BRASÍLIA - Após o incidente com o jato executivo que fechou a pista do Aeroporto de Congonhas (SP) neste domingo, 9, a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), que representa as companhias, reforçou sua posição pela restrição de aeronaves de baixa performance na pista principal do terminal, localizado na zona sul de São Paulo. Em nota, a Abear afirmou que a restrição de aeronaves de pequeno porte na pista principal, principalmente em horários de pico, é uma “preocupação antiga” da entidade.
Segundo balanço da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), até as 18h30 desta segunda-feira, 296 voos haviam sido cancelados desde o domingo. O órgão prevê realizar nesta sexta-feira, 14, uma reunião para debater a operação de aeronaves de menor porte na pista principal do terminal aéreo. A Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), que representa o outro lado dessa disputa, reagiu e criticou a posição da Abear (mais informações abaixo).
A posição da Abear foi manifestada à Infraero no fim de setembro. De acordo com a associação, no último dia 29 foi enviado um ofício à estatal – que administra Congonhas –, em que a Abear recomendava a adoção “definitiva” da limitação dos aviões de pequeno porte na pista principal.
Na visão da entidade, a medida é necessária tendo em vista que os impactos causados por incidentes afetam “milhares de passageiros em todo o Brasil”. A Abear estima prejuízos financeiros que “ultrapassam milhões de reais”.
Para o contexto atual, após o incidente, além do pedido por uma atualização definitiva nas regras, a entidade quer uma priorização imediata da pista principal para agilizar a recomposição da malha nacional. “E atender os milhares de passageiros que precisam ser transportados ainda hoje e nos próximos dias”, disse a entidade.
Na visão do presidente da Abear, Eduardo Sanovicz, para as empresas de aviação executiva operarem na pista principal de Congonhas, elas deveriam ser submetidas às mesmas regras da aviação comercial. As companhias aéreas são obrigadas a terem equipamentos para, por exemplo, retirar aviões da pista em casos semelhantes ao que ocorreu no domingo.
“A régua para qualquer um operar em Congonhas tem de ser tão alta quanto a nossa. É um aeroporto de altíssima demanda, fundamental para a malha aérea nacional. Ontem, um acidente com um avião que transportava pouquíssimas pessoas afetou mais de 30 mil passageiros. Olha o prejuízo que isso gera: precisa dar hotel e alimentação a esses passageiros”, diz.
Sanovicz defende que as aeronaves de menor porte operem apenas na pista auxiliar do aeroporto. “Esses aviões podem causar vários problemas. Há pouco tempo, um aeromédico derrapou na pista e parou o aeroporto por três horas. Esses pequenos podem causar lentidão no tráfego.”
Questionada sobre o posicionamento da Abear, a Infraero respondeu em nota ao Estadão/Broadcast que o documento do dia 29 foi recebido e que uma reunião para “tratativas sobre o tema” está prevista para a próxima sexta. “Em relação à nota da Abear, a Infraero esclarece que foi recebido o documento da associação e que, conforme sabido por ela, está prevista para a próxima sexta-feira uma reunião para tratativas sobre o tema”, disse.
Além de representantes da Infraero e Abear, estão previstas as participações do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), de companhias aéreas, da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag) e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
“Esclarece-se, ainda, que a Infraero atendeu prontamente à demanda da Abear e convocou todos os entes envolvidos para uma decisão colaborativa, como de costume nesses casos que impactam todo o setor. A Infraero frisa, também, que conta sempre com a costumeira colaboração da referida associação para as melhorias dos procedimentos críticos da administração aeroportuária”, concluiu em nota a estatal.
Associação reage e critica Abear
Em nota, a Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG) defendeu o uso do aeroporto para a aviação regional e de negócios. “Não faz sentido fazer de Congonhas um hub vital para a malha aérea nacional, aumentando slots e planejando ampliações faraônicas, sendo que jamais será possível manter operações de linha aérea em mais de uma pista. Na verdade, faz muito mais sentido deixar Congonhas para os aviões menores do que enxotá-los de lá”.
