Ataque em SP: ‘Foi um instinto, não esperava isso em uma escola’, diz professora que parou agressor


Cinthia Barbosa, de 37 anos, é ex-jogadora profissional de basquete e já deu aula na Fundação Casa, para onde o adolescente foi encaminhado após o atentado

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

Responsável por parar o agressor e evitar uma tragédia ainda maior em uma escola na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo, a professora de Educação Física Cinthia Barbosa, de 37 anos, é ex-jogadora profissional de basquete e já deu aula na Fundação Casa, justamente para onde o adolescente foi encaminhado após o atentado. Docente na Escola Estadual Thomazia Montoro há pouco mais de dois anos, ela conta que agiu intuitivamente quando tentou dominar o agressor.

“Foi um instinto, não esperava isso (o ataque) em uma escola”, diz Cinthia, em entrevista ao Estadão. Imagens de câmeras de segurança da escola mostram a professora imobilizando o aluno, de 13 anos, com um “mata-leão”, e impossibilitando que ele continuasse a desferir golpes na professora Ana Célia Rosa, uma das quatro pessoas que ficaram feridas – uma outra docente, de 71 anos, não resistiu. Enquanto isso, a coordenadora pedagógica Sandra Mendes retirou a faca da mão do aluno.

Cinthia Barbosa, de 37 anos, é ex-jogadora profissional de basquete e já deu aula na Fundação Casa Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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Cinthia conta que chegou por volta de 6h50 na escola naquela segunda-feira, 27, o dia do atentado. Após pegar o material na sala administrativa, foi ministrar uma aula para o 7.º ano. Pouco depois, começou a ouvir um barulho alto vindo de fora. “Até pensei que fosse a dinâmica que algum professor estivesse utilizando, porque às vezes a gente faz rodas de conversa entre alunos e afasta as carteiras”, diz. “Mas o barulho não cessava, não passava, estava continuando.”

A professora diz que havia uma adulta na sala, que estava acompanhando uma estudante por um período. “Eu pedi para que ela ficasse, por favor, com meus alunos enquanto eu iria ver o que estava acontecendo”, relembra. “Quando eu vi os alunos correndo lá fora e tudo mais, falei para ela: ‘A senhora deixa a porta fechada e só abre na hora que eu bater’.”

Cinthia, então, foi correndo em direção às escadas, divididas em dois lances. A professora explica que a escola tem dez salas de aula: cinco no andar de baixo, onde ela estava dando aula, e a mesma quantidade em cima, de onde vinham os gritos. “Subi o primeiro lance, os alunos estavam descendo correndo, e subi o segundo, aí encontrei meus colegas de trabalho”, disse. “Eles falaram que tinha alguém armado, eu lembro que perguntei o que era, se faca ou outra arma, mas não souberam dizer.”

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A professora diz que hesitou por alguns segundos, mas que ainda assim decidiu ir para onde tinham indicado que estava ocorrendo os ataques: na terceira sala do corredor. Segundo a polícia, o atentado teve início por lá – onde a professora Elisabeth Tenreiro foi assassinada –, depois o agressor teria se dirigido para uma segunda sala e, na sequência, voltado para o local onde tinha começado.

“Fui lá e, quando olhei de frente, vi a professora Elisabeth deitada no chão. E a Ana Célia estava com ele, ele estava segurando a Ana Célia e esfaqueando a professora”, disse Cinthia. “Eu tentei parar ele, fui por trás e segurei ele. E minha coordenadora, Sandra Mendes, já entrou na sequência. Falei para ela: ‘Tira a faca, tira a faca, tira a faca’. Ela tirou a faca dele e abaixou a máscara. Retirou a touca e viu que era nosso aluno.”

Essas imagens foram capturadas por câmeras de segurança da escola. Cinthia conta que, na sequência, ela e o aluno se desequilibraram e caíram no chão, mas a professora continuou o imobilizando. “Perguntei para ele: ‘Você tem mais alguma coisa? Está com mais alguma arma?’. Ele falou não. Perguntei se estava sozinho, ele disse que sim. Aí já levantei e levei ele lá para fora para a gente descer para a sala da direção da escola.”

