Por que você deveria conhecer a casa de Mário de Andrade? Veja como ficou após expansão


Antiga residência dobra de tamanho após a anexação de sobrados vizinhos, que eram da família do intelectual; saiba mais sobre espaço e sua importância

Por Priscila Mengue
Atualização:

Na esquina das ruas Lopes Chaves com a Margarida, um conjunto de três sobrados centenários recém-renovados guarda a memória dos bastidores de momentos decisivos da história brasileira. Essa construção, há décadas, é praticamente uma extensão das ideias de um dos maiores intelectuais do País: Mário de Andrade, que lá viveu, morreu e deixou seu acervo de cerca de 25 mil livros, móveis, obras de arte e outros itens.

“Era o coração do Mário. Ele próprio dizia que era a sua ‘morada do coração perdido’”, relembra a pesquisadora Telê Ancona Lopez . Uma das maiores referências em Mário de Andrade no País, ela esteve na casa por anos a fio, enquanto era uma das cientistas responsáveis por catalogar e estudar o acervo (especialmente os livros) do ilustre morador da Barra Funda, hoje parte do centro expandido de São Paulo.

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Não tão visitada quanto outras residências de personalidades mundo afora, a Casa Mário de Andrade está em momento de renovação, com ampliação do espaço e atividades voltadas a se conectar mais com o entorno. A obra durou mais de um ano, até reabrir em maio, com poucas intervenções ainda por acabar (basicamente o auditório. Por isso, é a primeira de uma série de matérias no Estadão chamada “Casas Paulistanas”.

Casa Mário de Andrade reabriu ampliada, com a anexação dos dois sobrado geminados à construção Foto: Werther Santana/Estadão

Agora, a antiga residência está com praticamente o dobro de tamanho. Para tanto, foram anexados os sobrados vizinhos, que são geminados à parte mais antiga e também pertenciam à família do intelectual. Isso porque, em 1921, a mãe de Mário (Maria Luísa) comprou os três imóveis de uma vez só, para que fossem a moradia de cada um dos filhos.

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Com a obra, a nova fase abriu a casa para a Barra Funda. Antes, era preciso tocar a campainha e aguardar no portão até entrar no espaço. Agora, a entrada é por outra porta, aberta de terça-feira a domingo. Há novas rampas, elevadores e outros espaços com acessibilidade — antes inexistentes.

Também foi inaugurado o Caffè Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) onde havia antes a cozinha e outros cômodos originais. Para além, uma nova sala expositiva e mais espaços funcionais foram criados, assim como está em obras um auditório no porão e, em finalização, o deque no pátio (chamado de “Jardim de Bebês”).

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Museu reabriu após expansão para sobrados vizinhos, que também eram da família do intelectual; veja resultado

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Nesse ínterim, alguns cômodos foram alterados e fundidos, para ampliar espaços, como a junção do antigo estúdio com o diminuto quarto do escritor (comparado a celas de monges por amigos), que viraram um ambiente só. Em exposição, costuma-se promover mostras temporárias e uma permanente.

Ao menos até maio do ano que vem, vê-se mais móveis que pertenceram a Andrade do que o comum — cedidos pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, responsável por quase todo o acervo do intelectual, para uma mostra temporária.

A exposição inclui a escrivaninha, que o intelectual herdou do pai (Carlos Augusto, morto em 1917). Grande parte do mobiliário, contudo, foi desenhado pelo próprio Mário, a partir de modelos da revista alemã Deutsche Kunst und Dekoration, como o oratório (que também é bar) e a cômoda, executados pelo Liceu de Artes e Ofícios.

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Na mostra permanente, há alguns objetos originais, como os óculos do escritor. Grande parte das cartas, fotografias e outras peças são, contudo, réplicas, e em número muito inferior à quando era morada de Mário.

Por isso, os vídeos e outras imagens tentam remeter ao passado do espaço, considerando o esvaziamento deixado pela retirada do acervo após a compra pelo Estado há quase 70 anos. Um exemplo é uma projeção de uma pintura no local onde ficava, na escada.

Em cartas, publicações e outros tantos textos, Mário mencionava e descrevia a Casa da Rua Lopes Chaves como praticamente uma extensão de seu corpo, na qual reunia amigos, dava aulas, escrevia e vivia o cotidiano doméstico com os familiares e empregos. Parte da construção preserva características da época do intelectual (na ornamentação das paredes e da fachada, por exemplo), enquanto outras foram modificadas ao longo dos anos.

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“Não é um lugar para visitar apenas uma vez, para ver uma exposição. É um local para desfrutar”, descreve a arquiteta Marcela Rezek, coordenadora da casa museu. Ela considera que o espaço tem potencial para atrair mais turistas, mas avalia que o momento é de aproximação prioritária com a vizinhança, pois é quem vai desfrutar no dia a dia.

Na programação, são realizadas mesas-redondas, show, oficinas e outras atividades. A agenda é tanto para crianças quanto para o público em geral. Dentre as próximas atrações, está o lançamento de mais uma exposição: “Eu mesmo, carnaval”, que terá apresentação da escola de samba Mocidade Alegre, em 9 de novembro.

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Para a coordenadora, a anexação dos sobrados vizinhos era um “processo natural”. “Parece que estavam aguardando (outros imóveis foram demolidos no entorno ao longo das décadas). Como na Casa das Rosas, a casa do Mário também é uma sobrevivente e um testemunho material de uma antiga São Paulo”, descreve.

Ao longo de décadas, a casa teve diferentes perfis relacionados ao uso cultural (como Museu da Literatura e Oficina da Palavra, por exemplo). Mas, para Marcela, já era um “mini museu” na época de Mário, por reunir intelectuais, alunos e outros amigos do autor com frequência, além de deter então um vasto acervo de arte e livros.

Para ela, a casa é uma oportunidade dos visitantes perceberem Mário para além do autor de Paulicéia Desvairada e Macunaíma e do idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922. Isto é, é uma oportunidade para conhecer o Mário também músico, professor, gestor, explorador, fotógrafo, pesquisador e de outras tantas facetas.

Espaço com antigo piano no térreo recebe mesas-redondas e pequenos shows enquanto obra do auditório ainda não está pronta Foto: Werther Santana/Estadão

Qual é a história de Mário de Andrade com a casa?

Mário de Andrade teria nascido na Rua Aurora e, anos depois, viveu em um sobrado no Largo do Paissandu, ambos no centro. Poucos anos após a morte de seu pai, contudo, ele e a família se mudaram para a Barra Funda, em 1921. “Meus pés enterrem na rua Aurora/ No Paiçandu deixem meu sexo/ Na Lopes Chaves, a cabeça”, escreveu anos depois.

O intelectual viveu na Barra Funda com a mãe, a irmã (Maria de Lourdes) e a tia Nhanhã, no sobrado da esquina. Seu irmão, Carlos, vivia no do meio. Por fim, o terceiro sobrado havia sido adquirido pela genitora para ser a morada do intelectual, que nunca se casou e seguiu a residir com as mulheres da família.

A pesquisadora Telê Ancona Lopez descreve como era a casa antes do uso público: familiares de Mário ainda viviam ali, mantendo tudo como deixou. Durante grande parte dos anos 1960, receberam a equipe de pesquisa da USP que catalogou e estudou o acervo, sob orientação de Antonio Candido, fortemente ligado a Mário (e casado com uma prima do autor, que ali viveu por anos, Gilda de Mello e Souza).

Mário de Andrade viveu pouco mais de 20 anos na casa da Rua Lopes Chaves Foto: Werther Santana/Estadão

O portão nunca ficava fechado. A biblioteca “ocupava a casa toda”. “A casa era toda povoada, apertada, por estantes de livros”, descreve a pesquisadora. No porão, estavam os jornais, as revistas e outros periódicos nacionais e internacionais, como Mário os guardava.

De tão vasto, o acervo ainda permite novas descobertas, segundo Telê. Entre os materiais, destacam-se as muitas anotações nos livros, dando pistas sobre ideias até do desenvolvimento de obras de Mário, assim como de suas influências.

Com estilo eclético, o projeto original do conjunto de três sobrados era de Oscar Americano de Caldas, pai do famoso engenheiro e empresário que dá nome a uma avenida na região do Morumbi.

Exposição reúne móveis que eram da casa, parte deles desenhados por Mário a partir de modelos de revistas alemãs Foto: Werther Santana/Estadão

Ao longo dos anos, contudo, Andrade subverteu o interior do projeto da residência. Essa mudança envolveu especialmente os usos dos cômodos à época: enquanto o pavimento superior costumava ser privativo, ele instalou o seu estúdio ali, onde recebia frequentemente amigos diversos.

