Câmara de SP quer blindar mais de mil quadras de vilas contra prédios altos. É uma boa medida?


Relator estuda mais de um tipo de zoneamento para garantir ‘sobrevivência’ e atividades em vilas, inclusive de comércio; projeto de revisão divide opiniões e será votado em dezembro

Por Priscila Mengue
Atualização:

Num futuro próximo, as vilas se tornarão as últimas opções de casas e sobradinhos em alguns dos bairros mais valorizados de São Paulo? Mudanças recém-promulgadas e em discussão final na legislação paulistana têm indicado essa possibilidade, com mecanismos para dificultar a demolição e a extinção desses conjuntos residenciais ante o avanço da verticalização. Mas isso seria bom para a cidade? A resposta não é unânime e depende uma série de variáveis, ainda mais com a iminência de a revisão da Lei de Zoneamento vetar prédios altos em mais de mil quadras de vilas, uma parte em endereços valorizados e com boa oferta de infraestrutura.

A proteção em discussão na Câmara Municipal está com as duas votações previstas para a 1ª quinzena de dezembro. Se o projeto de lei for aprovado e promulgado, pode influenciar na preservação e reconhecimento de um modo de vida que não é mais ofertado em novos empreendimentos, com o veto à construção de prédios verticais. Por outro lado, há dúvidas se não causaria efeitos colaterais indesejados nas vizinhanças — da elitização ao esvaziamento e degradação.

Um dos pontos-chave da discussão é a diversidade de realidades (social, geográfica, de uso e manutenção) desses conjuntos na cidade, o que tem sido discutido na revisão do zoneamento (oficialmente Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo). Relator do projeto, Rodrigo Goulart (PSD) estuda “possivelmente” propor mais de um tipo de zoneamento para esses conjuntos, especialmente para não impedir a manutenção do uso não residencial onde está consolidado há anos.

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Pinheiros é um dos bairros que tiveram vilas com preservação indicada no projeto de lei Foto: Felipe Rau/Estadão

O Estadão tem acompanhado o crescente debate público sobre o tema ao longo do ano. Além de identificar parte das demandas e críticas apresentadas pela população e por entidades ao relator do zoneamento, a reportagem ouviu especialistas de diferentes setores, de pesquisadores a representantes do mercado imobiliário.

Em defesa dessa blindagem, fala-se que é preciso implementar um instrumento eficiente de preservação para que as vilas não desapareçam, ainda mais diante da disponibilidade cada vez mais limitada de terrenos passíveis de verticalização em vários pontos da cidade.

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Já argumentos contrários indicam que a proteção resultaria no “congelamento” de bairros nos eixos de verticalização. Esses são lugares onde houve alto investimento público para a criação de metrô, trem e corredor de ônibus e são incentivadas novas construções justamente para atender a um maior volume de pessoas, atraindo novos moradores de bairros afastados dos centros.

A situação divide moradores, especialmente entre aqueles que não cogitam se mudar e os que pensam em uma venda futura. Nas audiências públicas, houve de celebrações a críticas. A possibilidade de não ser vizinho de torres de mais de 20 andares é um alento para alguns, enquanto outros chamam a medida de inadequada e falam na possível desvalorização dos imóveis.

Há mais fatores essenciais nessa conta. A delimitação do que é ou não vila tem se mostrado difícil, por exemplo. Definições e orientações sobre o reconhecimento desses conjuntos foram instituídas nos últimos anos, mas não se chegou a uma que cesse todas as demandas. Ainda mais porque o entendimento popular do que é uma vila difere do oficial.

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O projeto de lei e o mapa apresentados pela Câmara apontam que a proteção proposta na revisão do zoneamento iria para além dos registros em cartórios e afins. Abarcaria até imóveis com uso atual não residencial, como cafés, lojas e escritórios.

Nesse cenário, das 15 primeiras audiências públicas da revisão na Câmara, as vilas foram um dos temas discutidos ou reivindicados em ao menos 10. O Estadão tem um mapa interativo com todas as quadras selecionadas, que permite a busca por endereço. O mapeamento do Legislativo envolve os conjuntos do entorno de metrô, trem e corredor, onde há maior pressão imobiliária, mas não todas as vilas da cidade.

Na sexta-feira, 24, a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara decidiu adiar, em uma semana, a apresentação do substitutivo ao projeto de lei da gestão Ricardo Nunes (MDB), com consequente alteração também na data da 1ª votação, que passou para 7 de dezembro. O cronograma prevê votação final em 14 de dezembro, pouco antes do recesso legislativo.

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No caso das vilas, a sugestão do Executivo é de que virem Zona Predominantemente Residencial (ZPR), que permite construções de até 10 metros de altura e alguns tipos de comércios e serviços de pequeno porte. Não há veto à demolição dos conjuntos, mas o texto atual determina a manutenção desse tipo de zoneamento mesmo após eventual extinção da vila. Isto é, não teria como comprar todas as casas e substituí-las por prédios altos, apenas por outras construções de padrão semelhante.

Relator fala na possibilidade de mais de um tipo de zoneamento para vilas

Relator da revisão, Rodrigo Goulart inicialmente cogitava seguir o Executivo em relação à transformação das vilas em ZPR, mas identificou nuances que dificultariam uma regra geral ao longo do debate. Ao Estadão, indicou que “possivelmente” o texto substitutivo a ser votado na Câmara terá mais de um zoneamento proposto para esses conjuntos. Essa alternativa envolveria principalmente a questão de usos e atividades, não a altura de edificações, que seguiria horizontal.

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A diferenciação de regras poderia envolver até uma mesma vila. Isto é, a parte “interna” teria regramento mais restritivo, enquanto a dos imóveis voltados a vias mais movimentadas seguiria com maior flexibilidade de uso.

“Isso que estamos analisando: qual zoneamento deveria ser enquadrado à vila que deixar de ser ZEU (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana, que é o entorno de metrô, trem e corredor de ônibus)”, afirmou. “Acredito que, internamente, das vilas que deverão ser preservadas, a maioria atenda à característica de ZPR. Se a característica for outra, será outra. Tem vila que internamente tem a característica de vila e, externamente, só tem comércio. Como faz?”, destacou.

A proposta pode se aproximar da função exercida pelas Zonas Corredores (ZCOR), que estão entre as zonas predominantemente ou estritamente residenciais. Esses locais mantêm um limite de altura restritivo, mas permitem mais tipos de atividades comerciais e de serviços. Além disso, o Plano Diretor de 2014 e a sua revisão recém-promulgada têm outro tipo de zoneamento com proposta afim, a Zona de Transição (ZT), hoje não aplicada na cidade.

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Ao todo, 1.042 quadras de vilas no entorno de eixos de verticalização foram identificadas pelo Legislativo. Segundo o relator, foram considerados mapas da Prefeitura e de plataformas digitais diversas (Google, por exemplo), identificações in loco e sugestões apresentadas em audiência pública. Até o momento, não há a indicação geográfica exata dos imóveis que seriam protegidos, mas do quarteirão onde estão localizados. Tampouco se sabe quantas casas estão incluídas.

Além de incidir sobre as vilas em si, a mudança impactaria nos vizinhos imediatos, a até 20 metros de distância. Isso porque o zoneamento prevê uma faixa envoltória com verticalização restrita, a fim de evitar o “sufocamento” das casas. Esse limite varia de 15 m a 28 m de altura. No restante da quadra, o zoneamento poderia ser mais flexível, inclusive com incentivo a prédios altos.

O que dizem os especialistas e o mercado imobiliário, afinal?

O Estadão ouviu pesquisadores especializados em legislação urbana e vilas para tratar do tema. Eles avaliam que o debate sobre vilas cresceu como resposta ao boom imobiliário recente, especialmente ao longo da revisão do Plano Diretor. Também falam na necessidade de estudos sobre as características e diversidade desses espaços.

