3,4 km de polêmicas


Por Edison Veiga
Elca Cartum. 'Foi uma debandada' Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A ideia era não precisar do carro. Para nada. Quando o dentista David Cartum (que morreu em 1986, aos 77 anos) e a mulher, Elca, hoje com 88 anos, se mudaram para a Rua Amaral Gurgel, no centro, ele passou a ir a pé ao consultório. Ali perto, havia escola para a filha Célia, então com 7 anos. E uma biblioteca municipal, a Monteiro Lobato. “Compramos na planta”, conta Elca. “Eram poucos os edifícios na rua.” 

Com 11 anos de casados, trocar a casa alugada pelo apartamento próprio de 90 metros quadrados era realizar um sonho. Ali nasceu o segundo filho do casal, Marcos, em 1964.

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Tudo parecia caminhar bem. Entretanto, quatro anos mais tarde, na gestão do prefeito José Vicente de Faria Lima (1909-1969), começou a ser desenvolvido o projeto que se tornaria pesadelo da família Cartum - e de centenas de outras que viviam na região. O Minhocão, sob o nome oficial de Elevado Costa e Silva, uma pista elevada de 3,4 km, seria inaugurado no aniversário de São Paulo, em 25 de janeiro de 1971, pelo então prefeito Paulo Maluf.

“Foi uma debandada. Antes, os 60 apartamentos eram ocupados por proprietários. Quem podia, se mudou”, conta Elca. “Perdi meu grande amigo, um vizinho que foi embora”, comenta Marcos. A família Cartum ficou. Em pleno 3.º andar, ganharam a vista constante de carros na altura das janelas - e o barulho, e a fuligem, e a deterioração do entorno, e a desvalorização do patrimônio. Logo eles, que queriam se ver livres do automóvel, tiveram o apartamento “invadido” pelos veículos, hoje cerca de 70 mil por dia. 

Se durante a obra o dia a dia do menino Marcos era divertido, zanzando de bicicleta entre as pedras da construção, uma vez inaugurada, a pista se tornou inimiga. “Passei a adolescência com vergonha do meu endereço”, diz. “Foi um trauma.” O Minhocão, no entanto, acabou de certa forma definindo seu futuro: ele se tornou arquiteto, “pelo antiexemplo, por entender que com a arquitetura eu poderia criar ambientes que sejam o contrário do Minhocão”. 

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Ele se mudou da Amaral Gurgel em 1982. A mãe continua no apartamento - no prédio, é a única ligação com um passado nem tão remoto assim. Em meio a rumores sobre a demolição do Elevado - Plano Diretor aprovado no ano passado prevê sua desativação gradual -, as opiniões de ambos são dissonantes. “É o Muro de Berlim de São Paulo. Sou a favor da demolição desde a construção”, diz o arquiteto. “Não me incomoda mais. Não quero que seja demolido, é útil para a cidade. Na minha idade, já não preciso pensar em mim”, afirma Elca.

Elca Cartum. 'Foi uma debandada' Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A ideia era não precisar do carro. Para nada. Quando o dentista David Cartum (que morreu em 1986, aos 77 anos) e a mulher, Elca, hoje com 88 anos, se mudaram para a Rua Amaral Gurgel, no centro, ele passou a ir a pé ao consultório. Ali perto, havia escola para a filha Célia, então com 7 anos. E uma biblioteca municipal, a Monteiro Lobato. “Compramos na planta”, conta Elca. “Eram poucos os edifícios na rua.” 

Com 11 anos de casados, trocar a casa alugada pelo apartamento próprio de 90 metros quadrados era realizar um sonho. Ali nasceu o segundo filho do casal, Marcos, em 1964.

Tudo parecia caminhar bem. Entretanto, quatro anos mais tarde, na gestão do prefeito José Vicente de Faria Lima (1909-1969), começou a ser desenvolvido o projeto que se tornaria pesadelo da família Cartum - e de centenas de outras que viviam na região. O Minhocão, sob o nome oficial de Elevado Costa e Silva, uma pista elevada de 3,4 km, seria inaugurado no aniversário de São Paulo, em 25 de janeiro de 1971, pelo então prefeito Paulo Maluf.

