Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

O mapa da desigualdade em São Paulo


Por Mauro Calliari
 

O indicador de urbanidade e justiça espacial. Mapa: Katia Canova/Jessica Luchesi

 

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A pandemia parece ter escancarado alguns temas que estavam submersos em meio às pautas da cidade: a informalidade dos empregos, a invisibilidade de milhões de pessoas sem registro, e, principalmente a desigualdade, possivelmente a nossa maior fraqueza. Desigualdade na renda, nos transportes, na moradia, na habitação. Cada indicador que se tome demonstra a diferença tremenda entre as duas faces de São Paulo.

 

Uma tese de doutorado* de Katia Canova, arquiteta e urbanista, defendida recentemente na Geografia da USP, procurou juntar esses indicadores todos e criar um "indicador de urbanidade e justiça espacial", que deu origem a uma fotografia bem-vinda dessas desigualdades.

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Conversei com ela sobre o trabalho, as principais conclusões e os desafios da cidade:

 

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A análise hierárquica de dados para a confecção de um diagnóstico

 

A tese apresenta um monumental uso de dados.

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Afinal, Katia dividiu a cidade em quadrículas, com áreas bem pequenas, de 200 metros por 200 metros, um método que aprimorou na Universidade de Lyon. Isso dá incríveis 39.260 quadradinhos.

 

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Em cada um ela agregou informações sobre17 indicadores, entre eles: densidade demográfica, tempo de deslocamento por transporte público, diversidade de atividades, vulnerabilidade social, emprego, valor do solo (que reflete diretamente no preço de moradia), oferta de serviços básicos de saúde, educação e assistência social.

 

Cada indicador é dividido em 5 faixas, que depois são ponderadas e hierarquizadas. O resultado é esse incrível mapa ali em cima.

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Os extremos

 

O mapa demonstra um padrão já conhecido de quem estuda as desigualdades na cidade.

 

No centro e no vetor sudoeste, os bairros que acolhem a população de mais alta renda e que historicamente receberam os maiores investimentos públicos em infraestrutura.

 

Na outra ponta, os setores com menor urbanidade: Cidade Tiradentes. Guaianazes. Brasilândia. Freguesia do Ó. Cidade Ademar, Grajaú, Cidade Dutra, Capão Redondo e Campo. São Mateus e São Rafael e vários outros bairros, muitas vezes distantes do centro, são os que oferecem menor urbanidade, ou qualidade de vida a seus habitantes. "Quando juntamos vários indicadores, o que concluímos é que os bairros ruins em alguma coisa, tendem a ser ruins em tudo. Bairros com mais urbanidade são mais equilibrados".

 

Os setores de urbanidade média

 

Há, porém, uma faixa importante da cidade que tem uma urbanidade que a pesquisadora chama de média. São as áreas amarelas e laranja, no mapa. Ali, há alguns indicadores razoáveis, e carência de outros. São nesses bairros onde, segundo Katia, alguns poucos investimentos já fariam enorme diferença.

 

Esses bairros já têm estrutura urbana que permite até acolher mais moradores, mas tem alguns aspectos que estão sendo subutilizados. Eles constituem a faixa intermediária ao redor do centro, principalmente a leste e norte. Lá, já há "cidade instalada", população com acesso a profissões, estudo e universidades, mas com falta de atratividade para novos empregos e até mesmo para pessoas que  adquiriram uma profissão mas que não conseguem exercer no bairro onde moraram a vida toda.

 

É o caso de Vila Matilde, por exemplo, o bairro de Katia, que, que tem uma massa grande de pessoas com formação e escolaridade e está numa zona intermediária de urbanidade. Não atinge os indicadores de Móoca ou Tatuapé, e nem é tão desprovido quanto São Miguel, por exemplo. Num bairro como esse, há oportunidade de aumento de densidade, investindo em centralidades que estão pouco contempladas nos PIU´s (os Projetos de Intervenção Urbana) atuais.