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'Foi um instinto, não esperava isso em uma escola”, disse Cinthia Barbosa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A professora disse ter mantido o aluno por lá até a chegada da Polícia Militar, minutos depois. Nesse meio tempo, Cinthia diz que o aluno pouco se expressou. “Eu lembro que algumas coisas ele até falou, que queria vingança por causa de bullying, ele falava que já queria fazer isso por algum problema com a família, alguma coisa assim ele falou”, afirmou. Conforme o delegado Marcos Vinicius Reis, que cuida do caso, o adolescente disse, em depoimento, que o ataque teria sido motivado por bullying.

Professora virou camisa para esconder sangue dos alunos

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Depois da chegada dos policiais, Cinthia conta que foi às pressas até onde estavam os alunos dela. Mas, antes, tomou o cuidado de deixar a parte de frente da camisa para trás. “Virei a camiseta porque estava com marcas de sangue, era uma camiseta branca. Virei para os meus alunos não verem aquilo. Como que você fala que está tudo bem com a camisa daquele jeito?”

Virei a camiseta porque estava com marcas de sangue, era uma camiseta branca. Virei para os meus alunos não verem aquilo. Como que você fala que está tudo bem com a camisa daquele jeito?

Cinthia Barbosa, professora

Em seguida, ela bateu na porta e disse que era ela, como tinha combinado quando saiu. “A senhora abriu e falei para ficarem tranquilos. Que tinha tido um problema com duas professoras, mas que estava tudo bem”, disse. Os estudantes, conta, estavam especialmente aflitos porque, das janelas da sala em que estavam, dava para ver o estacionamento da escola, por onde outros alunos corriam apavorados.

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‘Eu só queria tirar ele dali, fui para tirar ele dali’

Cinthia conta que, quando entrou na sala de aula para conter o agressor, não conseguiu determinar qual era o estado de saúde das professoras. “Eu só queria tirar ele dali, fui para tirar ele dali. Não me atentei de fato se a professora Beth (Elisabeth Tenreiro) estava desmaiada. Para mim, ela estava deitada fingindo, não sei, fingindo qualquer outra coisa para fugir do risco”, disse.

Só depois, conta a professora, ela foi ter dimensão do que tinha acontecido na escola. Um dia depois do enterro de Elisabeth Tenreiro, ela relembra da professora com carinho. “Ela era bastante comunicativa, a gente se falava sempre”, diz. “Logo que ela entrou na escola, estava sem armário ainda. E eu falava para ela para pôr as coisas no meu. Aí a gente compartilhou por um tempo o armário.”

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Cinthia não se considera uma heroína

Ainda na segunda, após a repercussão das imagens de Cinthia e Sandra contendo o agressor, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, chamou as duas de “heroínas”. “Eu não me enxergo dessa forma. Acho que a nossa função, e a minha função, como professora é poder estar auxiliando os alunos em tudo que é possível”, diz ela, que descreve o autor dos ataques como introspectivo.

“É óbvio que a gente não tem acesso a tudo. O aluno já tinha anotações de outras escolas, são questões que eram desconhecidas por mim, mas eu como educadora busco formar o cidadão como um todo, não evitar que coisas aconteçam diretamente. Eu procuro trabalhar com meus alunos justamente valores para que isso não aconteça”, continua.

Professora se dedicou ao basquete por 14 anos

Antes de lecionar, ofício que exerce há quase cinco anos, Cinthia dedicou a carreira ao basquete e deu aula por um ano e meio na Fundação Casa, para onde o agressor foi encaminhado. “Eu não escolhi ser professora, foram as próprias atuações da vida que foram me encaminhando para eu acabar no segmento da educação. Desde pequena, sempre gostei muito de movimento, de esportes”, diz.

Ala-pivô, ela fez carreira no basquete por 14 anos (começou nas categorias de base quando tinha 12) e teve passagens por clubes profissionais de Suzano, Uberaba e Ribeirão Preto. “Fui convocada para a seleção brasileira, o treinador era o (Antônio Carlos) Barbosa naquela época”, diz ela, relembrando da evolução da carreira no começo dos anos 2000. Nos últimos anos de esporte, ela conseguiu uma bolsa de estudos e fez Educação Física. Hoje, além de lecionar, também atua no Instituto Superação, voltado para a formação de crianças e adolescentes por meio do esporte.

Cinthia diz que não pretende se deixar desanimar de dar aula. “Eu penso que eu tenho que ter força. A gente cria planos, cria sonhos, infelizmente esse é um processo muito grande”, diz. “Voltar depois do que aconteceu não é uma readaptação tão simples. Na pandemia, todos perdemos. Alguém perdeu alguém próximo, um conhecido. Nesse caso, eu perdi uma companheira de trabalho diretamente. Não posso falar que vai ser fácil, que vai ser difícil, mas eu estou disposta a tentar.”