Esse espaço de socialização e trabalho ocupava o que originalmente seria o quarto. Já o quarto de fato foi instalado pelo intelectual no que seria uma espécie de closet conjugado. Foi neste local que morreu de infarto, em 1945, aos 52 anos. Outra subversão foi a instalação de diversas estantes de livros pelo térreo, em quase todos os ambientes.

Doutoranda em História Social e pesquisadora de Mário de Andrade, Viviane Aguiar conta que o ambiente doméstico também foi um local de descoberta e reafirmação da brasilidade para o intelectual. “Toda a ideia dele de culinária como parte da cultura vem do contato com a mãe, a tia e a empregada da casa, a Sebastiana”, conta.

Grafite de Mário de Andrade na entrada do café instalado na casa Foto: Werther Santana/Estadão

Ela salienta que o intelectual era uma pessoa caseira, com forte ligação com a moradia. “A Gilda de Mello e Souza (prima que residiu ali) dizia que o Mário era um homem doméstico, que gostava dessa vivência em família”, completa. “Muita da obra dele vem daí, muitas trazem fragmentos dessa vivência na casa, da domesticidade que gostava tanto.”

Pouco após a morte de Mário, o acervo da casa foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal que ele havia ajudado a conceber décadas antes. Por sua vez, a casa foi reconhecida como patrimônio cultural paulista nos anos 1970.

A casa é testemunho de uma Barra Funda que muito se transformou

No começo do século 20, a Barra Funda ainda não era um centro expandido paulistano, embora também se afastasse do passado rural do século anterior. A presença de indústrias e da ferrovia impulsionou a transformação, de modo que se tornou um bairro de diferentes classes sociais.

“Na década de 1920, já era um bairro bem integrado à cidade, configurava parte do perímetro urbano”, conta a arquiteta e urbanista Renata Monteiro Siqueira, pesquisadora de pós-doutorado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Foi se aproximando do centro ao longo do século 20, à medida que a cidade se expande, o sistema de transportes”, completa.

Projeção na parede faz referência a pintura que originalmente ficava junto à escada; maior parte do acervo do intelectual está no IEB-USP Foto: Werther Santana/Estadão

Como observa a urbanista, os sobrados da época eram tanto residências de famílias de classe média quanto divididos em cortiços ou com o porão sublocado, por exemplo. “Não era uma excepcionalidade a casa do Mário de Andrade existir naquele local, junto com outras casas também mais abastadas, os casarões”, completa.

Ao longo das décadas seguintes, contudo, a Barra Funda passou por uma série de mudanças. Entre o Censo atual e o anterior, por exemplo, foi o distrito que mais cresceu (com 7,3% a mais de população).

“É interessante que essa realidade ainda convive com as casinhas geminadas — que, inclusive, atualmente, vêm sendo ocupadas em algumas ruas, como a Sousa Lima, por bares, normalmente com essa marca da brasilidade, frequentados por uma classe média descolada. Ao mesmo tempo que a gente vê imensas áreas de condomínios verticais, fechadas por muros, inacessíveis e tudo mais”, compara a urbanista.

Hoje, contudo, oficialmente, o endereço da Casa Mário de Andrade é considerado como distrito Santa Cecília. Pela divisão administrativa da Prefeitura, a Barra Funda inicia para além da Avenida Pacaembu, a cerca de duas quadras do imóvel.

Imagens de Mário de Andrade ao piano e na escrivaninha da casa Foto: Werther Santana/Estadão

Visitação da casa pode ser combinada com outras atrações do entorno

Diferentes opções de passeios podem ser combinados com uma visita à Casa Mário de Andrade. Em quadras próximas, estão o Memorial da América Latina, o Museu das Culturas Indígenas, o Parque da Água Branca, a histórica Igreja São Geraldo (onde está o chamado “Sino da Independência”), o Teatro do Núcleo Experimental, a Livraria Bandolim, A Casa Tombada e a quadra da Camisa Verde e Branco, por exemplo.

Há, também, a opção de percorrer a parte superior do Elevado Presidente João Goulart (o Minhocão) nos fins de semana. Além disso, a Barra Funda é um polo de galerias de arte. Dentre elas, estão a Bananal Arte e Cultura, a Kasulo Espaço de Arte, a Janaina Torres Galeria, a Mendes Wood DM, a Galeria Crua, a Hum Galeria de Artes e Projetos, a Galeria Izabel Pinheiro, a Galeria Cavalo, a Galeria Tato e a Luis Maluf Galeria.

Entrada na casa agora é por um dos dois sobrados anexados; na entrada, segue a silhueta de Mário de Andrade e uma referência à abertura do Caffé Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) Foto: Werther Santana/Estadão

Outro ponto forte da vizinhança é a gastronomia. A poucas quadras da casa, estão o premiado restaurante A Baianeira, uma unidade do Ponto Chic, o movimentado Boteco da Tati (conhecido pelo samba) e o Dali Daqui Bar, dentre outros espaços variados.

Casa Museu Mário de Andrade

De terça-feira a domingo, das 10h às 18h

Rua Lopes Chaves, 546 – Barra Funda

Não há estacionamento no local

Mais informações: www.casamariodeandrade.org.br

Programação de aniversário da Casa Museu Mário de Andrade

Exposição “Estúdio de uma vida”

Até 4 de maio

Curadoria da equipe da Casa Mário de Andrade

Exposição “AMARelo”

Grafites de Tamikuã Txihi, Simone Siss e Ricardo Sotaq

Até 29 de dezembro

Exposição “Eu mesmo, carnaval”

A partir de 9 de novembro, com apresentação da Mocidade Alegre (13h)

Na esquina das ruas Lopes Chaves com a Margarida, um conjunto de três sobrados centenários recém-renovados guarda a memória dos bastidores de momentos decisivos da história brasileira. Essa construção, há décadas, é praticamente uma extensão das ideias de um dos maiores intelectuais do País: Mário de Andrade, que lá viveu, morreu e deixou seu acervo de cerca de 25 mil livros, móveis, obras de arte e outros itens.

“Era o coração do Mário. Ele próprio dizia que era a sua ‘morada do coração perdido’”, relembra a pesquisadora Telê Ancona Lopez . Uma das maiores referências em Mário de Andrade no País, ela esteve na casa por anos a fio, enquanto era uma das cientistas responsáveis por catalogar e estudar o acervo (especialmente os livros) do ilustre morador da Barra Funda, hoje parte do centro expandido de São Paulo.

Não tão visitada quanto outras residências de personalidades mundo afora, a Casa Mário de Andrade está em momento de renovação, com ampliação do espaço e atividades voltadas a se conectar mais com o entorno. A obra durou mais de um ano, até reabrir em maio, com poucas intervenções ainda por acabar (basicamente o auditório. Por isso, é a primeira de uma série de matérias no Estadão chamada “Casas Paulistanas”.

Casa Mário de Andrade reabriu ampliada, com a anexação dos dois sobrado geminados à construção Foto: Werther Santana/Estadão

Agora, a antiga residência está com praticamente o dobro de tamanho. Para tanto, foram anexados os sobrados vizinhos, que são geminados à parte mais antiga e também pertenciam à família do intelectual. Isso porque, em 1921, a mãe de Mário (Maria Luísa) comprou os três imóveis de uma vez só, para que fossem a moradia de cada um dos filhos.

Com a obra, a nova fase abriu a casa para a Barra Funda. Antes, era preciso tocar a campainha e aguardar no portão até entrar no espaço. Agora, a entrada é por outra porta, aberta de terça-feira a domingo. Há novas rampas, elevadores e outros espaços com acessibilidade — antes inexistentes.

Também foi inaugurado o Caffè Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) onde havia antes a cozinha e outros cômodos originais. Para além, uma nova sala expositiva e mais espaços funcionais foram criados, assim como está em obras um auditório no porão e, em finalização, o deque no pátio (chamado de “Jardim de Bebês”).

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Museu reabriu após expansão para sobrados vizinhos, que também eram da família do intelectual; veja resultado

Nesse ínterim, alguns cômodos foram alterados e fundidos, para ampliar espaços, como a junção do antigo estúdio com o diminuto quarto do escritor (comparado a celas de monges por amigos), que viraram um ambiente só. Em exposição, costuma-se promover mostras temporárias e uma permanente.

Ao menos até maio do ano que vem, vê-se mais móveis que pertenceram a Andrade do que o comum — cedidos pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, responsável por quase todo o acervo do intelectual, para uma mostra temporária.

A exposição inclui a escrivaninha, que o intelectual herdou do pai (Carlos Augusto, morto em 1917). Grande parte do mobiliário, contudo, foi desenhado pelo próprio Mário, a partir de modelos da revista alemã Deutsche Kunst und Dekoration, como o oratório (que também é bar) e a cômoda, executados pelo Liceu de Artes e Ofícios.

