A Câmara dos Vereadores de São Paulo aprovou de forma definitiva nesta quinta-feira, 25, por 44 votos favoráveis a 7 contrários, o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) do Setor Central, um plano urbanístico com novas regras de construção para a região central da capital paulista e que vai substituir a Operação Urbana Centro.
Entre os principais pontos do Projeto de Lei, de autoria do Executivo, estão a criação de incentivos para a implantação de habitação de interesse social e restauro de bens tombados, bem como a manutenção da gratuidade do pagamento da taxa para construir acima do limite básico (outorga onerosa) na Sé e na República.
Aprovado pelos vereadores em sessão que durou quase nove horas, o projeto segue agora para redação final antes de ser encaminhado à sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Isso porque a Câmara votou e aprovou, também por 44 votos favoráveis, uma emenda do vereador Sansão Pereira (Republicanos) que prevê o anúncio prévio, por parte do Executivo, dos imóveis que serão desapropriados.
Por se tratar de um Projeto de Lei (PL) sobre o uso e a ocupação do solo, a votação precisava de 37 aprovações, um quórum qualificado de dois terços da câmara. Na primeira votação, foram 39, com 15 contrários. A proposta é voltada especialmente a determinar regras e incentivos a novas edificações, reformas com demolição ou ampliação em ao menos 50% da área construída original e outros empreendimentos em geral.
A aprovação foi de um substitutivo apresentado pela liderança do governo. Uma das principais mudanças em relação ao texto original (de 2020, da então gestão Bruno Covas) foi a desistência em começar a cobrança de outorga onerosa no setor histórico do PIU, mantendo uma isenção semelhante à que ocorre hoje na mesma área, pela operação urbana.
A outorga onerosa é uma das principais fontes de recursos para projetos em áreas públicas. A estimativa do governo é que o PIU consiga arrecadar, aproximadamente, R$ 700 milhões, porém vereadores que votaram contra o PL acreditam que a isenção da outorga em parte do centro impedirá uma arredação desse porte. Segundo o projeto, o montante será dividido em 40% para moradia popular, 20% para recuperação de equipamentos públicos, 5% para restauração de bens tombados e 35% para infraestrutura.
O PIU abrange mais de 20 milhões de metros quadrados em distritos como Bom Retiro, Sé, República, Belém, Pari e Brás, área que representa 1,5% do território total da cidade de São Paulo. A expectativa do governo é que, ao longo dos próximos 20 anos, o centro receba mais 220 mil novos moradores. Ele cria uma série de incentivos, determina novos projetos e até lista áreas a serem adquiridas pelo município.
Um exemplo é que as incorporadoras poderão ter acesso a um potencial construtivo adicional se recuperarem edifícios históricos, incluírem unidades para habitação de interesse social da faixa 1 (renda familiar de até três salários mínimos) ou se adotarem outros instrumentos específicos listados no projeto. Esse bônus poderá ser usado gratuitamente em outro empreendimento (o que exigira normalmente o pagamento da outorga) dentro de setores delimitados pelo PIU. Para a região da Cracolândia, como as Alamedas Eduardo Prado, Dino Bueno, Ribeiro da Silva e Cleveland,foram direcionados incentivos adicionais para a verticalização e o adensamento.
Há também um bônus para que as incorporadoras comprem o “direito de construir” (potencial de construção não utilizado que poderá ser aplicado em outra obra) de imóveis tombados de pequeno porte (até 600 metros quadrados). Esse tipo de dispositivo foi criado anos atrás para os proprietários reinvestirem o valor na preservação, porém acabou restrito basicamente aos donos de bens de maiores dimensões, mais atrativos para o mercado. O incentivo também incide sobre a área “expandida” do PIU – que abrange basicamente a Bela Vista, a Liberdade e a Aclimação, onde há grande concentração de casas e outros pequenos imóveis tombados.
De número 712/2020, o PL já havia sido aprovado em primeira votação no ano passado. O líder do governo na Câmara, Fabio Riva (PSDB) tem destacado que 2022 é o ano da pauta urbanística na Câmara, com outras votações previstas sobre o tema, como a do PIU Arco do Jurubatuba, que deve passar pelo crivo do legislativo em setembro. Parte das pautas foram votadas já em 2021, como a Lei do Retrofit, aprovada em julho daquele ano.
Na votação desta quarta, o parlamentar afirmou que uma das prioridades do PIU é viabilizar moradias para famílias de baixa renda e que, até 2024, a meta é de erguer até 49 mil unidades habitacionais populares pela cidade.“É trazer o pertencimento ao centro da cidade, trazer o equilíbrio necessário entre o investimento, aquele que veio trazer a sua atividade econômica, e principalmente a habitação de interesse social. Que com os 40% dos recursos porventura arrecadados com este PIU possamos fazer esse investimento."
Já o vereador Antonio Donato (PT), um dos votos contrário ao PL, contestou os se os avanços urbanísticos previstos pelos colegas de fato ocorrerão. “40% para habitação de interesse social – R$ 280 milhões. Sabe quanto são R$ 280 milhões? 1.400 apartamentos, a R$ 200 mil cada no centro da cidade. É difícil produzir aqui mais barato que isso. 1.400 apartamentos, com mais de 30 mil moradores de rua e com mais milhares em cortiços”, questionou, também durante a votação.
