Dez cemitérios de São Paulo apresentam ossos humanos não identificados e restos de material fúnebre misturados às obras de escavação em vistorias realizadas por auditores do Tribunal de Contas do Município (TCM), segundo informou o órgão de fiscalização nesta quarta-feira, 27.
A Cortel SP, uma das concessionárias, disse que não iria comentar o relatório, pois não teve acesso ao documento. Diz ainda ter investido R$ 50 milhões em manutenção, zeladoria e reformas. A Consolare afirma seguir as normas ambientais e autorizações junto aos órgãos competentes. Já a Velar SP diz que a vistoria não aponta despojos humanos ou restos mortais, como ossos, em unidades sob sua gestão. Procuradas, o grupo Maya e a Prefeitura ainda não falaram.
A concessão dos cemitérios à iniciativa privada tem sido alvo de queixas, desde a cobrança de preços abusivos para velórios e sepultamentos, falta de transparência sobre gratuidade até os valores pela cobrança por manutenção.
Após pedido do PCdoB, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que os cemitérios retomem os preços dos serviços funerários praticados antes da concessão. O ministro fala em “práticas mercantis” em desacordo com “preceitos constitucionais”. A medida depende do aval do plenário do STF para ser mantida.
Sobre a decisão de Dino, as concessionárias do serviço dizem seguir “rigorosamente as diretrizes e a política tarifária definida no edital de concessão’ e afirmam divulgar as gratuidades. Já a Prefeitura diz que a transferência da gestão para a iniciativa privada melhora a eficiência e a qualidade do setor. A gestão Ricardo Nunes (MDB) ainda chamou a liminar do ministro do Supremo de “retrocesso”.
O relatório da auditoria mostra que as empresas responsáveis pela administração dos serviços funerários estão realizando obras nas quadras gerais, onde os sepultamentos eram feitos em contato direto do caixão com o solo – a prática já foi abolida. Isso significaria, portanto, que as escavações estão sendo feitas sem as exumações prévias.
A gravidade da situação, na avaliação dos auditores, motivou a convocação de uma reunião com a SP Regula, agência pública responsável pela fiscalização da execução dos serviços prestados pelas concessionárias, para esta quinta-feira, 28.
Os cemitérios Vila Formosa, da concessionária Consolare, Campo Grande (Grupo Maya) e Dom Bosco (Cortel) apresentaram encostas de terreno com partes de esqueletos humanos após a ação de retroescavadeiras, segundo a fiscalização. Na Vila Formosa, um crânio foi visto solto no solo, de acordo com os auditores.
Sobre a unidade da Vila Formosa, na zona leste, a Consolare diz ter iniciado em 2023 a construção de gavetas de concreto, cessando os sepultamentos que até então eram feitos em cova rasa - diretamente na terra - havia há 70 anos.
Foram realizadas as exumações de todos os despojos identificados no local e os mesmos foram devidamente documentados e armazenados em ossários.
“Nesse processo, a Consolare identificou em meio a terra outros ossos não identificados, fruto de uma prática antiga de refunda (onde os ossos eram reenterrados em profundidade maior). Foi destinada pela Consolare uma equipe de exumação dedicada a essas áreas, uma vez que esses despojos não possuem identificação nos livros de registros e por isso não estão mapeados nas exumações prévias. Esses ossos estão sendo armazenados em ossário geral seguindo as regulamentações vigentes”, acrescenta.
A Consolare informa ainda, que já foram construídas mais de 11 mil gavetas de concreto na unidade, além de outras melhorias e obras.
Já no cemitério São Pedro (Velar), foram encontrados resíduos de exumação em contêineres comuns (abertos), misturados com restos de materiais de construção. Pedaços de madeira e de mantas mortuárias dos caixões também foram registrados pelos auditores junto a resíduos de obras.
A Velar diz, em nota, que todas as suas unidades, incluindo o São Pedro, têm “contêineres apropriados para cada tipo de resíduo, exclusivos e fechados para o descarte de restos de exumação e sepultamentos. A situação apresentada no relatório – de destinação inadequada de resíduos, foi pontual e decorrente de falha individual”.
De acordo com tribunal, “os representantes das concessionárias não conseguiram comprovar a destinação das ossadas enterradas nos locais onde houve exumação compulsória, limitando-se a mostrar sacos de despojos em quantidade bem inferior ao total de exumações já feitas”.