 

Para onde a cidade deve crescer

 

O estudo ajuda a pensar sobre as possibilidades de crescimento urbano. No Plano Diretor atual o eixo de crescimento foi estabelecido ao longo das marginais. Para Katia, há espaço para discutir outras alternativas, que talvez sejam mais eficientes, por partirem da pré-existência atual, como o arco que abrange as regiões intermediárias entre norte e leste oferece condições de crescimento, descendo para o sul a partir da Vila Maria e Vila Guilherme, passando por Penha, Vila Matilde, Carrão e Aricanduva.

 

É uma grande região que já está consolidada, com ocupação horizontal e que, devidamente impulsionada, com investimentos em espaços públicos e incentivo econômico para moradia, poderia oferecer mais densidade e melhor aproveitamento do solo, em direção a uma cidade mais compacta e com melhores oportunidades de emprego e desenvolvimento local.

 

Densidade

 

O tema da densidade urbana começou a ser muito discutido nos últimos meses por conta da COVID. Na fase inicial, chegou-se a atribuir à densidade o espalhamento da doença até que hoje o assunto parece ter se concentrado na forma como se dá essa densificação.

 

Perguntei à Katia sobre isso e aprendi que a densidade por si só, não é nem boa nem ruim.

 

A ONU define uma faixa entre 200-250 habitantes/ha. como o ponto em que a cidade nem está desperdiçando investimento em infraestrutura e nem gerando uma superpopulação. É preciso colocar em perspectiva a forma como se atinge essa densidade. Com  600 habs/ha. dentro de uma favela, não há espaço para insolação nem espaço público, além, é claro da falta de saneamento estrutural potencializar os efeitos. Bairros como o Pari, que está mostrando dados alarmantes de contágio, apresentam densidade média, mas com presença significativa de trabalhadores informais e moradias coletiva, os cortiços.

 

Em outras configurações, como em Copacabana, no Rio, ou mesmo em cidades européias, densidades altas podem gerar um convívio possível, com diversidade de comércio, habitação barata e cara misturada e boa distribuição de transporte e espaço público. Essa sim, é a tal densidade eficiente.

 

Pautas para as eleições

 

As eleições municipais desse ano serão certamente prejudicadas pela Covid. Se, diante da polarização atual, tivermos alguma condição de nos aprofundar em debates, a conversa com a Katia levanta duas pautas essenciais:

 

A importância da escala regional

 

Os bons diagnósticos regionais precisam de bons dados, mas também de informações qualitativas.

Isso só é possível quando as pessoas que moram em determinada região são ouvidas e externam suas percepções. A retomada dos planos regionais, com mais autonomia para as subprefeituras poderia ser o começo de uma ação mais focada nos territórios, de baixo para cima. É até possível repensar alguns dos 96 distritos para entender se eles dão conta da diversidade dentro de seus territórios.

 

Um rearranjo administrativo poderia facilitar a ação concreta dos planos municipais, mas para isso seria necessário que houvesse um movimento inequívoco em direção à descentralização administrativa, um assunto muito falado mas que implica perda de poder e mais complexidade, coisas a que prefeitos, de uma maneira geral, não são afeitos.

 

A oportunidade de integração dentro da Prefeitura

 

As diversas secretarias e áreas governamentais - educação, saúde, transporte, moradia, etc. - podem atuar em conjuntos no território e não sozinhas, em frentes descoordenadas.Katia, que é assessora da São Paulo Urbanismo, atuou na confecção dos planos regionais, uma iniciativa da gestão anterior que gerou diagnósticos regionais mas que não foi transformada em ações descentralizadas. "Uma das experiências que foi gratificante nos planos regionais foi a possibilidade de conversas transversais entre as diversas secretarias".

 

Se quisermos discutir a redução da desigualdade de verdade, vale a pena começar com diagnósticos  tão profundos como esse, que mergulhem na complexidade da cidade e não fujam dela.

 

 

* A tese deverá estar disponível no Banco de Teses da USP no início do segundo semestre.

