A chapa vem esquentando nos últimos tempos na fritura de um ingrediente fundamental na democracia: o jornalismo. A entidade Repórteres Sem Fronteira (RSF) divulga nesta quarta-feira, 18, balanço sobre agressões a jornalistas pelo mundo em 2013: 71 jornalistas foram assassinados, 826 foram detidos e178, presos.
Esse clima pesado vem sendo agravado por outras ações, chocantes, até em países com democracia consolidada. O próprio governo dos EUA espiona agências de notícias, edita leis especiais de controle de informação - e vai muito além pressionando empresas de internet a fornecer dados pessoais dos clientes. A Justiça americana manda prender blogueiro (Roger Shuler) que denunciou falcatruas no Alabama, como alertou também a RSF.
Na Inglaterra, há meses, prendeu-se cidadão (brasileiro) por ele ser casado com o jornalista Glenn Greenwald e persegue-se jornais, como o Guardian, por publicarem notícias do caso Edward Snowden. Na América espanhola, na Ásia, na África, não é diferente: vira e mexe governantes tentam calar a imprensa. Recentes encontros de jornalistas e entidades de representação de jornalistas (e também das empresas) ressaltam o torniquete que poderosos tentam aplicar no fundamental princípio democrático da informação livre.
No Brasil, igualzinho! Mata-se jornalistas por vingança e políticos que controlam meios de comunicação - e até o próprio Judiciário - ordenam o silêncio de jornais ignorando o princípio do interesse público. Mais: perplexos, vemos até peixe grande do Judiciário jogando o peso de seu cargo na perseguição até ao emprego de gente concursada nos tribunais.
Todo esse quadro obscuro lembra uma antiga figura que conheci pelos livros e debates dos bancos escolares de Comunicação Social: Mr. Joseph Pulitzer. Imigrante húngaro que chegou aos EUA adulto, mas sem falar uma palavra em inglês, Pulitzer fez a vida como jornalista na América do Século 19 - e virada do 20. Em seu tempo enfrentou os poderosos tomando partido contra cachorro grande - como eram, por exemplo, o presidente norte-americano Theodore Roosevelt e o banqueiro J.P. Morgan.
Há mais de cem anos (Pulitzer morreu em 1911) ele denunciou no jornal o pagamento fraudulento de 40 milhões de dólares pelo governo dos EUA no processo de construção do canal do Panamá. Foi um escândalo! Pulitzer comandava o New York World, jornal que não existe mais. Foi atacado pelos acusados e processado por calúnia (caso do Panamá). O jornalista ganhou nos tribunais norte-americanos o direito de denunciar falcatruas, decisão da suprema corte dos EUA que é considerada uma das mais significativas batalhas pela liberdade de imprensa da história ocidental.
Pulitzer modernizou ferramentas gráficas para maior atração de leitura. Ele mudou a história do jornalismo, profissão para a qual entrou quando os EUA ainda sangravam bastante após a Guerra Civil, e deixou cravado talvez o principal marco da liberdade de imprensa mundial (o dever de fiscalizar o poder) amparado por sua sólida opção por noticiar as injustiças sociais de sua época.
Pulitzer deu voz a milhões de cidadãos que não tinham poder e foi um combatente contra a corrupção. Dizia que o jornalismo era para atender a quem não tinha voz, os pobres - porque os ricos já tinham os bancos à disposição.
Antes de virar nome do principal prêmio de excelência no jornalismo mundial (Pulitzer Prize), que valoriza coberturas relevantes nos EUA, ele fez ainda mais. Com uma notável visão democrática doou dinheiro para financiar uma escola de jornalismo, a da Universidade de Columbia, instituição de prestígio na formação internacional da profissão.
Olhando o mundo atual o que se vê é que as sociedades continuam a precisar desesperadamente da lembrança do legado de Pulitzer. Os poderosos do Século 21, na verdade, repetem e repetem Roosevelt e Morgan.
Pulitzer dizia que o World era mais poderoso do que um presidente, como relembra James McGrath Morris em Pulitzer, a life in politics, print and power, pela HarperCollins (2010), livro que pode ser encontrado (e-book) na internet. Pulitzer sustentava que um presidente é um sujeito amarrado a interesses partidários, mas tem somente 4 anos de mandato. Um jornal, não. Um jornal, pregava ele, referindo-se ao World,"segue, ano após ano, defendendo a liberdade e o interesse público". Em um de seus jornais, o The Post and Dispatch, no final dos anos 1870, ele escreveu:
"The Post and Dispatch não servirá a nenhum partido, mas ao povo; não será órgão do "Republicanismo", mas o órgão da verdade; seguirá as suas próprias convicções; não vai apoiar governo, mas criticá-lo; se oporá a fraudes e falsidades onde quer que ocorrame defenderá princípios e ideias em vez de preconceitos e partidarismo ".
Pois hoje, nesteambiente adverso - e violento -, é hora de se lembrar - e afirmar - sempre o jornalismo com maiúsculas, a apuração da informação de qualidade, de primeira fonte. De perseverar na busca pela verdade dos fatos, na radical premissa do jornalismo fiscalizador, na edição de notícias, análises e opiniões, com destaque para o mais importante no alto de páginas e home pages. Cada um desses itens é alimento para a boa saúde da democracia.
Não há jornalismo sem redações. E não há redação sem jornalista!
Só a prática obsessiva do jornalismo é garantia cristalina da fiscalização do exercício do poder. O jornalismo é a pedra no sapato dos oportunistas (mensalão petista, mensalão tucano, Lalau, PC Farias, Morgan, Teddy Roosevelt e tantos outros) que parecem sempre, como pontuava Pulitzer, dispostos a se apropriar da autoridade, que lhes é conferida pela sociedade para o bem comum, para acumular benefícios próprios ou para seus protegidos.
De novo: não há democracia sem jornalismo independente. No papel, na TV, no rádio, nos sites, nas revistas. Militantes políticos (velhas ou novatas raposas) e jornalistas, como lembra o texto do biógrafo Morris, são como uma moeda - não podem estar do mesmo lado!
A comunicação social controlada ou fatos sem edição, jogados na web sem organização (como chegaram a pregar jovens militantes das passeatas de junho), são gritaria, panfletos, propaganda de grupos de interesses isolados. Jornalismo, essencial ferramenta para sadia convivência da sociedade, é outra coisa.
Pulitzer neles, sempre!
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