“É uma diretriz geral interessante do ponto de vista urbano, patrimonial, da história da cidade. É importante valorizar e preservar as vilas. Isso é a diretriz geral. A partir disso, se deveria ter um debate local, com técnicos observando, analisando a realidade em cada bairro”, avalia o urbanista Nabil Bonduki, professor da USP e relator do Plano Diretor de 2014. “Proteger as vilas é super importante, mas a coisa só vai ser bem feita se for estudada e debatida.”

Professora do Insper, Camila Maleronka analisa que as vilas vêm de um histórico de pouco espaço na discussão urbana, quase “negligenciadas”. Ela cita que a retomada de olhar para esses conjuntos ocorre, em parte, em resposta ao avanço da verticalização em bairros com diversas vilas e pela relação da população com esses espaços. “Dão identidade para o bairro, têm característica de pertencimento. (Preservá-las) É uma demanda que pessoas, em geral, se sensibilizam”, diz.

Além disso, ela fala que as vilas não implicam necessariamente em um esvaziamento populacional em comparação a prédios verticais. “É difícil generalizar. Muitas vilas hoje em dia estão em lote pequeno, menor do que o mínimo admitido na legislação atualmente, mas, em termos de adensamento, apesar de horizontal, são interessantes do ponto de vista de uso do solo mais eficiente.”

A pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Bianca Tavolari salienta que a proteção de vilas foi proposta pela Câmara também como resposta à intensa oposição de parte da população ao boom de prédios altos. Recentemente, movimentos e moradores conseguiram aprovar tombamentos temporários para manter conjuntos em Pinheiros e perto do Parque do Ibirapuera.

“Apazigua as críticas de quem mora e tem receios de demolição e verticalização”, avalia. Em maio, a minuta da gestão Nunes apontava o oposto e facilitava a demolição em algumas zonas, por exemplo.

Diretor adjunto de Ação Regional do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB-SP) e pesquisador do tema, o urbanista Lucas Chiconi vê a proposta como um “primeiro passo” de uma discussão importante e foi um acerto reconhecer vilas com características variadas. “Isso é muito bom, porque não é homogêneo e democratiza o sentido vila. Principalmente no campo do patrimônio (cultural), se acaba destacando muito os conjuntos operários. Quando se vai para o grosso da cidade, tem vilas que merecem tanta atenção quanto uma vila com arquitetura distinta”, diz.

Para Chiconi, um aspecto importante é olhar para as diferentes realidades desses conjuntos, pois dificilmente normas gerais iriam atender a todas. O conjunto é heterogêneo, desde imóveis valorizados em bairro nobre até moradias de baixa renda. “É arriscado, acaba que a gente iguala situações muito diferentes”, aponta. “Tudo virar ZPR pode ser um equívoco”, exemplifica.

E o que pensa o mercado imobiliário? Um dos pontos mais delicados é a proposta de que o zoneamento restritivo se mantenha mesmo se toda a vila for demolida. Esse trecho é criticado pelo Secovi-SP (que representa as incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário) e a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), por exemplo.

“Se não tem mais ninguém morando, não tem mais casas e não tem valor histórico, qual a lógica? Não tem muito sentido. Essa discussão ainda deve ser aprofundada”, diz o vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes. Para ele, há pontos importantes nesse debate, mas deve-se alinhar o entendimento também do que é vila.

“Uma coisa é preservar vilas com a lógica do ponto de vista histórico. Isso é cuidado de preservação do patrimônio. Outra é preservar vila pela característica especial, de qualidade moradia e que se quer manter na cidade... Mas outra coisa é chamar de vila três ou quatro casas iguais feitas pelo mesmo construtor, o que era comum (décadas atrás). Se extrapola o conceito. Tudo vira vila.”

O projeto de lei reúne outras mudanças significativas antecipadas pelo Estadão. Entre elas, estão o desestímulo à construção de microapartamentos para hospedagem (como Airbnb), a permissão de restaurantes para até 500 pessoas em parques e represas, a criação de uma zona especial com regras mais flexíveis em área militar perto do Parque do Ibirapuera e a proibição a ferros-velhos e comércio de material reciclável no centro, dentre outras.

Em entrevista ao Estadão em setembro, Goulart já havia declarado que faria diversas mudanças na proposta do Executivo. Ele também foi relator da revisão do Plano Diretor neste ano, na qual fez alterações para além das propostas da gestão municipal, quase todas promulgadas por Nunes. O vereador é apoiador do prefeito, que tem maioria no Legislativo.

Quais vilas serão protegidas? Veja mapa interativo com proposta da Câmara

Os conjuntos estão em diversos e diferentes distritos da cidade. Entre eles, estão Tucuruvi, Pirituba e Freguesia do Ó, na zona norte, Perdizes, Pinheiros e Lapa, na oeste, Saúde, Jabaquara e Moema, na sul, e Tatuapé, Penha e Vila Prudente, na leste, além do centro.

O Estadão desenvolveu um mapa interativo com base nos microdados colocados à disposição pela Câmara. A ferramenta permite a busca por endereço e facilita a visualização das quadras com uma ou mais vilas incluídas na proposta.

Como é o atual zoneamento de São Paulo?

O Estadão desenvolveu um mapa interativo do zoneamento atual. A ferramenta foi criada a partir da base de dados oficial da Prefeitura (Geosampa). O material também permite a busca por endereço.

Num futuro próximo, as vilas se tornarão as últimas opções de casas e sobradinhos em alguns dos bairros mais valorizados de São Paulo? Mudanças recém-promulgadas e em discussão final na legislação paulistana têm indicado essa possibilidade, com mecanismos para dificultar a demolição e a extinção desses conjuntos residenciais ante o avanço da verticalização. Mas isso seria bom para a cidade? A resposta não é unânime e depende uma série de variáveis, ainda mais com a iminência de a revisão da Lei de Zoneamento vetar prédios altos em mais de mil quadras de vilas, uma parte em endereços valorizados e com boa oferta de infraestrutura.

A proteção em discussão na Câmara Municipal está com as duas votações previstas para a 1ª quinzena de dezembro. Se o projeto de lei for aprovado e promulgado, pode influenciar na preservação e reconhecimento de um modo de vida que não é mais ofertado em novos empreendimentos, com o veto à construção de prédios verticais. Por outro lado, há dúvidas se não causaria efeitos colaterais indesejados nas vizinhanças — da elitização ao esvaziamento e degradação.

Um dos pontos-chave da discussão é a diversidade de realidades (social, geográfica, de uso e manutenção) desses conjuntos na cidade, o que tem sido discutido na revisão do zoneamento (oficialmente Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo). Relator do projeto, Rodrigo Goulart (PSD) estuda “possivelmente” propor mais de um tipo de zoneamento para esses conjuntos, especialmente para não impedir a manutenção do uso não residencial onde está consolidado há anos.

Pinheiros é um dos bairros que tiveram vilas com preservação indicada no projeto de lei Foto: Felipe Rau/Estadão

O Estadão tem acompanhado o crescente debate público sobre o tema ao longo do ano. Além de identificar parte das demandas e críticas apresentadas pela população e por entidades ao relator do zoneamento, a reportagem ouviu especialistas de diferentes setores, de pesquisadores a representantes do mercado imobiliário.

Em defesa dessa blindagem, fala-se que é preciso implementar um instrumento eficiente de preservação para que as vilas não desapareçam, ainda mais diante da disponibilidade cada vez mais limitada de terrenos passíveis de verticalização em vários pontos da cidade.

Já argumentos contrários indicam que a proteção resultaria no “congelamento” de bairros nos eixos de verticalização. Esses são lugares onde houve alto investimento público para a criação de metrô, trem e corredor de ônibus e são incentivadas novas construções justamente para atender a um maior volume de pessoas, atraindo novos moradores de bairros afastados dos centros.

A situação divide moradores, especialmente entre aqueles que não cogitam se mudar e os que pensam em uma venda futura. Nas audiências públicas, houve de celebrações a críticas. A possibilidade de não ser vizinho de torres de mais de 20 andares é um alento para alguns, enquanto outros chamam a medida de inadequada e falam na possível desvalorização dos imóveis.