O parlamentar ainda disse que o texto substitutivo está mais alinhado com o mercado imobiliário. “Você tira qualquer risco do privado com o discurso bonito de que nós vamos reorganizar o centro, que ele vai virar um centro muito melhor, que ele está degradado. Ele não está degradado porque não tem prédio, porque não tem emprego. Ele está degradado socialmente, por falta de política social”, disse Donato, que lembrou das mais de 30 mil pessoas em situação de rua e que precisam dos serviços da assistência social.
Além da construção de moradias populares, o PIU também projeta a execução de transposições viárias por cima e por baixo de linhas férreas, arborização de calçadas, construção de ciclopassarelas e implementação de novas áreas verdes.
A criação dos PIUs está indicada no Plano Diretor, de 2014, mas tem enfrentado dificuldades de andamento, como a judicialização e a demora para entrar na pauta de votação da Câmara, dentre outras. O Setor Central chegou a ser suspenso após uma ação civil pública (que contestou a falta de estudo de impacto ambiental) conseguir uma liminar em outubro do ano passado. Em fevereiro deste ano, o Município obteve decisão favorável no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Objetivos
O texto do plano aponta cinco objetivos: a atuação conjunta do setor público e da iniciativa privada por uma “transformação qualificada do território”; o atendimento à demanda habitacional local e o aumento da densidade populacional; uma transformação territorial que mantenha a população residente e preserve o patrimônio histórico; “o aproveitamento do estoque edificado subutilizado”; e a “melhoria do ambiente urbano, por meio da recuperação de orlas fluviais e da qualificação urbanística de vizinhanças habitacionais e de polos comerciais”.
Ele também determina a implantação de projetos estratégicos específicos a serem implantados por meio de Parceria Público Privada (PPP) para os terrenos da sede administrativa do Departamento Estadual de Trânsito e a região do Estádio da Portuguesa e outros locais. No caso do Canindé, o texto indica a permuta do terreno do estádio, que é municipal, por imóveis particulares na mesma região, “com objetivo de promover a regularização fundiária do Estádio” e a realização de “tratativas de renegociação de eventuais débitos tributários relativos aos imóveis envolvidos no projeto”.
Também estão previstos o desenvolvimento de Projetos Especiais Minhocão, Parque Dom Pedro II e Largo da Concórdia, a serem elaborados pelo Município. Além disso, o PL determina a transformação da antiga sede da centenária fábrica da Orion (que será comprada) e a garagem de bondes da Light, ambas no Brás, em equipamentos públicos.
Outra exigência é a implementação dos programas de atendimento habitacional, com a elaboração de censo de cortiços, aquisição de imóveis ou terrenos para subsídio à produção habitacional de interesse social e outros, e ações de preservação do patrimônio histórico, ambiental e cultural, como a criação de subsídio à restauração e à readequação de edificações.
O PIU dividiu parte da região com diferentes objetivos. Nas “áreas de qualificação”, a ideia é manter o padrão construtivo e de uso atual, enquanto as “áreas de transformação”, voltadas a um incremento no número de apartamentos e de moradores e “sujeitas a alto grau de renovação imobiliária”. Há ainda “eixos estratégicos”, de vias de articulação e atração de pessoas voltadas a um incremento de comércio e serviços.
O projeto também inclui a criação de “caminhos verdes” em espaços públicos, a fim de interligar praças, parques e equipamentos públicos com o restante do centro por meio da arborização das calçadas.Há, ainda, uma lista de 32 áreas verdes a serem implementadas (24) ou requalificadas (8), com medidas variadas, que vão de 791 metros quadrados a 65,9 mil metros quadrados, em locais como um trecho da Alameda Cleveland, o encontro das Ruas Mauá e José Paulino e a Praça Almeida Junior, na Ligação Leste-Oeste.
Outra regra determina a implantação de uma árvore em pelo menos metade da área permeável do terreno, com ao menos um exemplar a cada 25 metros quadrados de área permeável. No setor centro histórico (majoritariamente na Sé e República), os edifícios estão dispensados de oferecer vagas de garagem para carros.
Para empreendimentos em lotes com mais de 5 mil metros quadrados, é obrigatória a implantação de um espaço livre para uso ou fruição pública em ao menos 20% do terreno (como a possibilidade de atravessar de uma rua a rua) e de comércio ou serviço (a chamada “fachada ativa” em ao menos 25% da largura do terreno. Nos de mais de 10 mil metros quadrados, também será exigido o uso misto (residencial e não residencial, sendo que o segundo pode ser hotelaria, escritório e outros). A ideia é evitar a formação de grandes quarteirões isolados no fluxo de pedestres.
Revogação da Operação Urbana Centro
A sanção do PL também resultará na revogação da Operação Urbana Centro, criada há 25 anos e que também visava aumentar a população da região e tinha como uma das principais apostas a isenção de outorga onerosa em trechos da Rua da Consolação e das Avenidas Ipiranga, Rangel Pestana, Senador Queiroz e do Estado, além de outras vias. Como a Operação Urbana, o PIU também terá um conselho gestor, com 22 representantes, metade da sociedade civil (setor empresarial, membros de outros conselhos municipais e outros) e metade da Prefeitura.
Mesmo setores com posições antagônicas ouvidos pelo Estadão concordam que era necessária uma revisão diante das transformações do centro, porém questionam o tamanho da área abrangida pelo PIU, por envolver distritos com características e demandas distintas.