Barulho de shows no Ibirapuera incomoda vizinhos e festa de música eletrônica vai parar na Justiça


Moradores de oito bairros reclamam de ruídos e MP pediu suspensão de festival de música eletrônica, mas Justiça liberou evento; Prefeitura diz que concessionária tem atuado para mitigar incômodos

Por Gonçalo Junior
Atualização:

Referência no centro expandido da cidade para momentos de descanso, meditação e contemplação da natureza, o Parque do Ibirapuera se tornou nos últimos meses um endereço de shows que incomodam os vizinhos da zona sul de São Paulo. Associações de oito bairros reclamam do barulho aos finais de semana, com eventos de longa duração que, segundo relatam, estariam acima do limite de ruído permitido pela lei, e também dos desfiles dos blocos de carnaval em fevereiro.

As reclamações foram levadas ao Ministério Público de São Paulo. A Promotoria de Justiça do Meio Ambiente ajuizou na terça-feira, 28, ação pedindo a suspensão da edição brasileira do festival Piknic Électronik, neste sábado, 4, até que fosse feita avaliação sobre os riscos do evento no local. Nesta sexta-feira, 3, o juiz Josué Pimentel, da 8ª Vara, decidiu manter o show. A Prefeitura diz que a concessionária do espaço, a Urbia, atua para mitigar os incômodos (leia mais abaixo).

Blocos de carnaval, como o da Pablo Vittar, reuniram milhares de pessoas na região do parque durante fevereiro Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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A programação do festival canadense prevê 11 horas de música eletrônica e atividades paralelas para cerca de 5 mil pessoas. Ele deveria ser realizado no Jardim Botânico, mas teve de mudar de lugar após críticas ao possível impacto ambiental no local, área de preservação ambiental.

Para insatisfação de várias associações de moradores, entre elas, as dos bairros da Vila Mariana, Vila Nova Conceição, Viva Moema e Jardim Lusitânia, o festival engrossa uma lista de eventos, realizados a céu aberto, na parte externa do Auditório Ibirapuera.

Nelson Cury, presidente da entidade do Jardim Lusitânia, afirma que os eventos se tornaram mais frequentes a partir de 2022 e culminaram na Copa do Mundo do Catar. Outra fonte de barulho foram os desfiles dos blocos de carnaval em fevereiro.

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Desde 2019, o parque passou a ser administrado pela Urbia sob a forma de concessão. “A sociedade civil reclama desses eventos desde 2020. Já foram expedidos vários ofícios pelas associações de moradores sobre a falta de conformidade da concessão e as características especiais do Ibirapuera, bem tombado do ponto de vista histórico e ambiental”, diz Renata Esteves, advogada do Movimento Defenda São Paulo.

O Ibirapuera faz parte de várias zonas especiais da cidade. A exemplo dos demais parques urbanos, integra o Sistema de áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (Sapavel). Além disso, está em uma Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam) como território destinado à preservação e proteção do patrimônio ambiental.

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As emissões de ruído máximo permitidas por lei numa Zepam variam de 40 a 50 décibeis (barulho menor do que de um bebê chorando). Isso significa que eventos realizados devem respeitar esses parâmetros. Paulo Uehara, secretário executivo da Associação de Moradores da Vila Nova Conceição, afirma que os resultados das medições de ruído nunca foram apresentados às entidades.

O físico Marcelo de Mello Aquilino, especialista do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), calcula que um show elevaria o nível de ruído para 80 a 95 decibéis (dB). O patamar de 80, por exemplo, corresponde ao ruído constante de um aspirador de pó.

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Ele revela que medições anteriores do próprio instituto registraram valores de 40 a 55 dB, que são considerados adequados para o descanso e sem prejuízo à saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Por isso, ele usa a palavra “oásis” para se referir ao parque.

“Shows que ali sejam promovidos, com amplificação sonora, alterarão a paisagem sonora do parque causando incômodo tanto para seus usuários, para a fauna e os vizinhos, pois não há barreiras acústicas e a vegetação não terá eficiência em barrar os sons de geradores e caixas acústicas”, afirma.

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Shows são realizados na área externa do auditório do Parque do Ibirapuera, zona sul de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão

O professor Ricardo Fonseca Lima, de 49 anos, todos vividos na Rua IV Centenário, vizinha ao parque, afirma que o barulho aumentou recentemente. “Antes, os shows eram realizados na Praça da Paz e não havia incômodo. Agora, o nível de ruído aumentou e se prolonga por várias horas nos finais de semana”, afirma.