Há mais fatores essenciais nessa conta. A delimitação do que é ou não vila tem se mostrado difícil, por exemplo. Definições e orientações sobre o reconhecimento desses conjuntos foram instituídas nos últimos anos, mas não se chegou a uma que cesse todas as demandas. Ainda mais porque o entendimento popular do que é uma vila difere do oficial.

O projeto de lei e o mapa apresentados pela Câmara apontam que a proteção proposta na revisão do zoneamento iria para além dos registros em cartórios e afins. Abarcaria até imóveis com uso atual não residencial, como cafés, lojas e escritórios.

Nesse cenário, das 15 primeiras audiências públicas da revisão na Câmara, as vilas foram um dos temas discutidos ou reivindicados em ao menos 10. O Estadão tem um mapa interativo com todas as quadras selecionadas, que permite a busca por endereço. O mapeamento do Legislativo envolve os conjuntos do entorno de metrô, trem e corredor, onde há maior pressão imobiliária, mas não todas as vilas da cidade.

Na sexta-feira, 24, a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara decidiu adiar, em uma semana, a apresentação do substitutivo ao projeto de lei da gestão Ricardo Nunes (MDB), com consequente alteração também na data da 1ª votação, que passou para 7 de dezembro. O cronograma prevê votação final em 14 de dezembro, pouco antes do recesso legislativo.

No caso das vilas, a sugestão do Executivo é de que virem Zona Predominantemente Residencial (ZPR), que permite construções de até 10 metros de altura e alguns tipos de comércios e serviços de pequeno porte. Não há veto à demolição dos conjuntos, mas o texto atual determina a manutenção desse tipo de zoneamento mesmo após eventual extinção da vila. Isto é, não teria como comprar todas as casas e substituí-las por prédios altos, apenas por outras construções de padrão semelhante.

Relator fala na possibilidade de mais de um tipo de zoneamento para vilas

Relator da revisão, Rodrigo Goulart inicialmente cogitava seguir o Executivo em relação à transformação das vilas em ZPR, mas identificou nuances que dificultariam uma regra geral ao longo do debate. Ao Estadão, indicou que “possivelmente” o texto substitutivo a ser votado na Câmara terá mais de um zoneamento proposto para esses conjuntos. Essa alternativa envolveria principalmente a questão de usos e atividades, não a altura de edificações, que seguiria horizontal.

A diferenciação de regras poderia envolver até uma mesma vila. Isto é, a parte “interna” teria regramento mais restritivo, enquanto a dos imóveis voltados a vias mais movimentadas seguiria com maior flexibilidade de uso.

“Isso que estamos analisando: qual zoneamento deveria ser enquadrado à vila que deixar de ser ZEU (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana, que é o entorno de metrô, trem e corredor de ônibus)”, afirmou. “Acredito que, internamente, das vilas que deverão ser preservadas, a maioria atenda à característica de ZPR. Se a característica for outra, será outra. Tem vila que internamente tem a característica de vila e, externamente, só tem comércio. Como faz?”, destacou.

A proposta pode se aproximar da função exercida pelas Zonas Corredores (ZCOR), que estão entre as zonas predominantemente ou estritamente residenciais. Esses locais mantêm um limite de altura restritivo, mas permitem mais tipos de atividades comerciais e de serviços. Além disso, o Plano Diretor de 2014 e a sua revisão recém-promulgada têm outro tipo de zoneamento com proposta afim, a Zona de Transição (ZT), hoje não aplicada na cidade.

Ao todo, 1.042 quadras de vilas no entorno de eixos de verticalização foram identificadas pelo Legislativo. Segundo o relator, foram considerados mapas da Prefeitura e de plataformas digitais diversas (Google, por exemplo), identificações in loco e sugestões apresentadas em audiência pública. Até o momento, não há a indicação geográfica exata dos imóveis que seriam protegidos, mas do quarteirão onde estão localizados. Tampouco se sabe quantas casas estão incluídas.

Além de incidir sobre as vilas em si, a mudança impactaria nos vizinhos imediatos, a até 20 metros de distância. Isso porque o zoneamento prevê uma faixa envoltória com verticalização restrita, a fim de evitar o “sufocamento” das casas. Esse limite varia de 15 m a 28 m de altura. No restante da quadra, o zoneamento poderia ser mais flexível, inclusive com incentivo a prédios altos.

O que dizem os especialistas e o mercado imobiliário, afinal?

O Estadão ouviu pesquisadores especializados em legislação urbana e vilas para tratar do tema. Eles avaliam que o debate sobre vilas cresceu como resposta ao boom imobiliário recente, especialmente ao longo da revisão do Plano Diretor. Também falam na necessidade de estudos sobre as características e diversidade desses espaços.

“É uma diretriz geral interessante do ponto de vista urbano, patrimonial, da história da cidade. É importante valorizar e preservar as vilas. Isso é a diretriz geral. A partir disso, se deveria ter um debate local, com técnicos observando, analisando a realidade em cada bairro”, avalia o urbanista Nabil Bonduki, professor da USP e relator do Plano Diretor de 2014. “Proteger as vilas é super importante, mas a coisa só vai ser bem feita se for estudada e debatida.”

Professora do Insper, Camila Maleronka analisa que as vilas vêm de um histórico de pouco espaço na discussão urbana, quase “negligenciadas”. Ela cita que a retomada de olhar para esses conjuntos ocorre, em parte, em resposta ao avanço da verticalização em bairros com diversas vilas e pela relação da população com esses espaços. “Dão identidade para o bairro, têm característica de pertencimento. (Preservá-las) É uma demanda que pessoas, em geral, se sensibilizam”, diz.

Além disso, ela fala que as vilas não implicam necessariamente em um esvaziamento populacional em comparação a prédios verticais. “É difícil generalizar. Muitas vilas hoje em dia estão em lote pequeno, menor do que o mínimo admitido na legislação atualmente, mas, em termos de adensamento, apesar de horizontal, são interessantes do ponto de vista de uso do solo mais eficiente.”

A pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Bianca Tavolari salienta que a proteção de vilas foi proposta pela Câmara também como resposta à intensa oposição de parte da população ao boom de prédios altos. Recentemente, movimentos e moradores conseguiram aprovar tombamentos temporários para manter conjuntos em Pinheiros e perto do Parque do Ibirapuera.

“Apazigua as críticas de quem mora e tem receios de demolição e verticalização”, avalia. Em maio, a minuta da gestão Nunes apontava o oposto e facilitava a demolição em algumas zonas, por exemplo.

Diretor adjunto de Ação Regional do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB-SP) e pesquisador do tema, o urbanista Lucas Chiconi vê a proposta como um “primeiro passo” de uma discussão importante e foi um acerto reconhecer vilas com características variadas. “Isso é muito bom, porque não é homogêneo e democratiza o sentido vila. Principalmente no campo do patrimônio (cultural), se acaba destacando muito os conjuntos operários. Quando se vai para o grosso da cidade, tem vilas que merecem tanta atenção quanto uma vila com arquitetura distinta”, diz.

Para Chiconi, um aspecto importante é olhar para as diferentes realidades desses conjuntos, pois dificilmente normas gerais iriam atender a todas. O conjunto é heterogêneo, desde imóveis valorizados em bairro nobre até moradias de baixa renda. “É arriscado, acaba que a gente iguala situações muito diferentes”, aponta. “Tudo virar ZPR pode ser um equívoco”, exemplifica.

E o que pensa o mercado imobiliário? Um dos pontos mais delicados é a proposta de que o zoneamento restritivo se mantenha mesmo se toda a vila for demolida. Esse trecho é criticado pelo Secovi-SP (que representa as incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário) e a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), por exemplo.

“Se não tem mais ninguém morando, não tem mais casas e não tem valor histórico, qual a lógica? Não tem muito sentido. Essa discussão ainda deve ser aprofundada”, diz o vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes. Para ele, há pontos importantes nesse debate, mas deve-se alinhar o entendimento também do que é vila.

“Uma coisa é preservar vilas com a lógica do ponto de vista histórico. Isso é cuidado de preservação do patrimônio. Outra é preservar vila pela característica especial, de qualidade moradia e que se quer manter na cidade... Mas outra coisa é chamar de vila três ou quatro casas iguais feitas pelo mesmo construtor, o que era comum (décadas atrás). Se extrapola o conceito. Tudo vira vila.”

