SÃO PAULO - Dezembro de 2016. O então açougueiro Daniel da Silva, de 28 anos, desce de um ônibus na Rodoviária do Tietê, vindo de São José dos Campos. Compra cinco pedras de crack nas imediações e vai a pé para a Cracolândia. Está lá até hoje.
A história do rapaz se junta à de centenas de usuários de drogas que se amontoavam no “fluxo” de viciados na Rua Helvétia e na Alameda Dino Bueno e que, hoje, se espalham por vários pontos da cidade, principalmente na Praça Princesa Isabel.
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Ex-açougueiro, Daniel da Silva, de 28 anos, vive na região há seis anos.
A reportagem conheceu Silva na praça. Sozinho, ele estava sentado em um banco, pensativo. Sem fazer cerimônia, começou a conversar. “Este lugar vai ficar cada vez mais cheio de usuários. Todo mundo que tava lá (na Alameda Dino Bueno) veio pra cá”, disse ele. O Estado o acompanhou durante toda a semana.
Silva começou a usar drogas aos 13 anos, na Bahia, onde morava com a avó. Filho único, perdeu a mãe quando tinha apenas 9 anos. “Eu experimentei maconha, depois fui para a cocaína. O crack, eu conheci com 18 anos. A sensação é indescritível, embora dure menos de dez segundos”, ressaltou.
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Por causa do vício, Silva saiu da casa da avó aos 23 anos e foi para São José dos Campos, no interior de São Paulo. Primeiro, ficou em uma clínica de recuperação. Passou um ano e meio “limpo”. Conseguiu, então, um emprego de açougueiro. “Comecei a trabalhar e a crescer profissionalmente. Conseguia ganhar R$ 3 mil por mês. Em pouco tempo, aluguei uma casa e financiei um carro, mas as pequenas pedras acabaram com tudo.”
Segundo ele, após uma discussão no trabalho, decidiu fumar uma pedra de crack. “Foi o excesso de confiança de que eu podia usar uma vez só e parar. Mas, naquele dia, eu também decidi conhecer a Cracolândia. Peguei um ônibus e vim para São Paulo. Perto do Tietê, comprei cinco pedras e não parei mais.”
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No ‘fluxo’. Silva lembra de ter chegado à Alameda Dino Bueno numa madrugada. No começo, teve medo. A aparência dos usuários o assustou. “Não imaginava que eram tantas pessoas assim. Por causa disso, ficava à vontade para usar o crack. Perto de mim havia outra pessoa fazendo a mesma coisa.”
Mas ele se adaptou rapidamente. Durante dez dias, fumou uma pedra de crack atrás da outra. Quando percebeu, tinha perdido todas as economias: R$ 12 mil. “A partir daí, eu vi que estava sem emprego, casa, documento, tudo. Passei a me desfazer das roupas e calçados até ficar sem nada.”
A convivência na Cracolândia lhe ensinou alguns cuidados. Segundo ele, um usuário nunca fuma crack sem estar encostado na parede. “Isso impede de ser atacado pelas costas. Já fui roubado assim”, contou. Sem dinheiro e trabalho, Silva sobrevive na Cracolândia como catador de latinhas e fazendo “corre” para outros viciados. “Eu, às vezes, sou procurado para buscar pedra para outro usuário que chega aqui de carrão. Ganho uma comissão”, explica.
Silva afirma que guardará as imagens do “fluxo” que já não existe no quadrilátero do crack. “Era um bando de zumbis, eu inclusive, andando de um lado para o outro.”
Susto com as bombas. No dia da megaoperação policial, que contou com 900 agentes e helicópteros, Silva havia usado crack algumas horas antes. “Foi a última vez... Eu lembro que me assustei com as bombas. Tivemos de correr para a avenida (Duque de Caxias), tinha muitos policiais.”
Quando falou com o Estado pela primeira vez, na terça-feira, Silva estava havia dois dias sem fumar. “Se a Cracolândia vai acabar? Pode ser que acabe, mas o crack nunca vai acabar, o tráfico nunca vai acabar, porque existe o usuário.”