CANOVA, Katia. Urbanidade e Justiça Espacial na cidade de São Paulo: metodologia de análise e subsídio para tomada de decisão no planejamento urbano. 2020, 323 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana), defendida em 15/05/2020 - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo

 

O indicador de urbanidade e justiça espacial. Mapa: Katia Canova/Jessica Luchesi

 

A pandemia parece ter escancarado alguns temas que estavam submersos em meio às pautas da cidade: a informalidade dos empregos, a invisibilidade de milhões de pessoas sem registro, e, principalmente a desigualdade, possivelmente a nossa maior fraqueza. Desigualdade na renda, nos transportes, na moradia, na habitação. Cada indicador que se tome demonstra a diferença tremenda entre as duas faces de São Paulo.

 

Uma tese de doutorado* de Katia Canova, arquiteta e urbanista, defendida recentemente na Geografia da USP, procurou juntar esses indicadores todos e criar um "indicador de urbanidade e justiça espacial", que deu origem a uma fotografia bem-vinda dessas desigualdades.

 

Conversei com ela sobre o trabalho, as principais conclusões e os desafios da cidade:

 

A análise hierárquica de dados para a confecção de um diagnóstico

 

A tese apresenta um monumental uso de dados.

 

Afinal, Katia dividiu a cidade em quadrículas, com áreas bem pequenas, de 200 metros por 200 metros, um método que aprimorou na Universidade de Lyon. Isso dá incríveis 39.260 quadradinhos.

 

Em cada um ela agregou informações sobre17 indicadores, entre eles: densidade demográfica, tempo de deslocamento por transporte público, diversidade de atividades, vulnerabilidade social, emprego, valor do solo (que reflete diretamente no preço de moradia), oferta de serviços básicos de saúde, educação e assistência social.

 

Cada indicador é dividido em 5 faixas, que depois são ponderadas e hierarquizadas. O resultado é esse incrível mapa ali em cima.

 

Os extremos

 

O mapa demonstra um padrão já conhecido de quem estuda as desigualdades na cidade.

 

No centro e no vetor sudoeste, os bairros que acolhem a população de mais alta renda e que historicamente receberam os maiores investimentos públicos em infraestrutura.

 

Na outra ponta, os setores com menor urbanidade: Cidade Tiradentes. Guaianazes. Brasilândia. Freguesia do Ó. Cidade Ademar, Grajaú, Cidade Dutra, Capão Redondo e Campo. São Mateus e São Rafael e vários outros bairros, muitas vezes distantes do centro, são os que oferecem menor urbanidade, ou qualidade de vida a seus habitantes. "Quando juntamos vários indicadores, o que concluímos é que os bairros ruins em alguma coisa, tendem a ser ruins em tudo. Bairros com mais urbanidade são mais equilibrados".

 

Os setores de urbanidade média

 

Há, porém, uma faixa importante da cidade que tem uma urbanidade que a pesquisadora chama de média. São as áreas amarelas e laranja, no mapa. Ali, há alguns indicadores razoáveis, e carência de outros. São nesses bairros onde, segundo Katia, alguns poucos investimentos já fariam enorme diferença.

 

Esses bairros já têm estrutura urbana que permite até acolher mais moradores, mas tem alguns aspectos que estão sendo subutilizados. Eles constituem a faixa intermediária ao redor do centro, principalmente a leste e norte. Lá, já há "cidade instalada", população com acesso a profissões, estudo e universidades, mas com falta de atratividade para novos empregos e até mesmo para pessoas que  adquiriram uma profissão mas que não conseguem exercer no bairro onde moraram a vida toda.

 

É o caso de Vila Matilde, por exemplo, o bairro de Katia, que, que tem uma massa grande de pessoas com formação e escolaridade e está numa zona intermediária de urbanidade. Não atinge os indicadores de Móoca ou Tatuapé, e nem é tão desprovido quanto São Miguel, por exemplo. Num bairro como esse, há oportunidade de aumento de densidade, investindo em centralidades que estão pouco contempladas nos PIU´s (os Projetos de Intervenção Urbana) atuais.