O projeto de lei reúne outras mudanças significativas antecipadas pelo Estadão. Entre elas, estão o desestímulo à construção de microapartamentos para hospedagem (como Airbnb), a permissão de restaurantes para até 500 pessoas em parques e represas, a criação de uma zona especial com regras mais flexíveis em área militar perto do Parque do Ibirapuera e a proibição a ferros-velhos e comércio de material reciclável no centro, dentre outras.

Em entrevista ao Estadão em setembro, Goulart já havia declarado que faria diversas mudanças na proposta do Executivo. Ele também foi relator da revisão do Plano Diretor neste ano, na qual fez alterações para além das propostas da gestão municipal, quase todas promulgadas por Nunes. O vereador é apoiador do prefeito, que tem maioria no Legislativo.

Quais vilas serão protegidas? Veja mapa interativo com proposta da Câmara

Os conjuntos estão em diversos e diferentes distritos da cidade. Entre eles, estão Tucuruvi, Pirituba e Freguesia do Ó, na zona norte, Perdizes, Pinheiros e Lapa, na oeste, Saúde, Jabaquara e Moema, na sul, e Tatuapé, Penha e Vila Prudente, na leste, além do centro.

O Estadão desenvolveu um mapa interativo com base nos microdados colocados à disposição pela Câmara. A ferramenta permite a busca por endereço e facilita a visualização das quadras com uma ou mais vilas incluídas na proposta.

Como é o atual zoneamento de São Paulo?

O Estadão desenvolveu um mapa interativo do zoneamento atual. A ferramenta foi criada a partir da base de dados oficial da Prefeitura (Geosampa). O material também permite a busca por endereço.

Num futuro próximo, as vilas se tornarão as últimas opções de casas e sobradinhos em alguns dos bairros mais valorizados de São Paulo? Mudanças recém-promulgadas e em discussão final na legislação paulistana têm indicado essa possibilidade, com mecanismos para dificultar a demolição e a extinção desses conjuntos residenciais ante o avanço da verticalização. Mas isso seria bom para a cidade? A resposta não é unânime e depende uma série de variáveis, ainda mais com a iminência de a revisão da Lei de Zoneamento vetar prédios altos em mais de mil quadras de vilas, uma parte em endereços valorizados e com boa oferta de infraestrutura.

A proteção em discussão na Câmara Municipal está com as duas votações previstas para a 1ª quinzena de dezembro. Se o projeto de lei for aprovado e promulgado, pode influenciar na preservação e reconhecimento de um modo de vida que não é mais ofertado em novos empreendimentos, com o veto à construção de prédios verticais. Por outro lado, há dúvidas se não causaria efeitos colaterais indesejados nas vizinhanças — da elitização ao esvaziamento e degradação.

Um dos pontos-chave da discussão é a diversidade de realidades (social, geográfica, de uso e manutenção) desses conjuntos na cidade, o que tem sido discutido na revisão do zoneamento (oficialmente Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo). Relator do projeto, Rodrigo Goulart (PSD) estuda “possivelmente” propor mais de um tipo de zoneamento para esses conjuntos, especialmente para não impedir a manutenção do uso não residencial onde está consolidado há anos.

Pinheiros é um dos bairros que tiveram vilas com preservação indicada no projeto de lei Foto: Felipe Rau/Estadão

O Estadão tem acompanhado o crescente debate público sobre o tema ao longo do ano. Além de identificar parte das demandas e críticas apresentadas pela população e por entidades ao relator do zoneamento, a reportagem ouviu especialistas de diferentes setores, de pesquisadores a representantes do mercado imobiliário.

Em defesa dessa blindagem, fala-se que é preciso implementar um instrumento eficiente de preservação para que as vilas não desapareçam, ainda mais diante da disponibilidade cada vez mais limitada de terrenos passíveis de verticalização em vários pontos da cidade.

Já argumentos contrários indicam que a proteção resultaria no “congelamento” de bairros nos eixos de verticalização. Esses são lugares onde houve alto investimento público para a criação de metrô, trem e corredor de ônibus e são incentivadas novas construções justamente para atender a um maior volume de pessoas, atraindo novos moradores de bairros afastados dos centros.

A situação divide moradores, especialmente entre aqueles que não cogitam se mudar e os que pensam em uma venda futura. Nas audiências públicas, houve de celebrações a críticas. A possibilidade de não ser vizinho de torres de mais de 20 andares é um alento para alguns, enquanto outros chamam a medida de inadequada e falam na possível desvalorização dos imóveis.

Há mais fatores essenciais nessa conta. A delimitação do que é ou não vila tem se mostrado difícil, por exemplo. Definições e orientações sobre o reconhecimento desses conjuntos foram instituídas nos últimos anos, mas não se chegou a uma que cesse todas as demandas. Ainda mais porque o entendimento popular do que é uma vila difere do oficial.

O projeto de lei e o mapa apresentados pela Câmara apontam que a proteção proposta na revisão do zoneamento iria para além dos registros em cartórios e afins. Abarcaria até imóveis com uso atual não residencial, como cafés, lojas e escritórios.

Nesse cenário, das 15 primeiras audiências públicas da revisão na Câmara, as vilas foram um dos temas discutidos ou reivindicados em ao menos 10. O Estadão tem um mapa interativo com todas as quadras selecionadas, que permite a busca por endereço. O mapeamento do Legislativo envolve os conjuntos do entorno de metrô, trem e corredor, onde há maior pressão imobiliária, mas não todas as vilas da cidade.

Na sexta-feira, 24, a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara decidiu adiar, em uma semana, a apresentação do substitutivo ao projeto de lei da gestão Ricardo Nunes (MDB), com consequente alteração também na data da 1ª votação, que passou para 7 de dezembro. O cronograma prevê votação final em 14 de dezembro, pouco antes do recesso legislativo.

No caso das vilas, a sugestão do Executivo é de que virem Zona Predominantemente Residencial (ZPR), que permite construções de até 10 metros de altura e alguns tipos de comércios e serviços de pequeno porte. Não há veto à demolição dos conjuntos, mas o texto atual determina a manutenção desse tipo de zoneamento mesmo após eventual extinção da vila. Isto é, não teria como comprar todas as casas e substituí-las por prédios altos, apenas por outras construções de padrão semelhante.

Relator fala na possibilidade de mais de um tipo de zoneamento para vilas

Relator da revisão, Rodrigo Goulart inicialmente cogitava seguir o Executivo em relação à transformação das vilas em ZPR, mas identificou nuances que dificultariam uma regra geral ao longo do debate. Ao Estadão, indicou que “possivelmente” o texto substitutivo a ser votado na Câmara terá mais de um zoneamento proposto para esses conjuntos. Essa alternativa envolveria principalmente a questão de usos e atividades, não a altura de edificações, que seguiria horizontal.

A diferenciação de regras poderia envolver até uma mesma vila. Isto é, a parte “interna” teria regramento mais restritivo, enquanto a dos imóveis voltados a vias mais movimentadas seguiria com maior flexibilidade de uso.

“Isso que estamos analisando: qual zoneamento deveria ser enquadrado à vila que deixar de ser ZEU (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana, que é o entorno de metrô, trem e corredor de ônibus)”, afirmou. “Acredito que, internamente, das vilas que deverão ser preservadas, a maioria atenda à característica de ZPR. Se a característica for outra, será outra. Tem vila que internamente tem a característica de vila e, externamente, só tem comércio. Como faz?”, destacou.

A proposta pode se aproximar da função exercida pelas Zonas Corredores (ZCOR), que estão entre as zonas predominantemente ou estritamente residenciais. Esses locais mantêm um limite de altura restritivo, mas permitem mais tipos de atividades comerciais e de serviços. Além disso, o Plano Diretor de 2014 e a sua revisão recém-promulgada têm outro tipo de zoneamento com proposta afim, a Zona de Transição (ZT), hoje não aplicada na cidade.

