BRASÍLIA - O promotor Silvio Marques, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, disse neste sábado, 12, que vai incluir o mais recente apagão em São Paulo, que teve início na sexta-feira, 11, no inquérito que investiga possíveis irregularidades no serviço prestado pela Enel.
Na sexta-feira, 11, um temporal atingiu São Paulo, deixando cerca de 2,1 milhões de endereços sem luz. Na noite deste sábado, cerca de 1,35 milhão continuavam sem energia, de acordo com o último balanço da Enel. O número representa 17% da rede.
A concessionária diz que está atuando com cerca de 1,6 mil técnicos em campo para retomar o serviço. “Desde as chuvas, acompanhadas de ventos de mais de 100 km/h, que atingiram a área de concessão na noite de ontem (sexta-feira), a companhia acionou imediatamente seu plano emergencial”, alega a Enel. “Em alguns casos, o trabalho para restabelecer a energia é mais complexo pois envolve a reconstrução de trechos inteiros da rede.”
De acordo com o promotor, é preciso esperar que a situação seja normalizada para agilizar as providências. Isso porque ele ainda aguarda que o Estado e os municípios atingidos informem sobre os prejuízos causados pelo apagão.
Em novembro de 2023, a Promotoria do Consumidor abriu um inquérito para apurar sobre o apagão daquele mês. O órgão já tratava da questão em outra apuração, aberta ainda em 2019, após a Enel comprar a AES Eletropaulo. No ano passado, o Ministério Público defendeu que a empresa indenizasse todos os 2,1 milhões de imóveis impactados pela falta de energia.
Além do MP, o Procon-SP anunciou neste sábado, 12, que vai notificar a Enel para que explique os motivos da demora para restabelecer o fornecimento de energia elétrica para consumidores de vários bairros de São Paulo e de outras cidades do Estado. Já a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) intimou a Enel, concessionária responsável pelo fornecimento energético em São Paulo, para que apresente justificativas e proposta de adequação imediata do serviço.
Ressarcimento na conta de luz
Advogado especialista no setor, Urias Martiniano Neto, sócio do UMN Advogados, afirma que os consumidores têm direito a um ressarcimento na conta de luz. “Existem índices de interrupção que têm que ser abatidos na conta do consumidor, ou seja, se a distribuidora por algum motivo deixa determinada região ou determinado consumidor sem energia elétrica, ela tem que trazer uma compensação dentro da fatura de energia elétrica”, explica Neto.
Em junho, o Ministério de Minas e Energia editou um decreto que determina que empresas deverão ter compromisso com a qualidade para renovar contratos de concessão. Um dos pontos do decreto estabelece que a eficiência do serviço será verificada a partir de indicadores sobre a frequência e a duração média das interrupções de energia.
Neto aponta que é preciso uma reformulação ampla na regulação do setor elétrico para incentivar as empresas a investirem em mecanismos que evitem crises como essa. De acordo com ele, além das exigências, é preciso que o modelo traga contrapartidas que façam com que as empresas do setor apliquem recursos para melhorar o sistema.
“Na medida em que eu trago mais exigências, eu preciso trazer pelo menos um bônus para imputar essas exigências, porque agora a gente não está falando só de manutenção e operação dessas linhas, a gente precisa fazer reforços, investimentos, modernização e isso impõe investimentos por parte do concessionário que tem como pressuposto algum retorno por esse investimento”, disse.
Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV), analisa que as empresas precisam ter em mente que o mundo está diante de mudanças profundas e se preparar para elas.
“É preciso ter uma gestão não só de crise, mas estrutural para lidar com esses fenômenos. A perspectiva é que isso vai ficar cada vez mais recorrente. A gente está assistindo às mudanças climáticas, então é um novo desafio”, diz.
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Segundo ele, as empresas precisam reavaliar as estratégias adotadas para aumentar a produtividade, que muitas vezes acabaram reduzindo mecanismos que funcionavam como travas de segurança para proteger o sistema de incidentes. Um exemplo é utilizar uma mesma equipe para cuidar de uma área maior, entre outros pontos.
“As concessionárias atuam dentro de um modelo regulatório com uma busca por eficiência muito grande. Então, às vezes, essa busca por eficiência pode levar a estratégias de gestão de custos operacionais como por exemplo limitar ou reduzir redundâncias (que funcionam para garantir a segurança e a eficiência do sistema). Essa estratégia pode te deixar com menos capacidade de respostas”, explica.
Manejo de árvores
Outro ponto trazido pelos especialistas é que a concessionária precisa atuar no manejo de árvores na cidade. A prática consiste em fazer um mapeamento das árvores que estão doentes, mais suscetíveis à queda, e ainda realizar a poda das demais.
“Por exemplo, não deixar as árvores doentes ficarem na cidade. Tem árvores que já estão contaminadas com fungos e quando vem a tempestade, elas caem”, explica Marcos Buckeridge, vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP. “A Enel ajudaria muito participando desse manejo das árvores, financiando projetos não só de manejo, mas de pesquisa para que a gente entenda melhor por que elas caem.”
Ao Estadão, a Enel afirmou que realizou 450 mil podas de janeiro a setembro, cerca de 75% da meta de 600 mil. Os mutirões de poda foram feitos nos 24 municípios em que a companhia atua. A empresa divulgou ainda que pretende investir R$ 20 bilhões em todo Brasil até 2026. O dinheiro será utilizado na contratação de funcionários, aquisição de frota e geradores, entre outros pontos, mas não cita o enterramento de fios. Medidas têm como objetivo minimizar o impacto das mudanças climáticas.