“A verdadeira vocação de Congonhas não é para grandes jatos com muitos passageiros, há outros aeroportos no entorno de São Paulo, como Guarulhos e Viracopos, verdadeiramente vocacionados para servirem melhor às linhas aéreas e seus usuários”, acrescentou a associação, que criticou a posição da Abear.
A Abag lembrou de episódios envolvendo aeronaves das companhias áreas para questionar a responsabilização atribuída ao jato executivo no caso recente de Congonhas. “É muito mais fácil culpar a aviação de negócios, como se os aviões de linha aérea também não produzissem problemas como este. Há diversos exemplos de eventos com aeronaves de grande porte gerando impraticabilidade prolongada em aeroportos com uma única pista.”
CEO da Latam expõe insatisfação
A insatisfação com as regras atuais foi reforçada pelo CEO da Latam Brasil, Jerome Cadier, nas redes sociais. Em postagem no LinkedIn, o executivo questionou “o que mais deve acontecer em Congonhas” para que decidam não operar com aviões de pequeno porte.
“Aqui deixo minha pergunta final para vocês: o que mais deve acontecer em Congonhas para que decidam não operar com aviação de pequeno porte em um aeroporto tão central para toda a malha aérea do País?”, questionou Cadier.
No texto, o CEO da companhia afirma que, só em função do incidente, entre ontem e hoje, foram mais de 180 voos cancelados, o que impactou quase 30 mil pessoas.
“Tivemos inclusive impacto na saída dos voos internacionais de Guarulhos (GRU-MAD por exemplo foi cancelado porque a tripulação não chegou a tempo) (...) Abrimos para remarcação sem custo para os impactados. Tentamos avisar a todos antes que se deslocassem para o aeroporto. Levamos equipe de outros aeroportos para atender aos passageiros. Levamos água já que não existia capacidade para alimentar a todos no aeroporto. Imaginem o prejuízo financeiro por este incidente, que não é da responsabilidade da Latam”, escreveu Cadier.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o debate sobre a utilização da pista principal do aeroporto pela aviação executiva tem como contexto o espaço cedido a aeronaves de pequeno porte durante a pandemia, devido a ociosidade da pista.
As empresas que oferecem voos regulares, no entanto, chamam atenção para o fato de que a demanda já ter se recomposto em Congonhas. Em julho, já registrava 95,5% do que era operado no mesmo mês em 2019.
O problema para as empresas aéreas, segundo fontes do setor, é que suas operações ficam mais complexas quando precisam dividir a pista com os aviões executivos de baixa performance (monomotores, por exemplo). Enquanto uma aeronave de uma companhia comercial leva cerca de um minuto para decolar, esses aviões menores precisam de um minuto e meio. Assim, eles acabam ocupando mais tempo de pista.
Em períodos normais, a aviação executiva teria direito a duas movimentações (um pouso ou uma decolagem corresponde a uma movimentação) por hora na pista principal do aeroporto de Congonhas, enquanto a comercial, 33. Hoje, as empresas aéreas ainda não estão ocupando todas essas movimentações devido à baixa demanda decorrente da pandemia e, quando a pista está vazia, os controladores aéreos acabam permitindo que aviões executivos pousem na pista principal.
Assim como demoram mais para decolar, os aviões executivos de baixa performance são mais lentos para pousar. Enquanto os jatos se aproximam da pista a quase 280 km/h, as pequenas aeronaves chegam a apenas 160 km/h. No caso de um avião pequeno estar pousando, o controlador pode pedir para que o jato que vem na sequência faça um desvio - o que demanda mais combustível dele.
Ainda que essa aeronave de baixa performance use a pista secundária, o jato seguinte precisará desviar, pois, como as duas pistas são muito próximas, não é possível que dois aviões pousem simultaneamente no aeroporto. “O aeroporto é muito concorrido e são usadas movimentações preciosas, em que 170 passageiros poderiam ser transportados, para levar às vezes três passageiros”, diz um executivo do setor.