Na mostra permanente, há alguns objetos originais, como os óculos do escritor. Grande parte das cartas, fotografias e outras peças são, contudo, réplicas, e em número muito inferior à quando era morada de Mário.

Por isso, os vídeos e outras imagens tentam remeter ao passado do espaço, considerando o esvaziamento deixado pela retirada do acervo após a compra pelo Estado há quase 70 anos. Um exemplo é uma projeção de uma pintura no local onde ficava, na escada.

Em cartas, publicações e outros tantos textos, Mário mencionava e descrevia a Casa da Rua Lopes Chaves como praticamente uma extensão de seu corpo, na qual reunia amigos, dava aulas, escrevia e vivia o cotidiano doméstico com os familiares e empregos. Parte da construção preserva características da época do intelectual (na ornamentação das paredes e da fachada, por exemplo), enquanto outras foram modificadas ao longo dos anos.

“Não é um lugar para visitar apenas uma vez, para ver uma exposição. É um local para desfrutar”, descreve a arquiteta Marcela Rezek, coordenadora da casa museu. Ela considera que o espaço tem potencial para atrair mais turistas, mas avalia que o momento é de aproximação prioritária com a vizinhança, pois é quem vai desfrutar no dia a dia.

Na programação, são realizadas mesas-redondas, show, oficinas e outras atividades. A agenda é tanto para crianças quanto para o público em geral. Dentre as próximas atrações, está o lançamento de mais uma exposição: “Eu mesmo, carnaval”, que terá apresentação da escola de samba Mocidade Alegre, em 9 de novembro.

Para a coordenadora, a anexação dos sobrados vizinhos era um “processo natural”. “Parece que estavam aguardando (outros imóveis foram demolidos no entorno ao longo das décadas). Como na Casa das Rosas, a casa do Mário também é uma sobrevivente e um testemunho material de uma antiga São Paulo”, descreve.

Ao longo de décadas, a casa teve diferentes perfis relacionados ao uso cultural (como Museu da Literatura e Oficina da Palavra, por exemplo). Mas, para Marcela, já era um “mini museu” na época de Mário, por reunir intelectuais, alunos e outros amigos do autor com frequência, além de deter então um vasto acervo de arte e livros.

Para ela, a casa é uma oportunidade dos visitantes perceberem Mário para além do autor de Paulicéia Desvairada e Macunaíma e do idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922. Isto é, é uma oportunidade para conhecer o Mário também músico, professor, gestor, explorador, fotógrafo, pesquisador e de outras tantas facetas.

Espaço com antigo piano no térreo recebe mesas-redondas e pequenos shows enquanto obra do auditório ainda não está pronta Foto: Werther Santana/Estadão

Qual é a história de Mário de Andrade com a casa?

Mário de Andrade teria nascido na Rua Aurora e, anos depois, viveu em um sobrado no Largo do Paissandu, ambos no centro. Poucos anos após a morte de seu pai, contudo, ele e a família se mudaram para a Barra Funda, em 1921. “Meus pés enterrem na rua Aurora/ No Paiçandu deixem meu sexo/ Na Lopes Chaves, a cabeça”, escreveu anos depois.

O intelectual viveu na Barra Funda com a mãe, a irmã (Maria de Lourdes) e a tia Nhanhã, no sobrado da esquina. Seu irmão, Carlos, vivia no do meio. Por fim, o terceiro sobrado havia sido adquirido pela genitora para ser a morada do intelectual, que nunca se casou e seguiu a residir com as mulheres da família.

A pesquisadora Telê Ancona Lopez descreve como era a casa antes do uso público: familiares de Mário ainda viviam ali, mantendo tudo como deixou. Durante grande parte dos anos 1960, receberam a equipe de pesquisa da USP que catalogou e estudou o acervo, sob orientação de Antonio Candido, fortemente ligado a Mário (e casado com uma prima do autor, que ali viveu por anos, Gilda de Mello e Souza).

Mário de Andrade viveu pouco mais de 20 anos na casa da Rua Lopes Chaves Foto: Werther Santana/Estadão

O portão nunca ficava fechado. A biblioteca “ocupava a casa toda”. “A casa era toda povoada, apertada, por estantes de livros”, descreve a pesquisadora. No porão, estavam os jornais, as revistas e outros periódicos nacionais e internacionais, como Mário os guardava.

De tão vasto, o acervo ainda permite novas descobertas, segundo Telê. Entre os materiais, destacam-se as muitas anotações nos livros, dando pistas sobre ideias até do desenvolvimento de obras de Mário, assim como de suas influências.

Com estilo eclético, o projeto original do conjunto de três sobrados era de Oscar Americano de Caldas, pai do famoso engenheiro e empresário que dá nome a uma avenida na região do Morumbi.

Exposição reúne móveis que eram da casa, parte deles desenhados por Mário a partir de modelos de revistas alemãs Foto: Werther Santana/Estadão

Ao longo dos anos, contudo, Andrade subverteu o interior do projeto da residência. Essa mudança envolveu especialmente os usos dos cômodos à época: enquanto o pavimento superior costumava ser privativo, ele instalou o seu estúdio ali, onde recebia frequentemente amigos diversos.

Esse espaço de socialização e trabalho ocupava o que originalmente seria o quarto. Já o quarto de fato foi instalado pelo intelectual no que seria uma espécie de closet conjugado. Foi neste local que morreu de infarto, em 1945, aos 52 anos. Outra subversão foi a instalação de diversas estantes de livros pelo térreo, em quase todos os ambientes.

Doutoranda em História Social e pesquisadora de Mário de Andrade, Viviane Aguiar conta que o ambiente doméstico também foi um local de descoberta e reafirmação da brasilidade para o intelectual. “Toda a ideia dele de culinária como parte da cultura vem do contato com a mãe, a tia e a empregada da casa, a Sebastiana”, conta.

Grafite de Mário de Andrade na entrada do café instalado na casa Foto: Werther Santana/Estadão

Ela salienta que o intelectual era uma pessoa caseira, com forte ligação com a moradia. “A Gilda de Mello e Souza (prima que residiu ali) dizia que o Mário era um homem doméstico, que gostava dessa vivência em família”, completa. “Muita da obra dele vem daí, muitas trazem fragmentos dessa vivência na casa, da domesticidade que gostava tanto.”

Pouco após a morte de Mário, o acervo da casa foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal que ele havia ajudado a conceber décadas antes. Por sua vez, a casa foi reconhecida como patrimônio cultural paulista nos anos 1970.

A casa é testemunho de uma Barra Funda que muito se transformou

No começo do século 20, a Barra Funda ainda não era um centro expandido paulistano, embora também se afastasse do passado rural do século anterior. A presença de indústrias e da ferrovia impulsionou a transformação, de modo que se tornou um bairro de diferentes classes sociais.

“Na década de 1920, já era um bairro bem integrado à cidade, configurava parte do perímetro urbano”, conta a arquiteta e urbanista Renata Monteiro Siqueira, pesquisadora de pós-doutorado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Foi se aproximando do centro ao longo do século 20, à medida que a cidade se expande, o sistema de transportes”, completa.

Projeção na parede faz referência a pintura que originalmente ficava junto à escada; maior parte do acervo do intelectual está no IEB-USP Foto: Werther Santana/Estadão

Como observa a urbanista, os sobrados da época eram tanto residências de famílias de classe média quanto divididos em cortiços ou com o porão sublocado, por exemplo. “Não era uma excepcionalidade a casa do Mário de Andrade existir naquele local, junto com outras casas também mais abastadas, os casarões”, completa.

Ao longo das décadas seguintes, contudo, a Barra Funda passou por uma série de mudanças. Entre o Censo atual e o anterior, por exemplo, foi o distrito que mais cresceu (com 7,3% a mais de população).

“É interessante que essa realidade ainda convive com as casinhas geminadas — que, inclusive, atualmente, vêm sendo ocupadas em algumas ruas, como a Sousa Lima, por bares, normalmente com essa marca da brasilidade, frequentados por uma classe média descolada. Ao mesmo tempo que a gente vê imensas áreas de condomínios verticais, fechadas por muros, inacessíveis e tudo mais”, compara a urbanista.

Hoje, contudo, oficialmente, o endereço da Casa Mário de Andrade é considerado como distrito Santa Cecília. Pela divisão administrativa da Prefeitura, a Barra Funda inicia para além da Avenida Pacaembu, a cerca de duas quadras do imóvel.

Imagens de Mário de Andrade ao piano e na escrivaninha da casa Foto: Werther Santana/Estadão

Visitação da casa pode ser combinada com outras atrações do entorno

Diferentes opções de passeios podem ser combinados com uma visita à Casa Mário de Andrade. Em quadras próximas, estão o Memorial da América Latina, o Museu das Culturas Indígenas, o Parque da Água Branca, a histórica Igreja São Geraldo (onde está o chamado “Sino da Independência”), o Teatro do Núcleo Experimental, a Livraria Bandolim, A Casa Tombada e a quadra da Camisa Verde e Branco, por exemplo.

