinâmica da residência dos reclamados e como se dava o convívio familiar destes com seus funcionários”. Zanin também pediu à Justiça e conseguiu que o caso da babá fosse colocado em sigilo na 65.ª Vara do Trabalho de São Paulo.
Gravação mostra recusa de hora extra
No processo trabalhista, Zanin e Valeska são acusados de não assinar a carteira de trabalho, de não pagar horas extras, de não permitir folgas nos fins de semana, entre outras ilegalidades trabalhistas, de acordo com documentos obtidos pelo Estadão. A babá cobra que Zanin e Valeska lhe paguem cerca de R$ 100 mil, sendo R$ 40 mil de indenização por danos morais.
A babá foi contratada por Zanin para trabalhar a partir de 1.º de fevereiro deste ano no apartamento da família, nos Jardins, zona sul de São Paulo. O trabalho da babá era ajudar na supervisão da rotina dos três filhos do casal, o que incluía arrumar quartos, lavar e passar roupas e incentivar a realização das tarefas escolares, ainda de acordo com o processo.
Quando foi contratada, ela combinou que receberia um salário de R$ 4 mil para morar no apartamento e trabalhar durante a semana. Porém, a babá alega que, posteriormente, foi convidada e aceitou igualmente a prestar serviço aos fins de semana. Por isso, de acordo com ela, durante todo o mês de fevereiro, trabalhou 16 horas por dia na casa de Zanin. Até que foi demitida em uma quarta-feira, 1.º de março, segundo ela, depois de perguntar a Valeska sobre como seria o pagamento de horas extras.
Defesa da babá no processo
“Você não tem direito a hora extra porque exerce função sem supervisão. É um entendimento recente e depois eu te explico”, disse Valeska no dia da demissão, de acordo com a gravação feita pela babá e anexada ao processo na Justiça do Trabalho.
Além de outras gravações, a babá também apresentou no processo uma folha de ponto, enviada para uma secretária de Zanin por WhatsApp. Nesse documento, ela registrava ter trabalhado diariamente entre 6 e 7 horas até 21 horas ou 23h50. Isso inclui jornadas aos fins de semana. “Acontece que a reclamante nunca foi registrada, e até o presente momento recebeu apenas parte de seus benefícios e/ou direitos previstos na Constituição Federal ou na Consolidação das Leis do Trabalho”, dizem os advogados da babá na ação.
No termo de rescisão da babá, Zanin era responsável pelo contrato de trabalho e aparece como empregador. Ela alega que, depois de demitida, recebeu R$ 9.822,20 como soma do salário de fevereiro e do pagamento de verbas rescisórias proporcionais. Mas, no processo, seus advogados calcularam que o valor devido era superior.
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Além do pagamento de indenização por danos morais, a ação cobra o pagamento de horas extras, adicional noturno, férias proporcionais mais um terço e 13.º salário proporcional. Exige ainda multa por falta de assinatura da carteira de trabalho, pagamento dobrado do descanso semanal remunerado e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que, segundo a babá, não foi recolhido.
Os defensores da babá pedem também que a Justiça do Trabalho envie ofícios para que o Ministério Público Federal decida se Zanin deve ser investigado por supostamente cometer o crime de “frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”, cuja pena prevista é de um ano a dois anos de detenção.
Outros casos
Zanin e a mulher já tinham sido processados antes por uma empregada doméstica, uma babá e um gerente-administrativo na Justiça do Trabalho. O caso da outra babá terminou em setembro de 2015 com acordo homologado pela Justiça, o que não implica confissão de culpa, de acordo com o histórico de tramitação no site do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (TRT-2).
Já o processo da empregada doméstica acabou com a condenação parcial de Zanin, em fevereiro de 2016. Ele foi obrigado pela Justiça a assinar a carteira da trabalhadora. Porém, o tribunal negou o pedido feito pela ex-funcionária, para receber R$ 29 mil por aviso prévio e horas extras. A Justiça negou também o pedido de Zanin, que queria ser indenizado pela ex-funcionária por suposta litigância de má-fé.
Zanin foi também processado por um ex-gerente administrativo do seu escritório por supostas violações trabalhistas – o caso terminou em acordo homologado pela Justiça, sem confissão de culpa, para encerrar a disputa. Pelo pacto, o advogado, a mulher e seu sogro, Roberto Teixeira, tiveram de pagar R$ 100 mil ao ex-funcionário.