Até quem mora mais longe diz sentir a batida da música, como Ricardo Haas, presidente da Associação dos Moradores da Vila Conceição. Distante cerca de 400 metros do parque, o economista afirma que não consegue ouvir o som da TV nos dias de shows. “Vibra tudo dentro de casa. O parque não foi feito para shows”, diz.

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Relatos de moradores reverberam reclamações ouvidas pelo Estadão nos últimos meses em outros pontos da cidade, como nas proximidades do Allianz Parque, zona oeste, e do Complexo do Anhembi, zona norte. Esses locais, que fazem parte das chamadas Zonas de Ocupação Especial (ZOEs), foram o cerne de uma discussão sobre o nível de ruído na cidade ao longo do ano passado. Em dezembro, a Justiça de São Paulo suspendeu o aumento do limite de barulho de 55 para até 75 decibéis no entorno de shows e grandes eventos na capital paulista que havia sido promulgado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).

O que dizem a Prefeitura e a concessionária

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirma monitorar os ruídos nos eventos do Ibirapuera e diz ter acompanhado melhorias. Com a fiscalização da pasta, prossegue a nota, a Urbia Parques tem empregado esforços para mitigação do incômodo dos ruídos, contratando empresa especializada, fazendo medições constantes e com mais rigidez com as especificações técnicas às produtoras. A secretaria afirma ainda dialogar também com todas as associações de moradores do entorno.

A Urbia, empresa gestora do Ibirapuera, informou apenas que o Piknic Eletronik contará com gastronomia, espaço para o público infantil e outras opções de lazer para reunir amigos e família. Além disso, destacou que o parque também é um local destinado a eventos e o Auditório Ibirapuera, exclusivamente, possui justamente a finalidade de receber eventos com as mesmas características do Piknic Eletronic, conforme estabelecido no Plano Diretor do Parque Ibirapuera.

Já a organização do Piknic Électronik ressalta que a escolha do local vem ao encontro do propósito de despertar no visitante o respeito e a importância da natureza, suas causas e valores. Também afirma que não se trata de um festa rave e que o uso da área natural e seus resultados será realizado com total segurança ao patrimônio vegetal e arquitetônico existentes no Ibirapuera, garantindo deste modo que eventuais áreas de natureza e biologia mais sensíveis do parque estarão totalmente preservadas.

Ruído também afeta animais do parque, dizem especialistas

Especialistas afirmam que o excesso de ruído também compromete o comportamento dos animais do parque, importante área de ocorrência de avifauna no município. Foram cadastradas ali 467 espécies no Inventário da Fauna Silvestre do Município de São Paulo/2022. Desse total, 220 são aves silvestres, entre garças, gaviões, corujas, beija-flores, tucanos e pica-paus. Essa variedade corresponde a 48,5% do total de aves registradas para o município.

A bióloga Karlla Barbosa é uma das autoras da pesquisa Nível sonoro e distância da água conduzem espécies de aves residentes e migratórias, publicada na revista Landscape and Urban Planning em 2020. O estudo, que abrange 31 áreas verdes de São Paulo, registrou 142 espécies de aves - 14 migratórias. “Quanto menos ruído urbano e maior proximidade com a água, maior a presença de espécies de aves nas áreas verdes urbanas”, diz a pós-doutoranda da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.

Karlla afirma que as aves podem evitar locais com muito ruído ao longo do tempo, buscando lugares mais silenciosos. “As aves se comunicam por meio do canto (voz) e o ruído pode atrapalhar essa comunicação. Essa comunicação é importante inclusive para a reprodução. Elas são muito prejudicadas pelo ruído, ainda mais se for constante”, diz.

Luís Fábio Silveira, professor do Museu de Zoologia do Instituto de Biociências da USP, pondera, por outro lado, que a fauna que resiste a viver na cidade está habituada a ruídos urbanos. “São aves e mamíferos que escutam sirenes, barulhos de avião, carro e ônibus há anos. Esse é o ambiente delas, longe de ser o ambiente primitivo da floresta”.