 

Para onde a cidade deve crescer

 

O estudo ajuda a pensar sobre as possibilidades de crescimento urbano. No Plano Diretor atual o eixo de crescimento foi estabelecido ao longo das marginais. Para Katia, há espaço para discutir outras alternativas, que talvez sejam mais eficientes, por partirem da pré-existência atual, como o arco que abrange as regiões intermediárias entre norte e leste oferece condições de crescimento, descendo para o sul a partir da Vila Maria e Vila Guilherme, passando por Penha, Vila Matilde, Carrão e Aricanduva.

 

É uma grande região que já está consolidada, com ocupação horizontal e que, devidamente impulsionada, com investimentos em espaços públicos e incentivo econômico para moradia, poderia oferecer mais densidade e melhor aproveitamento do solo, em direção a uma cidade mais compacta e com melhores oportunidades de emprego e desenvolvimento local.

 

Densidade

 

O tema da densidade urbana começou a ser muito discutido nos últimos meses por conta da COVID. Na fase inicial, chegou-se a atribuir à densidade o espalhamento da doença até que hoje o assunto parece ter se concentrado na forma como se dá essa densificação.

 

Perguntei à Katia sobre isso e aprendi que a densidade por si só, não é nem boa nem ruim.

 

A ONU define uma faixa entre 200-250 habitantes/ha. como o ponto em que a cidade nem está desperdiçando investimento em infraestrutura e nem gerando uma superpopulação. É preciso colocar em perspectiva a forma como se atinge essa densidade. Com  600 habs/ha. dentro de uma favela, não há espaço para insolação nem espaço público, além, é claro da falta de saneamento estrutural potencializar os efeitos. Bairros como o Pari, que está mostrando dados alarmantes de contágio, apresentam densidade média, mas com presença significativa de trabalhadores informais e moradias coletiva, os cortiços.

 

Em outras configurações, como em Copacabana, no Rio, ou mesmo em cidades européias, densidades altas podem gerar um convívio possível, com diversidade de comércio, habitação barata e cara misturada e boa distribuição de transporte e espaço público. Essa sim, é a tal densidade eficiente.

 

Pautas para as eleições

 

As eleições municipais desse ano serão certamente prejudicadas pela Covid. Se, diante da polarização atual, tivermos alguma condição de nos aprofundar em debates, a conversa com a Katia levanta duas pautas essenciais:

 

A importância da escala regional

 

Os bons diagnósticos regionais precisam de bons dados, mas também de informações qualitativas.

Isso só é possível quando as pessoas que moram em determinada região são ouvidas e externam suas percepções. A retomada dos planos regionais, com mais autonomia para as subprefeituras poderia ser o começo de uma ação mais focada nos territórios, de baixo para cima. É até possível repensar alguns dos 96 distritos para entender se eles dão conta da diversidade dentro de seus territórios.

 

Um rearranjo administrativo poderia facilitar a ação concreta dos planos municipais, mas para isso seria necessário que houvesse um movimento inequívoco em direção à descentralização administrativa, um assunto muito falado mas que implica perda de poder e mais complexidade, coisas a que prefeitos, de uma maneira geral, não são afeitos.

 

A oportunidade de integração dentro da Prefeitura

 

As diversas secretarias e áreas governamentais - educação, saúde, transporte, moradia, etc. - podem atuar em conjuntos no território e não sozinhas, em frentes descoordenadas.Katia, que é assessora da São Paulo Urbanismo, atuou na confecção dos planos regionais, uma iniciativa da gestão anterior que gerou diagnósticos regionais mas que não foi transformada em ações descentralizadas. "Uma das experiências que foi gratificante nos planos regionais foi a possibilidade de conversas transversais entre as diversas secretarias".

 

Se quisermos discutir a redução da desigualdade de verdade, vale a pena começar com diagnósticos  tão profundos como esse, que mergulhem na complexidade da cidade e não fujam dela.

 

 

* A tese deverá estar disponível no Banco de Teses da USP no início do segundo semestre.

