Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

Zumbis com celulares nas mãos


Por Mauro Calliari
Ilustração Steve Cutts - http://www.stevecutts.com/ Foto: Estadão

Outro dia, estava andando na Barão de Itapetininga, em direção ao teatro Municipal. Na rua cheia de gente, desviava de vendedores de loteria, de homens-sanduíche com ofertas de emprego, de cantores religiosos, mas me intriguei com um homem que vinha andando em minha direção, segurando um celular.

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Ele olhava fixamente para aparelho. Ao mesmo tempo, teclava, passava o dedo na tela, falava consigo mesmo, e parecia esperar do celular uma resposta para algum problema muito grave, urgente mesmo, a ponto de ignorar a Barão de Itapetininga, os vendedores, os homens-sanduíche, os cantores, e eu.

Quanto mais intensamente segurava o celular, mais rápido rápido andava em minha direção. Não sei porque, mas resolvi que não iria sair da frente.Talvez achasse ridículo um adulto andar sem olhar para seu caminho, talvez estivesse curioso para ver até ver onde ele iria.

Pois ele continuou andando e olhando para o celular até que, a uns poucos centímetros de mim, estancou. Olhou-me irritado, como se eu tivesse invadido seu mundo virtual. Parecia querer dizer algo, mas desistiu e olhou para seu celular. E seguiu em frente, embora, resmungando algo incompreensível em língua de zumbi.

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Isso anda acontecendo em toda a parte. Todo psicólogo, antropólogo, sociólogo já estudou e escreveu sobre o celular e a nova sociedade contemporânea. Como, ao mesmo tempo em que ele nos conecta com quem está longe, nos afasta de quem está perto. Como, numa sala de espera, a pessoa fica acometida de uma solidão invencível, em meio à multidão conectada.

Pensando nisso, num vagão do metrô, resolvo olhar para as telas para descobrir o que pode ser tão absorvente e urgente. Vejo joguinhos. Aparentemente, há bolinhas coloridas que encostam em outras bolinhas e que depois explodem. Vejo caixinhas de diálogos recheadas de figurinhas, corações, carinhas. Vejo fotos, muitas fotos, vídeos de gatos e pandas, e ouço música que vaza dos fones.

Concluo que não há nenhuma urgência, há apenas o vício.

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Essas pessoas sobem as escadas rolantes olhando para a tela e tropeçam no último degrau. Elas chegam a uma esquina e não conseguem decidir se seguem ou se param. Outras estancam na frente do caixa e ficam boquiabertas diante da pergunta: "quer nota fiscal?". Vi uma moça numa fila da farmácia. Acho que ela ainda está lá, parada, lambendo a tela com o dedo, enquanto a atendente tenta fazê-la lembrar do código do programa de fidelidade.

Uma cidade na Holanda resolveu ajudar os pedestres distraídos com seus aparelhos, a não morrerem atropelados. Na beirada da calçada, instalaram uma luz forte, no chão, que alerta para o perigo.

O problema maior, porém, é quando a pessoa que olha o celular está dirigindo.

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Entre a maquininha de 200 gramas e a máquina de uma tonelada, o sujeito escolhe a primeira.E o carro fica na mão de um zumbi.

Alguns, em estado mais avançado de dependência, começam a teclar, antes do carro parar totalmente e não vêem a faixa, os pedestres, os outros carros. Só a tela, com o monstrinho que come as frutinhas coloridas, ou a mensagem com o homenzinho amarelo sorrindo.

E quando batem o carro, ou atropelam alguém, não se dão conta de que cometeram um crime. Afinal, eles tinham que abrir o vídeo dos patinhos que atravessam a rua em Los Angeles pois nada parecia ser mais importante naquele momento.

Ilustração Steve Cutts - http://www.stevecutts.com/ Foto: Estadão

Outro dia, estava andando na Barão de Itapetininga, em direção ao teatro Municipal. Na rua cheia de gente, desviava de vendedores de loteria, de homens-sanduíche com ofertas de emprego, de cantores religiosos, mas me intriguei com um homem que vinha andando em minha direção, segurando um celular.

Ele olhava fixamente para aparelho. Ao mesmo tempo, teclava, passava o dedo na tela, falava consigo mesmo, e parecia esperar do celular uma resposta para algum problema muito grave, urgente mesmo, a ponto de ignorar a Barão de Itapetininga, os vendedores, os homens-sanduíche, os cantores, e eu.

Quanto mais intensamente segurava o celular, mais rápido rápido andava em minha direção. Não sei porque, mas resolvi que não iria sair da frente.Talvez achasse ridículo um adulto andar sem olhar para seu caminho, talvez estivesse curioso para ver até ver onde ele iria.

Pois ele continuou andando e olhando para o celular até que, a uns poucos centímetros de mim, estancou. Olhou-me irritado, como se eu tivesse invadido seu mundo virtual. Parecia querer dizer algo, mas desistiu e olhou para seu celular. E seguiu em frente, embora, resmungando algo incompreensível em língua de zumbi.

Isso anda acontecendo em toda a parte. Todo psicólogo, antropólogo, sociólogo já estudou e escreveu sobre o celular e a nova sociedade contemporânea. Como, ao mesmo tempo em que ele nos conecta com quem está longe, nos afasta de quem está perto. Como, numa sala de espera, a pessoa fica acometida de uma solidão invencível, em meio à multidão conectada.