“Foi uma debandada. Antes, os 60 apartamentos eram ocupados por proprietários. Quem podia, se mudou”, conta Elca. “Perdi meu grande amigo, um vizinho que foi embora”, comenta Marcos. A família Cartum ficou. Em pleno 3.º andar, ganharam a vista constante de carros na altura das janelas - e o barulho, e a fuligem, e a deterioração do entorno, e a desvalorização do patrimônio. Logo eles, que queriam se ver livres do automóvel, tiveram o apartamento “invadido” pelos veículos, hoje cerca de 70 mil por dia. 

Se durante a obra o dia a dia do menino Marcos era divertido, zanzando de bicicleta entre as pedras da construção, uma vez inaugurada, a pista se tornou inimiga. “Passei a adolescência com vergonha do meu endereço”, diz. “Foi um trauma.” O Minhocão, no entanto, acabou de certa forma definindo seu futuro: ele se tornou arquiteto, “pelo antiexemplo, por entender que com a arquitetura eu poderia criar ambientes que sejam o contrário do Minhocão”. 

Ele se mudou da Amaral Gurgel em 1982. A mãe continua no apartamento - no prédio, é a única ligação com um passado nem tão remoto assim. Em meio a rumores sobre a demolição do Elevado - Plano Diretor aprovado no ano passado prevê sua desativação gradual -, as opiniões de ambos são dissonantes. “É o Muro de Berlim de São Paulo. Sou a favor da demolição desde a construção”, diz o arquiteto. “Não me incomoda mais. Não quero que seja demolido, é útil para a cidade. Na minha idade, já não preciso pensar em mim”, afirma Elca.

Elca Cartum. 'Foi uma debandada' Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A ideia era não precisar do carro. Para nada. Quando o dentista David Cartum (que morreu em 1986, aos 77 anos) e a mulher, Elca, hoje com 88 anos, se mudaram para a Rua Amaral Gurgel, no centro, ele passou a ir a pé ao consultório. Ali perto, havia escola para a filha Célia, então com 7 anos. E uma biblioteca municipal, a Monteiro Lobato. “Compramos na planta”, conta Elca. “Eram poucos os edifícios na rua.” 

Com 11 anos de casados, trocar a casa alugada pelo apartamento próprio de 90 metros quadrados era realizar um sonho. Ali nasceu o segundo filho do casal, Marcos, em 1964.

Tudo parecia caminhar bem. Entretanto, quatro anos mais tarde, na gestão do prefeito José Vicente de Faria Lima (1909-1969), começou a ser desenvolvido o projeto que se tornaria pesadelo da família Cartum - e de centenas de outras que viviam na região. O Minhocão, sob o nome oficial de Elevado Costa e Silva, uma pista elevada de 3,4 km, seria inaugurado no aniversário de São Paulo, em 25 de janeiro de 1971, pelo então prefeito Paulo Maluf.

“Foi uma debandada. Antes, os 60 apartamentos eram ocupados por proprietários. Quem podia, se mudou”, conta Elca. “Perdi meu grande amigo, um vizinho que foi embora”, comenta Marcos. A família Cartum ficou. Em pleno 3.º andar, ganharam a vista constante de carros na altura das janelas - e o barulho, e a fuligem, e a deterioração do entorno, e a desvalorização do patrimônio. Logo eles, que queriam se ver livres do automóvel, tiveram o apartamento “invadido” pelos veículos, hoje cerca de 70 mil por dia. 

Se durante a obra o dia a dia do menino Marcos era divertido, zanzando de bicicleta entre as pedras da construção, uma vez inaugurada, a pista se tornou inimiga. “Passei a adolescência com vergonha do meu endereço”, diz. “Foi um trauma.” O Minhocão, no entanto, acabou de certa forma definindo seu futuro: ele se tornou arquiteto, “pelo antiexemplo, por entender que com a arquitetura eu poderia criar ambientes que sejam o contrário do Minhocão”. 

Ele se mudou da Amaral Gurgel em 1982. A mãe continua no apartamento - no prédio, é a única ligação com um passado nem tão remoto assim. Em meio a rumores sobre a demolição do Elevado - Plano Diretor aprovado no ano passado prevê sua desativação gradual -, as opiniões de ambos são dissonantes. “É o Muro de Berlim de São Paulo. Sou a favor da demolição desde a construção”, diz o arquiteto. “Não me incomoda mais. Não quero que seja demolido, é útil para a cidade. Na minha idade, já não preciso pensar em mim”, afirma Elca.

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