Responsável por parar o agressor e evitar uma tragédia ainda maior em uma escola na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo, a professora de Educação Física Cinthia Barbosa, de 37 anos, é ex-jogadora profissional de basquete e já deu aula na Fundação Casa, justamente para onde o adolescente foi encaminhado após o atentado. Docente na Escola Estadual Thomazia Montoro há pouco mais de dois anos, ela conta que agiu intuitivamente quando tentou dominar o agressor.

“Foi um instinto, não esperava isso (o ataque) em uma escola”, diz Cinthia, em entrevista ao Estadão. Imagens de câmeras de segurança da escola mostram a professora imobilizando o aluno, de 13 anos, com um “mata-leão”, e impossibilitando que ele continuasse a desferir golpes na professora Ana Célia Rosa, uma das quatro pessoas que ficaram feridas – uma outra docente, de 71 anos, não resistiu. Enquanto isso, a coordenadora pedagógica Sandra Mendes retirou a faca da mão do aluno.

Cinthia Barbosa, de 37 anos, é ex-jogadora profissional de basquete e já deu aula na Fundação Casa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Cinthia conta que chegou por volta de 6h50 na escola naquela segunda-feira, 27, o dia do atentado. Após pegar o material na sala administrativa, foi ministrar uma aula para o 7.º ano. Pouco depois, começou a ouvir um barulho alto vindo de fora. “Até pensei que fosse a dinâmica que algum professor estivesse utilizando, porque às vezes a gente faz rodas de conversa entre alunos e afasta as carteiras”, diz. “Mas o barulho não cessava, não passava, estava continuando.”

A professora diz que havia uma adulta na sala, que estava acompanhando uma estudante por um período. “Eu pedi para que ela ficasse, por favor, com meus alunos enquanto eu iria ver o que estava acontecendo”, relembra. “Quando eu vi os alunos correndo lá fora e tudo mais, falei para ela: ‘A senhora deixa a porta fechada e só abre na hora que eu bater’.”

Cinthia, então, foi correndo em direção às escadas, divididas em dois lances. A professora explica que a escola tem dez salas de aula: cinco no andar de baixo, onde ela estava dando aula, e a mesma quantidade em cima, de onde vinham os gritos. “Subi o primeiro lance, os alunos estavam descendo correndo, e subi o segundo, aí encontrei meus colegas de trabalho”, disse. “Eles falaram que tinha alguém armado, eu lembro que perguntei o que era, se faca ou outra arma, mas não souberam dizer.”

A professora diz que hesitou por alguns segundos, mas que ainda assim decidiu ir para onde tinham indicado que estava ocorrendo os ataques: na terceira sala do corredor. Segundo a polícia, o atentado teve início por lá – onde a professora Elisabeth Tenreiro foi assassinada –, depois o agressor teria se dirigido para uma segunda sala e, na sequência, voltado para o local onde tinha começado.

“Fui lá e, quando olhei de frente, vi a professora Elisabeth deitada no chão. E a Ana Célia estava com ele, ele estava segurando a Ana Célia e esfaqueando a professora”, disse Cinthia. “Eu tentei parar ele, fui por trás e segurei ele. E minha coordenadora, Sandra Mendes, já entrou na sequência. Falei para ela: ‘Tira a faca, tira a faca, tira a faca’. Ela tirou a faca dele e abaixou a máscara. Retirou a touca e viu que era nosso aluno.”

Essas imagens foram capturadas por câmeras de segurança da escola. Cinthia conta que, na sequência, ela e o aluno se desequilibraram e caíram no chão, mas a professora continuou o imobilizando. “Perguntei para ele: ‘Você tem mais alguma coisa? Está com mais alguma arma?’. Ele falou não. Perguntei se estava sozinho, ele disse que sim. Aí já levantei e levei ele lá para fora para a gente descer para a sala da direção da escola.”

'Foi um instinto, não esperava isso em uma escola”, disse Cinthia Barbosa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A professora disse ter mantido o aluno por lá até a chegada da Polícia Militar, minutos depois. Nesse meio tempo, Cinthia diz que o aluno pouco se expressou. “Eu lembro que algumas coisas ele até falou, que queria vingança por causa de bullying, ele falava que já queria fazer isso por algum problema com a família, alguma coisa assim ele falou”, afirmou. Conforme o delegado Marcos Vinicius Reis, que cuida do caso, o adolescente disse, em depoimento, que o ataque teria sido motivado por bullying.