Há, também, a opção de percorrer a parte superior do Elevado Presidente João Goulart (o Minhocão) nos fins de semana. Além disso, a Barra Funda é um polo de galerias de arte. Dentre elas, estão a Bananal Arte e Cultura, a Kasulo Espaço de Arte, a Janaina Torres Galeria, a Mendes Wood DM, a Galeria Crua, a Hum Galeria de Artes e Projetos, a Galeria Izabel Pinheiro, a Galeria Cavalo, a Galeria Tato e a Luis Maluf Galeria.

Entrada na casa agora é por um dos dois sobrados anexados; na entrada, segue a silhueta de Mário de Andrade e uma referência à abertura do Caffé Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) Foto: Werther Santana/Estadão

Outro ponto forte da vizinhança é a gastronomia. A poucas quadras da casa, estão o premiado restaurante A Baianeira, uma unidade do Ponto Chic, o movimentado Boteco da Tati (conhecido pelo samba) e o Dali Daqui Bar, dentre outros espaços variados.

Casa Museu Mário de Andrade

De terça-feira a domingo, das 10h às 18h

Rua Lopes Chaves, 546 – Barra Funda

Não há estacionamento no local

Mais informações: www.casamariodeandrade.org.br

Programação de aniversário da Casa Museu Mário de Andrade

Exposição “Estúdio de uma vida”

Até 4 de maio

Curadoria da equipe da Casa Mário de Andrade

Exposição “AMARelo”

Grafites de Tamikuã Txihi, Simone Siss e Ricardo Sotaq

Até 29 de dezembro

Exposição “Eu mesmo, carnaval”

A partir de 9 de novembro, com apresentação da Mocidade Alegre (13h)

Na esquina das ruas Lopes Chaves com a Margarida, um conjunto de três sobrados centenários recém-renovados guarda a memória dos bastidores de momentos decisivos da história brasileira. Essa construção, há décadas, é praticamente uma extensão das ideias de um dos maiores intelectuais do País: Mário de Andrade, que lá viveu, morreu e deixou seu acervo de cerca de 25 mil livros, móveis, obras de arte e outros itens.

“Era o coração do Mário. Ele próprio dizia que era a sua ‘morada do coração perdido’”, relembra a pesquisadora Telê Ancona Lopez . Uma das maiores referências em Mário de Andrade no País, ela esteve na casa por anos a fio, enquanto era uma das cientistas responsáveis por catalogar e estudar o acervo (especialmente os livros) do ilustre morador da Barra Funda, hoje parte do centro expandido de São Paulo.

Não tão visitada quanto outras residências de personalidades mundo afora, a Casa Mário de Andrade está em momento de renovação, com ampliação do espaço e atividades voltadas a se conectar mais com o entorno. A obra durou mais de um ano, até reabrir em maio, com poucas intervenções ainda por acabar (basicamente o auditório. Por isso, é a primeira de uma série de matérias no Estadão chamada “Casas Paulistanas”.

Casa Mário de Andrade reabriu ampliada, com a anexação dos dois sobrado geminados à construção Foto: Werther Santana/Estadão

Agora, a antiga residência está com praticamente o dobro de tamanho. Para tanto, foram anexados os sobrados vizinhos, que são geminados à parte mais antiga e também pertenciam à família do intelectual. Isso porque, em 1921, a mãe de Mário (Maria Luísa) comprou os três imóveis de uma vez só, para que fossem a moradia de cada um dos filhos.

Com a obra, a nova fase abriu a casa para a Barra Funda. Antes, era preciso tocar a campainha e aguardar no portão até entrar no espaço. Agora, a entrada é por outra porta, aberta de terça-feira a domingo. Há novas rampas, elevadores e outros espaços com acessibilidade — antes inexistentes.

Também foi inaugurado o Caffè Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) onde havia antes a cozinha e outros cômodos originais. Para além, uma nova sala expositiva e mais espaços funcionais foram criados, assim como está em obras um auditório no porão e, em finalização, o deque no pátio (chamado de “Jardim de Bebês”).

Seu navegador não suporta esse video.

Museu reabriu após expansão para sobrados vizinhos, que também eram da família do intelectual; veja resultado

Nesse ínterim, alguns cômodos foram alterados e fundidos, para ampliar espaços, como a junção do antigo estúdio com o diminuto quarto do escritor (comparado a celas de monges por amigos), que viraram um ambiente só. Em exposição, costuma-se promover mostras temporárias e uma permanente.

Ao menos até maio do ano que vem, vê-se mais móveis que pertenceram a Andrade do que o comum — cedidos pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, responsável por quase todo o acervo do intelectual, para uma mostra temporária.

A exposição inclui a escrivaninha, que o intelectual herdou do pai (Carlos Augusto, morto em 1917). Grande parte do mobiliário, contudo, foi desenhado pelo próprio Mário, a partir de modelos da revista alemã Deutsche Kunst und Dekoration, como o oratório (que também é bar) e a cômoda, executados pelo Liceu de Artes e Ofícios.

Na mostra permanente, há alguns objetos originais, como os óculos do escritor. Grande parte das cartas, fotografias e outras peças são, contudo, réplicas, e em número muito inferior à quando era morada de Mário.

Por isso, os vídeos e outras imagens tentam remeter ao passado do espaço, considerando o esvaziamento deixado pela retirada do acervo após a compra pelo Estado há quase 70 anos. Um exemplo é uma projeção de uma pintura no local onde ficava, na escada.

Em cartas, publicações e outros tantos textos, Mário mencionava e descrevia a Casa da Rua Lopes Chaves como praticamente uma extensão de seu corpo, na qual reunia amigos, dava aulas, escrevia e vivia o cotidiano doméstico com os familiares e empregos. Parte da construção preserva características da época do intelectual (na ornamentação das paredes e da fachada, por exemplo), enquanto outras foram modificadas ao longo dos anos.

“Não é um lugar para visitar apenas uma vez, para ver uma exposição. É um local para desfrutar”, descreve a arquiteta Marcela Rezek, coordenadora da casa museu. Ela considera que o espaço tem potencial para atrair mais turistas, mas avalia que o momento é de aproximação prioritária com a vizinhança, pois é quem vai desfrutar no dia a dia.

Na programação, são realizadas mesas-redondas, show, oficinas e outras atividades. A agenda é tanto para crianças quanto para o público em geral. Dentre as próximas atrações, está o lançamento de mais uma exposição: “Eu mesmo, carnaval”, que terá apresentação da escola de samba Mocidade Alegre, em 9 de novembro.

Para a coordenadora, a anexação dos sobrados vizinhos era um “processo natural”. “Parece que estavam aguardando (outros imóveis foram demolidos no entorno ao longo das décadas). Como na Casa das Rosas, a casa do Mário também é uma sobrevivente e um testemunho material de uma antiga São Paulo”, descreve.

Ao longo de décadas, a casa teve diferentes perfis relacionados ao uso cultural (como Museu da Literatura e Oficina da Palavra, por exemplo). Mas, para Marcela, já era um “mini museu” na época de Mário, por reunir intelectuais, alunos e outros amigos do autor com frequência, além de deter então um vasto acervo de arte e livros.

Para ela, a casa é uma oportunidade dos visitantes perceberem Mário para além do autor de Paulicéia Desvairada e Macunaíma e do idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922. Isto é, é uma oportunidade para conhecer o Mário também músico, professor, gestor, explorador, fotógrafo, pesquisador e de outras tantas facetas.

Espaço com antigo piano no térreo recebe mesas-redondas e pequenos shows enquanto obra do auditório ainda não está pronta Foto: Werther Santana/Estadão

Qual é a história de Mário de Andrade com a casa?

Mário de Andrade teria nascido na Rua Aurora e, anos depois, viveu em um sobrado no Largo do Paissandu, ambos no centro. Poucos anos após a morte de seu pai, contudo, ele e a família se mudaram para a Barra Funda, em 1921. “Meus pés enterrem na rua Aurora/ No Paiçandu deixem meu sexo/ Na Lopes Chaves, a cabeça”, escreveu anos depois.

O intelectual viveu na Barra Funda com a mãe, a irmã (Maria de Lourdes) e a tia Nhanhã, no sobrado da esquina. Seu irmão, Carlos, vivia no do meio. Por fim, o terceiro sobrado havia sido adquirido pela genitora para ser a morada do intelectual, que nunca se casou e seguiu a residir com as mulheres da família.

