Capela ‘secreta’ que reúne tesouros da arte brasileira é restaurada em SP; veja como ficou


Infiltrações colocavam em risco Capela Cristo Operário, na zona sul; espaço restaurado é patrimônio cultural tombado e tem obras de Volpi, Geraldo de Barros e mais artistas

Por Priscila Mengue

Detrás do muro, da fiação, dos portões e das árvores, um “tesouro” permaneceu quase escondido durante os últimos anos na zona sul de São Paulo: a Capela Cristo Operário. Um restauro recém-entregue tem buscado mudar esse cenário, com intervenções para destacar a presença do templo religioso e combater infiltrações que ameaçavam obras de alguns dos mais importantes nomes da arte brasileira, como Alfredo Volpi, Geraldo de Barros, Yolanda Mohalyi e Moussia Pinto Alves.

Altar da Capela Cristo Operário reúne três afrescos de Alfredo Volpi — com Cristo Operário ao centro e a Sagrada Família e o sermão de Santo Antônio aos peixes nas laterais Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A entrega da restauração ocorre a um ano do aniversário de duas décadas do tombamento estadual da capela como patrimônio cultural do Estado de São Paulo, determinado após uma mobilização popular. Além dos nomes já citados, o projeto envolve, ainda, paisagismo de Roberto Burle Marx, objetos de culto do italiano Giandomenico de Marchis, mural da italiana Giuliana Segre Giorgi, pia de água benta do francês Robert Tatin e luminárias de autoria de Elisabeth Nobiling.

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“Toda obra de arte é, de certo modo, a eternização de um momento presente”, descreve Frei Marcos Augusto de Andrade Alexandre, pároco da Paróquia Sagrada Família, que abrange a capela. “Mesmo depois de tantos anos, a Capela Cristo Operário, em sua simplicidade, humildade, continua a falar de Deus, da união, do trabalho.”

O espaço fica localizado na Rua Vergueiro, no distrito Cursino, subprefeitura Ipiranga. O restauro durou cinco meses, com a retomada das missas dominicais neste mês, sempre às 8h30. Uma parte dos objetivos litúrgicos originais e outros itens do acervo antes guardados passaram a ficar expostos no salão paroquial, dentro de uma vitrine iluminada.

Capela tem quatro vitrais de Alfredo Volpi (ao fundo, o de São Marcos), duas esculturas Moussia Pinto Alves (à direita, a de São João Batista) e luminárias de Elisabeth Nobiling Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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A capela é de uma arquitetura simples e que, em parte, utilizou a estrutura de um antigo armazém, localizada no alto de uma pequena colina. É toda branca, sem adornos vultosos ou brilhantes, tanto que tem “singeleza” como um dos atributos mais citados por aqueles que a descrevem.

Ao adentrar o templo, avista-se o Cristo Operário de braços abertos no mural do altar. Não está na cruz, mas na frente de uma fábrica, retratado nos traços geométricos vistos em obras sacras de Volpi. Nas laterais, outros dois murais retratam a Sagrada Família, com José no ofício de marceneiro a ser observado por Jesus e Maria, e o famoso sermão de Santo Antônio a um cardume de peixes.

Na parte principal da igreja, luminárias de cerâmica de Elisabeth Nobiling se distribuem pelas paredes laterais, com figuras como de peixes, uvas, pássaro e coroa de espinhos. Intercalados, estão vitrais de Volpi, que retratam quatro santos católicos, com os nomes e respectivos símbolos.

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Escultura de Moussia Pinto Alves, vitral de Volpi e bancos projetados por Geraldo de Barros Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Logo na entrada, à direita, o batistério traz três murais de Yolanda Mohalyi: Pomba da Paz, Anunciação e Árvore da Vida. Móveis projetados por Geraldo de Barros espalham-se pela capela, como os bancos, a mesa do altar e a estante da sacristia. Junto ao altar, grandes esculturas de autoria de Moussia Pinto Alves retratam São João Batista e Nossa Senhora.

As obras seguem pela sacristia, onde um vitral de Geraldo de Barros se soma ao afresco do Nascimento de Cristo, de autoria de Giuliana Segre Giorgi. Também há um segundo mural, sem autoria confirmada, descoberto há cerca de 15 anos, quando a capela passou pelo penúltimo (e maior) restauro.

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“A reunião de todos esses artistas do moderno torna essa capela única”, aponta Danielle Pereira, pesquisadora de arte sacra e pós-doutora em História da Arte. Ela destaca a arquitetura simples, com uma torre sineira lateral, sem ornamentação e brilho marcados. “Tem características das capelas rurais, mas recheada de obras de arte.”

A pesquisadora relata ter percebido que até moradores do entorno desconhecem o espaço. “Quando fiz a Jornada do Patrimônio, muita gente disse que passava todo dia e não via a capela.”

Geraldo de Barros desenhou móveis da capela e vitral da sacristia (à esquerda); ao fundo, mural 'Nascimento de Cristo', de Giuliana Segre Giorgi Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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Restauro envolveu trabalho minucioso para não danificar afrescos

O projeto de restauro começou a ser desenvolvido em 2020. A execução envolveu principalmente ações de combate a infiltrações e umidade ascendente. Também trouxe um nova proposta luminotécnica, a fim de valorizar as obras de arte e a arquitetura da capela.

“A iluminação estava muito aquém do necessário e não valorizava as obras artísticas e a própria dinâmica da celebração”, explica a arquiteta Mariana Falqueiro, sócia diretora da Tapera Arquitetura e Patrimônio Cultural, responsável pelo restauro.

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A nova iluminação envolveu mudanças na distribuição e nos modelos das lâmpadas, que passaram a ser LED, para não danificar os murais. Na parte externa, também foi incrementada para valorizar a vista da capela, assim como foi feita a remoção de uma parte da vegetação que encobria o templo religioso.

Como grande parte das obras de arte são afrescos (pintados originalmente na argamassa úmida), os trabalhos exigiram delicadeza. Foram utilizados instrumentos de precisão, como bisturis e seringas, por exemplo. No batistério, precisou-se reverter o esfarelamento de trechos das paredes com murais, assim como problemas semelhantes foram vistos em outros pontos.

Diferentes técnicas de análise foram empregadas para a identificação de patologias. Dentre elas, estão avaliações químicas, com luz ultravioleta e a partir da microfotografia (que permite visualizar a imagem com mais de 60 vezes o tamanho natural).