Mesmo com essa ressalva, ele propõe três frentes de atuação. “A primeira é fazer shows com o mesmo nível de decibéis do carnaval, por exemplo, evento tradicional na região. Seria importante também não fazer shows no período noturno, momento reprodutivo das aves. A explosão de fogos de artifício pode fazer com que as aves deixem os ninhos. Também seria importante monitorar a densidade das aves, antes e depois dos shows, produzindo dados que permitam a comparação”, afirma.

Referência no centro expandido da cidade para momentos de descanso, meditação e contemplação da natureza, o Parque do Ibirapuera se tornou nos últimos meses um endereço de shows que incomodam os vizinhos da zona sul de São Paulo. Associações de oito bairros reclamam do barulho aos finais de semana, com eventos de longa duração que, segundo relatam, estariam acima do limite de ruído permitido pela lei, e também dos desfiles dos blocos de carnaval em fevereiro.

As reclamações foram levadas ao Ministério Público de São Paulo. A Promotoria de Justiça do Meio Ambiente ajuizou na terça-feira, 28, ação pedindo a suspensão da edição brasileira do festival Piknic Électronik, neste sábado, 4, até que fosse feita avaliação sobre os riscos do evento no local. Nesta sexta-feira, 3, o juiz Josué Pimentel, da 8ª Vara, decidiu manter o show. A Prefeitura diz que a concessionária do espaço, a Urbia, atua para mitigar os incômodos (leia mais abaixo).

Blocos de carnaval, como o da Pablo Vittar, reuniram milhares de pessoas na região do parque durante fevereiro Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A programação do festival canadense prevê 11 horas de música eletrônica e atividades paralelas para cerca de 5 mil pessoas. Ele deveria ser realizado no Jardim Botânico, mas teve de mudar de lugar após críticas ao possível impacto ambiental no local, área de preservação ambiental.

Para insatisfação de várias associações de moradores, entre elas, as dos bairros da Vila Mariana, Vila Nova Conceição, Viva Moema e Jardim Lusitânia, o festival engrossa uma lista de eventos, realizados a céu aberto, na parte externa do Auditório Ibirapuera.

Nelson Cury, presidente da entidade do Jardim Lusitânia, afirma que os eventos se tornaram mais frequentes a partir de 2022 e culminaram na Copa do Mundo do Catar. Outra fonte de barulho foram os desfiles dos blocos de carnaval em fevereiro.

Desde 2019, o parque passou a ser administrado pela Urbia sob a forma de concessão. “A sociedade civil reclama desses eventos desde 2020. Já foram expedidos vários ofícios pelas associações de moradores sobre a falta de conformidade da concessão e as características especiais do Ibirapuera, bem tombado do ponto de vista histórico e ambiental”, diz Renata Esteves, advogada do Movimento Defenda São Paulo.

O Ibirapuera faz parte de várias zonas especiais da cidade. A exemplo dos demais parques urbanos, integra o Sistema de áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (Sapavel). Além disso, está em uma Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam) como território destinado à preservação e proteção do patrimônio ambiental.

As emissões de ruído máximo permitidas por lei numa Zepam variam de 40 a 50 décibeis (barulho menor do que de um bebê chorando). Isso significa que eventos realizados devem respeitar esses parâmetros. Paulo Uehara, secretário executivo da Associação de Moradores da Vila Nova Conceição, afirma que os resultados das medições de ruído nunca foram apresentados às entidades.

O físico Marcelo de Mello Aquilino, especialista do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), calcula que um show elevaria o nível de ruído para 80 a 95 decibéis (dB). O patamar de 80, por exemplo, corresponde ao ruído constante de um aspirador de pó.

Ele revela que medições anteriores do próprio instituto registraram valores de 40 a 55 dB, que são considerados adequados para o descanso e sem prejuízo à saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Por isso, ele usa a palavra “oásis” para se referir ao parque.

“Shows que ali sejam promovidos, com amplificação sonora, alterarão a paisagem sonora do parque causando incômodo tanto para seus usuários, para a fauna e os vizinhos, pois não há barreiras acústicas e a vegetação não terá eficiência em barrar os sons de geradores e caixas acústicas”, afirma.

Shows são realizados na área externa do auditório do Parque do Ibirapuera, zona sul de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão

O professor Ricardo Fonseca Lima, de 49 anos, todos vividos na Rua IV Centenário, vizinha ao parque, afirma que o barulho aumentou recentemente. “Antes, os shows eram realizados na Praça da Paz e não havia incômodo. Agora, o nível de ruído aumentou e se prolonga por várias horas nos finais de semana”, afirma.