A pesquisadora Telê Ancona Lopez descreve como era a casa antes do uso público: familiares de Mário ainda viviam ali, mantendo tudo como deixou. Durante grande parte dos anos 1960, receberam a equipe de pesquisa da USP que catalogou e estudou o acervo, sob orientação de Antonio Candido, fortemente ligado a Mário (e casado com uma prima do autor, que ali viveu por anos, Gilda de Mello e Souza).

Mário de Andrade viveu pouco mais de 20 anos na casa da Rua Lopes Chaves Foto: Werther Santana/Estadão

O portão nunca ficava fechado. A biblioteca “ocupava a casa toda”. “A casa era toda povoada, apertada, por estantes de livros”, descreve a pesquisadora. No porão, estavam os jornais, as revistas e outros periódicos nacionais e internacionais, como Mário os guardava.

De tão vasto, o acervo ainda permite novas descobertas, segundo Telê. Entre os materiais, destacam-se as muitas anotações nos livros, dando pistas sobre ideias até do desenvolvimento de obras de Mário, assim como de suas influências.

Com estilo eclético, o projeto original do conjunto de três sobrados era de Oscar Americano de Caldas, pai do famoso engenheiro e empresário que dá nome a uma avenida na região do Morumbi.

Exposição reúne móveis que eram da casa, parte deles desenhados por Mário a partir de modelos de revistas alemãs Foto: Werther Santana/Estadão

Ao longo dos anos, contudo, Andrade subverteu o interior do projeto da residência. Essa mudança envolveu especialmente os usos dos cômodos à época: enquanto o pavimento superior costumava ser privativo, ele instalou o seu estúdio ali, onde recebia frequentemente amigos diversos.

Esse espaço de socialização e trabalho ocupava o que originalmente seria o quarto. Já o quarto de fato foi instalado pelo intelectual no que seria uma espécie de closet conjugado. Foi neste local que morreu de infarto, em 1945, aos 52 anos. Outra subversão foi a instalação de diversas estantes de livros pelo térreo, em quase todos os ambientes.

Doutoranda em História Social e pesquisadora de Mário de Andrade, Viviane Aguiar conta que o ambiente doméstico também foi um local de descoberta e reafirmação da brasilidade para o intelectual. “Toda a ideia dele de culinária como parte da cultura vem do contato com a mãe, a tia e a empregada da casa, a Sebastiana”, conta.

Grafite de Mário de Andrade na entrada do café instalado na casa Foto: Werther Santana/Estadão

Ela salienta que o intelectual era uma pessoa caseira, com forte ligação com a moradia. “A Gilda de Mello e Souza (prima que residiu ali) dizia que o Mário era um homem doméstico, que gostava dessa vivência em família”, completa. “Muita da obra dele vem daí, muitas trazem fragmentos dessa vivência na casa, da domesticidade que gostava tanto.”

Pouco após a morte de Mário, o acervo da casa foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal que ele havia ajudado a conceber décadas antes. Por sua vez, a casa foi reconhecida como patrimônio cultural paulista nos anos 1970.

A casa é testemunho de uma Barra Funda que muito se transformou

No começo do século 20, a Barra Funda ainda não era um centro expandido paulistano, embora também se afastasse do passado rural do século anterior. A presença de indústrias e da ferrovia impulsionou a transformação, de modo que se tornou um bairro de diferentes classes sociais.

“Na década de 1920, já era um bairro bem integrado à cidade, configurava parte do perímetro urbano”, conta a arquiteta e urbanista Renata Monteiro Siqueira, pesquisadora de pós-doutorado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Foi se aproximando do centro ao longo do século 20, à medida que a cidade se expande, o sistema de transportes”, completa.

Projeção na parede faz referência a pintura que originalmente ficava junto à escada; maior parte do acervo do intelectual está no IEB-USP Foto: Werther Santana/Estadão

Como observa a urbanista, os sobrados da época eram tanto residências de famílias de classe média quanto divididos em cortiços ou com o porão sublocado, por exemplo. “Não era uma excepcionalidade a casa do Mário de Andrade existir naquele local, junto com outras casas também mais abastadas, os casarões”, completa.

Ao longo das décadas seguintes, contudo, a Barra Funda passou por uma série de mudanças. Entre o Censo atual e o anterior, por exemplo, foi o distrito que mais cresceu (com 7,3% a mais de população).

“É interessante que essa realidade ainda convive com as casinhas geminadas — que, inclusive, atualmente, vêm sendo ocupadas em algumas ruas, como a Sousa Lima, por bares, normalmente com essa marca da brasilidade, frequentados por uma classe média descolada. Ao mesmo tempo que a gente vê imensas áreas de condomínios verticais, fechadas por muros, inacessíveis e tudo mais”, compara a urbanista.

Hoje, contudo, oficialmente, o endereço da Casa Mário de Andrade é considerado como distrito Santa Cecília. Pela divisão administrativa da Prefeitura, a Barra Funda inicia para além da Avenida Pacaembu, a cerca de duas quadras do imóvel.

Imagens de Mário de Andrade ao piano e na escrivaninha da casa Foto: Werther Santana/Estadão

Visitação da casa pode ser combinada com outras atrações do entorno

Diferentes opções de passeios podem ser combinados com uma visita à Casa Mário de Andrade. Em quadras próximas, estão o Memorial da América Latina, o Museu das Culturas Indígenas, o Parque da Água Branca, a histórica Igreja São Geraldo (onde está o chamado “Sino da Independência”), o Teatro do Núcleo Experimental, a Livraria Bandolim, A Casa Tombada e a quadra da Camisa Verde e Branco, por exemplo.

Há, também, a opção de percorrer a parte superior do Elevado Presidente João Goulart (o Minhocão) nos fins de semana. Além disso, a Barra Funda é um polo de galerias de arte. Dentre elas, estão a Bananal Arte e Cultura, a Kasulo Espaço de Arte, a Janaina Torres Galeria, a Mendes Wood DM, a Galeria Crua, a Hum Galeria de Artes e Projetos, a Galeria Izabel Pinheiro, a Galeria Cavalo, a Galeria Tato e a Luis Maluf Galeria.

Entrada na casa agora é por um dos dois sobrados anexados; na entrada, segue a silhueta de Mário de Andrade e uma referência à abertura do Caffé Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) Foto: Werther Santana/Estadão

Outro ponto forte da vizinhança é a gastronomia. A poucas quadras da casa, estão o premiado restaurante A Baianeira, uma unidade do Ponto Chic, o movimentado Boteco da Tati (conhecido pelo samba) e o Dali Daqui Bar, dentre outros espaços variados.

Casa Museu Mário de Andrade

De terça-feira a domingo, das 10h às 18h

Rua Lopes Chaves, 546 – Barra Funda

Não há estacionamento no local

Mais informações: www.casamariodeandrade.org.br

Programação de aniversário da Casa Museu Mário de Andrade

Exposição “Estúdio de uma vida”

Até 4 de maio

Curadoria da equipe da Casa Mário de Andrade

Exposição “AMARelo”

Grafites de Tamikuã Txihi, Simone Siss e Ricardo Sotaq

Até 29 de dezembro

Exposição “Eu mesmo, carnaval”

A partir de 9 de novembro, com apresentação da Mocidade Alegre (13h)

Na esquina das ruas Lopes Chaves com a Margarida, um conjunto de três sobrados centenários recém-renovados guarda a memória dos bastidores de momentos decisivos da história brasileira. Essa construção, há décadas, é praticamente uma extensão das ideias de um dos maiores intelectuais do País: Mário de Andrade, que lá viveu, morreu e deixou seu acervo de cerca de 25 mil livros, móveis, obras de arte e outros itens.

“Era o coração do Mário. Ele próprio dizia que era a sua ‘morada do coração perdido’”, relembra a pesquisadora Telê Ancona Lopez . Uma das maiores referências em Mário de Andrade no País, ela esteve na casa por anos a fio, enquanto era uma das cientistas responsáveis por catalogar e estudar o acervo (especialmente os livros) do ilustre morador da Barra Funda, hoje parte do centro expandido de São Paulo.

Não tão visitada quanto outras residências de personalidades mundo afora, a Casa Mário de Andrade está em momento de renovação, com ampliação do espaço e atividades voltadas a se conectar mais com o entorno. A obra durou mais de um ano, até reabrir em maio, com poucas intervenções ainda por acabar (basicamente o auditório. Por isso, é a primeira de uma série de matérias no Estadão chamada “Casas Paulistanas”.

Casa Mário de Andrade reabriu ampliada, com a anexação dos dois sobrado geminados à construção Foto: Werther Santana/Estadão

Agora, a antiga residência está com praticamente o dobro de tamanho. Para tanto, foram anexados os sobrados vizinhos, que são geminados à parte mais antiga e também pertenciam à família do intelectual. Isso porque, em 1921, a mãe de Mário (Maria Luísa) comprou os três imóveis de uma vez só, para que fossem a moradia de cada um dos filhos.