Pensando nisso, num vagão do metrô, resolvo olhar para as telas para descobrir o que pode ser tão absorvente e urgente. Vejo joguinhos. Aparentemente, há bolinhas coloridas que encostam em outras bolinhas e que depois explodem. Vejo caixinhas de diálogos recheadas de figurinhas, corações, carinhas. Vejo fotos, muitas fotos, vídeos de gatos e pandas, e ouço música que vaza dos fones.

Concluo que não há nenhuma urgência, há apenas o vício.

Essas pessoas sobem as escadas rolantes olhando para a tela e tropeçam no último degrau. Elas chegam a uma esquina e não conseguem decidir se seguem ou se param. Outras estancam na frente do caixa e ficam boquiabertas diante da pergunta: "quer nota fiscal?". Vi uma moça numa fila da farmácia. Acho que ela ainda está lá, parada, lambendo a tela com o dedo, enquanto a atendente tenta fazê-la lembrar do código do programa de fidelidade.

Uma cidade na Holanda resolveu ajudar os pedestres distraídos com seus aparelhos, a não morrerem atropelados. Na beirada da calçada, instalaram uma luz forte, no chão, que alerta para o perigo.

O problema maior, porém, é quando a pessoa que olha o celular está dirigindo.

Entre a maquininha de 200 gramas e a máquina de uma tonelada, o sujeito escolhe a primeira.E o carro fica na mão de um zumbi.

Alguns, em estado mais avançado de dependência, começam a teclar, antes do carro parar totalmente e não vêem a faixa, os pedestres, os outros carros. Só a tela, com o monstrinho que come as frutinhas coloridas, ou a mensagem com o homenzinho amarelo sorrindo.

E quando batem o carro, ou atropelam alguém, não se dão conta de que cometeram um crime. Afinal, eles tinham que abrir o vídeo dos patinhos que atravessam a rua em Los Angeles pois nada parecia ser mais importante naquele momento.

Ilustração Steve Cutts - http://www.stevecutts.com/ Foto: Estadão

Outro dia, estava andando na Barão de Itapetininga, em direção ao teatro Municipal. Na rua cheia de gente, desviava de vendedores de loteria, de homens-sanduíche com ofertas de emprego, de cantores religiosos, mas me intriguei com um homem que vinha andando em minha direção, segurando um celular.

Ele olhava fixamente para aparelho. Ao mesmo tempo, teclava, passava o dedo na tela, falava consigo mesmo, e parecia esperar do celular uma resposta para algum problema muito grave, urgente mesmo, a ponto de ignorar a Barão de Itapetininga, os vendedores, os homens-sanduíche, os cantores, e eu.

Quanto mais intensamente segurava o celular, mais rápido rápido andava em minha direção. Não sei porque, mas resolvi que não iria sair da frente.Talvez achasse ridículo um adulto andar sem olhar para seu caminho, talvez estivesse curioso para ver até ver onde ele iria.

Pois ele continuou andando e olhando para o celular até que, a uns poucos centímetros de mim, estancou. Olhou-me irritado, como se eu tivesse invadido seu mundo virtual. Parecia querer dizer algo, mas desistiu e olhou para seu celular. E seguiu em frente, embora, resmungando algo incompreensível em língua de zumbi.

Isso anda acontecendo em toda a parte. Todo psicólogo, antropólogo, sociólogo já estudou e escreveu sobre o celular e a nova sociedade contemporânea. Como, ao mesmo tempo em que ele nos conecta com quem está longe, nos afasta de quem está perto. Como, numa sala de espera, a pessoa fica acometida de uma solidão invencível, em meio à multidão conectada.

Pensando nisso, num vagão do metrô, resolvo olhar para as telas para descobrir o que pode ser tão absorvente e urgente. Vejo joguinhos. Aparentemente, há bolinhas coloridas que encostam em outras bolinhas e que depois explodem. Vejo caixinhas de diálogos recheadas de figurinhas, corações, carinhas. Vejo fotos, muitas fotos, vídeos de gatos e pandas, e ouço música que vaza dos fones.

Concluo que não há nenhuma urgência, há apenas o vício.

Essas pessoas sobem as escadas rolantes olhando para a tela e tropeçam no último degrau. Elas chegam a uma esquina e não conseguem decidir se seguem ou se param. Outras estancam na frente do caixa e ficam boquiabertas diante da pergunta: "quer nota fiscal?". Vi uma moça numa fila da farmácia. Acho que ela ainda está lá, parada, lambendo a tela com o dedo, enquanto a atendente tenta fazê-la lembrar do código do programa de fidelidade.

Uma cidade na Holanda resolveu ajudar os pedestres distraídos com seus aparelhos, a não morrerem atropelados. Na beirada da calçada, instalaram uma luz forte, no chão, que alerta para o perigo.

O problema maior, porém, é quando a pessoa que olha o celular está dirigindo.

Entre a maquininha de 200 gramas e a máquina de uma tonelada, o sujeito escolhe a primeira.E o carro fica na mão de um zumbi.

Alguns, em estado mais avançado de dependência, começam a teclar, antes do carro parar totalmente e não vêem a faixa, os pedestres, os outros carros. Só a tela, com o monstrinho que come as frutinhas coloridas, ou a mensagem com o homenzinho amarelo sorrindo.

E quando batem o carro, ou atropelam alguém, não se dão conta de que cometeram um crime. Afinal, eles tinham que abrir o vídeo dos patinhos que atravessam a rua em Los Angeles pois nada parecia ser mais importante naquele momento.

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