Até quem mora mais longe diz sentir a batida da música, como Ricardo Haas, presidente da Associação dos Moradores da Vila Conceição. Distante cerca de 400 metros do parque, o economista afirma que não consegue ouvir o som da TV nos dias de shows. “Vibra tudo dentro de casa. O parque não foi feito para shows”, diz.

Relatos de moradores reverberam reclamações ouvidas pelo Estadão nos últimos meses em outros pontos da cidade, como nas proximidades do Allianz Parque, zona oeste, e do Complexo do Anhembi, zona norte. Esses locais, que fazem parte das chamadas Zonas de Ocupação Especial (ZOEs), foram o cerne de uma discussão sobre o nível de ruído na cidade ao longo do ano passado. Em dezembro, a Justiça de São Paulo suspendeu o aumento do limite de barulho de 55 para até 75 decibéis no entorno de shows e grandes eventos na capital paulista que havia sido promulgado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).

O que dizem a Prefeitura e a concessionária

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirma monitorar os ruídos nos eventos do Ibirapuera e diz ter acompanhado melhorias. Com a fiscalização da pasta, prossegue a nota, a Urbia Parques tem empregado esforços para mitigação do incômodo dos ruídos, contratando empresa especializada, fazendo medições constantes e com mais rigidez com as especificações técnicas às produtoras. A secretaria afirma ainda dialogar também com todas as associações de moradores do entorno.

A Urbia, empresa gestora do Ibirapuera, informou apenas que o Piknic Eletronik contará com gastronomia, espaço para o público infantil e outras opções de lazer para reunir amigos e família. Além disso, destacou que o parque também é um local destinado a eventos e o Auditório Ibirapuera, exclusivamente, possui justamente a finalidade de receber eventos com as mesmas características do Piknic Eletronic, conforme estabelecido no Plano Diretor do Parque Ibirapuera.

Já a organização do Piknic Électronik ressalta que a escolha do local vem ao encontro do propósito de despertar no visitante o respeito e a importância da natureza, suas causas e valores. Também afirma que não se trata de um festa rave e que o uso da área natural e seus resultados será realizado com total segurança ao patrimônio vegetal e arquitetônico existentes no Ibirapuera, garantindo deste modo que eventuais áreas de natureza e biologia mais sensíveis do parque estarão totalmente preservadas.

Ruído também afeta animais do parque, dizem especialistas

Especialistas afirmam que o excesso de ruído também compromete o comportamento dos animais do parque, importante área de ocorrência de avifauna no município. Foram cadastradas ali 467 espécies no Inventário da Fauna Silvestre do Município de São Paulo/2022. Desse total, 220 são aves silvestres, entre garças, gaviões, corujas, beija-flores, tucanos e pica-paus. Essa variedade corresponde a 48,5% do total de aves registradas para o município.

A bióloga Karlla Barbosa é uma das autoras da pesquisa Nível sonoro e distância da água conduzem espécies de aves residentes e migratórias, publicada na revista Landscape and Urban Planning em 2020. O estudo, que abrange 31 áreas verdes de São Paulo, registrou 142 espécies de aves - 14 migratórias. “Quanto menos ruído urbano e maior proximidade com a água, maior a presença de espécies de aves nas áreas verdes urbanas”, diz a pós-doutoranda da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.

Karlla afirma que as aves podem evitar locais com muito ruído ao longo do tempo, buscando lugares mais silenciosos. “As aves se comunicam por meio do canto (voz) e o ruído pode atrapalhar essa comunicação. Essa comunicação é importante inclusive para a reprodução. Elas são muito prejudicadas pelo ruído, ainda mais se for constante”, diz.

Luís Fábio Silveira, professor do Museu de Zoologia do Instituto de Biociências da USP, pondera, por outro lado, que a fauna que resiste a viver na cidade está habituada a ruídos urbanos. “São aves e mamíferos que escutam sirenes, barulhos de avião, carro e ônibus há anos. Esse é o ambiente delas, longe de ser o ambiente primitivo da floresta”.

Mesmo com essa ressalva, ele propõe três frentes de atuação. “A primeira é fazer shows com o mesmo nível de decibéis do carnaval, por exemplo, evento tradicional na região. Seria importante também não fazer shows no período noturno, momento reprodutivo das aves. A explosão de fogos de artifício pode fazer com que as aves deixem os ninhos. Também seria importante monitorar a densidade das aves, antes e depois dos shows, produzindo dados que permitam a comparação”, afirma.