Com a obra, a nova fase abriu a casa para a Barra Funda. Antes, era preciso tocar a campainha e aguardar no portão até entrar no espaço. Agora, a entrada é por outra porta, aberta de terça-feira a domingo. Há novas rampas, elevadores e outros espaços com acessibilidade — antes inexistentes.

Também foi inaugurado o Caffè Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) onde havia antes a cozinha e outros cômodos originais. Para além, uma nova sala expositiva e mais espaços funcionais foram criados, assim como está em obras um auditório no porão e, em finalização, o deque no pátio (chamado de “Jardim de Bebês”).

Seu navegador não suporta esse video.

Museu reabriu após expansão para sobrados vizinhos, que também eram da família do intelectual; veja resultado

Nesse ínterim, alguns cômodos foram alterados e fundidos, para ampliar espaços, como a junção do antigo estúdio com o diminuto quarto do escritor (comparado a celas de monges por amigos), que viraram um ambiente só. Em exposição, costuma-se promover mostras temporárias e uma permanente.

Ao menos até maio do ano que vem, vê-se mais móveis que pertenceram a Andrade do que o comum — cedidos pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, responsável por quase todo o acervo do intelectual, para uma mostra temporária.

A exposição inclui a escrivaninha, que o intelectual herdou do pai (Carlos Augusto, morto em 1917). Grande parte do mobiliário, contudo, foi desenhado pelo próprio Mário, a partir de modelos da revista alemã Deutsche Kunst und Dekoration, como o oratório (que também é bar) e a cômoda, executados pelo Liceu de Artes e Ofícios.

Na mostra permanente, há alguns objetos originais, como os óculos do escritor. Grande parte das cartas, fotografias e outras peças são, contudo, réplicas, e em número muito inferior à quando era morada de Mário.

Por isso, os vídeos e outras imagens tentam remeter ao passado do espaço, considerando o esvaziamento deixado pela retirada do acervo após a compra pelo Estado há quase 70 anos. Um exemplo é uma projeção de uma pintura no local onde ficava, na escada.

Em cartas, publicações e outros tantos textos, Mário mencionava e descrevia a Casa da Rua Lopes Chaves como praticamente uma extensão de seu corpo, na qual reunia amigos, dava aulas, escrevia e vivia o cotidiano doméstico com os familiares e empregos. Parte da construção preserva características da época do intelectual (na ornamentação das paredes e da fachada, por exemplo), enquanto outras foram modificadas ao longo dos anos.

“Não é um lugar para visitar apenas uma vez, para ver uma exposição. É um local para desfrutar”, descreve a arquiteta Marcela Rezek, coordenadora da casa museu. Ela considera que o espaço tem potencial para atrair mais turistas, mas avalia que o momento é de aproximação prioritária com a vizinhança, pois é quem vai desfrutar no dia a dia.

Na programação, são realizadas mesas-redondas, show, oficinas e outras atividades. A agenda é tanto para crianças quanto para o público em geral. Dentre as próximas atrações, está o lançamento de mais uma exposição: “Eu mesmo, carnaval”, que terá apresentação da escola de samba Mocidade Alegre, em 9 de novembro.

Para a coordenadora, a anexação dos sobrados vizinhos era um “processo natural”. “Parece que estavam aguardando (outros imóveis foram demolidos no entorno ao longo das décadas). Como na Casa das Rosas, a casa do Mário também é uma sobrevivente e um testemunho material de uma antiga São Paulo”, descreve.

Ao longo de décadas, a casa teve diferentes perfis relacionados ao uso cultural (como Museu da Literatura e Oficina da Palavra, por exemplo). Mas, para Marcela, já era um “mini museu” na época de Mário, por reunir intelectuais, alunos e outros amigos do autor com frequência, além de deter então um vasto acervo de arte e livros.

Para ela, a casa é uma oportunidade dos visitantes perceberem Mário para além do autor de Paulicéia Desvairada e Macunaíma e do idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922. Isto é, é uma oportunidade para conhecer o Mário também músico, professor, gestor, explorador, fotógrafo, pesquisador e de outras tantas facetas.

Espaço com antigo piano no térreo recebe mesas-redondas e pequenos shows enquanto obra do auditório ainda não está pronta Foto: Werther Santana/Estadão

Qual é a história de Mário de Andrade com a casa?

Mário de Andrade teria nascido na Rua Aurora e, anos depois, viveu em um sobrado no Largo do Paissandu, ambos no centro. Poucos anos após a morte de seu pai, contudo, ele e a família se mudaram para a Barra Funda, em 1921. “Meus pés enterrem na rua Aurora/ No Paiçandu deixem meu sexo/ Na Lopes Chaves, a cabeça”, escreveu anos depois.

O intelectual viveu na Barra Funda com a mãe, a irmã (Maria de Lourdes) e a tia Nhanhã, no sobrado da esquina. Seu irmão, Carlos, vivia no do meio. Por fim, o terceiro sobrado havia sido adquirido pela genitora para ser a morada do intelectual, que nunca se casou e seguiu a residir com as mulheres da família.

A pesquisadora Telê Ancona Lopez descreve como era a casa antes do uso público: familiares de Mário ainda viviam ali, mantendo tudo como deixou. Durante grande parte dos anos 1960, receberam a equipe de pesquisa da USP que catalogou e estudou o acervo, sob orientação de Antonio Candido, fortemente ligado a Mário (e casado com uma prima do autor, que ali viveu por anos, Gilda de Mello e Souza).

Mário de Andrade viveu pouco mais de 20 anos na casa da Rua Lopes Chaves Foto: Werther Santana/Estadão

O portão nunca ficava fechado. A biblioteca “ocupava a casa toda”. “A casa era toda povoada, apertada, por estantes de livros”, descreve a pesquisadora. No porão, estavam os jornais, as revistas e outros periódicos nacionais e internacionais, como Mário os guardava.

De tão vasto, o acervo ainda permite novas descobertas, segundo Telê. Entre os materiais, destacam-se as muitas anotações nos livros, dando pistas sobre ideias até do desenvolvimento de obras de Mário, assim como de suas influências.

Com estilo eclético, o projeto original do conjunto de três sobrados era de Oscar Americano de Caldas, pai do famoso engenheiro e empresário que dá nome a uma avenida na região do Morumbi.

Exposição reúne móveis que eram da casa, parte deles desenhados por Mário a partir de modelos de revistas alemãs Foto: Werther Santana/Estadão

Ao longo dos anos, contudo, Andrade subverteu o interior do projeto da residência. Essa mudança envolveu especialmente os usos dos cômodos à época: enquanto o pavimento superior costumava ser privativo, ele instalou o seu estúdio ali, onde recebia frequentemente amigos diversos.

Esse espaço de socialização e trabalho ocupava o que originalmente seria o quarto. Já o quarto de fato foi instalado pelo intelectual no que seria uma espécie de closet conjugado. Foi neste local que morreu de infarto, em 1945, aos 52 anos. Outra subversão foi a instalação de diversas estantes de livros pelo térreo, em quase todos os ambientes.

Doutoranda em História Social e pesquisadora de Mário de Andrade, Viviane Aguiar conta que o ambiente doméstico também foi um local de descoberta e reafirmação da brasilidade para o intelectual. “Toda a ideia dele de culinária como parte da cultura vem do contato com a mãe, a tia e a empregada da casa, a Sebastiana”, conta.

Grafite de Mário de Andrade na entrada do café instalado na casa Foto: Werther Santana/Estadão

Ela salienta que o intelectual era uma pessoa caseira, com forte ligação com a moradia. “A Gilda de Mello e Souza (prima que residiu ali) dizia que o Mário era um homem doméstico, que gostava dessa vivência em família”, completa. “Muita da obra dele vem daí, muitas trazem fragmentos dessa vivência na casa, da domesticidade que gostava tanto.”

Pouco após a morte de Mário, o acervo da casa foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal que ele havia ajudado a conceber décadas antes. Por sua vez, a casa foi reconhecida como patrimônio cultural paulista nos anos 1970.

A casa é testemunho de uma Barra Funda que muito se transformou

No começo do século 20, a Barra Funda ainda não era um centro expandido paulistano, embora também se afastasse do passado rural do século anterior. A presença de indústrias e da ferrovia impulsionou a transformação, de modo que se tornou um bairro de diferentes classes sociais.

“Na década de 1920, já era um bairro bem integrado à cidade, configurava parte do perímetro urbano”, conta a arquiteta e urbanista Renata Monteiro Siqueira, pesquisadora de pós-doutorado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Foi se aproximando do centro ao longo do século 20, à medida que a cidade se expande, o sistema de transportes”, completa.

