A estudante Alicia Dudy Muller Veiga, de 25 anos, suspeita de desviar quase R$ 1 milhão arrecadado para a formatura da turma 106 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) admitiu, em depoimento à Polícia Civil nesta quinta-feira, 19, ter sacado o dinheiro da turma e relatou ter usado parte dele para pagar despesas pessoais como alugueis de imóvel e de carro e um iPad.
A estudante reforçou aos policiais a versão dada a colegas de que teria investido parte do dinheiro em aplicações financeiras e tido prejuízo. Segundo a delegada Zuleika Gonzalez Araújo, do 16.º DP (Vila Clementino), a jovem foi indiciada por apropriação indébita, crime com pena máxima de quatro anos de reclusão e multa. Ela responderá em liberdade.
De acordo com informações da Secretaria da Segurança Pública (SSP), o dinheiro foi usado por Alicia para pagar, por exemplo, cinco parcelas de aluguel de um apartamento no valor de R$ 3,7 mil mensais e dez parcelas de locação de um carro, que saía a R$ 2 mil mensais. Somente essas duas despesas totalizam mais de R$ 38 mil.
O depoimento durou cerca de quatro horas, período em que Alicia contou aos policiais que, em um primeiro momento, teria sacado o dinheiro da empresa Às Formaturas - contratada pelos estudantes para organizar a arrecadação - por desconfiar da gestão que estava sendo feita pela companhia.
O primeiro saque, realizado ainda em 2021, foi no valor de R$ 604 mil. Com o dinheiro em mãos, Alicia pensou que poderia investi-lo, teve prejuízo e, no desespero de recuperar a quantia, passou a fazer apostas em casas lotéricas.
Embora tenha reafirmado que perdeu o dinheiro em aplicações financeiras, ela mudou a versão de como isso ocorreu. Inicialmente, ela havia falado aos colegas que aplicou o valor na corretora Sentinel Bank, que teria sumido com o dinheiro. À polícia, ela disse que, na verdade, fez investimentos no Nubank e Banco do Brasil, em ações, mas que não obteve o retorno esperado e começou a perder dinheiro nas operações.
“Ela foi aplicando em ações e começou a obter prejuízo. Quando acumulou R$ 50 mil em prejuízo, no desespero, ela achou que apostando na loteria, ela poderia recuperar essa perda”, disse a delegada. Alicia ainda não apresentou à polícia os comprovantes das aplicações financeiras.
A estudante disse aos policiais que, na primeira aposta, jogou R$ 9 mil e ganhou cerca de R$ 8 mil. Otimista de que novas premiações viriam, continuou jogando, mas, de acordo com a aluna, não ganhou mais.
Alicia é investigada em outro inquérito desde julho de 2022 por estelionato e lavagem de dinheiro após ter dado um suposto golpe em uma lotérica da zona sul de São Paulo. De acordo com a Polícia Civil, a estudante teria gasto mais de R$ 400 mil em apostas no período, mas, na última data em que tentou fazer um jogo, não teria pago R$ 192 mil para a lotérica, o que fez o dono registrar a ocorrência.
A afirmação da aluna dada em depoimento de que teria ganho somente R$ 8 mil em prêmios da loteria diverge de investigação do Delegacia Especializada em Investigações Criminais (Deic) de São Bernardo do Campo, que conduz o inquérito do caso da lotérica. De acordo com a apuração, Alicia teria ganho cinco vezes na loteria, somando um total de R$ 326 mil em prêmios, conforme mostram documentos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Estudante fez nove saques da conta da empresa de formatura
Ainda de acordo com a Polícia Civil, além do saque de R$ 604 mil em 2021, Alicia retirou o restante dos R$ 937 mil da arrecadação para a formatura em outras oito transferências ao longo de 2022.
A polícia investigará se a empresa Ás Formaturas teve alguma responsabilidade ou negligência no repasse do dinheiro, mas, como Alicia era presidente da comissão de formatura, ela, em tese, poderia responder pela turma na ação. Os outros membros da comissão de formatura, no entanto, afirmam que, segundo o estatuto dos alunos, ela deveria ter tido aval e assinatura de outros integrantes para sacar a verba.
De acordo com a delegada, um representante da empresa já foi ouvido e afirmou que chegou a comunicar outros alunos sobre a transferência por meio de um grupo no Whatsapp, mas que ninguém teria se manifestado.
Dois alunos da turma foram ouvidos e disseram nunca ter desconfiado de nenhuma conduta de Alicia. Segundo a delegada, a jovem diz que agiu sozinha, mas a polícia vai ouvir a namorada dela para apurar se houve participação de terceiros no crime.