Referência no centro expandido da cidade para momentos de descanso, meditação e contemplação da natureza, o Parque do Ibirapuera se tornou nos últimos meses um endereço de shows que incomodam os vizinhos da zona sul de São Paulo. Associações de oito bairros reclamam do barulho aos finais de semana, com eventos de longa duração que, segundo relatam, estariam acima do limite de ruído permitido pela lei, e também dos desfiles dos blocos de carnaval em fevereiro.

As reclamações foram levadas ao Ministério Público de São Paulo. A Promotoria de Justiça do Meio Ambiente ajuizou na terça-feira, 28, ação pedindo a suspensão da edição brasileira do festival Piknic Électronik, neste sábado, 4, até que fosse feita avaliação sobre os riscos do evento no local. Nesta sexta-feira, 3, o juiz Josué Pimentel, da 8ª Vara, decidiu manter o show. A Prefeitura diz que a concessionária do espaço, a Urbia, atua para mitigar os incômodos (leia mais abaixo).

Blocos de carnaval, como o da Pablo Vittar, reuniram milhares de pessoas na região do parque durante fevereiro Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A programação do festival canadense prevê 11 horas de música eletrônica e atividades paralelas para cerca de 5 mil pessoas. Ele deveria ser realizado no Jardim Botânico, mas teve de mudar de lugar após críticas ao possível impacto ambiental no local, área de preservação ambiental.

Para insatisfação de várias associações de moradores, entre elas, as dos bairros da Vila Mariana, Vila Nova Conceição, Viva Moema e Jardim Lusitânia, o festival engrossa uma lista de eventos, realizados a céu aberto, na parte externa do Auditório Ibirapuera.

Nelson Cury, presidente da entidade do Jardim Lusitânia, afirma que os eventos se tornaram mais frequentes a partir de 2022 e culminaram na Copa do Mundo do Catar. Outra fonte de barulho foram os desfiles dos blocos de carnaval em fevereiro.

Desde 2019, o parque passou a ser administrado pela Urbia sob a forma de concessão. “A sociedade civil reclama desses eventos desde 2020. Já foram expedidos vários ofícios pelas associações de moradores sobre a falta de conformidade da concessão e as características especiais do Ibirapuera, bem tombado do ponto de vista histórico e ambiental”, diz Renata Esteves, advogada do Movimento Defenda São Paulo.

O Ibirapuera faz parte de várias zonas especiais da cidade. A exemplo dos demais parques urbanos, integra o Sistema de áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (Sapavel). Além disso, está em uma Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam) como território destinado à preservação e proteção do patrimônio ambiental.

As emissões de ruído máximo permitidas por lei numa Zepam variam de 40 a 50 décibeis (barulho menor do que de um bebê chorando). Isso significa que eventos realizados devem respeitar esses parâmetros. Paulo Uehara, secretário executivo da Associação de Moradores da Vila Nova Conceição, afirma que os resultados das medições de ruído nunca foram apresentados às entidades.

O físico Marcelo de Mello Aquilino, especialista do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), calcula que um show elevaria o nível de ruído para 80 a 95 decibéis (dB). O patamar de 80, por exemplo, corresponde ao ruído constante de um aspirador de pó.

Ele revela que medições anteriores do próprio instituto registraram valores de 40 a 55 dB, que são considerados adequados para o descanso e sem prejuízo à saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Por isso, ele usa a palavra “oásis” para se referir ao parque.

“Shows que ali sejam promovidos, com amplificação sonora, alterarão a paisagem sonora do parque causando incômodo tanto para seus usuários, para a fauna e os vizinhos, pois não há barreiras acústicas e a vegetação não terá eficiência em barrar os sons de geradores e caixas acústicas”, afirma.

Shows são realizados na área externa do auditório do Parque do Ibirapuera, zona sul de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão

O professor Ricardo Fonseca Lima, de 49 anos, todos vividos na Rua IV Centenário, vizinha ao parque, afirma que o barulho aumentou recentemente. “Antes, os shows eram realizados na Praça da Paz e não havia incômodo. Agora, o nível de ruído aumentou e se prolonga por várias horas nos finais de semana”, afirma.