Projeção na parede faz referência a pintura que originalmente ficava junto à escada; maior parte do acervo do intelectual está no IEB-USP Foto: Werther Santana/Estadão

Como observa a urbanista, os sobrados da época eram tanto residências de famílias de classe média quanto divididos em cortiços ou com o porão sublocado, por exemplo. “Não era uma excepcionalidade a casa do Mário de Andrade existir naquele local, junto com outras casas também mais abastadas, os casarões”, completa.

Ao longo das décadas seguintes, contudo, a Barra Funda passou por uma série de mudanças. Entre o Censo atual e o anterior, por exemplo, foi o distrito que mais cresceu (com 7,3% a mais de população).

“É interessante que essa realidade ainda convive com as casinhas geminadas — que, inclusive, atualmente, vêm sendo ocupadas em algumas ruas, como a Sousa Lima, por bares, normalmente com essa marca da brasilidade, frequentados por uma classe média descolada. Ao mesmo tempo que a gente vê imensas áreas de condomínios verticais, fechadas por muros, inacessíveis e tudo mais”, compara a urbanista.

Hoje, contudo, oficialmente, o endereço da Casa Mário de Andrade é considerado como distrito Santa Cecília. Pela divisão administrativa da Prefeitura, a Barra Funda inicia para além da Avenida Pacaembu, a cerca de duas quadras do imóvel.

Imagens de Mário de Andrade ao piano e na escrivaninha da casa Foto: Werther Santana/Estadão

Visitação da casa pode ser combinada com outras atrações do entorno

Diferentes opções de passeios podem ser combinados com uma visita à Casa Mário de Andrade. Em quadras próximas, estão o Memorial da América Latina, o Museu das Culturas Indígenas, o Parque da Água Branca, a histórica Igreja São Geraldo (onde está o chamado “Sino da Independência”), o Teatro do Núcleo Experimental, a Livraria Bandolim, A Casa Tombada e a quadra da Camisa Verde e Branco, por exemplo.

Há, também, a opção de percorrer a parte superior do Elevado Presidente João Goulart (o Minhocão) nos fins de semana. Além disso, a Barra Funda é um polo de galerias de arte. Dentre elas, estão a Bananal Arte e Cultura, a Kasulo Espaço de Arte, a Janaina Torres Galeria, a Mendes Wood DM, a Galeria Crua, a Hum Galeria de Artes e Projetos, a Galeria Izabel Pinheiro, a Galeria Cavalo, a Galeria Tato e a Luis Maluf Galeria.

Entrada na casa agora é por um dos dois sobrados anexados; na entrada, segue a silhueta de Mário de Andrade e uma referência à abertura do Caffé Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) Foto: Werther Santana/Estadão

Outro ponto forte da vizinhança é a gastronomia. A poucas quadras da casa, estão o premiado restaurante A Baianeira, uma unidade do Ponto Chic, o movimentado Boteco da Tati (conhecido pelo samba) e o Dali Daqui Bar, dentre outros espaços variados.

Casa Museu Mário de Andrade

De terça-feira a domingo, das 10h às 18h

Rua Lopes Chaves, 546 – Barra Funda

Não há estacionamento no local

Mais informações: www.casamariodeandrade.org.br

Programação de aniversário da Casa Museu Mário de Andrade

Exposição “Estúdio de uma vida”

Até 4 de maio

Curadoria da equipe da Casa Mário de Andrade

Exposição “AMARelo”

Grafites de Tamikuã Txihi, Simone Siss e Ricardo Sotaq

Até 29 de dezembro

Exposição “Eu mesmo, carnaval”

A partir de 9 de novembro, com apresentação da Mocidade Alegre (13h)

Na esquina das ruas Lopes Chaves com a Margarida, um conjunto de três sobrados centenários recém-renovados guarda a memória dos bastidores de momentos decisivos da história brasileira. Essa construção, há décadas, é praticamente uma extensão das ideias de um dos maiores intelectuais do País: Mário de Andrade, que lá viveu, morreu e deixou seu acervo de cerca de 25 mil livros, móveis, obras de arte e outros itens.

“Era o coração do Mário. Ele próprio dizia que era a sua ‘morada do coração perdido’”, relembra a pesquisadora Telê Ancona Lopez . Uma das maiores referências em Mário de Andrade no País, ela esteve na casa por anos a fio, enquanto era uma das cientistas responsáveis por catalogar e estudar o acervo (especialmente os livros) do ilustre morador da Barra Funda, hoje parte do centro expandido de São Paulo.

Não tão visitada quanto outras residências de personalidades mundo afora, a Casa Mário de Andrade está em momento de renovação, com ampliação do espaço e atividades voltadas a se conectar mais com o entorno. A obra durou mais de um ano, até reabrir em maio, com poucas intervenções ainda por acabar (basicamente o auditório. Por isso, é a primeira de uma série de matérias no Estadão chamada “Casas Paulistanas”.

Casa Mário de Andrade reabriu ampliada, com a anexação dos dois sobrado geminados à construção Foto: Werther Santana/Estadão

Agora, a antiga residência está com praticamente o dobro de tamanho. Para tanto, foram anexados os sobrados vizinhos, que são geminados à parte mais antiga e também pertenciam à família do intelectual. Isso porque, em 1921, a mãe de Mário (Maria Luísa) comprou os três imóveis de uma vez só, para que fossem a moradia de cada um dos filhos.

Com a obra, a nova fase abriu a casa para a Barra Funda. Antes, era preciso tocar a campainha e aguardar no portão até entrar no espaço. Agora, a entrada é por outra porta, aberta de terça-feira a domingo. Há novas rampas, elevadores e outros espaços com acessibilidade — antes inexistentes.

Também foi inaugurado o Caffè Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) onde havia antes a cozinha e outros cômodos originais. Para além, uma nova sala expositiva e mais espaços funcionais foram criados, assim como está em obras um auditório no porão e, em finalização, o deque no pátio (chamado de “Jardim de Bebês”).

Seu navegador não suporta esse video.

Museu reabriu após expansão para sobrados vizinhos, que também eram da família do intelectual; veja resultado

Nesse ínterim, alguns cômodos foram alterados e fundidos, para ampliar espaços, como a junção do antigo estúdio com o diminuto quarto do escritor (comparado a celas de monges por amigos), que viraram um ambiente só. Em exposição, costuma-se promover mostras temporárias e uma permanente.

Ao menos até maio do ano que vem, vê-se mais móveis que pertenceram a Andrade do que o comum — cedidos pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, responsável por quase todo o acervo do intelectual, para uma mostra temporária.

A exposição inclui a escrivaninha, que o intelectual herdou do pai (Carlos Augusto, morto em 1917). Grande parte do mobiliário, contudo, foi desenhado pelo próprio Mário, a partir de modelos da revista alemã Deutsche Kunst und Dekoration, como o oratório (que também é bar) e a cômoda, executados pelo Liceu de Artes e Ofícios.

Na mostra permanente, há alguns objetos originais, como os óculos do escritor. Grande parte das cartas, fotografias e outras peças são, contudo, réplicas, e em número muito inferior à quando era morada de Mário.

Por isso, os vídeos e outras imagens tentam remeter ao passado do espaço, considerando o esvaziamento deixado pela retirada do acervo após a compra pelo Estado há quase 70 anos. Um exemplo é uma projeção de uma pintura no local onde ficava, na escada.

Em cartas, publicações e outros tantos textos, Mário mencionava e descrevia a Casa da Rua Lopes Chaves como praticamente uma extensão de seu corpo, na qual reunia amigos, dava aulas, escrevia e vivia o cotidiano doméstico com os familiares e empregos. Parte da construção preserva características da época do intelectual (na ornamentação das paredes e da fachada, por exemplo), enquanto outras foram modificadas ao longo dos anos.

“Não é um lugar para visitar apenas uma vez, para ver uma exposição. É um local para desfrutar”, descreve a arquiteta Marcela Rezek, coordenadora da casa museu. Ela considera que o espaço tem potencial para atrair mais turistas, mas avalia que o momento é de aproximação prioritária com a vizinhança, pois é quem vai desfrutar no dia a dia.

Na programação, são realizadas mesas-redondas, show, oficinas e outras atividades. A agenda é tanto para crianças quanto para o público em geral. Dentre as próximas atrações, está o lançamento de mais uma exposição: “Eu mesmo, carnaval”, que terá apresentação da escola de samba Mocidade Alegre, em 9 de novembro.

Para a coordenadora, a anexação dos sobrados vizinhos era um “processo natural”. “Parece que estavam aguardando (outros imóveis foram demolidos no entorno ao longo das décadas). Como na Casa das Rosas, a casa do Mário também é uma sobrevivente e um testemunho material de uma antiga São Paulo”, descreve.

