Depois da decepção gerada pelo presidente Lula ao ignorar a relevância democrática e simbólica de termos uma mulher negra na Suprema Corte, chega a hora de saber o papel que o Senado exercerá na sabatina de Cristiano Zanin. Não será surpresa alguma a aprovação – com larga margem – do nome indicado.
É uma tradição difícil de ser rompida. Até hoje, apenas cinco nomes foram rejeitados pelo Senado. Todos durante o governo do marechal Floriano Peixoto, no final do século 19. Claro que as nomeações, como a atual, são precedidas de costuras políticas a dar segurança de que o indicado não seja enjeitado. Exceto no caso de uma inesperada reviravolta, a aprovação ocorrerá, pois o governo já trabalhou nos bastidores para que ela se dê sem surpresas, como, aliás, tem ocorrido nos últimos 130 anos.
Além disso, depois de o mundo jurídico brasileiro – de forma pobre e simplista – ser reduzido a dois grupos, o dos garantistas e dos lavajatistas, não é difícil prever que haverá uma simpatia maior dos senadores pelos primeiros. Afinal, os legisladores estarão a decidir quem os julgará se forem acusados de algum crime. E é natural que prefiram alguém que observe de forma mais estrita as regras do devido processo legal, respeite fielmente os direitos individuais dos acusados e busque uma maior contenção do poder punitivo do Estado.
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Mas os ministros do STF não têm apenas competência para julgar crimes praticados por senadores. A atuação da Suprema Corte vai muito além disso. E aqui é muito relevante que o Senado desvele os enigmas que acompanham a nomeação de Zanin. O que pensa Zanin sobre temas de relevância institucional e que impactam fortemente os direitos das pessoas? O que ele pensa sobre liberdade de expressão e de religião? Aborto, eutanásia, judicialização da saúde? Progressividade tributária e intervenção do Estado na economia? Demarcação de terras indígenas, redução de direitos trabalhistas, combate ao racismo, direitos da população LGBTQIA+ e igualdade de gênero? Pouco ou nada se sabe sobre a posição de Zanin sobre esses e muitos outros assuntos que foram, são ou serão pauta do STF.
Já passou da hora de o Senado assumir sua função inalienável e arguir, com todo o rigor, o indicado para a vaga de ministro da Suprema Corte. Se não é o caso de reprovação do nome – já que isso são favas contadas –, no mínimo é um direito de todos saber o que ele pensa. A razão pública não se compatibiliza com a camaradagem.
*Advogado e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) São Paulo