Até quem mora mais longe diz sentir a batida da música, como Ricardo Haas, presidente da Associação dos Moradores da Vila Conceição. Distante cerca de 400 metros do parque, o economista afirma que não consegue ouvir o som da TV nos dias de shows. “Vibra tudo dentro de casa. O parque não foi feito para shows”, diz.

Relatos de moradores reverberam reclamações ouvidas pelo Estadão nos últimos meses em outros pontos da cidade, como nas proximidades do Allianz Parque, zona oeste, e do Complexo do Anhembi, zona norte. Esses locais, que fazem parte das chamadas Zonas de Ocupação Especial (ZOEs), foram o cerne de uma discussão sobre o nível de ruído na cidade ao longo do ano passado. Em dezembro, a Justiça de São Paulo suspendeu o aumento do limite de barulho de 55 para até 75 decibéis no entorno de shows e grandes eventos na capital paulista que havia sido promulgado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).

O que dizem a Prefeitura e a concessionária

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirma monitorar os ruídos nos eventos do Ibirapuera e diz ter acompanhado melhorias. Com a fiscalização da pasta, prossegue a nota, a Urbia Parques tem empregado esforços para mitigação do incômodo dos ruídos, contratando empresa especializada, fazendo medições constantes e com mais rigidez com as especificações técnicas às produtoras. A secretaria afirma ainda dialogar também com todas as associações de moradores do entorno.

A Urbia, empresa gestora do Ibirapuera, informou apenas que o Piknic Eletronik contará com gastronomia, espaço para o público infantil e outras opções de lazer para reunir amigos e família. Além disso, destacou que o parque também é um local destinado a eventos e o Auditório Ibirapuera, exclusivamente, possui justamente a finalidade de receber eventos com as mesmas características do Piknic Eletronic, conforme estabelecido no Plano Diretor do Parque Ibirapuera.

Já a organização do Piknic Électronik ressalta que a escolha do local vem ao encontro do propósito de despertar no visitante o respeito e a importância da natureza, suas causas e valores. Também afirma que não se trata de um festa rave e que o uso da área natural e seus resultados será realizado com total segurança ao patrimônio vegetal e arquitetônico existentes no Ibirapuera, garantindo deste modo que eventuais áreas de natureza e biologia mais sensíveis do parque estarão totalmente preservadas.

Ruído também afeta animais do parque, dizem especialistas

Especialistas afirmam que o excesso de ruído também compromete o comportamento dos animais do parque, importante área de ocorrência de avifauna no município. Foram cadastradas ali 467 espécies no Inventário da Fauna Silvestre do Município de São Paulo/2022. Desse total, 220 são aves silvestres, entre garças, gaviões, corujas, beija-flores, tucanos e pica-paus. Essa variedade corresponde a 48,5% do total de aves registradas para o município.

A bióloga Karlla Barbosa é uma das autoras da pesquisa Nível sonoro e distância da água conduzem espécies de aves residentes e migratórias, publicada na revista Landscape and Urban Planning em 2020. O estudo, que abrange 31 áreas verdes de São Paulo, registrou 142 espécies de aves - 14 migratórias. “Quanto menos ruído urbano e maior proximidade com a água, maior a presença de espécies de aves nas áreas verdes urbanas”, diz a pós-doutoranda da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.

Karlla afirma que as aves podem evitar locais com muito ruído ao longo do tempo, buscando lugares mais silenciosos. “As aves se comunicam por meio do canto (voz) e o ruído pode atrapalhar essa comunicação. Essa comunicação é importante inclusive para a reprodução. Elas são muito prejudicadas pelo ruído, ainda mais se for constante”, diz.

Luís Fábio Silveira, professor do Museu de Zoologia do Instituto de Biociências da USP, pondera, por outro lado, que a fauna que resiste a viver na cidade está habituada a ruídos urbanos. “São aves e mamíferos que escutam sirenes, barulhos de avião, carro e ônibus há anos. Esse é o ambiente delas, longe de ser o ambiente primitivo da floresta”.

Mesmo com essa ressalva, ele propõe três frentes de atuação. “A primeira é fazer shows com o mesmo nível de decibéis do carnaval, por exemplo, evento tradicional na região. Seria importante também não fazer shows no período noturno, momento reprodutivo das aves. A explosão de fogos de artifício pode fazer com que as aves deixem os ninhos. Também seria importante monitorar a densidade das aves, antes e depois dos shows, produzindo dados que permitam a comparação”, afirma.

