“A melhor forma de saber os locais e horários é buscar uma pessoa amiga que ouviu de um amigo que com certeza será lá, em tal hora, tal lugar. Sempre tem alguém que sabe”, diz uma publicação do Vai Quem Qué em uma rede social. Com 39 anos de carnaval de rua em São Paulo, o bloco é uma das agremiações que viraram quase “secretas” - ou "discretas", como algumas preferem se definir - ao adotar restrições na divulgação de datas, horários e trajetos.
Inspirada no que já ocorre no Rio, a estratégia é adotada por alguns blocos paulistanos diante do crescimento de público do carnaval de rua - que tem estimativa de 15 milhões de foliões para a programação deste ano, que começou no dia 14 e vai até 1º de março. O objetivo é evitar um público grande que exigiria uma estrutura de maior porte.
“O motivo é sempre proporcionar uma experiência menos desgastante, tanto para os foliões quanto para a comunidade que recebe o bloco”, explica o DJ Rodrigo Bento, um dos idealizadores do Pilantragi, que deixou para divulgar o trajeto nas redes sociais um dia antes do desfile, no domingo do pré-carnaval.
O bloco reduziu a divulgação desde 2018. “São enormes as responsabilidades sociais que envolvem uma ocupação de rua, sobretudo em uma cidade que não possui estrutura básica em todos os lugares, como banheiros públicos, bancos, banheiros públicos, lixeiras. Imagine o impacto ao espaço”, justifica.
“Muitas pessoas não possuem essa consciência coletiva, e também ambiental. A emissão de ruídos também é uma preocupação. Penso que a arte e a música precisam estar inteiramente alinhadas a essa consciência de vivência em grupo. Para que esse processo aconteça é preciso repensar tudo, inclusive o carnaval.”
Para Rodrigo, a estrutura da cidade ainda não é suficiente para comportar as necessidades dos foliões e dos moradores. “Mais vale impactar positivamente um grupo pequeno do que perder o objetivo e o controle de tudo. Fazemos carnaval e ocupações pela cidade durante o ano inteiro.”
Outro exemplo é do Filhos de Plutão, realizado pelo tradicional Confraria do Pasmado no sábado de carnaval. Ele funciona como um segundo desfile, como chegou a ser o Pasmadinho, que o grupo pretendia ser “menor, despretensioso, o ‘nosso segredinho’", mas que acabou crescendo principalmente depois de 2018. Por isso, o novo bloco tem apenas divulgação no “boca a boca entre amigos”.
Os três blocos citados estão inscritos e fazem parte da contagem de 678 desfiles oficiais deste carnaval, cuja programação oficial começou em 14 de fevereiro vai até o primeiro dia de março. Só que, diferentemente da maioria, os grupos citados e mais alguns solicitaram não ter informações da apresentação veiculadas pela Prefeitura.
No caso do Vai Quem Qué, por exemplo, a estratégia não foi bem recebida por todos os foliões. Alguns chegaram a responder uma postagem sobre o assunto com críticas, como uma frequentadora que mora na região metropolitana e precisava se planejar. Ela foi respondida em mensagem privada. "O nosso querido bloco tem procurado se manter longe de confusão. Por isso, seremos discreta(os)”, justifica um comunicado do grupo.
No Rio, estratégia ganha espaço entre blocos não oficiais
Os blocos não oficiais no Rio chegam a ter até uma abertura organizada de forma coletiva todos os anos, liderada pelo movimento Desliga dos Blocos, que defende um carnaval sem “hierarquias, burocracias e estruturas”. Dentro desse meio, costumam estar desfiles com pouca divulgação ou secretos, inclusive de blocos conhecidos.
Como explica Marina Frydberg, professora de Produção Cultural da UFF, o surgimento de blocos secretos no Rio tem relação com o segundo boom do carnaval de rua, a partir do início dos anos 2000.
“Blocos que antes tinham 200 foliões passaram a ter 20 mil rapidamente, isso muda a infraestrutura necessária e requer profissionalização dos blocos, pedir autorização da Prefeitura, negociar com (Corpo de) Bombeiros, com polícia”, explica. “Muitos negam essa oficialização, querem continuar sendo um grupo de amigos."
Um exemplo foi o Bloco Secreto, como era popularmente conhecido, que desfilava todos os anos com um nome, data e horário distinto, enquanto o trajeto era improvisado pelo grupo. “Já decidiram há alguns anos não sair, viraram uma grande atração do carnaval, todos queriam saber o nome, quando vai sair, como vai ser”, afirma a professora.
“No Rio, essa estratégia deu um pouco errado, acabou se criando um interesse maior por esses blocos secretos - muitas vezes porque serve um pouco de distinção, do ‘eu vou porque tenho o contato e sei que sai tal dia, tal hora’.”
A pesquisadora aponta, também, que a estratégia de ser secreto ou de divulgar informações apenas horas antes por WhatsApp e rede social também passou a ser mais adotada por causa do aumento dos conflitos dos blocos não oficiais com a Prefeitura. “No Rio, alguns blocos escolherem ser secretos como ação política.”
É o caso, por exemplo, do Bunytos de Corpo, que satira o culto ao corpo e faz brincadeiras envolvendo atividades físicas. “A gente não é oficial no Rio (estreou na programação oficial de São Paulo neste ano). Por isso, não divulga com antecedência para não ter problema com a polícia”, explica Gigante César, de 39 anos, organizador do bloco. “Como não é oficial, a gente procura melhor o percurso para não dar problema, agregar quem realmente curte o bloco, que sabe as brincadeiras.”