Ao longo de décadas, a casa teve diferentes perfis relacionados ao uso cultural (como Museu da Literatura e Oficina da Palavra, por exemplo). Mas, para Marcela, já era um “mini museu” na época de Mário, por reunir intelectuais, alunos e outros amigos do autor com frequência, além de deter então um vasto acervo de arte e livros.

Para ela, a casa é uma oportunidade dos visitantes perceberem Mário para além do autor de Paulicéia Desvairada e Macunaíma e do idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922. Isto é, é uma oportunidade para conhecer o Mário também músico, professor, gestor, explorador, fotógrafo, pesquisador e de outras tantas facetas.

Espaço com antigo piano no térreo recebe mesas-redondas e pequenos shows enquanto obra do auditório ainda não está pronta Foto: Werther Santana/Estadão

Qual é a história de Mário de Andrade com a casa?

Mário de Andrade teria nascido na Rua Aurora e, anos depois, viveu em um sobrado no Largo do Paissandu, ambos no centro. Poucos anos após a morte de seu pai, contudo, ele e a família se mudaram para a Barra Funda, em 1921. “Meus pés enterrem na rua Aurora/ No Paiçandu deixem meu sexo/ Na Lopes Chaves, a cabeça”, escreveu anos depois.

O intelectual viveu na Barra Funda com a mãe, a irmã (Maria de Lourdes) e a tia Nhanhã, no sobrado da esquina. Seu irmão, Carlos, vivia no do meio. Por fim, o terceiro sobrado havia sido adquirido pela genitora para ser a morada do intelectual, que nunca se casou e seguiu a residir com as mulheres da família.

A pesquisadora Telê Ancona Lopez descreve como era a casa antes do uso público: familiares de Mário ainda viviam ali, mantendo tudo como deixou. Durante grande parte dos anos 1960, receberam a equipe de pesquisa da USP que catalogou e estudou o acervo, sob orientação de Antonio Candido, fortemente ligado a Mário (e casado com uma prima do autor, que ali viveu por anos, Gilda de Mello e Souza).

Mário de Andrade viveu pouco mais de 20 anos na casa da Rua Lopes Chaves Foto: Werther Santana/Estadão

O portão nunca ficava fechado. A biblioteca “ocupava a casa toda”. “A casa era toda povoada, apertada, por estantes de livros”, descreve a pesquisadora. No porão, estavam os jornais, as revistas e outros periódicos nacionais e internacionais, como Mário os guardava.

De tão vasto, o acervo ainda permite novas descobertas, segundo Telê. Entre os materiais, destacam-se as muitas anotações nos livros, dando pistas sobre ideias até do desenvolvimento de obras de Mário, assim como de suas influências.

Com estilo eclético, o projeto original do conjunto de três sobrados era de Oscar Americano de Caldas, pai do famoso engenheiro e empresário que dá nome a uma avenida na região do Morumbi.

Exposição reúne móveis que eram da casa, parte deles desenhados por Mário a partir de modelos de revistas alemãs Foto: Werther Santana/Estadão

Ao longo dos anos, contudo, Andrade subverteu o interior do projeto da residência. Essa mudança envolveu especialmente os usos dos cômodos à época: enquanto o pavimento superior costumava ser privativo, ele instalou o seu estúdio ali, onde recebia frequentemente amigos diversos.

Esse espaço de socialização e trabalho ocupava o que originalmente seria o quarto. Já o quarto de fato foi instalado pelo intelectual no que seria uma espécie de closet conjugado. Foi neste local que morreu de infarto, em 1945, aos 52 anos. Outra subversão foi a instalação de diversas estantes de livros pelo térreo, em quase todos os ambientes.

Doutoranda em História Social e pesquisadora de Mário de Andrade, Viviane Aguiar conta que o ambiente doméstico também foi um local de descoberta e reafirmação da brasilidade para o intelectual. “Toda a ideia dele de culinária como parte da cultura vem do contato com a mãe, a tia e a empregada da casa, a Sebastiana”, conta.

Grafite de Mário de Andrade na entrada do café instalado na casa Foto: Werther Santana/Estadão

Ela salienta que o intelectual era uma pessoa caseira, com forte ligação com a moradia. “A Gilda de Mello e Souza (prima que residiu ali) dizia que o Mário era um homem doméstico, que gostava dessa vivência em família”, completa. “Muita da obra dele vem daí, muitas trazem fragmentos dessa vivência na casa, da domesticidade que gostava tanto.”

Pouco após a morte de Mário, o acervo da casa foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal que ele havia ajudado a conceber décadas antes. Por sua vez, a casa foi reconhecida como patrimônio cultural paulista nos anos 1970.

A casa é testemunho de uma Barra Funda que muito se transformou

No começo do século 20, a Barra Funda ainda não era um centro expandido paulistano, embora também se afastasse do passado rural do século anterior. A presença de indústrias e da ferrovia impulsionou a transformação, de modo que se tornou um bairro de diferentes classes sociais.

“Na década de 1920, já era um bairro bem integrado à cidade, configurava parte do perímetro urbano”, conta a arquiteta e urbanista Renata Monteiro Siqueira, pesquisadora de pós-doutorado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Foi se aproximando do centro ao longo do século 20, à medida que a cidade se expande, o sistema de transportes”, completa.

Projeção na parede faz referência a pintura que originalmente ficava junto à escada; maior parte do acervo do intelectual está no IEB-USP Foto: Werther Santana/Estadão

Como observa a urbanista, os sobrados da época eram tanto residências de famílias de classe média quanto divididos em cortiços ou com o porão sublocado, por exemplo. “Não era uma excepcionalidade a casa do Mário de Andrade existir naquele local, junto com outras casas também mais abastadas, os casarões”, completa.

Ao longo das décadas seguintes, contudo, a Barra Funda passou por uma série de mudanças. Entre o Censo atual e o anterior, por exemplo, foi o distrito que mais cresceu (com 7,3% a mais de população).

“É interessante que essa realidade ainda convive com as casinhas geminadas — que, inclusive, atualmente, vêm sendo ocupadas em algumas ruas, como a Sousa Lima, por bares, normalmente com essa marca da brasilidade, frequentados por uma classe média descolada. Ao mesmo tempo que a gente vê imensas áreas de condomínios verticais, fechadas por muros, inacessíveis e tudo mais”, compara a urbanista.

Hoje, contudo, oficialmente, o endereço da Casa Mário de Andrade é considerado como distrito Santa Cecília. Pela divisão administrativa da Prefeitura, a Barra Funda inicia para além da Avenida Pacaembu, a cerca de duas quadras do imóvel.

Imagens de Mário de Andrade ao piano e na escrivaninha da casa Foto: Werther Santana/Estadão

Visitação da casa pode ser combinada com outras atrações do entorno

Diferentes opções de passeios podem ser combinados com uma visita à Casa Mário de Andrade. Em quadras próximas, estão o Memorial da América Latina, o Museu das Culturas Indígenas, o Parque da Água Branca, a histórica Igreja São Geraldo (onde está o chamado “Sino da Independência”), o Teatro do Núcleo Experimental, a Livraria Bandolim, A Casa Tombada e a quadra da Camisa Verde e Branco, por exemplo.

Há, também, a opção de percorrer a parte superior do Elevado Presidente João Goulart (o Minhocão) nos fins de semana. Além disso, a Barra Funda é um polo de galerias de arte. Dentre elas, estão a Bananal Arte e Cultura, a Kasulo Espaço de Arte, a Janaina Torres Galeria, a Mendes Wood DM, a Galeria Crua, a Hum Galeria de Artes e Projetos, a Galeria Izabel Pinheiro, a Galeria Cavalo, a Galeria Tato e a Luis Maluf Galeria.

Entrada na casa agora é por um dos dois sobrados anexados; na entrada, segue a silhueta de Mário de Andrade e uma referência à abertura do Caffé Ristoro (o mesmo da Casa das Rosas) Foto: Werther Santana/Estadão

Outro ponto forte da vizinhança é a gastronomia. A poucas quadras da casa, estão o premiado restaurante A Baianeira, uma unidade do Ponto Chic, o movimentado Boteco da Tati (conhecido pelo samba) e o Dali Daqui Bar, dentre outros espaços variados.

Casa Museu Mário de Andrade

De terça-feira a domingo, das 10h às 18h

Rua Lopes Chaves, 546 – Barra Funda

Não há estacionamento no local

Mais informações: www.casamariodeandrade.org.br

Programação de aniversário da Casa Museu Mário de Andrade

Exposição “Estúdio de uma vida”

Até 4 de maio

Curadoria da equipe da Casa Mário de Andrade

Exposição “AMARelo”

Grafites de Tamikuã Txihi, Simone Siss e Ricardo Sotaq

Até 29 de dezembro

Exposição “Eu mesmo, carnaval”

A partir de 9 de novembro, com apresentação da Mocidade Alegre (13h)

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