Professora virou camisa para esconder sangue dos alunos

Depois da chegada dos policiais, Cinthia conta que foi às pressas até onde estavam os alunos dela. Mas, antes, tomou o cuidado de deixar a parte de frente da camisa para trás. “Virei a camiseta porque estava com marcas de sangue, era uma camiseta branca. Virei para os meus alunos não verem aquilo. Como que você fala que está tudo bem com a camisa daquele jeito?”

Virei a camiseta porque estava com marcas de sangue, era uma camiseta branca. Virei para os meus alunos não verem aquilo. Como que você fala que está tudo bem com a camisa daquele jeito?

Cinthia Barbosa, professora

Em seguida, ela bateu na porta e disse que era ela, como tinha combinado quando saiu. “A senhora abriu e falei para ficarem tranquilos. Que tinha tido um problema com duas professoras, mas que estava tudo bem”, disse. Os estudantes, conta, estavam especialmente aflitos porque, das janelas da sala em que estavam, dava para ver o estacionamento da escola, por onde outros alunos corriam apavorados.

‘Eu só queria tirar ele dali, fui para tirar ele dali’

Cinthia conta que, quando entrou na sala de aula para conter o agressor, não conseguiu determinar qual era o estado de saúde das professoras. “Eu só queria tirar ele dali, fui para tirar ele dali. Não me atentei de fato se a professora Beth (Elisabeth Tenreiro) estava desmaiada. Para mim, ela estava deitada fingindo, não sei, fingindo qualquer outra coisa para fugir do risco”, disse.

Só depois, conta a professora, ela foi ter dimensão do que tinha acontecido na escola. Um dia depois do enterro de Elisabeth Tenreiro, ela relembra da professora com carinho. “Ela era bastante comunicativa, a gente se falava sempre”, diz. “Logo que ela entrou na escola, estava sem armário ainda. E eu falava para ela para pôr as coisas no meu. Aí a gente compartilhou por um tempo o armário.”

Cinthia não se considera uma heroína

Ainda na segunda, após a repercussão das imagens de Cinthia e Sandra contendo o agressor, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, chamou as duas de “heroínas”. “Eu não me enxergo dessa forma. Acho que a nossa função, e a minha função, como professora é poder estar auxiliando os alunos em tudo que é possível”, diz ela, que descreve o autor dos ataques como introspectivo.

“É óbvio que a gente não tem acesso a tudo. O aluno já tinha anotações de outras escolas, são questões que eram desconhecidas por mim, mas eu como educadora busco formar o cidadão como um todo, não evitar que coisas aconteçam diretamente. Eu procuro trabalhar com meus alunos justamente valores para que isso não aconteça”, continua.

Professora se dedicou ao basquete por 14 anos

Antes de lecionar, ofício que exerce há quase cinco anos, Cinthia dedicou a carreira ao basquete e deu aula por um ano e meio na Fundação Casa, para onde o agressor foi encaminhado. “Eu não escolhi ser professora, foram as próprias atuações da vida que foram me encaminhando para eu acabar no segmento da educação. Desde pequena, sempre gostei muito de movimento, de esportes”, diz.

Ala-pivô, ela fez carreira no basquete por 14 anos (começou nas categorias de base quando tinha 12) e teve passagens por clubes profissionais de Suzano, Uberaba e Ribeirão Preto. “Fui convocada para a seleção brasileira, o treinador era o (Antônio Carlos) Barbosa naquela época”, diz ela, relembrando da evolução da carreira no começo dos anos 2000. Nos últimos anos de esporte, ela conseguiu uma bolsa de estudos e fez Educação Física. Hoje, além de lecionar, também atua no Instituto Superação, voltado para a formação de crianças e adolescentes por meio do esporte.

Cinthia diz que não pretende se deixar desanimar de dar aula. “Eu penso que eu tenho que ter força. A gente cria planos, cria sonhos, infelizmente esse é um processo muito grande”, diz. “Voltar depois do que aconteceu não é uma readaptação tão simples. Na pandemia, todos perdemos. Alguém perdeu alguém próximo, um conhecido. Nesse caso, eu perdi uma companheira de trabalho diretamente. Não posso falar que vai ser fácil, que vai ser difícil, mas eu estou disposta a tentar.”

