O diretor-presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval de Araujo Feitosa Neto, considera a reação da Enel ao apagão que deixou 2,1 milhões de endereços sem luz em São Paulo aquém das expectativas. Na avaliação da agência, os trabalhos de atendimento à população foram, inclusive, mais lentos do que no blecaute de novembro do ano passado, quando mais de 2 milhões de clientes também ficaram no escuro.
À época, segundo a Aneel, a concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica levou 24 horas para retomar 60% dos consumidores interrompidos. Esse mesmo patamar foi atingido no evento atual somente depois de 42 horas.
A crítica à atuação da Enel foi feita após reunião na noite deste domingo, 13, da Aneel com representantes da Enel SP, Neoenergia Elektro, EDP São Paulo, Energisa Sul-Sudeste, CPFL, Isa Cteep e Eletrobras.
No encontro ficou definido que a Enel vai contar com a ajuda de funcionários de outras distribuidoras do Estado de São Paulo para auxiliar no restabelecimento da energia elétrica dos cerca de 700 mil consumidores ainda sem luz após a tempestade de sexta-feira, 11. Serão 400 colaboradores “emprestados” das outras empresas para auxiliar no serviço.
A concessionária se comprometeu a aumentar de 1.700 para 2.500 o número total de funcionários em campo. O montante constava no plano de contingências que a própria empresa se comprometeu a disponibilizar em casos de eventos extremos, como o de sexta-feira, quando os ventos na Grande São Paulo superaram os 100 km/h, mas só será efetivado mais de três dias depois do evento.
“Nos preocupa a capacidade de mobilização da empresa neste momento e a velocidade do restabelecimento do serviço”, afirmou Tiago Mesquita, diretor-presidente da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), órgão que apoia a Aneel na fiscalização da qualidade do serviço de energia elétrica prestado pelas concessionárias.
De acordo com Mesquita, é possível fazer essa comparação pois os episódios tiveram impactos semelhantes. Na Grande São Paulo, área de concessão da Enel, pouco mais de 2 milhões de pessoas chegaram a ser impactadas em ambos os eventos. Em 2023, porém, outras regiões do Estado também ficaram sem energia. Hoje, 100% dos clientes das demais distribuidoras estão com o serviço restabelecido, segundo a Aneel.
A Enel, por outro lado, tem ressaltado que estava mais preparada para o evento deste ano em comparação ao de novembro passado, assim como tem reiterado que toma medidas para a modernização da rede. “A distribuidora está comprometida em ir além dos indicadores estabelecidos e segue com um plano estruturado para seguir a trajetória de melhoria contínua dos serviços”, apontou em nota.
A concessionária culpa a magnitude do evento climático extremo pela falta de uma resposta tão ágil. “Estamos com plano de contratação de 1.200 eletricistas próprios para atuarem principalmente em situações de emergência”, disse Guilherme Lencastre, presidente da Enel. A empresa também pretende instalar radares climáticos na cidade na tentativa de se antecipar a novos temporais que possam atingir São Paulo, mas não deu detalhes do plano.
De acordo com o diretor-presidente da Aneel, já foram aplicadas à Enel multas que totalizam R$ 320 milhões desde 2018. Desse total, não foram pagas as duas últimas multas: de R$ 95 milhões e R$ 165 milhões, porque a concessionária conseguiu decisão judicial favorável para não realizar o pagamento.
O apagão que entra em seu terceiro dia em São Paulo retomou a discussão sobre o contrato de energia com a Enel, com uma manifestação da Aneel sobre a possibilidade de pedir a caducidade da concessão — que se estende até 2028.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também agendou para segunda-feira, 14, encontro com o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval Feitosa, para discutir o restabelecimento da energia em São Paulo.
Já a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) colocou uma equipe no Centro de Operações da Enel SP para fiscalizar e acompanhar as ações para restabelecer a energia elétrica aos consumidores que tiveram o serviço interrompido.