Ao todo, 1.042 quadras de vilas no entorno de eixos de verticalização foram identificadas pelo Legislativo. Segundo o relator, foram considerados mapas da Prefeitura e de plataformas digitais diversas (Google, por exemplo), identificações in loco e sugestões apresentadas em audiência pública. Até o momento, não há a indicação geográfica exata dos imóveis que seriam protegidos, mas do quarteirão onde estão localizados. Tampouco se sabe quantas casas estão incluídas.

Além de incidir sobre as vilas em si, a mudança impactaria nos vizinhos imediatos, a até 20 metros de distância. Isso porque o zoneamento prevê uma faixa envoltória com verticalização restrita, a fim de evitar o “sufocamento” das casas. Esse limite varia de 15 m a 28 m de altura. No restante da quadra, o zoneamento poderia ser mais flexível, inclusive com incentivo a prédios altos.

O que dizem os especialistas e o mercado imobiliário, afinal?

O Estadão ouviu pesquisadores especializados em legislação urbana e vilas para tratar do tema. Eles avaliam que o debate sobre vilas cresceu como resposta ao boom imobiliário recente, especialmente ao longo da revisão do Plano Diretor. Também falam na necessidade de estudos sobre as características e diversidade desses espaços.

“É uma diretriz geral interessante do ponto de vista urbano, patrimonial, da história da cidade. É importante valorizar e preservar as vilas. Isso é a diretriz geral. A partir disso, se deveria ter um debate local, com técnicos observando, analisando a realidade em cada bairro”, avalia o urbanista Nabil Bonduki, professor da USP e relator do Plano Diretor de 2014. “Proteger as vilas é super importante, mas a coisa só vai ser bem feita se for estudada e debatida.”

Professora do Insper, Camila Maleronka analisa que as vilas vêm de um histórico de pouco espaço na discussão urbana, quase “negligenciadas”. Ela cita que a retomada de olhar para esses conjuntos ocorre, em parte, em resposta ao avanço da verticalização em bairros com diversas vilas e pela relação da população com esses espaços. “Dão identidade para o bairro, têm característica de pertencimento. (Preservá-las) É uma demanda que pessoas, em geral, se sensibilizam”, diz.

Além disso, ela fala que as vilas não implicam necessariamente em um esvaziamento populacional em comparação a prédios verticais. “É difícil generalizar. Muitas vilas hoje em dia estão em lote pequeno, menor do que o mínimo admitido na legislação atualmente, mas, em termos de adensamento, apesar de horizontal, são interessantes do ponto de vista de uso do solo mais eficiente.”

A pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Bianca Tavolari salienta que a proteção de vilas foi proposta pela Câmara também como resposta à intensa oposição de parte da população ao boom de prédios altos. Recentemente, movimentos e moradores conseguiram aprovar tombamentos temporários para manter conjuntos em Pinheiros e perto do Parque do Ibirapuera.

“Apazigua as críticas de quem mora e tem receios de demolição e verticalização”, avalia. Em maio, a minuta da gestão Nunes apontava o oposto e facilitava a demolição em algumas zonas, por exemplo.

Diretor adjunto de Ação Regional do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB-SP) e pesquisador do tema, o urbanista Lucas Chiconi vê a proposta como um “primeiro passo” de uma discussão importante e foi um acerto reconhecer vilas com características variadas. “Isso é muito bom, porque não é homogêneo e democratiza o sentido vila. Principalmente no campo do patrimônio (cultural), se acaba destacando muito os conjuntos operários. Quando se vai para o grosso da cidade, tem vilas que merecem tanta atenção quanto uma vila com arquitetura distinta”, diz.

Para Chiconi, um aspecto importante é olhar para as diferentes realidades desses conjuntos, pois dificilmente normas gerais iriam atender a todas. O conjunto é heterogêneo, desde imóveis valorizados em bairro nobre até moradias de baixa renda. “É arriscado, acaba que a gente iguala situações muito diferentes”, aponta. “Tudo virar ZPR pode ser um equívoco”, exemplifica.

E o que pensa o mercado imobiliário? Um dos pontos mais delicados é a proposta de que o zoneamento restritivo se mantenha mesmo se toda a vila for demolida. Esse trecho é criticado pelo Secovi-SP (que representa as incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário) e a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), por exemplo.

“Se não tem mais ninguém morando, não tem mais casas e não tem valor histórico, qual a lógica? Não tem muito sentido. Essa discussão ainda deve ser aprofundada”, diz o vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes. Para ele, há pontos importantes nesse debate, mas deve-se alinhar o entendimento também do que é vila.

“Uma coisa é preservar vilas com a lógica do ponto de vista histórico. Isso é cuidado de preservação do patrimônio. Outra é preservar vila pela característica especial, de qualidade moradia e que se quer manter na cidade... Mas outra coisa é chamar de vila três ou quatro casas iguais feitas pelo mesmo construtor, o que era comum (décadas atrás). Se extrapola o conceito. Tudo vira vila.”

O projeto de lei reúne outras mudanças significativas antecipadas pelo Estadão. Entre elas, estão o desestímulo à construção de microapartamentos para hospedagem (como Airbnb), a permissão de restaurantes para até 500 pessoas em parques e represas, a criação de uma zona especial com regras mais flexíveis em área militar perto do Parque do Ibirapuera e a proibição a ferros-velhos e comércio de material reciclável no centro, dentre outras.

Em entrevista ao Estadão em setembro, Goulart já havia declarado que faria diversas mudanças na proposta do Executivo. Ele também foi relator da revisão do Plano Diretor neste ano, na qual fez alterações para além das propostas da gestão municipal, quase todas promulgadas por Nunes. O vereador é apoiador do prefeito, que tem maioria no Legislativo.

Quais vilas serão protegidas? Veja mapa interativo com proposta da Câmara

Os conjuntos estão em diversos e diferentes distritos da cidade. Entre eles, estão Tucuruvi, Pirituba e Freguesia do Ó, na zona norte, Perdizes, Pinheiros e Lapa, na oeste, Saúde, Jabaquara e Moema, na sul, e Tatuapé, Penha e Vila Prudente, na leste, além do centro.

O Estadão desenvolveu um mapa interativo com base nos microdados colocados à disposição pela Câmara. A ferramenta permite a busca por endereço e facilita a visualização das quadras com uma ou mais vilas incluídas na proposta.

Como é o atual zoneamento de São Paulo?

O Estadão desenvolveu um mapa interativo do zoneamento atual. A ferramenta foi criada a partir da base de dados oficial da Prefeitura (Geosampa). O material também permite a busca por endereço.

Num futuro próximo, as vilas se tornarão as últimas opções de casas e sobradinhos em alguns dos bairros mais valorizados de São Paulo? Mudanças recém-promulgadas e em discussão final na legislação paulistana têm indicado essa possibilidade, com mecanismos para dificultar a demolição e a extinção desses conjuntos residenciais ante o avanço da verticalização. Mas isso seria bom para a cidade? A resposta não é unânime e depende uma série de variáveis, ainda mais com a iminência de a revisão da Lei de Zoneamento vetar prédios altos em mais de mil quadras de vilas, uma parte em endereços valorizados e com boa oferta de infraestrutura.

A proteção em discussão na Câmara Municipal está com as duas votações previstas para a 1ª quinzena de dezembro. Se o projeto de lei for aprovado e promulgado, pode influenciar na preservação e reconhecimento de um modo de vida que não é mais ofertado em novos empreendimentos, com o veto à construção de prédios verticais. Por outro lado, há dúvidas se não causaria efeitos colaterais indesejados nas vizinhanças — da elitização ao esvaziamento e degradação.

Um dos pontos-chave da discussão é a diversidade de realidades (social, geográfica, de uso e manutenção) desses conjuntos na cidade, o que tem sido discutido na revisão do zoneamento (oficialmente Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo). Relator do projeto, Rodrigo Goulart (PSD) estuda “possivelmente” propor mais de um tipo de zoneamento para esses conjuntos, especialmente para não impedir a manutenção do uso não residencial onde está consolidado há anos.