No afresco Nascimento de Cristo, de Giuliana Segre Giorgi, por exemplo, foi feita a limpeza e a retirada de camadas de tinta posteriores que sobrepunham uma parte do mural. Também foi aplicada uma pequena quantidade de argamassa, com o uso de uma seringa, como parte de um tratamento de fissuras e trincas.

Restauro também buscou destacar visibilidade da Capela Cristo Operário a partir da Rua Vergueiro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Além disso, o restauro envolveu a retirada de todas as telhas, para que fosse refeito todo o sistema de captação de água, que era despejada no nível do piso e, por vezes, afetava as paredes da capela. “A ideia é ser uma obra que não apareça”, resume Mariana Falqueiro. Isto é, resolva e evite problemas sem descaracterizar o imóvel.

A obra envolveu a restauração de todo o mobiliário, em madeira e projetado pelo artista Geraldo de Barros, como os bancos, o armário da sacristia e outros. Também abrangeu o paisagismo e a pintura de outras construções do conjunto, integrante da antiga fábrica Unilabor.

Ao todo, mais de 70 pessoas estiveram envolvidas no restauro. Segundo a arquiteta, a capela precisará de manutenção simples, como limpeza das calhas e ventilação periódicas.

Capela Cristo Operário mantém móveis e arquitetura originais; com restauro, ganhou sistema de iluminação que não danifica e valoriza obras de arte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O restauro custou cerca de R$ 950 mil, obtidos por meio da Transferência de Direito Construtivo (TDC). Trata-se de um incentivo municipal para bens tombados em que o proprietário pode “vender” o potencial construtivo do imóvel preservado — o total que poderia ser construído em um terreno naquela área e zona se não fosse patrimônio cultural.

Esse potencial é comprado pelo setor imobiliário, que o aplica em outro endereço. O custo costuma ser menor do que a taxa cobrada pela Prefeitura para construir acima do coeficiente básico (de uma vez a metragem do terreno).

Capela foi idealizada por frei dominicano nos anos 1950

A capela foi criada no começo dos anos 1950, por iniciativa do Frei João Batista Pereira dos Santos, da Ordem dos Dominicanos, que fez o desenho da transformação do antigo armazém do Círculo Operário do Ipiranga em templo. Foi também o religioso que contatou artistas para participar do desenvolvimento dos objetos, murais e vitrais do espaço, aproximando-se especialmente de Geraldo de Barros, que se casou no templo em 1952.

A aproximação do frei e do artista deu origem a uma iniciativa incomum do trabalho e do design no Brasil: a Unilabor. Tratava-se de uma fábrica com gestão compartilhada junto aos operários, que participavam ativamente das decisões e da divisão de lucros.

Batistério da Capela Cristo Operário, com murais 'Árvore da Vida', 'Anunciação' e 'Pomba da Paz', todos de Yolanda Mohalyi Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Essa experiência diferenciada para a época desagradou a ditadura militar, o que teria em parte motivado o encerramento da fábrica em 1967, 13 anos após a implantação. A Unilabor também se destacava pelo desenho autoral das peças, assinadas por Geraldo de Barros em um momento menos estabelecido do design nacional. Os móveis misturavam ferro e madeira, como jacarandá e cedro.

À época do tombamento, o relator descreveu: “Não restam mais dúvidas de que a ‘igrejinha decorada por Volpi’ merece ser protegida (...), por constituir-se em bem de interesse do povo paulista, quer pelos artistas que de sua execução participaram, quer pelo movimento histórico-social que representa.”

Mural de Alfredo Volpi retrata a Sagrada Família Foto: Daniel Teixeira/Estadão

As demais instalações da Unilabor seguem preservadas, com as fachadas externas higienizadas e pintadas durante o restauro da capela. A maior parte da fábrica é utilizada hoje pela Escola Nacional Paulo Freire.

Capela Cristo Operário

Missas: domingos, às 8h30

Visitação: mediante agendamento pelo telefone (11) 5058-8386

Endereço: Rua Vergueiro 7.290 - distrito Cursino

Detrás do muro, da fiação, dos portões e das árvores, um “tesouro” permaneceu quase escondido durante os últimos anos na zona sul de São Paulo: a Capela Cristo Operário. Um restauro recém-entregue tem buscado mudar esse cenário, com intervenções para destacar a presença do templo religioso e combater infiltrações que ameaçavam obras de alguns dos mais importantes nomes da arte brasileira, como Alfredo Volpi, Geraldo de Barros, Yolanda Mohalyi e Moussia Pinto Alves.

Altar da Capela Cristo Operário reúne três afrescos de Alfredo Volpi — com Cristo Operário ao centro e a Sagrada Família e o sermão de Santo Antônio aos peixes nas laterais Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A entrega da restauração ocorre a um ano do aniversário de duas décadas do tombamento estadual da capela como patrimônio cultural do Estado de São Paulo, determinado após uma mobilização popular. Além dos nomes já citados, o projeto envolve, ainda, paisagismo de Roberto Burle Marx, objetos de culto do italiano Giandomenico de Marchis, mural da italiana Giuliana Segre Giorgi, pia de água benta do francês Robert Tatin e luminárias de autoria de Elisabeth Nobiling.

“Toda obra de arte é, de certo modo, a eternização de um momento presente”, descreve Frei Marcos Augusto de Andrade Alexandre, pároco da Paróquia Sagrada Família, que abrange a capela. “Mesmo depois de tantos anos, a Capela Cristo Operário, em sua simplicidade, humildade, continua a falar de Deus, da união, do trabalho.”

O espaço fica localizado na Rua Vergueiro, no distrito Cursino, subprefeitura Ipiranga. O restauro durou cinco meses, com a retomada das missas dominicais neste mês, sempre às 8h30. Uma parte dos objetivos litúrgicos originais e outros itens do acervo antes guardados passaram a ficar expostos no salão paroquial, dentro de uma vitrine iluminada.

Capela tem quatro vitrais de Alfredo Volpi (ao fundo, o de São Marcos), duas esculturas Moussia Pinto Alves (à direita, a de São João Batista) e luminárias de Elisabeth Nobiling Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A capela é de uma arquitetura simples e que, em parte, utilizou a estrutura de um antigo armazém, localizada no alto de uma pequena colina. É toda branca, sem adornos vultosos ou brilhantes, tanto que tem “singeleza” como um dos atributos mais citados por aqueles que a descrevem.