Rescisão e renovação do contrato
Em postagem nas redes sociais na noite deste sábado, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) atacou a Enel e defendeu o fim do contrato com a concessionária. “Mais uma vez, a Enel deixou os consumidores de São Paulo na mão. Se o Ministério de Minas e Energia e, sobretudo, a Aneel, tiverem respeito com o cidadão paulista, o processo de caducidade será aberto imediatamente. O que não pode seguir acontecendo é o que estamos vendo mais uma vez em nosso Estado. Não podemos ficar à mercê de tanta irresponsabilidade”, escreveu.
Apesar das críticas à condução da situação por parte da Enel, a Aneel afirma que “este não é o momento de pensarmos em consequências e sanções”, como a rescisão do contrato da Enel, e, em vez disso, focar no restabelecimento da energia. “Não está descartado nenhum tipo de consequência. No momento oportuno, quando os dados forem apurados, serão anunciadas”, ponderou o diretor da agência, que afirmou que a opção será considerada após uma análise detalhada da resposta da empresa.
O Ministério Público vai incluir o mais recente apagão em São Paulo, que teve início na sexta-feira, 11, no inquérito que investiga possíveis irregularidades no serviço prestado pela Enel. Já o Procon anunciou que vai notificar a Enel para que explique os motivos da demora para restabelecer o fornecimento de energia elétrica para consumidores de vários bairros de São Paulo e de outras cidades do Estado.
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Em relação à renovação do contrato de concessão, que vence em 2028, Feitosa Neto diz que ainda não faz considerações a respeito, mas que o apagão atual pode influenciar na indicação de que a Enel renove ou não o contrato. “Neste momento, a Aneel não tem uma decisão se recomendará ou não a renovação, apenas após o decreto ser regulamentado que a empresa terá a oportunidade de solicitar a renovação”, diz o presidente da agência regulatória.
Investimentos
Além de aumentar o efetivo, a Enel anunciou que irá elevar os investimentos na rede de distribuição para R$ 2 bilhões por ano nos próximos dois anos.
“O investimento está indo para a tecnologia da rede, que evita termos que ir a campo para restabelecer um cliente. Por ter tecnologia na rede, conseguimos isolar a região para impactar menos clientes. Também é importante para detectar as falhas na rede”, afirmou Lencastre. Ele citou ainda “gastos relevantes” em relação a podas de árvores.
“A gente está caminhando para ter furacões no Brasil e a gente precisa ter políticas. A forma de estar mais bem preparado é poder contar com a infraestrutura que já existe de outras empresas”, declarou o líder da Enel.
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Impactos
Na capital, o apagão atingiu todas as regiões. De acordo com a Prefeitura, foram registradas 386 ocorrências de queda de árvores e galhos.
Entre moradores, há relatos de continuidade falta de energia em diversos bairros, como Interlagos, Santo Amaro, Vila das Mercês, Panamby, Jabaquara, Campo Limpo, Chácara Santo Antônio, Cidade Ademar, Cupecê e Americanópolis, na zona sul, e Alto da Lapa e Pinheiros, na oeste, e Mooca, na leste.
Com a falta de luz, moradores e comerciantes têm relatado problemas e prejuízos. Também há dificuldade para a fluidez do trânsito em trechos da cidade. A Enel não deu um prazo para o religamento total do serviço, mas alguns clientes foram informados de que a luz só será restabelecida na segunda-feira, 14.
A situação também afeta a distribuição de água. Segundo a Sabesp, o abastecimento de água continua prejudicado em parte da Grande São Paulo. “A interrupção do fornecimento de eletricidade afeta o funcionamento de estações elevatórias e boosters, equipamentos que transportam a água para locais mais altos”, justificou em nota.
Pela segunda vez em menos de um ano a falta de energia elétrica tem prejudicado moradores e comerciantes de diversos bairros da capital. Em novembro do ano passado, um apagão também provocado pela chuva afetou mais de 2 milhões de clientes e demorou quase uma semana para ser solucionado./ COLABORARAM WILIAN MIRON, GIORDANNA NEVES E PRISCILA MENGUE