Pinheiros é um dos bairros que tiveram vilas com preservação indicada no projeto de lei Foto: Felipe Rau/Estadão

O Estadão tem acompanhado o crescente debate público sobre o tema ao longo do ano. Além de identificar parte das demandas e críticas apresentadas pela população e por entidades ao relator do zoneamento, a reportagem ouviu especialistas de diferentes setores, de pesquisadores a representantes do mercado imobiliário.

Em defesa dessa blindagem, fala-se que é preciso implementar um instrumento eficiente de preservação para que as vilas não desapareçam, ainda mais diante da disponibilidade cada vez mais limitada de terrenos passíveis de verticalização em vários pontos da cidade.

Já argumentos contrários indicam que a proteção resultaria no “congelamento” de bairros nos eixos de verticalização. Esses são lugares onde houve alto investimento público para a criação de metrô, trem e corredor de ônibus e são incentivadas novas construções justamente para atender a um maior volume de pessoas, atraindo novos moradores de bairros afastados dos centros.

A situação divide moradores, especialmente entre aqueles que não cogitam se mudar e os que pensam em uma venda futura. Nas audiências públicas, houve de celebrações a críticas. A possibilidade de não ser vizinho de torres de mais de 20 andares é um alento para alguns, enquanto outros chamam a medida de inadequada e falam na possível desvalorização dos imóveis.

Há mais fatores essenciais nessa conta. A delimitação do que é ou não vila tem se mostrado difícil, por exemplo. Definições e orientações sobre o reconhecimento desses conjuntos foram instituídas nos últimos anos, mas não se chegou a uma que cesse todas as demandas. Ainda mais porque o entendimento popular do que é uma vila difere do oficial.

O projeto de lei e o mapa apresentados pela Câmara apontam que a proteção proposta na revisão do zoneamento iria para além dos registros em cartórios e afins. Abarcaria até imóveis com uso atual não residencial, como cafés, lojas e escritórios.

Nesse cenário, das 15 primeiras audiências públicas da revisão na Câmara, as vilas foram um dos temas discutidos ou reivindicados em ao menos 10. O Estadão tem um mapa interativo com todas as quadras selecionadas, que permite a busca por endereço. O mapeamento do Legislativo envolve os conjuntos do entorno de metrô, trem e corredor, onde há maior pressão imobiliária, mas não todas as vilas da cidade.

Na sexta-feira, 24, a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara decidiu adiar, em uma semana, a apresentação do substitutivo ao projeto de lei da gestão Ricardo Nunes (MDB), com consequente alteração também na data da 1ª votação, que passou para 7 de dezembro. O cronograma prevê votação final em 14 de dezembro, pouco antes do recesso legislativo.

No caso das vilas, a sugestão do Executivo é de que virem Zona Predominantemente Residencial (ZPR), que permite construções de até 10 metros de altura e alguns tipos de comércios e serviços de pequeno porte. Não há veto à demolição dos conjuntos, mas o texto atual determina a manutenção desse tipo de zoneamento mesmo após eventual extinção da vila. Isto é, não teria como comprar todas as casas e substituí-las por prédios altos, apenas por outras construções de padrão semelhante.

Relator fala na possibilidade de mais de um tipo de zoneamento para vilas

Relator da revisão, Rodrigo Goulart inicialmente cogitava seguir o Executivo em relação à transformação das vilas em ZPR, mas identificou nuances que dificultariam uma regra geral ao longo do debate. Ao Estadão, indicou que “possivelmente” o texto substitutivo a ser votado na Câmara terá mais de um zoneamento proposto para esses conjuntos. Essa alternativa envolveria principalmente a questão de usos e atividades, não a altura de edificações, que seguiria horizontal.

A diferenciação de regras poderia envolver até uma mesma vila. Isto é, a parte “interna” teria regramento mais restritivo, enquanto a dos imóveis voltados a vias mais movimentadas seguiria com maior flexibilidade de uso.

“Isso que estamos analisando: qual zoneamento deveria ser enquadrado à vila que deixar de ser ZEU (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana, que é o entorno de metrô, trem e corredor de ônibus)”, afirmou. “Acredito que, internamente, das vilas que deverão ser preservadas, a maioria atenda à característica de ZPR. Se a característica for outra, será outra. Tem vila que internamente tem a característica de vila e, externamente, só tem comércio. Como faz?”, destacou.

A proposta pode se aproximar da função exercida pelas Zonas Corredores (ZCOR), que estão entre as zonas predominantemente ou estritamente residenciais. Esses locais mantêm um limite de altura restritivo, mas permitem mais tipos de atividades comerciais e de serviços. Além disso, o Plano Diretor de 2014 e a sua revisão recém-promulgada têm outro tipo de zoneamento com proposta afim, a Zona de Transição (ZT), hoje não aplicada na cidade.

Ao todo, 1.042 quadras de vilas no entorno de eixos de verticalização foram identificadas pelo Legislativo. Segundo o relator, foram considerados mapas da Prefeitura e de plataformas digitais diversas (Google, por exemplo), identificações in loco e sugestões apresentadas em audiência pública. Até o momento, não há a indicação geográfica exata dos imóveis que seriam protegidos, mas do quarteirão onde estão localizados. Tampouco se sabe quantas casas estão incluídas.

Além de incidir sobre as vilas em si, a mudança impactaria nos vizinhos imediatos, a até 20 metros de distância. Isso porque o zoneamento prevê uma faixa envoltória com verticalização restrita, a fim de evitar o “sufocamento” das casas. Esse limite varia de 15 m a 28 m de altura. No restante da quadra, o zoneamento poderia ser mais flexível, inclusive com incentivo a prédios altos.

O que dizem os especialistas e o mercado imobiliário, afinal?

O Estadão ouviu pesquisadores especializados em legislação urbana e vilas para tratar do tema. Eles avaliam que o debate sobre vilas cresceu como resposta ao boom imobiliário recente, especialmente ao longo da revisão do Plano Diretor. Também falam na necessidade de estudos sobre as características e diversidade desses espaços.

“É uma diretriz geral interessante do ponto de vista urbano, patrimonial, da história da cidade. É importante valorizar e preservar as vilas. Isso é a diretriz geral. A partir disso, se deveria ter um debate local, com técnicos observando, analisando a realidade em cada bairro”, avalia o urbanista Nabil Bonduki, professor da USP e relator do Plano Diretor de 2014. “Proteger as vilas é super importante, mas a coisa só vai ser bem feita se for estudada e debatida.”

Professora do Insper, Camila Maleronka analisa que as vilas vêm de um histórico de pouco espaço na discussão urbana, quase “negligenciadas”. Ela cita que a retomada de olhar para esses conjuntos ocorre, em parte, em resposta ao avanço da verticalização em bairros com diversas vilas e pela relação da população com esses espaços. “Dão identidade para o bairro, têm característica de pertencimento. (Preservá-las) É uma demanda que pessoas, em geral, se sensibilizam”, diz.

Além disso, ela fala que as vilas não implicam necessariamente em um esvaziamento populacional em comparação a prédios verticais. “É difícil generalizar. Muitas vilas hoje em dia estão em lote pequeno, menor do que o mínimo admitido na legislação atualmente, mas, em termos de adensamento, apesar de horizontal, são interessantes do ponto de vista de uso do solo mais eficiente.”

A pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Bianca Tavolari salienta que a proteção de vilas foi proposta pela Câmara também como resposta à intensa oposição de parte da população ao boom de prédios altos. Recentemente, movimentos e moradores conseguiram aprovar tombamentos temporários para manter conjuntos em Pinheiros e perto do Parque do Ibirapuera.

“Apazigua as críticas de quem mora e tem receios de demolição e verticalização”, avalia. Em maio, a minuta da gestão Nunes apontava o oposto e facilitava a demolição em algumas zonas, por exemplo.