CANOVA, Katia. Urbanidade e Justiça Espacial na cidade de São Paulo: metodologia de análise e subsídio para tomada de decisão no planejamento urbano. 2020, 323 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana), defendida em 15/05/2020 - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo

 

O indicador de urbanidade e justiça espacial. Mapa: Katia Canova/Jessica Luchesi

 

A pandemia parece ter escancarado alguns temas que estavam submersos em meio às pautas da cidade: a informalidade dos empregos, a invisibilidade de milhões de pessoas sem registro, e, principalmente a desigualdade, possivelmente a nossa maior fraqueza. Desigualdade na renda, nos transportes, na moradia, na habitação. Cada indicador que se tome demonstra a diferença tremenda entre as duas faces de São Paulo.

 

Uma tese de doutorado* de Katia Canova, arquiteta e urbanista, defendida recentemente na Geografia da USP, procurou juntar esses indicadores todos e criar um "indicador de urbanidade e justiça espacial", que deu origem a uma fotografia bem-vinda dessas desigualdades.

 

Conversei com ela sobre o trabalho, as principais conclusões e os desafios da cidade:

 

A análise hierárquica de dados para a confecção de um diagnóstico

 

A tese apresenta um monumental uso de dados.

 

Afinal, Katia dividiu a cidade em quadrículas, com áreas bem pequenas, de 200 metros por 200 metros, um método que aprimorou na Universidade de Lyon. Isso dá incríveis 39.260 quadradinhos.

 

Em cada um ela agregou informações sobre17 indicadores, entre eles: densidade demográfica, tempo de deslocamento por transporte público, diversidade de atividades, vulnerabilidade social, emprego, valor do solo (que reflete diretamente no preço de moradia), oferta de serviços básicos de saúde, educação e assistência social.

 

Cada indicador é dividido em 5 faixas, que depois são ponderadas e hierarquizadas. O resultado é esse incrível mapa ali em cima.

 

Os extremos

 

O mapa demonstra um padrão já conhecido de quem estuda as desigualdades na cidade.

 

No centro e no vetor sudoeste, os bairros que acolhem a população de mais alta renda e que historicamente receberam os maiores investimentos públicos em infraestrutura.

 

Na outra ponta, os setores com menor urbanidade: Cidade Tiradentes. Guaianazes. Brasilândia. Freguesia do Ó. Cidade Ademar, Grajaú, Cidade Dutra, Capão Redondo e Campo. São Mateus e São Rafael e vários outros bairros, muitas vezes distantes do centro, são os que oferecem menor urbanidade, ou qualidade de vida a seus habitantes. "Quando juntamos vários indicadores, o que concluímos é que os bairros ruins em alguma coisa, tendem a ser ruins em tudo. Bairros com mais urbanidade são mais equilibrados".

 

Os setores de urbanidade média

 

Há, porém, uma faixa importante da cidade que tem uma urbanidade que a pesquisadora chama de média. São as áreas amarelas e laranja, no mapa. Ali, há alguns indicadores razoáveis, e carência de outros. São nesses bairros onde, segundo Katia, alguns poucos investimentos já fariam enorme diferença.

 

Esses bairros já têm estrutura urbana que permite até acolher mais moradores, mas tem alguns aspectos que estão sendo subutilizados. Eles constituem a faixa intermediária ao redor do centro, principalmente a leste e norte. Lá, já há "cidade instalada", população com acesso a profissões, estudo e universidades, mas com falta de atratividade para novos empregos e até mesmo para pessoas que  adquiriram uma profissão mas que não conseguem exercer no bairro onde moraram a vida toda.

 

É o caso de Vila Matilde, por exemplo, o bairro de Katia, que, que tem uma massa grande de pessoas com formação e escolaridade e está numa zona intermediária de urbanidade. Não atinge os indicadores de Móoca ou Tatuapé, e nem é tão desprovido quanto São Miguel, por exemplo. Num bairro como esse, há oportunidade de aumento de densidade, investindo em centralidades que estão pouco contempladas nos PIU´s (os Projetos de Intervenção Urbana) atuais.