Ao adentrar o templo, avista-se o Cristo Operário de braços abertos no mural do altar. Não está na cruz, mas na frente de uma fábrica, retratado nos traços geométricos vistos em obras sacras de Volpi. Nas laterais, outros dois murais retratam a Sagrada Família, com José no ofício de marceneiro a ser observado por Jesus e Maria, e o famoso sermão de Santo Antônio a um cardume de peixes.

Na parte principal da igreja, luminárias de cerâmica de Elisabeth Nobiling se distribuem pelas paredes laterais, com figuras como de peixes, uvas, pássaro e coroa de espinhos. Intercalados, estão vitrais de Volpi, que retratam quatro santos católicos, com os nomes e respectivos símbolos.

Escultura de Moussia Pinto Alves, vitral de Volpi e bancos projetados por Geraldo de Barros Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Logo na entrada, à direita, o batistério traz três murais de Yolanda Mohalyi: Pomba da Paz, Anunciação e Árvore da Vida. Móveis projetados por Geraldo de Barros espalham-se pela capela, como os bancos, a mesa do altar e a estante da sacristia. Junto ao altar, grandes esculturas de autoria de Moussia Pinto Alves retratam São João Batista e Nossa Senhora.

As obras seguem pela sacristia, onde um vitral de Geraldo de Barros se soma ao afresco do Nascimento de Cristo, de autoria de Giuliana Segre Giorgi. Também há um segundo mural, sem autoria confirmada, descoberto há cerca de 15 anos, quando a capela passou pelo penúltimo (e maior) restauro.

“A reunião de todos esses artistas do moderno torna essa capela única”, aponta Danielle Pereira, pesquisadora de arte sacra e pós-doutora em História da Arte. Ela destaca a arquitetura simples, com uma torre sineira lateral, sem ornamentação e brilho marcados. “Tem características das capelas rurais, mas recheada de obras de arte.”

A pesquisadora relata ter percebido que até moradores do entorno desconhecem o espaço. “Quando fiz a Jornada do Patrimônio, muita gente disse que passava todo dia e não via a capela.”

Geraldo de Barros desenhou móveis da capela e vitral da sacristia (à esquerda); ao fundo, mural 'Nascimento de Cristo', de Giuliana Segre Giorgi Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Restauro envolveu trabalho minucioso para não danificar afrescos

O projeto de restauro começou a ser desenvolvido em 2020. A execução envolveu principalmente ações de combate a infiltrações e umidade ascendente. Também trouxe um nova proposta luminotécnica, a fim de valorizar as obras de arte e a arquitetura da capela.

“A iluminação estava muito aquém do necessário e não valorizava as obras artísticas e a própria dinâmica da celebração”, explica a arquiteta Mariana Falqueiro, sócia diretora da Tapera Arquitetura e Patrimônio Cultural, responsável pelo restauro.

A nova iluminação envolveu mudanças na distribuição e nos modelos das lâmpadas, que passaram a ser LED, para não danificar os murais. Na parte externa, também foi incrementada para valorizar a vista da capela, assim como foi feita a remoção de uma parte da vegetação que encobria o templo religioso.

Como grande parte das obras de arte são afrescos (pintados originalmente na argamassa úmida), os trabalhos exigiram delicadeza. Foram utilizados instrumentos de precisão, como bisturis e seringas, por exemplo. No batistério, precisou-se reverter o esfarelamento de trechos das paredes com murais, assim como problemas semelhantes foram vistos em outros pontos.

Diferentes técnicas de análise foram empregadas para a identificação de patologias. Dentre elas, estão avaliações químicas, com luz ultravioleta e a partir da microfotografia (que permite visualizar a imagem com mais de 60 vezes o tamanho natural).

No afresco Nascimento de Cristo, de Giuliana Segre Giorgi, por exemplo, foi feita a limpeza e a retirada de camadas de tinta posteriores que sobrepunham uma parte do mural. Também foi aplicada uma pequena quantidade de argamassa, com o uso de uma seringa, como parte de um tratamento de fissuras e trincas.

Restauro também buscou destacar visibilidade da Capela Cristo Operário a partir da Rua Vergueiro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Além disso, o restauro envolveu a retirada de todas as telhas, para que fosse refeito todo o sistema de captação de água, que era despejada no nível do piso e, por vezes, afetava as paredes da capela. “A ideia é ser uma obra que não apareça”, resume Mariana Falqueiro. Isto é, resolva e evite problemas sem descaracterizar o imóvel.

A obra envolveu a restauração de todo o mobiliário, em madeira e projetado pelo artista Geraldo de Barros, como os bancos, o armário da sacristia e outros. Também abrangeu o paisagismo e a pintura de outras construções do conjunto, integrante da antiga fábrica Unilabor.

Ao todo, mais de 70 pessoas estiveram envolvidas no restauro. Segundo a arquiteta, a capela precisará de manutenção simples, como limpeza das calhas e ventilação periódicas.

Capela Cristo Operário mantém móveis e arquitetura originais; com restauro, ganhou sistema de iluminação que não danifica e valoriza obras de arte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O restauro custou cerca de R$ 950 mil, obtidos por meio da Transferência de Direito Construtivo (TDC). Trata-se de um incentivo municipal para bens tombados em que o proprietário pode “vender” o potencial construtivo do imóvel preservado — o total que poderia ser construído em um terreno naquela área e zona se não fosse patrimônio cultural.

Esse potencial é comprado pelo setor imobiliário, que o aplica em outro endereço. O custo costuma ser menor do que a taxa cobrada pela Prefeitura para construir acima do coeficiente básico (de uma vez a metragem do terreno).

Capela foi idealizada por frei dominicano nos anos 1950

A capela foi criada no começo dos anos 1950, por iniciativa do Frei João Batista Pereira dos Santos, da Ordem dos Dominicanos, que fez o desenho da transformação do antigo armazém do Círculo Operário do Ipiranga em templo. Foi também o religioso que contatou artistas para participar do desenvolvimento dos objetos, murais e vitrais do espaço, aproximando-se especialmente de Geraldo de Barros, que se casou no templo em 1952.