Diretor adjunto de Ação Regional do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB-SP) e pesquisador do tema, o urbanista Lucas Chiconi vê a proposta como um “primeiro passo” de uma discussão importante e foi um acerto reconhecer vilas com características variadas. “Isso é muito bom, porque não é homogêneo e democratiza o sentido vila. Principalmente no campo do patrimônio (cultural), se acaba destacando muito os conjuntos operários. Quando se vai para o grosso da cidade, tem vilas que merecem tanta atenção quanto uma vila com arquitetura distinta”, diz.

Para Chiconi, um aspecto importante é olhar para as diferentes realidades desses conjuntos, pois dificilmente normas gerais iriam atender a todas. O conjunto é heterogêneo, desde imóveis valorizados em bairro nobre até moradias de baixa renda. “É arriscado, acaba que a gente iguala situações muito diferentes”, aponta. “Tudo virar ZPR pode ser um equívoco”, exemplifica.

E o que pensa o mercado imobiliário? Um dos pontos mais delicados é a proposta de que o zoneamento restritivo se mantenha mesmo se toda a vila for demolida. Esse trecho é criticado pelo Secovi-SP (que representa as incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário) e a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), por exemplo.

“Se não tem mais ninguém morando, não tem mais casas e não tem valor histórico, qual a lógica? Não tem muito sentido. Essa discussão ainda deve ser aprofundada”, diz o vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes. Para ele, há pontos importantes nesse debate, mas deve-se alinhar o entendimento também do que é vila.

“Uma coisa é preservar vilas com a lógica do ponto de vista histórico. Isso é cuidado de preservação do patrimônio. Outra é preservar vila pela característica especial, de qualidade moradia e que se quer manter na cidade... Mas outra coisa é chamar de vila três ou quatro casas iguais feitas pelo mesmo construtor, o que era comum (décadas atrás). Se extrapola o conceito. Tudo vira vila.”

O projeto de lei reúne outras mudanças significativas antecipadas pelo Estadão. Entre elas, estão o desestímulo à construção de microapartamentos para hospedagem (como Airbnb), a permissão de restaurantes para até 500 pessoas em parques e represas, a criação de uma zona especial com regras mais flexíveis em área militar perto do Parque do Ibirapuera e a proibição a ferros-velhos e comércio de material reciclável no centro, dentre outras.

Em entrevista ao Estadão em setembro, Goulart já havia declarado que faria diversas mudanças na proposta do Executivo. Ele também foi relator da revisão do Plano Diretor neste ano, na qual fez alterações para além das propostas da gestão municipal, quase todas promulgadas por Nunes. O vereador é apoiador do prefeito, que tem maioria no Legislativo.

Quais vilas serão protegidas? Veja mapa interativo com proposta da Câmara

Os conjuntos estão em diversos e diferentes distritos da cidade. Entre eles, estão Tucuruvi, Pirituba e Freguesia do Ó, na zona norte, Perdizes, Pinheiros e Lapa, na oeste, Saúde, Jabaquara e Moema, na sul, e Tatuapé, Penha e Vila Prudente, na leste, além do centro.

O Estadão desenvolveu um mapa interativo com base nos microdados colocados à disposição pela Câmara. A ferramenta permite a busca por endereço e facilita a visualização das quadras com uma ou mais vilas incluídas na proposta.

Como é o atual zoneamento de São Paulo?

O Estadão desenvolveu um mapa interativo do zoneamento atual. A ferramenta foi criada a partir da base de dados oficial da Prefeitura (Geosampa). O material também permite a busca por endereço.

Num futuro próximo, as vilas se tornarão as últimas opções de casas e sobradinhos em alguns dos bairros mais valorizados de São Paulo? Mudanças recém-promulgadas e em discussão final na legislação paulistana têm indicado essa possibilidade, com mecanismos para dificultar a demolição e a extinção desses conjuntos residenciais ante o avanço da verticalização. Mas isso seria bom para a cidade? A resposta não é unânime e depende uma série de variáveis, ainda mais com a iminência de a revisão da Lei de Zoneamento vetar prédios altos em mais de mil quadras de vilas, uma parte em endereços valorizados e com boa oferta de infraestrutura.

A proteção em discussão na Câmara Municipal está com as duas votações previstas para a 1ª quinzena de dezembro. Se o projeto de lei for aprovado e promulgado, pode influenciar na preservação e reconhecimento de um modo de vida que não é mais ofertado em novos empreendimentos, com o veto à construção de prédios verticais. Por outro lado, há dúvidas se não causaria efeitos colaterais indesejados nas vizinhanças — da elitização ao esvaziamento e degradação.

Um dos pontos-chave da discussão é a diversidade de realidades (social, geográfica, de uso e manutenção) desses conjuntos na cidade, o que tem sido discutido na revisão do zoneamento (oficialmente Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo). Relator do projeto, Rodrigo Goulart (PSD) estuda “possivelmente” propor mais de um tipo de zoneamento para esses conjuntos, especialmente para não impedir a manutenção do uso não residencial onde está consolidado há anos.

Pinheiros é um dos bairros que tiveram vilas com preservação indicada no projeto de lei Foto: Felipe Rau/Estadão

O Estadão tem acompanhado o crescente debate público sobre o tema ao longo do ano. Além de identificar parte das demandas e críticas apresentadas pela população e por entidades ao relator do zoneamento, a reportagem ouviu especialistas de diferentes setores, de pesquisadores a representantes do mercado imobiliário.

Em defesa dessa blindagem, fala-se que é preciso implementar um instrumento eficiente de preservação para que as vilas não desapareçam, ainda mais diante da disponibilidade cada vez mais limitada de terrenos passíveis de verticalização em vários pontos da cidade.

Já argumentos contrários indicam que a proteção resultaria no “congelamento” de bairros nos eixos de verticalização. Esses são lugares onde houve alto investimento público para a criação de metrô, trem e corredor de ônibus e são incentivadas novas construções justamente para atender a um maior volume de pessoas, atraindo novos moradores de bairros afastados dos centros.

A situação divide moradores, especialmente entre aqueles que não cogitam se mudar e os que pensam em uma venda futura. Nas audiências públicas, houve de celebrações a críticas. A possibilidade de não ser vizinho de torres de mais de 20 andares é um alento para alguns, enquanto outros chamam a medida de inadequada e falam na possível desvalorização dos imóveis.

Há mais fatores essenciais nessa conta. A delimitação do que é ou não vila tem se mostrado difícil, por exemplo. Definições e orientações sobre o reconhecimento desses conjuntos foram instituídas nos últimos anos, mas não se chegou a uma que cesse todas as demandas. Ainda mais porque o entendimento popular do que é uma vila difere do oficial.

O projeto de lei e o mapa apresentados pela Câmara apontam que a proteção proposta na revisão do zoneamento iria para além dos registros em cartórios e afins. Abarcaria até imóveis com uso atual não residencial, como cafés, lojas e escritórios.

Nesse cenário, das 15 primeiras audiências públicas da revisão na Câmara, as vilas foram um dos temas discutidos ou reivindicados em ao menos 10. O Estadão tem um mapa interativo com todas as quadras selecionadas, que permite a busca por endereço. O mapeamento do Legislativo envolve os conjuntos do entorno de metrô, trem e corredor, onde há maior pressão imobiliária, mas não todas as vilas da cidade.

Na sexta-feira, 24, a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara decidiu adiar, em uma semana, a apresentação do substitutivo ao projeto de lei da gestão Ricardo Nunes (MDB), com consequente alteração também na data da 1ª votação, que passou para 7 de dezembro. O cronograma prevê votação final em 14 de dezembro, pouco antes do recesso legislativo.

No caso das vilas, a sugestão do Executivo é de que virem Zona Predominantemente Residencial (ZPR), que permite construções de até 10 metros de altura e alguns tipos de comércios e serviços de pequeno porte. Não há veto à demolição dos conjuntos, mas o texto atual determina a manutenção desse tipo de zoneamento mesmo após eventual extinção da vila. Isto é, não teria como comprar todas as casas e substituí-las por prédios altos, apenas por outras construções de padrão semelhante.