 

Para onde a cidade deve crescer

 

O estudo ajuda a pensar sobre as possibilidades de crescimento urbano. No Plano Diretor atual o eixo de crescimento foi estabelecido ao longo das marginais. Para Katia, há espaço para discutir outras alternativas, que talvez sejam mais eficientes, por partirem da pré-existência atual, como o arco que abrange as regiões intermediárias entre norte e leste oferece condições de crescimento, descendo para o sul a partir da Vila Maria e Vila Guilherme, passando por Penha, Vila Matilde, Carrão e Aricanduva.

 

É uma grande região que já está consolidada, com ocupação horizontal e que, devidamente impulsionada, com investimentos em espaços públicos e incentivo econômico para moradia, poderia oferecer mais densidade e melhor aproveitamento do solo, em direção a uma cidade mais compacta e com melhores oportunidades de emprego e desenvolvimento local.

 

Densidade

 

O tema da densidade urbana começou a ser muito discutido nos últimos meses por conta da COVID. Na fase inicial, chegou-se a atribuir à densidade o espalhamento da doença até que hoje o assunto parece ter se concentrado na forma como se dá essa densificação.

 

Perguntei à Katia sobre isso e aprendi que a densidade por si só, não é nem boa nem ruim.

 

A ONU define uma faixa entre 200-250 habitantes/ha. como o ponto em que a cidade nem está desperdiçando investimento em infraestrutura e nem gerando uma superpopulação. É preciso colocar em perspectiva a forma como se atinge essa densidade. Com  600 habs/ha. dentro de uma favela, não há espaço para insolação nem espaço público, além, é claro da falta de saneamento estrutural potencializar os efeitos. Bairros como o Pari, que está mostrando dados alarmantes de contágio, apresentam densidade média, mas com presença significativa de trabalhadores informais e moradias coletiva, os cortiços.

 

Em outras configurações, como em Copacabana, no Rio, ou mesmo em cidades européias, densidades altas podem gerar um convívio possível, com diversidade de comércio, habitação barata e cara misturada e boa distribuição de transporte e espaço público. Essa sim, é a tal densidade eficiente.

 

Pautas para as eleições

 

As eleições municipais desse ano serão certamente prejudicadas pela Covid. Se, diante da polarização atual, tivermos alguma condição de nos aprofundar em debates, a conversa com a Katia levanta duas pautas essenciais:

 

A importância da escala regional

 

Os bons diagnósticos regionais precisam de bons dados, mas também de informações qualitativas.

Isso só é possível quando as pessoas que moram em determinada região são ouvidas e externam suas percepções. A retomada dos planos regionais, com mais autonomia para as subprefeituras poderia ser o começo de uma ação mais focada nos territórios, de baixo para cima. É até possível repensar alguns dos 96 distritos para entender se eles dão conta da diversidade dentro de seus territórios.

 

Um rearranjo administrativo poderia facilitar a ação concreta dos planos municipais, mas para isso seria necessário que houvesse um movimento inequívoco em direção à descentralização administrativa, um assunto muito falado mas que implica perda de poder e mais complexidade, coisas a que prefeitos, de uma maneira geral, não são afeitos.

 

A oportunidade de integração dentro da Prefeitura

 

As diversas secretarias e áreas governamentais - educação, saúde, transporte, moradia, etc. - podem atuar em conjuntos no território e não sozinhas, em frentes descoordenadas.Katia, que é assessora da São Paulo Urbanismo, atuou na confecção dos planos regionais, uma iniciativa da gestão anterior que gerou diagnósticos regionais mas que não foi transformada em ações descentralizadas. "Uma das experiências que foi gratificante nos planos regionais foi a possibilidade de conversas transversais entre as diversas secretarias".

 

Se quisermos discutir a redução da desigualdade de verdade, vale a pena começar com diagnósticos  tão profundos como esse, que mergulhem na complexidade da cidade e não fujam dela.

 

 

* A tese deverá estar disponível no Banco de Teses da USP no início do segundo semestre.