Referência no centro expandido da cidade para momentos de descanso, meditação e contemplação da natureza, o Parque do Ibirapuera se tornou nos últimos meses um endereço de shows que incomodam os vizinhos da zona sul de São Paulo. Associações de oito bairros reclamam do barulho aos finais de semana, com eventos de longa duração que, segundo relatam, estariam acima do limite de ruído permitido pela lei, e também dos desfiles dos blocos de carnaval em fevereiro.

As reclamações foram levadas ao Ministério Público de São Paulo. A Promotoria de Justiça do Meio Ambiente ajuizou na terça-feira, 28, ação pedindo a suspensão da edição brasileira do festival Piknic Électronik, neste sábado, 4, até que fosse feita avaliação sobre os riscos do evento no local. Nesta sexta-feira, 3, o juiz Josué Pimentel, da 8ª Vara, decidiu manter o show. A Prefeitura diz que a concessionária do espaço, a Urbia, atua para mitigar os incômodos (leia mais abaixo).

Blocos de carnaval, como o da Pablo Vittar, reuniram milhares de pessoas na região do parque durante fevereiro Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A programação do festival canadense prevê 11 horas de música eletrônica e atividades paralelas para cerca de 5 mil pessoas. Ele deveria ser realizado no Jardim Botânico, mas teve de mudar de lugar após críticas ao possível impacto ambiental no local, área de preservação ambiental.

Para insatisfação de várias associações de moradores, entre elas, as dos bairros da Vila Mariana, Vila Nova Conceição, Viva Moema e Jardim Lusitânia, o festival engrossa uma lista de eventos, realizados a céu aberto, na parte externa do Auditório Ibirapuera.

Nelson Cury, presidente da entidade do Jardim Lusitânia, afirma que os eventos se tornaram mais frequentes a partir de 2022 e culminaram na Copa do Mundo do Catar. Outra fonte de barulho foram os desfiles dos blocos de carnaval em fevereiro.

Desde 2019, o parque passou a ser administrado pela Urbia sob a forma de concessão. “A sociedade civil reclama desses eventos desde 2020. Já foram expedidos vários ofícios pelas associações de moradores sobre a falta de conformidade da concessão e as características especiais do Ibirapuera, bem tombado do ponto de vista histórico e ambiental”, diz Renata Esteves, advogada do Movimento Defenda São Paulo.

O Ibirapuera faz parte de várias zonas especiais da cidade. A exemplo dos demais parques urbanos, integra o Sistema de áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (Sapavel). Além disso, está em uma Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam) como território destinado à preservação e proteção do patrimônio ambiental.

As emissões de ruído máximo permitidas por lei numa Zepam variam de 40 a 50 décibeis (barulho menor do que de um bebê chorando). Isso significa que eventos realizados devem respeitar esses parâmetros. Paulo Uehara, secretário executivo da Associação de Moradores da Vila Nova Conceição, afirma que os resultados das medições de ruído nunca foram apresentados às entidades.

O físico Marcelo de Mello Aquilino, especialista do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), calcula que um show elevaria o nível de ruído para 80 a 95 decibéis (dB). O patamar de 80, por exemplo, corresponde ao ruído constante de um aspirador de pó.

Ele revela que medições anteriores do próprio instituto registraram valores de 40 a 55 dB, que são considerados adequados para o descanso e sem prejuízo à saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Por isso, ele usa a palavra “oásis” para se referir ao parque.

“Shows que ali sejam promovidos, com amplificação sonora, alterarão a paisagem sonora do parque causando incômodo tanto para seus usuários, para a fauna e os vizinhos, pois não há barreiras acústicas e a vegetação não terá eficiência em barrar os sons de geradores e caixas acústicas”, afirma.

Shows são realizados na área externa do auditório do Parque do Ibirapuera, zona sul de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão

O professor Ricardo Fonseca Lima, de 49 anos, todos vividos na Rua IV Centenário, vizinha ao parque, afirma que o barulho aumentou recentemente. “Antes, os shows eram realizados na Praça da Paz e não havia incômodo. Agora, o nível de ruído aumentou e se prolonga por várias horas nos finais de semana”, afirma.