Responsável por parar o agressor e evitar uma tragédia ainda maior em uma escola na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo, a professora de Educação Física Cinthia Barbosa, de 37 anos, é ex-jogadora profissional de basquete e já deu aula na Fundação Casa, justamente para onde o adolescente foi encaminhado após o atentado. Docente na Escola Estadual Thomazia Montoro há pouco mais de dois anos, ela conta que agiu intuitivamente quando tentou dominar o agressor.

“Foi um instinto, não esperava isso (o ataque) em uma escola”, diz Cinthia, em entrevista ao Estadão. Imagens de câmeras de segurança da escola mostram a professora imobilizando o aluno, de 13 anos, com um “mata-leão”, e impossibilitando que ele continuasse a desferir golpes na professora Ana Célia Rosa, uma das quatro pessoas que ficaram feridas – uma outra docente, de 71 anos, não resistiu. Enquanto isso, a coordenadora pedagógica Sandra Mendes retirou a faca da mão do aluno.

Cinthia Barbosa, de 37 anos, é ex-jogadora profissional de basquete e já deu aula na Fundação Casa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Cinthia conta que chegou por volta de 6h50 na escola naquela segunda-feira, 27, o dia do atentado. Após pegar o material na sala administrativa, foi ministrar uma aula para o 7.º ano. Pouco depois, começou a ouvir um barulho alto vindo de fora. “Até pensei que fosse a dinâmica que algum professor estivesse utilizando, porque às vezes a gente faz rodas de conversa entre alunos e afasta as carteiras”, diz. “Mas o barulho não cessava, não passava, estava continuando.”

A professora diz que havia uma adulta na sala, que estava acompanhando uma estudante por um período. “Eu pedi para que ela ficasse, por favor, com meus alunos enquanto eu iria ver o que estava acontecendo”, relembra. “Quando eu vi os alunos correndo lá fora e tudo mais, falei para ela: ‘A senhora deixa a porta fechada e só abre na hora que eu bater’.”

Cinthia, então, foi correndo em direção às escadas, divididas em dois lances. A professora explica que a escola tem dez salas de aula: cinco no andar de baixo, onde ela estava dando aula, e a mesma quantidade em cima, de onde vinham os gritos. “Subi o primeiro lance, os alunos estavam descendo correndo, e subi o segundo, aí encontrei meus colegas de trabalho”, disse. “Eles falaram que tinha alguém armado, eu lembro que perguntei o que era, se faca ou outra arma, mas não souberam dizer.”

A professora diz que hesitou por alguns segundos, mas que ainda assim decidiu ir para onde tinham indicado que estava ocorrendo os ataques: na terceira sala do corredor. Segundo a polícia, o atentado teve início por lá – onde a professora Elisabeth Tenreiro foi assassinada –, depois o agressor teria se dirigido para uma segunda sala e, na sequência, voltado para o local onde tinha começado.

“Fui lá e, quando olhei de frente, vi a professora Elisabeth deitada no chão. E a Ana Célia estava com ele, ele estava segurando a Ana Célia e esfaqueando a professora”, disse Cinthia. “Eu tentei parar ele, fui por trás e segurei ele. E minha coordenadora, Sandra Mendes, já entrou na sequência. Falei para ela: ‘Tira a faca, tira a faca, tira a faca’. Ela tirou a faca dele e abaixou a máscara. Retirou a touca e viu que era nosso aluno.”

Essas imagens foram capturadas por câmeras de segurança da escola. Cinthia conta que, na sequência, ela e o aluno se desequilibraram e caíram no chão, mas a professora continuou o imobilizando. “Perguntei para ele: ‘Você tem mais alguma coisa? Está com mais alguma arma?’. Ele falou não. Perguntei se estava sozinho, ele disse que sim. Aí já levantei e levei ele lá para fora para a gente descer para a sala da direção da escola.”

'Foi um instinto, não esperava isso em uma escola”, disse Cinthia Barbosa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A professora disse ter mantido o aluno por lá até a chegada da Polícia Militar, minutos depois. Nesse meio tempo, Cinthia diz que o aluno pouco se expressou. “Eu lembro que algumas coisas ele até falou, que queria vingança por causa de bullying, ele falava que já queria fazer isso por algum problema com a família, alguma coisa assim ele falou”, afirmou. Conforme o delegado Marcos Vinicius Reis, que cuida do caso, o adolescente disse, em depoimento, que o ataque teria sido motivado por bullying.