A aproximação do frei e do artista deu origem a uma iniciativa incomum do trabalho e do design no Brasil: a Unilabor. Tratava-se de uma fábrica com gestão compartilhada junto aos operários, que participavam ativamente das decisões e da divisão de lucros.

Batistério da Capela Cristo Operário, com murais 'Árvore da Vida', 'Anunciação' e 'Pomba da Paz', todos de Yolanda Mohalyi Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Essa experiência diferenciada para a época desagradou a ditadura militar, o que teria em parte motivado o encerramento da fábrica em 1967, 13 anos após a implantação. A Unilabor também se destacava pelo desenho autoral das peças, assinadas por Geraldo de Barros em um momento menos estabelecido do design nacional. Os móveis misturavam ferro e madeira, como jacarandá e cedro.

À época do tombamento, o relator descreveu: “Não restam mais dúvidas de que a ‘igrejinha decorada por Volpi’ merece ser protegida (...), por constituir-se em bem de interesse do povo paulista, quer pelos artistas que de sua execução participaram, quer pelo movimento histórico-social que representa.”

Mural de Alfredo Volpi retrata a Sagrada Família Foto: Daniel Teixeira/Estadão

As demais instalações da Unilabor seguem preservadas, com as fachadas externas higienizadas e pintadas durante o restauro da capela. A maior parte da fábrica é utilizada hoje pela Escola Nacional Paulo Freire.

Capela Cristo Operário

Missas: domingos, às 8h30

Visitação: mediante agendamento pelo telefone (11) 5058-8386

Endereço: Rua Vergueiro 7.290 - distrito Cursino

Detrás do muro, da fiação, dos portões e das árvores, um “tesouro” permaneceu quase escondido durante os últimos anos na zona sul de São Paulo: a Capela Cristo Operário. Um restauro recém-entregue tem buscado mudar esse cenário, com intervenções para destacar a presença do templo religioso e combater infiltrações que ameaçavam obras de alguns dos mais importantes nomes da arte brasileira, como Alfredo Volpi, Geraldo de Barros, Yolanda Mohalyi e Moussia Pinto Alves.

Altar da Capela Cristo Operário reúne três afrescos de Alfredo Volpi — com Cristo Operário ao centro e a Sagrada Família e o sermão de Santo Antônio aos peixes nas laterais Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A entrega da restauração ocorre a um ano do aniversário de duas décadas do tombamento estadual da capela como patrimônio cultural do Estado de São Paulo, determinado após uma mobilização popular. Além dos nomes já citados, o projeto envolve, ainda, paisagismo de Roberto Burle Marx, objetos de culto do italiano Giandomenico de Marchis, mural da italiana Giuliana Segre Giorgi, pia de água benta do francês Robert Tatin e luminárias de autoria de Elisabeth Nobiling.

“Toda obra de arte é, de certo modo, a eternização de um momento presente”, descreve Frei Marcos Augusto de Andrade Alexandre, pároco da Paróquia Sagrada Família, que abrange a capela. “Mesmo depois de tantos anos, a Capela Cristo Operário, em sua simplicidade, humildade, continua a falar de Deus, da união, do trabalho.”

O espaço fica localizado na Rua Vergueiro, no distrito Cursino, subprefeitura Ipiranga. O restauro durou cinco meses, com a retomada das missas dominicais neste mês, sempre às 8h30. Uma parte dos objetivos litúrgicos originais e outros itens do acervo antes guardados passaram a ficar expostos no salão paroquial, dentro de uma vitrine iluminada.

Capela tem quatro vitrais de Alfredo Volpi (ao fundo, o de São Marcos), duas esculturas Moussia Pinto Alves (à direita, a de São João Batista) e luminárias de Elisabeth Nobiling Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A capela é de uma arquitetura simples e que, em parte, utilizou a estrutura de um antigo armazém, localizada no alto de uma pequena colina. É toda branca, sem adornos vultosos ou brilhantes, tanto que tem “singeleza” como um dos atributos mais citados por aqueles que a descrevem.

Ao adentrar o templo, avista-se o Cristo Operário de braços abertos no mural do altar. Não está na cruz, mas na frente de uma fábrica, retratado nos traços geométricos vistos em obras sacras de Volpi. Nas laterais, outros dois murais retratam a Sagrada Família, com José no ofício de marceneiro a ser observado por Jesus e Maria, e o famoso sermão de Santo Antônio a um cardume de peixes.

Na parte principal da igreja, luminárias de cerâmica de Elisabeth Nobiling se distribuem pelas paredes laterais, com figuras como de peixes, uvas, pássaro e coroa de espinhos. Intercalados, estão vitrais de Volpi, que retratam quatro santos católicos, com os nomes e respectivos símbolos.

Escultura de Moussia Pinto Alves, vitral de Volpi e bancos projetados por Geraldo de Barros Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Logo na entrada, à direita, o batistério traz três murais de Yolanda Mohalyi: Pomba da Paz, Anunciação e Árvore da Vida. Móveis projetados por Geraldo de Barros espalham-se pela capela, como os bancos, a mesa do altar e a estante da sacristia. Junto ao altar, grandes esculturas de autoria de Moussia Pinto Alves retratam São João Batista e Nossa Senhora.

As obras seguem pela sacristia, onde um vitral de Geraldo de Barros se soma ao afresco do Nascimento de Cristo, de autoria de Giuliana Segre Giorgi. Também há um segundo mural, sem autoria confirmada, descoberto há cerca de 15 anos, quando a capela passou pelo penúltimo (e maior) restauro.

“A reunião de todos esses artistas do moderno torna essa capela única”, aponta Danielle Pereira, pesquisadora de arte sacra e pós-doutora em História da Arte. Ela destaca a arquitetura simples, com uma torre sineira lateral, sem ornamentação e brilho marcados. “Tem características das capelas rurais, mas recheada de obras de arte.”

A pesquisadora relata ter percebido que até moradores do entorno desconhecem o espaço. “Quando fiz a Jornada do Patrimônio, muita gente disse que passava todo dia e não via a capela.”

Geraldo de Barros desenhou móveis da capela e vitral da sacristia (à esquerda); ao fundo, mural 'Nascimento de Cristo', de Giuliana Segre Giorgi Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Restauro envolveu trabalho minucioso para não danificar afrescos

O projeto de restauro começou a ser desenvolvido em 2020. A execução envolveu principalmente ações de combate a infiltrações e umidade ascendente. Também trouxe um nova proposta luminotécnica, a fim de valorizar as obras de arte e a arquitetura da capela.