Até quem mora mais longe diz sentir a batida da música, como Ricardo Haas, presidente da Associação dos Moradores da Vila Conceição. Distante cerca de 400 metros do parque, o economista afirma que não consegue ouvir o som da TV nos dias de shows. “Vibra tudo dentro de casa. O parque não foi feito para shows”, diz.

Relatos de moradores reverberam reclamações ouvidas pelo Estadão nos últimos meses em outros pontos da cidade, como nas proximidades do Allianz Parque, zona oeste, e do Complexo do Anhembi, zona norte. Esses locais, que fazem parte das chamadas Zonas de Ocupação Especial (ZOEs), foram o cerne de uma discussão sobre o nível de ruído na cidade ao longo do ano passado. Em dezembro, a Justiça de São Paulo suspendeu o aumento do limite de barulho de 55 para até 75 decibéis no entorno de shows e grandes eventos na capital paulista que havia sido promulgado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).

O que dizem a Prefeitura e a concessionária

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirma monitorar os ruídos nos eventos do Ibirapuera e diz ter acompanhado melhorias. Com a fiscalização da pasta, prossegue a nota, a Urbia Parques tem empregado esforços para mitigação do incômodo dos ruídos, contratando empresa especializada, fazendo medições constantes e com mais rigidez com as especificações técnicas às produtoras. A secretaria afirma ainda dialogar também com todas as associações de moradores do entorno.

A Urbia, empresa gestora do Ibirapuera, informou apenas que o Piknic Eletronik contará com gastronomia, espaço para o público infantil e outras opções de lazer para reunir amigos e família. Além disso, destacou que o parque também é um local destinado a eventos e o Auditório Ibirapuera, exclusivamente, possui justamente a finalidade de receber eventos com as mesmas características do Piknic Eletronic, conforme estabelecido no Plano Diretor do Parque Ibirapuera.

Já a organização do Piknic Électronik ressalta que a escolha do local vem ao encontro do propósito de despertar no visitante o respeito e a importância da natureza, suas causas e valores. Também afirma que não se trata de um festa rave e que o uso da área natural e seus resultados será realizado com total segurança ao patrimônio vegetal e arquitetônico existentes no Ibirapuera, garantindo deste modo que eventuais áreas de natureza e biologia mais sensíveis do parque estarão totalmente preservadas.

Ruído também afeta animais do parque, dizem especialistas

Especialistas afirmam que o excesso de ruído também compromete o comportamento dos animais do parque, importante área de ocorrência de avifauna no município. Foram cadastradas ali 467 espécies no Inventário da Fauna Silvestre do Município de São Paulo/2022. Desse total, 220 são aves silvestres, entre garças, gaviões, corujas, beija-flores, tucanos e pica-paus. Essa variedade corresponde a 48,5% do total de aves registradas para o município.

A bióloga Karlla Barbosa é uma das autoras da pesquisa Nível sonoro e distância da água conduzem espécies de aves residentes e migratórias, publicada na revista Landscape and Urban Planning em 2020. O estudo, que abrange 31 áreas verdes de São Paulo, registrou 142 espécies de aves - 14 migratórias. “Quanto menos ruído urbano e maior proximidade com a água, maior a presença de espécies de aves nas áreas verdes urbanas”, diz a pós-doutoranda da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.

Karlla afirma que as aves podem evitar locais com muito ruído ao longo do tempo, buscando lugares mais silenciosos. “As aves se comunicam por meio do canto (voz) e o ruído pode atrapalhar essa comunicação. Essa comunicação é importante inclusive para a reprodução. Elas são muito prejudicadas pelo ruído, ainda mais se for constante”, diz.

Luís Fábio Silveira, professor do Museu de Zoologia do Instituto de Biociências da USP, pondera, por outro lado, que a fauna que resiste a viver na cidade está habituada a ruídos urbanos. “São aves e mamíferos que escutam sirenes, barulhos de avião, carro e ônibus há anos. Esse é o ambiente delas, longe de ser o ambiente primitivo da floresta”.

Mesmo com essa ressalva, ele propõe três frentes de atuação. “A primeira é fazer shows com o mesmo nível de decibéis do carnaval, por exemplo, evento tradicional na região. Seria importante também não fazer shows no período noturno, momento reprodutivo das aves. A explosão de fogos de artifício pode fazer com que as aves deixem os ninhos. Também seria importante monitorar a densidade das aves, antes e depois dos shows, produzindo dados que permitam a comparação”, afirma.

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