CANOVA, Katia. Urbanidade e Justiça Espacial na cidade de São Paulo: metodologia de análise e subsídio para tomada de decisão no planejamento urbano. 2020, 323 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana), defendida em 15/05/2020 - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo

 

O indicador de urbanidade e justiça espacial. Mapa: Katia Canova/Jessica Luchesi

 

A pandemia parece ter escancarado alguns temas que estavam submersos em meio às pautas da cidade: a informalidade dos empregos, a invisibilidade de milhões de pessoas sem registro, e, principalmente a desigualdade, possivelmente a nossa maior fraqueza. Desigualdade na renda, nos transportes, na moradia, na habitação. Cada indicador que se tome demonstra a diferença tremenda entre as duas faces de São Paulo.

 

Uma tese de doutorado* de Katia Canova, arquiteta e urbanista, defendida recentemente na Geografia da USP, procurou juntar esses indicadores todos e criar um "indicador de urbanidade e justiça espacial", que deu origem a uma fotografia bem-vinda dessas desigualdades.

 

Conversei com ela sobre o trabalho, as principais conclusões e os desafios da cidade:

 

A análise hierárquica de dados para a confecção de um diagnóstico

 

A tese apresenta um monumental uso de dados.

 

Afinal, Katia dividiu a cidade em quadrículas, com áreas bem pequenas, de 200 metros por 200 metros, um método que aprimorou na Universidade de Lyon. Isso dá incríveis 39.260 quadradinhos.

 

Em cada um ela agregou informações sobre17 indicadores, entre eles: densidade demográfica, tempo de deslocamento por transporte público, diversidade de atividades, vulnerabilidade social, emprego, valor do solo (que reflete diretamente no preço de moradia), oferta de serviços básicos de saúde, educação e assistência social.

 

Cada indicador é dividido em 5 faixas, que depois são ponderadas e hierarquizadas. O resultado é esse incrível mapa ali em cima.

 

Os extremos

 

O mapa demonstra um padrão já conhecido de quem estuda as desigualdades na cidade.

 

No centro e no vetor sudoeste, os bairros que acolhem a população de mais alta renda e que historicamente receberam os maiores investimentos públicos em infraestrutura.

 

Na outra ponta, os setores com menor urbanidade: Cidade Tiradentes. Guaianazes. Brasilândia. Freguesia do Ó. Cidade Ademar, Grajaú, Cidade Dutra, Capão Redondo e Campo. São Mateus e São Rafael e vários outros bairros, muitas vezes distantes do centro, são os que oferecem menor urbanidade, ou qualidade de vida a seus habitantes. "Quando juntamos vários indicadores, o que concluímos é que os bairros ruins em alguma coisa, tendem a ser ruins em tudo. Bairros com mais urbanidade são mais equilibrados".

 

Os setores de urbanidade média

 

Há, porém, uma faixa importante da cidade que tem uma urbanidade que a pesquisadora chama de média. São as áreas amarelas e laranja, no mapa. Ali, há alguns indicadores razoáveis, e carência de outros. São nesses bairros onde, segundo Katia, alguns poucos investimentos já fariam enorme diferença.

 

Esses bairros já têm estrutura urbana que permite até acolher mais moradores, mas tem alguns aspectos que estão sendo subutilizados. Eles constituem a faixa intermediária ao redor do centro, principalmente a leste e norte. Lá, já há "cidade instalada", população com acesso a profissões, estudo e universidades, mas com falta de atratividade para novos empregos e até mesmo para pessoas que  adquiriram uma profissão mas que não conseguem exercer no bairro onde moraram a vida toda.

 

É o caso de Vila Matilde, por exemplo, o bairro de Katia, que, que tem uma massa grande de pessoas com formação e escolaridade e está numa zona intermediária de urbanidade. Não atinge os indicadores de Móoca ou Tatuapé, e nem é tão desprovido quanto São Miguel, por exemplo. Num bairro como esse, há oportunidade de aumento de densidade, investindo em centralidades que estão pouco contempladas nos PIU´s (os Projetos de Intervenção Urbana) atuais.