Professora virou camisa para esconder sangue dos alunos

Depois da chegada dos policiais, Cinthia conta que foi às pressas até onde estavam os alunos dela. Mas, antes, tomou o cuidado de deixar a parte de frente da camisa para trás. “Virei a camiseta porque estava com marcas de sangue, era uma camiseta branca. Virei para os meus alunos não verem aquilo. Como que você fala que está tudo bem com a camisa daquele jeito?”

Virei a camiseta porque estava com marcas de sangue, era uma camiseta branca. Virei para os meus alunos não verem aquilo. Como que você fala que está tudo bem com a camisa daquele jeito?

Cinthia Barbosa, professora

Em seguida, ela bateu na porta e disse que era ela, como tinha combinado quando saiu. “A senhora abriu e falei para ficarem tranquilos. Que tinha tido um problema com duas professoras, mas que estava tudo bem”, disse. Os estudantes, conta, estavam especialmente aflitos porque, das janelas da sala em que estavam, dava para ver o estacionamento da escola, por onde outros alunos corriam apavorados.

‘Eu só queria tirar ele dali, fui para tirar ele dali’

Cinthia conta que, quando entrou na sala de aula para conter o agressor, não conseguiu determinar qual era o estado de saúde das professoras. “Eu só queria tirar ele dali, fui para tirar ele dali. Não me atentei de fato se a professora Beth (Elisabeth Tenreiro) estava desmaiada. Para mim, ela estava deitada fingindo, não sei, fingindo qualquer outra coisa para fugir do risco”, disse.

Só depois, conta a professora, ela foi ter dimensão do que tinha acontecido na escola. Um dia depois do enterro de Elisabeth Tenreiro, ela relembra da professora com carinho. “Ela era bastante comunicativa, a gente se falava sempre”, diz. “Logo que ela entrou na escola, estava sem armário ainda. E eu falava para ela para pôr as coisas no meu. Aí a gente compartilhou por um tempo o armário.”

Cinthia não se considera uma heroína

Ainda na segunda, após a repercussão das imagens de Cinthia e Sandra contendo o agressor, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, chamou as duas de “heroínas”. “Eu não me enxergo dessa forma. Acho que a nossa função, e a minha função, como professora é poder estar auxiliando os alunos em tudo que é possível”, diz ela, que descreve o autor dos ataques como introspectivo.

“É óbvio que a gente não tem acesso a tudo. O aluno já tinha anotações de outras escolas, são questões que eram desconhecidas por mim, mas eu como educadora busco formar o cidadão como um todo, não evitar que coisas aconteçam diretamente. Eu procuro trabalhar com meus alunos justamente valores para que isso não aconteça”, continua.

Professora se dedicou ao basquete por 14 anos

Antes de lecionar, ofício que exerce há quase cinco anos, Cinthia dedicou a carreira ao basquete e deu aula por um ano e meio na Fundação Casa, para onde o agressor foi encaminhado. “Eu não escolhi ser professora, foram as próprias atuações da vida que foram me encaminhando para eu acabar no segmento da educação. Desde pequena, sempre gostei muito de movimento, de esportes”, diz.

Ala-pivô, ela fez carreira no basquete por 14 anos (começou nas categorias de base quando tinha 12) e teve passagens por clubes profissionais de Suzano, Uberaba e Ribeirão Preto. “Fui convocada para a seleção brasileira, o treinador era o (Antônio Carlos) Barbosa naquela época”, diz ela, relembrando da evolução da carreira no começo dos anos 2000. Nos últimos anos de esporte, ela conseguiu uma bolsa de estudos e fez Educação Física. Hoje, além de lecionar, também atua no Instituto Superação, voltado para a formação de crianças e adolescentes por meio do esporte.

Cinthia diz que não pretende se deixar desanimar de dar aula. “Eu penso que eu tenho que ter força. A gente cria planos, cria sonhos, infelizmente esse é um processo muito grande”, diz. “Voltar depois do que aconteceu não é uma readaptação tão simples. Na pandemia, todos perdemos. Alguém perdeu alguém próximo, um conhecido. Nesse caso, eu perdi uma companheira de trabalho diretamente. Não posso falar que vai ser fácil, que vai ser difícil, mas eu estou disposta a tentar.”

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