O avião envolvido no incidente de domingo era um jato, ou seja, tem uma performance similar a uma aeronave das companhias aéreas. Aí, o que as empresas de aviação comercial questionam é que, delas, é exigido um padrão mais elevado para se operar no aeroporto e o mesmo deveria ser demandado da aviação executiva.
A companhia que atua no segmento executivo, por exemplo, não precisa ter o equipamento que retira o avião da pista caso ele tenha algum problema como o ocorrido no domingo. Nesse caso do fim de semana, por exemplo, foram necessárias nove horas para retirar a aeronave da pista porque foi preciso contratar uma empresa para fazer o serviço e o equipamento acabou vindo do Aeroporto de Viracopos, em Campinas.
Vencedor da concessão foi conhecido em agosto; pousos e decolagens podem aumentar
O aeroporto de Congonhas poderá operar 44 movimentos de pouso e decolagem por hora a partir de 26 de março do próximo ano, ante o limite atual de 41 operações. A declaração da nova capacidade, formalizada pela estatal Infraero, que opera o terminal, foi publicada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em agosto, Congonhas foi arrematado pela espanhola Aena no leilão da 7.ª rodada de concessões aeroportuárias.
A expansão no aeroporto é debatida há tempos no segmento e, nos bastidores, é marcada por uma animosidade entre as empresas. O acréscimo de pousos e decolagens abre espaço para outras companhias, como a Azul, aumentarem suas operações no terminal, onde Gol e Latam são dominantes.
No início deste mês, o secretário Nacional da Secretaria de Aviação Civil (SAC) do Ministério da Infraestrutura, Ronei Glanzmann, afirmou que a internacionalização do terminal paulistano vai sair nos próximos anos. Segundo ele, o primeiro passo para esse processo será a certificação para voos internacionais da aviação geral (antiga aviação executiva), o que deve acontecer ainda este ano.
“O terminal tem quase 1,9 mil metros de pista, consegue decolar tranquilamente voos para Buenos Aires (Argentina), Montevidéu (Uruguai) e Santiago (Chile). Vemos grande potencial para o desenvolvimento do tráfego na região, o que estamos chamando de ponte aérea da América do Sul”, afirmou Glanzmann na oportunidade.
O grupo espanhol Aena, que já opera seis aeroportos do Brasil, vai incluir em seu portfólio o segundo aeroporto mais movimentado do Brasil. A empresa arrematou, em leilão realizado em agosto o bloco que inclui Congonhas, em São Paulo, além de outras dez unidades menores espalhadas pelo País. O lance foi de R$ 2,45 bilhões, com um ágio de 231% em relação à outorga mínima estabelecida, de R$ 740,1 milhões. Foi o único lance dado pelo bloco.
A companhia espanhola já atua no Brasil administrando os terminais de Maceió, Recife, João Pessoa, Aracaju, Juazeiro do Norte e Campina Grande. Todos foram arrematados na 5.ª rodada de concessão de aeroportos, em 2019.
O incidente
O pneu do trem de pouso traseiro do Learjet 75 prefixo PP-MIX, que vinha de Foz do Iguaçu (PR), estourou após o pouso, a aeronave saiu da pista e foi parar rente ao limite, já ao lado da Avenida Washington Luís. Cinco pessoas estavam a bordo, mas não ficaram feridas, segundo a Infraero. As operações do aeroporto só foram retomadas após as 22h, quase nove horas depois do incidente.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que quando há “uma ocorrência aeronáutica, ou seja, um incidente, incidente grave ou acidente, o Cenipa tem prioridade no levantamento das informações julgadas necessárias para a investigação”. “Até o Cenipa autorizar, a aeronave não pode ser removida. Após a liberação da aeronave pelo Cenipa, a responsabilidade é do operador de remover a aeronave. O operador aeroportuário tem a possibilidade de realizar a remoção em caso de ‘inação’ do operador da aeronave.”