SÃO PAULO - Com o objetivo de substituir monumentos e homenagens na capital paulista “que façam menções a escravocratas”, o projeto de lei 47/2021, protocolado pela vereadora Luana Alves (PSOL-SP) no início deste ano, foi aprovado nesta quarta-feira, 1º, em primeira votação no plenário da Câmara Municipal de São Paulo. Com placar de 30 votos (dois a mais que o necessário) a 14, o projeto agora precisa obter maioria simples, novamente de 28 votos, para ir à sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
“A expectativa é boa, mas a segunda votação costuma ser mais delicada. Vou ter que, de novo, fazer várias conversas com os vereadores”, disse Luana Alves. Uma vez que o projeto é aprovado em primeira votação, explica, ele pode passar pela segunda votação no plenário após um intervalo de 15 dias.
O debate sobre remover homenagens a figuras históricas ganhou força após uma estátua do Borba Gato, na zona sul de São Paulo, ser incendiada por ativistas, que atribuem ao bandeirante um passado de escravização de indígenas. Após serem presos por vandalismo contra o patrimônio público, três envolvidos no ato se tornaram réus e agora devem responder ao processo em liberdade.
Segundo vereadora, a formulação da proposta se deu em “constante diálogo” com a Secretaria Municipal da Cultura, o que teria tornado o projeto mais aderente ao que pode ou não ser executado na cidade. Questionada se a recente saída do ex-secretário de Cultura Alexandre Youssef pode prejudicar aprovação pela Prefeitura, a parlamentar diz acreditar que não.
Apresentado após aprovação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal em junho, o texto substitutivo, que foi votado em plenário, lista como os principais objetivos do projeto “promover e incentivar a retirada de nomes de ruas e avenidas que homenageiam escravocratas, nazistas e eugenistas”, substituindo-os por referências históricas das populações negra e indígena do município, e inserir informações que identifiquem e tragam “excertos de advertência” sobre o contexto histórico de obras “que obtiverem parecer de impossibilidade de supressão”.
O projeto de lei 47/2021 determina, além disso, a inclusão do ensino “da identidade cultural afrobrasileira e indígena” em materiais didáticos para que o tema seja trabalhado na rede municipal de ensino, bem como o “fomento à participação de movimentos culturais das populações negra e indígena na gestão do patrimônio histórico e cultural” do município de São Paulo.
Para executar essas ações, o projeto prevê que a Prefeitura crie um conselho participativo permanente, “composto pelos poderes Executivo, representantes que atuam com a temática das relações raciais e organizações da sociedade civil”. O grupo seria responsável, entre outras iniciativas, pela análise das nomeações dos prédios e áreas públicas, monumentos, estátuas e obras artísticas.
Segundo a historiadora Mary Del Priore, as discussões sobre retiradas de estátuas ocorrem em um contexto em que "grupos que são portadores de uma história, a da escravidão, se sentem estigmatizados por ela", o que seria um sinal de uma memória em conflito e de narrativas históricas não consensuais. "Mas como diz o teórico da negritude Achille Mbembe, o fato de existir discriminação não é razão para não conciliarmos pontos precisos. Temos que construir uma memória feita de reconciliação", defende a historiadora.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo não se manifestou de forma específica sobre o projeto de lei 47/2021, mas informou que planeja homenagear, com estátuas em locais públicos, cinco personalidades negras que possuem ligação com a cidade: a escritora Carolina Maria de Jesus, o sambista Geraldo Filme, o atleta Adhemar Ferreira da Silva, a sambista Deolinda Madre e o cantor Itamar Assumpção.
“A Secretaria da Cultura prevê ainda uma ampla discussão sobre as homenagens a personalidades, inclusive, com debate aberto ao público. Na Semana do Patrimônio, iniciada no último dia 16 e que termina no próximo dia 20, serão discutidos monumentos que provocam polêmicas, como o de Borba Gato, alvo recente de um incêndio e vandalismo inaceitáveis”, disse a Prefeitura, informando ainda que o Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) mentém uma lista com monumentos “cuja importância e atuação estão sendo questionadas por grupos da sociedade”.