Relator fala na possibilidade de mais de um tipo de zoneamento para vilas

Relator da revisão, Rodrigo Goulart inicialmente cogitava seguir o Executivo em relação à transformação das vilas em ZPR, mas identificou nuances que dificultariam uma regra geral ao longo do debate. Ao Estadão, indicou que “possivelmente” o texto substitutivo a ser votado na Câmara terá mais de um zoneamento proposto para esses conjuntos. Essa alternativa envolveria principalmente a questão de usos e atividades, não a altura de edificações, que seguiria horizontal.

A diferenciação de regras poderia envolver até uma mesma vila. Isto é, a parte “interna” teria regramento mais restritivo, enquanto a dos imóveis voltados a vias mais movimentadas seguiria com maior flexibilidade de uso.

“Isso que estamos analisando: qual zoneamento deveria ser enquadrado à vila que deixar de ser ZEU (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana, que é o entorno de metrô, trem e corredor de ônibus)”, afirmou. “Acredito que, internamente, das vilas que deverão ser preservadas, a maioria atenda à característica de ZPR. Se a característica for outra, será outra. Tem vila que internamente tem a característica de vila e, externamente, só tem comércio. Como faz?”, destacou.

A proposta pode se aproximar da função exercida pelas Zonas Corredores (ZCOR), que estão entre as zonas predominantemente ou estritamente residenciais. Esses locais mantêm um limite de altura restritivo, mas permitem mais tipos de atividades comerciais e de serviços. Além disso, o Plano Diretor de 2014 e a sua revisão recém-promulgada têm outro tipo de zoneamento com proposta afim, a Zona de Transição (ZT), hoje não aplicada na cidade.

Ao todo, 1.042 quadras de vilas no entorno de eixos de verticalização foram identificadas pelo Legislativo. Segundo o relator, foram considerados mapas da Prefeitura e de plataformas digitais diversas (Google, por exemplo), identificações in loco e sugestões apresentadas em audiência pública. Até o momento, não há a indicação geográfica exata dos imóveis que seriam protegidos, mas do quarteirão onde estão localizados. Tampouco se sabe quantas casas estão incluídas.

Além de incidir sobre as vilas em si, a mudança impactaria nos vizinhos imediatos, a até 20 metros de distância. Isso porque o zoneamento prevê uma faixa envoltória com verticalização restrita, a fim de evitar o “sufocamento” das casas. Esse limite varia de 15 m a 28 m de altura. No restante da quadra, o zoneamento poderia ser mais flexível, inclusive com incentivo a prédios altos.

O que dizem os especialistas e o mercado imobiliário, afinal?

O Estadão ouviu pesquisadores especializados em legislação urbana e vilas para tratar do tema. Eles avaliam que o debate sobre vilas cresceu como resposta ao boom imobiliário recente, especialmente ao longo da revisão do Plano Diretor. Também falam na necessidade de estudos sobre as características e diversidade desses espaços.

“É uma diretriz geral interessante do ponto de vista urbano, patrimonial, da história da cidade. É importante valorizar e preservar as vilas. Isso é a diretriz geral. A partir disso, se deveria ter um debate local, com técnicos observando, analisando a realidade em cada bairro”, avalia o urbanista Nabil Bonduki, professor da USP e relator do Plano Diretor de 2014. “Proteger as vilas é super importante, mas a coisa só vai ser bem feita se for estudada e debatida.”

Professora do Insper, Camila Maleronka analisa que as vilas vêm de um histórico de pouco espaço na discussão urbana, quase “negligenciadas”. Ela cita que a retomada de olhar para esses conjuntos ocorre, em parte, em resposta ao avanço da verticalização em bairros com diversas vilas e pela relação da população com esses espaços. “Dão identidade para o bairro, têm característica de pertencimento. (Preservá-las) É uma demanda que pessoas, em geral, se sensibilizam”, diz.

Além disso, ela fala que as vilas não implicam necessariamente em um esvaziamento populacional em comparação a prédios verticais. “É difícil generalizar. Muitas vilas hoje em dia estão em lote pequeno, menor do que o mínimo admitido na legislação atualmente, mas, em termos de adensamento, apesar de horizontal, são interessantes do ponto de vista de uso do solo mais eficiente.”

A pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Bianca Tavolari salienta que a proteção de vilas foi proposta pela Câmara também como resposta à intensa oposição de parte da população ao boom de prédios altos. Recentemente, movimentos e moradores conseguiram aprovar tombamentos temporários para manter conjuntos em Pinheiros e perto do Parque do Ibirapuera.

“Apazigua as críticas de quem mora e tem receios de demolição e verticalização”, avalia. Em maio, a minuta da gestão Nunes apontava o oposto e facilitava a demolição em algumas zonas, por exemplo.

Diretor adjunto de Ação Regional do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB-SP) e pesquisador do tema, o urbanista Lucas Chiconi vê a proposta como um “primeiro passo” de uma discussão importante e foi um acerto reconhecer vilas com características variadas. “Isso é muito bom, porque não é homogêneo e democratiza o sentido vila. Principalmente no campo do patrimônio (cultural), se acaba destacando muito os conjuntos operários. Quando se vai para o grosso da cidade, tem vilas que merecem tanta atenção quanto uma vila com arquitetura distinta”, diz.

Para Chiconi, um aspecto importante é olhar para as diferentes realidades desses conjuntos, pois dificilmente normas gerais iriam atender a todas. O conjunto é heterogêneo, desde imóveis valorizados em bairro nobre até moradias de baixa renda. “É arriscado, acaba que a gente iguala situações muito diferentes”, aponta. “Tudo virar ZPR pode ser um equívoco”, exemplifica.

E o que pensa o mercado imobiliário? Um dos pontos mais delicados é a proposta de que o zoneamento restritivo se mantenha mesmo se toda a vila for demolida. Esse trecho é criticado pelo Secovi-SP (que representa as incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário) e a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), por exemplo.

“Se não tem mais ninguém morando, não tem mais casas e não tem valor histórico, qual a lógica? Não tem muito sentido. Essa discussão ainda deve ser aprofundada”, diz o vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes. Para ele, há pontos importantes nesse debate, mas deve-se alinhar o entendimento também do que é vila.

“Uma coisa é preservar vilas com a lógica do ponto de vista histórico. Isso é cuidado de preservação do patrimônio. Outra é preservar vila pela característica especial, de qualidade moradia e que se quer manter na cidade... Mas outra coisa é chamar de vila três ou quatro casas iguais feitas pelo mesmo construtor, o que era comum (décadas atrás). Se extrapola o conceito. Tudo vira vila.”

O projeto de lei reúne outras mudanças significativas antecipadas pelo Estadão. Entre elas, estão o desestímulo à construção de microapartamentos para hospedagem (como Airbnb), a permissão de restaurantes para até 500 pessoas em parques e represas, a criação de uma zona especial com regras mais flexíveis em área militar perto do Parque do Ibirapuera e a proibição a ferros-velhos e comércio de material reciclável no centro, dentre outras.

Em entrevista ao Estadão em setembro, Goulart já havia declarado que faria diversas mudanças na proposta do Executivo. Ele também foi relator da revisão do Plano Diretor neste ano, na qual fez alterações para além das propostas da gestão municipal, quase todas promulgadas por Nunes. O vereador é apoiador do prefeito, que tem maioria no Legislativo.

Quais vilas serão protegidas? Veja mapa interativo com proposta da Câmara

Os conjuntos estão em diversos e diferentes distritos da cidade. Entre eles, estão Tucuruvi, Pirituba e Freguesia do Ó, na zona norte, Perdizes, Pinheiros e Lapa, na oeste, Saúde, Jabaquara e Moema, na sul, e Tatuapé, Penha e Vila Prudente, na leste, além do centro.

O Estadão desenvolveu um mapa interativo com base nos microdados colocados à disposição pela Câmara. A ferramenta permite a busca por endereço e facilita a visualização das quadras com uma ou mais vilas incluídas na proposta.

Como é o atual zoneamento de São Paulo?

O Estadão desenvolveu um mapa interativo do zoneamento atual. A ferramenta foi criada a partir da base de dados oficial da Prefeitura (Geosampa). O material também permite a busca por endereço.

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