“A iluminação estava muito aquém do necessário e não valorizava as obras artísticas e a própria dinâmica da celebração”, explica a arquiteta Mariana Falqueiro, sócia diretora da Tapera Arquitetura e Patrimônio Cultural, responsável pelo restauro.

A nova iluminação envolveu mudanças na distribuição e nos modelos das lâmpadas, que passaram a ser LED, para não danificar os murais. Na parte externa, também foi incrementada para valorizar a vista da capela, assim como foi feita a remoção de uma parte da vegetação que encobria o templo religioso.

Como grande parte das obras de arte são afrescos (pintados originalmente na argamassa úmida), os trabalhos exigiram delicadeza. Foram utilizados instrumentos de precisão, como bisturis e seringas, por exemplo. No batistério, precisou-se reverter o esfarelamento de trechos das paredes com murais, assim como problemas semelhantes foram vistos em outros pontos.

Diferentes técnicas de análise foram empregadas para a identificação de patologias. Dentre elas, estão avaliações químicas, com luz ultravioleta e a partir da microfotografia (que permite visualizar a imagem com mais de 60 vezes o tamanho natural).

No afresco Nascimento de Cristo, de Giuliana Segre Giorgi, por exemplo, foi feita a limpeza e a retirada de camadas de tinta posteriores que sobrepunham uma parte do mural. Também foi aplicada uma pequena quantidade de argamassa, com o uso de uma seringa, como parte de um tratamento de fissuras e trincas.

Restauro também buscou destacar visibilidade da Capela Cristo Operário a partir da Rua Vergueiro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Além disso, o restauro envolveu a retirada de todas as telhas, para que fosse refeito todo o sistema de captação de água, que era despejada no nível do piso e, por vezes, afetava as paredes da capela. “A ideia é ser uma obra que não apareça”, resume Mariana Falqueiro. Isto é, resolva e evite problemas sem descaracterizar o imóvel.

A obra envolveu a restauração de todo o mobiliário, em madeira e projetado pelo artista Geraldo de Barros, como os bancos, o armário da sacristia e outros. Também abrangeu o paisagismo e a pintura de outras construções do conjunto, integrante da antiga fábrica Unilabor.

Ao todo, mais de 70 pessoas estiveram envolvidas no restauro. Segundo a arquiteta, a capela precisará de manutenção simples, como limpeza das calhas e ventilação periódicas.

Capela Cristo Operário mantém móveis e arquitetura originais; com restauro, ganhou sistema de iluminação que não danifica e valoriza obras de arte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O restauro custou cerca de R$ 950 mil, obtidos por meio da Transferência de Direito Construtivo (TDC). Trata-se de um incentivo municipal para bens tombados em que o proprietário pode “vender” o potencial construtivo do imóvel preservado — o total que poderia ser construído em um terreno naquela área e zona se não fosse patrimônio cultural.

Esse potencial é comprado pelo setor imobiliário, que o aplica em outro endereço. O custo costuma ser menor do que a taxa cobrada pela Prefeitura para construir acima do coeficiente básico (de uma vez a metragem do terreno).

Capela foi idealizada por frei dominicano nos anos 1950

A capela foi criada no começo dos anos 1950, por iniciativa do Frei João Batista Pereira dos Santos, da Ordem dos Dominicanos, que fez o desenho da transformação do antigo armazém do Círculo Operário do Ipiranga em templo. Foi também o religioso que contatou artistas para participar do desenvolvimento dos objetos, murais e vitrais do espaço, aproximando-se especialmente de Geraldo de Barros, que se casou no templo em 1952.

A aproximação do frei e do artista deu origem a uma iniciativa incomum do trabalho e do design no Brasil: a Unilabor. Tratava-se de uma fábrica com gestão compartilhada junto aos operários, que participavam ativamente das decisões e da divisão de lucros.

Batistério da Capela Cristo Operário, com murais 'Árvore da Vida', 'Anunciação' e 'Pomba da Paz', todos de Yolanda Mohalyi Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Essa experiência diferenciada para a época desagradou a ditadura militar, o que teria em parte motivado o encerramento da fábrica em 1967, 13 anos após a implantação. A Unilabor também se destacava pelo desenho autoral das peças, assinadas por Geraldo de Barros em um momento menos estabelecido do design nacional. Os móveis misturavam ferro e madeira, como jacarandá e cedro.

À época do tombamento, o relator descreveu: “Não restam mais dúvidas de que a ‘igrejinha decorada por Volpi’ merece ser protegida (...), por constituir-se em bem de interesse do povo paulista, quer pelos artistas que de sua execução participaram, quer pelo movimento histórico-social que representa.”

Mural de Alfredo Volpi retrata a Sagrada Família Foto: Daniel Teixeira/Estadão

As demais instalações da Unilabor seguem preservadas, com as fachadas externas higienizadas e pintadas durante o restauro da capela. A maior parte da fábrica é utilizada hoje pela Escola Nacional Paulo Freire.

Capela Cristo Operário

Missas: domingos, às 8h30

Visitação: mediante agendamento pelo telefone (11) 5058-8386

Endereço: Rua Vergueiro 7.290 - distrito Cursino

Detrás do muro, da fiação, dos portões e das árvores, um “tesouro” permaneceu quase escondido durante os últimos anos na zona sul de São Paulo: a Capela Cristo Operário. Um restauro recém-entregue tem buscado mudar esse cenário, com intervenções para destacar a presença do templo religioso e combater infiltrações que ameaçavam obras de alguns dos mais importantes nomes da arte brasileira, como Alfredo Volpi, Geraldo de Barros, Yolanda Mohalyi e Moussia Pinto Alves.

Altar da Capela Cristo Operário reúne três afrescos de Alfredo Volpi — com Cristo Operário ao centro e a Sagrada Família e o sermão de Santo Antônio aos peixes nas laterais Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A entrega da restauração ocorre a um ano do aniversário de duas décadas do tombamento estadual da capela como patrimônio cultural do Estado de São Paulo, determinado após uma mobilização popular. Além dos nomes já citados, o projeto envolve, ainda, paisagismo de Roberto Burle Marx, objetos de culto do italiano Giandomenico de Marchis, mural da italiana Giuliana Segre Giorgi, pia de água benta do francês Robert Tatin e luminárias de autoria de Elisabeth Nobiling.

