O prefeito Ricardo Nunes (MDB) negou que apresentará proposta de cobrança aos moradores para bancar o enterramento de fios da rede elétrica em São Paulo. Na última sexta-feira, 3, um temporal provocou a queda de centenas de árvores na cidade, derrubando o fornecimento de energia elétrica em grande parte da capital - mais de 2 milhões de endereços chegaram a ficar sem luz.
“Em hipótese alguma teremos taxa em São Paulo. O contribuinte já paga um valor na sua conta de energia. Vamos usar parte desse recurso para fazer enterramento de fios. Se alguém quiser apresentar um projeto na sua região, a Prefeitura está disposta a contribuir para agilizar o enterramento de fios na cidade”, disse o prefeito em entrevista à GloboNews na tarde desta terça-feira, 7.
O prefeito afirmou que suas declarações foram tiradas de contexto na noite de segunda-feira, 6, em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, ao lado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), após reunião com o diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval de Araújo Feitosa, e representantes de concessionárias, entre elas a Enel, responsável pelo fornecimento de energia na capital. “Tiraram do contexto essa gravação, que vai um pouco mais para a frente, mas não quero polemizar”, afirmou Nunes.
“A Prefeitura nunca fará, nunca pensei em fazer, não existe a mínima hipótese de estipular uma taxa obrigatória. A taxa teria de enviada para a Câmara. Não tem isso. Não tem minuta, não tem discussão sobre isso”.
O enterramento dos cabos é uma das soluções mais adequadas para evitar apagões generalizados em dias de tempestade, de acordo com especialistas. A cidade de São Paulo tem só 7% de sua rede elétrica em formato subterrâneo, segundo a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado (Arsesp). Em 2018, um projeto da Prefeitura previa enterrar 65,2 km de fios e retirar cerca de 3 mil postes até 2018, mas depois a meta foi adiada para 2024.
O prefeito afirmou que os esclarecimentos desta terça-feira não se tratam de um recuo e que a proposta da aplicação de uma taxa opcional havia sido apresentada pela Enel para grupos de moradores que quisessem acelerar o processo. “Em hipótese alguma (foi um recuo). A gente já se vem discutindo mecanismos para enterramento de fios na cidade. Tivemos várias reuniões. As concessionárias se recusam a ter esse gasto, a ter esse investimento. Uma das propostas que a Enel havia trazido desde o ano passado era propor que as pessoas pudessem se cotizar e fazer o pagamento. A Prefeitura poderia usar parte do recurso para incentivar”, disse.
“Talvez que tenha usado o termo errado. Quando você fala em taxa, você fala em obrigação. Tem de mandar para a Câmara. Vira uma lei. Não vai existir isso. Enquanto eu for prefeito, não vai existir taxa para isso”.
Taxa facultativa esbarra em problemas práticos, dizem especialistas
A contribuição facultativa esbarra em questões práticas. Especialistas em Direito Público e juristas ouvidos pelo Estadão observam que a proposta traz mais dúvidas que soluções.
“Quem arrecada: o município, a concessionária de energia ou outra contratada?”, questiona o advogado Frederico Meyer, especialista em Direito Público e sócio do Lara Martins Advogados. O especialista também mostra preocupação sobre a prestação de contas e controle dos recursos que, afinal, serão geridos como verba pública.
Luciana Berardi, professora de Direito Constitucional, lembra que a medida precisa de aprovação legislativa. “Como tem natureza jurídica de imposto, de recolhimento, eu acho que ele precisa de uma boa justificativa para dar continuidade a esse projeto. A vereança tem muita resistência em criar novos impostos que acabem sendo imputados sobre a população”, opina.
O enterramento dos cabos é uma das soluções mais defendidas por especialistas para evitar apagões generalizados em dias de tempestade. O problema é que a rede subterrânea é mais cara e envolve desafios logísticos. A cidade de São Paulo tem só 7% de sua rede elétrica em formato subterrâneo, segundo a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado (Arsesp).
Especialistas veem ainda uma contradição em uma taxa ser “facultativa”. “O tributo é uma contraprestação pecuniária compulsória. Se o gestor fala em voluntariedade, é uma contradição, não é?”, questiona Gladstone Felippo Santana, especialista em Gestão Pública.
“Uma característica marcante de qualquer tributo é não ser facultativo, mas sim compulsório. Se não fosse assim, na prática, raramente alguém se disporia a pagar”, afirma Daniel Moreti, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP) e sócio do Fonseca Moreti Advogados.
Outra dúvida dos especialistas se refere à competência da Prefeitura de São Paulo para legislar sobre o tema. “Precisamos discutir a competência do prefeito para instituir essa contribuição de melhoria. Por isso, ele fala de contribuição de melhoria sobre aterramento de fios. A questão da energia elétrica foge da alçada da legislação municipal e diz respeito ao governo estadual. Então, a meu ver, essa contribuição de melhoria dependeria de lei específica”, diz Berardi.
O professor de Direito Administrativo do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Humberto Cunha, lembra a necessidade de estudos de viabilidade. “Como o serviço público é federal, o que precisaria seria uma interação do município com o Ministério de Minas e Energia, junto com a ANEL, para pensar um mecanismo mais bem elaborado para servir ao interesse dos diversos tipos de consumidores. Mas são necessários estudos e demonstrativos da viabilidade, tentar demonstrar que essa proposta é realmente viável”, afirma o professor.
Questão judicial limita responsabilidade das distribuidoras
Ricardo Nunes afirmou que não consegue exigir das concessionárias o aterramento dos fios. Por uma lei municipal, a distribuidora seria obrigada a enterrar seus cabos, mas há um impedimento judicial para que a regra seja cumprida, explicou Nunes. Como a concessão do serviço de distribuição de energia é federal, as prestadoras utilizam decisão judicial que as desobriga de cumprir a norma municipal. “Se não houvesse essa decisão judicial, já estaríamos fazendo esse trabalho de aterramento’, diz Nunes.
As fortes chuvas deixaram ao menos oito pessoas mortas no Estado. Mais de 40 municípios, incluindo a capital paulista, tiveram ocorrências por queda de árvores. Foram mais de 2 mil chamados para ocorrências de acordo com as defesas civis e o Corpo de Bombeiros em todo o Estado.