 

Para onde a cidade deve crescer

 

O estudo ajuda a pensar sobre as possibilidades de crescimento urbano. No Plano Diretor atual o eixo de crescimento foi estabelecido ao longo das marginais. Para Katia, há espaço para discutir outras alternativas, que talvez sejam mais eficientes, por partirem da pré-existência atual, como o arco que abrange as regiões intermediárias entre norte e leste oferece condições de crescimento, descendo para o sul a partir da Vila Maria e Vila Guilherme, passando por Penha, Vila Matilde, Carrão e Aricanduva.

 

É uma grande região que já está consolidada, com ocupação horizontal e que, devidamente impulsionada, com investimentos em espaços públicos e incentivo econômico para moradia, poderia oferecer mais densidade e melhor aproveitamento do solo, em direção a uma cidade mais compacta e com melhores oportunidades de emprego e desenvolvimento local.

 

Densidade

 

O tema da densidade urbana começou a ser muito discutido nos últimos meses por conta da COVID. Na fase inicial, chegou-se a atribuir à densidade o espalhamento da doença até que hoje o assunto parece ter se concentrado na forma como se dá essa densificação.

 

Perguntei à Katia sobre isso e aprendi que a densidade por si só, não é nem boa nem ruim.

 

A ONU define uma faixa entre 200-250 habitantes/ha. como o ponto em que a cidade nem está desperdiçando investimento em infraestrutura e nem gerando uma superpopulação. É preciso colocar em perspectiva a forma como se atinge essa densidade. Com  600 habs/ha. dentro de uma favela, não há espaço para insolação nem espaço público, além, é claro da falta de saneamento estrutural potencializar os efeitos. Bairros como o Pari, que está mostrando dados alarmantes de contágio, apresentam densidade média, mas com presença significativa de trabalhadores informais e moradias coletiva, os cortiços.

 

Em outras configurações, como em Copacabana, no Rio, ou mesmo em cidades européias, densidades altas podem gerar um convívio possível, com diversidade de comércio, habitação barata e cara misturada e boa distribuição de transporte e espaço público. Essa sim, é a tal densidade eficiente.

 

Pautas para as eleições

 

As eleições municipais desse ano serão certamente prejudicadas pela Covid. Se, diante da polarização atual, tivermos alguma condição de nos aprofundar em debates, a conversa com a Katia levanta duas pautas essenciais:

 

A importância da escala regional

 

Os bons diagnósticos regionais precisam de bons dados, mas também de informações qualitativas.

Isso só é possível quando as pessoas que moram em determinada região são ouvidas e externam suas percepções. A retomada dos planos regionais, com mais autonomia para as subprefeituras poderia ser o começo de uma ação mais focada nos territórios, de baixo para cima. É até possível repensar alguns dos 96 distritos para entender se eles dão conta da diversidade dentro de seus territórios.

 

Um rearranjo administrativo poderia facilitar a ação concreta dos planos municipais, mas para isso seria necessário que houvesse um movimento inequívoco em direção à descentralização administrativa, um assunto muito falado mas que implica perda de poder e mais complexidade, coisas a que prefeitos, de uma maneira geral, não são afeitos.

 

A oportunidade de integração dentro da Prefeitura

 

As diversas secretarias e áreas governamentais - educação, saúde, transporte, moradia, etc. - podem atuar em conjuntos no território e não sozinhas, em frentes descoordenadas.Katia, que é assessora da São Paulo Urbanismo, atuou na confecção dos planos regionais, uma iniciativa da gestão anterior que gerou diagnósticos regionais mas que não foi transformada em ações descentralizadas. "Uma das experiências que foi gratificante nos planos regionais foi a possibilidade de conversas transversais entre as diversas secretarias".

 

Se quisermos discutir a redução da desigualdade de verdade, vale a pena começar com diagnósticos  tão profundos como esse, que mergulhem na complexidade da cidade e não fujam dela.

 

 

* A tese deverá estar disponível no Banco de Teses da USP no início do segundo semestre.

CANOVA, Katia. Urbanidade e Justiça Espacial na cidade de São Paulo: metodologia de análise e subsídio para tomada de decisão no planejamento urbano. 2020, 323 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana), defendida em 15/05/2020 - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo

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