“Toda obra de arte é, de certo modo, a eternização de um momento presente”, descreve Frei Marcos Augusto de Andrade Alexandre, pároco da Paróquia Sagrada Família, que abrange a capela. “Mesmo depois de tantos anos, a Capela Cristo Operário, em sua simplicidade, humildade, continua a falar de Deus, da união, do trabalho.”

O espaço fica localizado na Rua Vergueiro, no distrito Cursino, subprefeitura Ipiranga. O restauro durou cinco meses, com a retomada das missas dominicais neste mês, sempre às 8h30. Uma parte dos objetivos litúrgicos originais e outros itens do acervo antes guardados passaram a ficar expostos no salão paroquial, dentro de uma vitrine iluminada.

Capela tem quatro vitrais de Alfredo Volpi (ao fundo, o de São Marcos), duas esculturas Moussia Pinto Alves (à direita, a de São João Batista) e luminárias de Elisabeth Nobiling Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A capela é de uma arquitetura simples e que, em parte, utilizou a estrutura de um antigo armazém, localizada no alto de uma pequena colina. É toda branca, sem adornos vultosos ou brilhantes, tanto que tem “singeleza” como um dos atributos mais citados por aqueles que a descrevem.

Ao adentrar o templo, avista-se o Cristo Operário de braços abertos no mural do altar. Não está na cruz, mas na frente de uma fábrica, retratado nos traços geométricos vistos em obras sacras de Volpi. Nas laterais, outros dois murais retratam a Sagrada Família, com José no ofício de marceneiro a ser observado por Jesus e Maria, e o famoso sermão de Santo Antônio a um cardume de peixes.

Na parte principal da igreja, luminárias de cerâmica de Elisabeth Nobiling se distribuem pelas paredes laterais, com figuras como de peixes, uvas, pássaro e coroa de espinhos. Intercalados, estão vitrais de Volpi, que retratam quatro santos católicos, com os nomes e respectivos símbolos.

Escultura de Moussia Pinto Alves, vitral de Volpi e bancos projetados por Geraldo de Barros Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Logo na entrada, à direita, o batistério traz três murais de Yolanda Mohalyi: Pomba da Paz, Anunciação e Árvore da Vida. Móveis projetados por Geraldo de Barros espalham-se pela capela, como os bancos, a mesa do altar e a estante da sacristia. Junto ao altar, grandes esculturas de autoria de Moussia Pinto Alves retratam São João Batista e Nossa Senhora.

As obras seguem pela sacristia, onde um vitral de Geraldo de Barros se soma ao afresco do Nascimento de Cristo, de autoria de Giuliana Segre Giorgi. Também há um segundo mural, sem autoria confirmada, descoberto há cerca de 15 anos, quando a capela passou pelo penúltimo (e maior) restauro.

“A reunião de todos esses artistas do moderno torna essa capela única”, aponta Danielle Pereira, pesquisadora de arte sacra e pós-doutora em História da Arte. Ela destaca a arquitetura simples, com uma torre sineira lateral, sem ornamentação e brilho marcados. “Tem características das capelas rurais, mas recheada de obras de arte.”

A pesquisadora relata ter percebido que até moradores do entorno desconhecem o espaço. “Quando fiz a Jornada do Patrimônio, muita gente disse que passava todo dia e não via a capela.”

Geraldo de Barros desenhou móveis da capela e vitral da sacristia (à esquerda); ao fundo, mural 'Nascimento de Cristo', de Giuliana Segre Giorgi Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Restauro envolveu trabalho minucioso para não danificar afrescos

O projeto de restauro começou a ser desenvolvido em 2020. A execução envolveu principalmente ações de combate a infiltrações e umidade ascendente. Também trouxe um nova proposta luminotécnica, a fim de valorizar as obras de arte e a arquitetura da capela.

“A iluminação estava muito aquém do necessário e não valorizava as obras artísticas e a própria dinâmica da celebração”, explica a arquiteta Mariana Falqueiro, sócia diretora da Tapera Arquitetura e Patrimônio Cultural, responsável pelo restauro.

A nova iluminação envolveu mudanças na distribuição e nos modelos das lâmpadas, que passaram a ser LED, para não danificar os murais. Na parte externa, também foi incrementada para valorizar a vista da capela, assim como foi feita a remoção de uma parte da vegetação que encobria o templo religioso.

Como grande parte das obras de arte são afrescos (pintados originalmente na argamassa úmida), os trabalhos exigiram delicadeza. Foram utilizados instrumentos de precisão, como bisturis e seringas, por exemplo. No batistério, precisou-se reverter o esfarelamento de trechos das paredes com murais, assim como problemas semelhantes foram vistos em outros pontos.

Diferentes técnicas de análise foram empregadas para a identificação de patologias. Dentre elas, estão avaliações químicas, com luz ultravioleta e a partir da microfotografia (que permite visualizar a imagem com mais de 60 vezes o tamanho natural).

No afresco Nascimento de Cristo, de Giuliana Segre Giorgi, por exemplo, foi feita a limpeza e a retirada de camadas de tinta posteriores que sobrepunham uma parte do mural. Também foi aplicada uma pequena quantidade de argamassa, com o uso de uma seringa, como parte de um tratamento de fissuras e trincas.

Restauro também buscou destacar visibilidade da Capela Cristo Operário a partir da Rua Vergueiro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Além disso, o restauro envolveu a retirada de todas as telhas, para que fosse refeito todo o sistema de captação de água, que era despejada no nível do piso e, por vezes, afetava as paredes da capela. “A ideia é ser uma obra que não apareça”, resume Mariana Falqueiro. Isto é, resolva e evite problemas sem descaracterizar o imóvel.

A obra envolveu a restauração de todo o mobiliário, em madeira e projetado pelo artista Geraldo de Barros, como os bancos, o armário da sacristia e outros. Também abrangeu o paisagismo e a pintura de outras construções do conjunto, integrante da antiga fábrica Unilabor.

Ao todo, mais de 70 pessoas estiveram envolvidas no restauro. Segundo a arquiteta, a capela precisará de manutenção simples, como limpeza das calhas e ventilação periódicas.

Capela Cristo Operário mantém móveis e arquitetura originais; com restauro, ganhou sistema de iluminação que não danifica e valoriza obras de arte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O restauro custou cerca de R$ 950 mil, obtidos por meio da Transferência de Direito Construtivo (TDC). Trata-se de um incentivo municipal para bens tombados em que o proprietário pode “vender” o potencial construtivo do imóvel preservado — o total que poderia ser construído em um terreno naquela área e zona se não fosse patrimônio cultural.

Esse potencial é comprado pelo setor imobiliário, que o aplica em outro endereço. O custo costuma ser menor do que a taxa cobrada pela Prefeitura para construir acima do coeficiente básico (de uma vez a metragem do terreno).

Capela foi idealizada por frei dominicano nos anos 1950

A capela foi criada no começo dos anos 1950, por iniciativa do Frei João Batista Pereira dos Santos, da Ordem dos Dominicanos, que fez o desenho da transformação do antigo armazém do Círculo Operário do Ipiranga em templo. Foi também o religioso que contatou artistas para participar do desenvolvimento dos objetos, murais e vitrais do espaço, aproximando-se especialmente de Geraldo de Barros, que se casou no templo em 1952.

A aproximação do frei e do artista deu origem a uma iniciativa incomum do trabalho e do design no Brasil: a Unilabor. Tratava-se de uma fábrica com gestão compartilhada junto aos operários, que participavam ativamente das decisões e da divisão de lucros.

Batistério da Capela Cristo Operário, com murais 'Árvore da Vida', 'Anunciação' e 'Pomba da Paz', todos de Yolanda Mohalyi Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Essa experiência diferenciada para a época desagradou a ditadura militar, o que teria em parte motivado o encerramento da fábrica em 1967, 13 anos após a implantação. A Unilabor também se destacava pelo desenho autoral das peças, assinadas por Geraldo de Barros em um momento menos estabelecido do design nacional. Os móveis misturavam ferro e madeira, como jacarandá e cedro.

À época do tombamento, o relator descreveu: “Não restam mais dúvidas de que a ‘igrejinha decorada por Volpi’ merece ser protegida (...), por constituir-se em bem de interesse do povo paulista, quer pelos artistas que de sua execução participaram, quer pelo movimento histórico-social que representa.”

Mural de Alfredo Volpi retrata a Sagrada Família Foto: Daniel Teixeira/Estadão

As demais instalações da Unilabor seguem preservadas, com as fachadas externas higienizadas e pintadas durante o restauro da capela. A maior parte da fábrica é utilizada hoje pela Escola Nacional Paulo Freire.

Capela Cristo Operário

Missas: domingos, às 8h30

Visitação: mediante agendamento pelo telefone (11) 5058-8386

Endereço: Rua Vergueiro 7.290 - distrito Cursino

Detrás do muro, da fiação, dos portões e das árvores, um “tesouro” permaneceu quase escondido durante os últimos anos na zona sul de São Paulo: a Capela Cristo Operário. Um restauro recém-entregue tem buscado mudar esse cenário, com intervenções para destacar a presença do templo religioso e combater infiltrações que ameaçavam obras de alguns dos mais importantes nomes da arte brasileira, como Alfredo Volpi, Geraldo de Barros, Yolanda Mohalyi e Moussia Pinto Alves.

Altar da Capela Cristo Operário reúne três afrescos de Alfredo Volpi — com Cristo Operário ao centro e a Sagrada Família e o sermão de Santo Antônio aos peixes nas laterais Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A entrega da restauração ocorre a um ano do aniversário de duas décadas do tombamento estadual da capela como patrimônio cultural do Estado de São Paulo, determinado após uma mobilização popular. Além dos nomes já citados, o projeto envolve, ainda, paisagismo de Roberto Burle Marx, objetos de culto do italiano Giandomenico de Marchis, mural da italiana Giuliana Segre Giorgi, pia de água benta do francês Robert Tatin e luminárias de autoria de Elisabeth Nobiling.

“Toda obra de arte é, de certo modo, a eternização de um momento presente”, descreve Frei Marcos Augusto de Andrade Alexandre, pároco da Paróquia Sagrada Família, que abrange a capela. “Mesmo depois de tantos anos, a Capela Cristo Operário, em sua simplicidade, humildade, continua a falar de Deus, da união, do trabalho.”

O espaço fica localizado na Rua Vergueiro, no distrito Cursino, subprefeitura Ipiranga. O restauro durou cinco meses, com a retomada das missas dominicais neste mês, sempre às 8h30. Uma parte dos objetivos litúrgicos originais e outros itens do acervo antes guardados passaram a ficar expostos no salão paroquial, dentro de uma vitrine iluminada.

Capela tem quatro vitrais de Alfredo Volpi (ao fundo, o de São Marcos), duas esculturas Moussia Pinto Alves (à direita, a de São João Batista) e luminárias de Elisabeth Nobiling Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A capela é de uma arquitetura simples e que, em parte, utilizou a estrutura de um antigo armazém, localizada no alto de uma pequena colina. É toda branca, sem adornos vultosos ou brilhantes, tanto que tem “singeleza” como um dos atributos mais citados por aqueles que a descrevem.

Ao adentrar o templo, avista-se o Cristo Operário de braços abertos no mural do altar. Não está na cruz, mas na frente de uma fábrica, retratado nos traços geométricos vistos em obras sacras de Volpi. Nas laterais, outros dois murais retratam a Sagrada Família, com José no ofício de marceneiro a ser observado por Jesus e Maria, e o famoso sermão de Santo Antônio a um cardume de peixes.

Na parte principal da igreja, luminárias de cerâmica de Elisabeth Nobiling se distribuem pelas paredes laterais, com figuras como de peixes, uvas, pássaro e coroa de espinhos. Intercalados, estão vitrais de Volpi, que retratam quatro santos católicos, com os nomes e respectivos símbolos.

Escultura de Moussia Pinto Alves, vitral de Volpi e bancos projetados por Geraldo de Barros Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Logo na entrada, à direita, o batistério traz três murais de Yolanda Mohalyi: Pomba da Paz, Anunciação e Árvore da Vida. Móveis projetados por Geraldo de Barros espalham-se pela capela, como os bancos, a mesa do altar e a estante da sacristia. Junto ao altar, grandes esculturas de autoria de Moussia Pinto Alves retratam São João Batista e Nossa Senhora.

As obras seguem pela sacristia, onde um vitral de Geraldo de Barros se soma ao afresco do Nascimento de Cristo, de autoria de Giuliana Segre Giorgi. Também há um segundo mural, sem autoria confirmada, descoberto há cerca de 15 anos, quando a capela passou pelo penúltimo (e maior) restauro.

“A reunião de todos esses artistas do moderno torna essa capela única”, aponta Danielle Pereira, pesquisadora de arte sacra e pós-doutora em História da Arte. Ela destaca a arquitetura simples, com uma torre sineira lateral, sem ornamentação e brilho marcados. “Tem características das capelas rurais, mas recheada de obras de arte.”

A pesquisadora relata ter percebido que até moradores do entorno desconhecem o espaço. “Quando fiz a Jornada do Patrimônio, muita gente disse que passava todo dia e não via a capela.”

Geraldo de Barros desenhou móveis da capela e vitral da sacristia (à esquerda); ao fundo, mural 'Nascimento de Cristo', de Giuliana Segre Giorgi Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Restauro envolveu trabalho minucioso para não danificar afrescos

O projeto de restauro começou a ser desenvolvido em 2020. A execução envolveu principalmente ações de combate a infiltrações e umidade ascendente. Também trouxe um nova proposta luminotécnica, a fim de valorizar as obras de arte e a arquitetura da capela.

“A iluminação estava muito aquém do necessário e não valorizava as obras artísticas e a própria dinâmica da celebração”, explica a arquiteta Mariana Falqueiro, sócia diretora da Tapera Arquitetura e Patrimônio Cultural, responsável pelo restauro.

A nova iluminação envolveu mudanças na distribuição e nos modelos das lâmpadas, que passaram a ser LED, para não danificar os murais. Na parte externa, também foi incrementada para valorizar a vista da capela, assim como foi feita a remoção de uma parte da vegetação que encobria o templo religioso.

Como grande parte das obras de arte são afrescos (pintados originalmente na argamassa úmida), os trabalhos exigiram delicadeza. Foram utilizados instrumentos de precisão, como bisturis e seringas, por exemplo. No batistério, precisou-se reverter o esfarelamento de trechos das paredes com murais, assim como problemas semelhantes foram vistos em outros pontos.

Diferentes técnicas de análise foram empregadas para a identificação de patologias. Dentre elas, estão avaliações químicas, com luz ultravioleta e a partir da microfotografia (que permite visualizar a imagem com mais de 60 vezes o tamanho natural).

No afresco Nascimento de Cristo, de Giuliana Segre Giorgi, por exemplo, foi feita a limpeza e a retirada de camadas de tinta posteriores que sobrepunham uma parte do mural. Também foi aplicada uma pequena quantidade de argamassa, com o uso de uma seringa, como parte de um tratamento de fissuras e trincas.

Restauro também buscou destacar visibilidade da Capela Cristo Operário a partir da Rua Vergueiro Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Além disso, o restauro envolveu a retirada de todas as telhas, para que fosse refeito todo o sistema de captação de água, que era despejada no nível do piso e, por vezes, afetava as paredes da capela. “A ideia é ser uma obra que não apareça”, resume Mariana Falqueiro. Isto é, resolva e evite problemas sem descaracterizar o imóvel.

A obra envolveu a restauração de todo o mobiliário, em madeira e projetado pelo artista Geraldo de Barros, como os bancos, o armário da sacristia e outros. Também abrangeu o paisagismo e a pintura de outras construções do conjunto, integrante da antiga fábrica Unilabor.

Ao todo, mais de 70 pessoas estiveram envolvidas no restauro. Segundo a arquiteta, a capela precisará de manutenção simples, como limpeza das calhas e ventilação periódicas.

Capela Cristo Operário mantém móveis e arquitetura originais; com restauro, ganhou sistema de iluminação que não danifica e valoriza obras de arte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O restauro custou cerca de R$ 950 mil, obtidos por meio da Transferência de Direito Construtivo (TDC). Trata-se de um incentivo municipal para bens tombados em que o proprietário pode “vender” o potencial construtivo do imóvel preservado — o total que poderia ser construído em um terreno naquela área e zona se não fosse patrimônio cultural.

Esse potencial é comprado pelo setor imobiliário, que o aplica em outro endereço. O custo costuma ser menor do que a taxa cobrada pela Prefeitura para construir acima do coeficiente básico (de uma vez a metragem do terreno).

Capela foi idealizada por frei dominicano nos anos 1950

A capela foi criada no começo dos anos 1950, por iniciativa do Frei João Batista Pereira dos Santos, da Ordem dos Dominicanos, que fez o desenho da transformação do antigo armazém do Círculo Operário do Ipiranga em templo. Foi também o religioso que contatou artistas para participar do desenvolvimento dos objetos, murais e vitrais do espaço, aproximando-se especialmente de Geraldo de Barros, que se casou no templo em 1952.

A aproximação do frei e do artista deu origem a uma iniciativa incomum do trabalho e do design no Brasil: a Unilabor. Tratava-se de uma fábrica com gestão compartilhada junto aos operários, que participavam ativamente das decisões e da divisão de lucros.

Batistério da Capela Cristo Operário, com murais 'Árvore da Vida', 'Anunciação' e 'Pomba da Paz', todos de Yolanda Mohalyi Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Essa experiência diferenciada para a época desagradou a ditadura militar, o que teria em parte motivado o encerramento da fábrica em 1967, 13 anos após a implantação. A Unilabor também se destacava pelo desenho autoral das peças, assinadas por Geraldo de Barros em um momento menos estabelecido do design nacional. Os móveis misturavam ferro e madeira, como jacarandá e cedro.

À época do tombamento, o relator descreveu: “Não restam mais dúvidas de que a ‘igrejinha decorada por Volpi’ merece ser protegida (...), por constituir-se em bem de interesse do povo paulista, quer pelos artistas que de sua execução participaram, quer pelo movimento histórico-social que representa.”

Mural de Alfredo Volpi retrata a Sagrada Família Foto: Daniel Teixeira/Estadão

As demais instalações da Unilabor seguem preservadas, com as fachadas externas higienizadas e pintadas durante o restauro da capela. A maior parte da fábrica é utilizada hoje pela Escola Nacional Paulo Freire.

Capela Cristo Operário

Missas: domingos, às 8h30

Visitação: mediante agendamento pelo telefone (11) 5058-8386

Endereço: Rua Vergueiro 7.290 - distrito Cursino

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