Cemitério da Consolação: Tour revela histórias por trás das pedras dos túmulos; veja vídeo


Passeio teve sua edição mais recente realizada no último sábado, 13, e foi acompanhado de perto pela reportagem do 'Estadão'

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

Às margens da Rua da Consolação, na região central de São Paulo, há um conjunto de ruas e vielas normalmente pouco movimentadas: as que compõem o Cemitério da Consolação. É caminhando por elas que a professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Eliane Del Lama conduz um tour para apresentar a variedade de rochas nos túmulos e mausoléus – e como essas pedras contam muito sobre a história da cidade. Aberta ao público geral, a edição mais recente aconteceu no último sábado, 13, e foi acompanhada de perto pela reportagem do Estadão.

No cemitério, o mais antigo da cidade, descansam de anônimos a famosos – o escritor Monteiro Lobato e a pintora Tarsila do Amaral, por exemplo, estão enterrados na Consolação. Há ainda obras históricas que ornamentam os túmulos, como esculturas de Victor Brecheret, e mausoléus de famílias da elite paulistana, como a Siciliano e a Matarazzo. Com 150 m² de área construída, o jazigo dos Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina e foi um dos pontos apresentados durante o passeio.

Caminhada ocorre entre ruas e vielas do Cemitério da Consolação, o primeiro a ser construído na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão
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“Cemitérios como o da Consolação têm uma diversidade de pedras muito grande, de todas as cores, com várias texturas. Com os tours, o objetivo é mostrar um pouco disso para o público leigo ou até para os nossos alunos”, contou Eliane. Os chamados geotours, explicou, já são oferecidos aos alunos da universidade há mais tempo como parte de uma disciplina, mas ganharam versão aberta ao público geral a partir de 2019. “Na hora que achei que a gente estava progredindo, veio a pandemia.”

Desenvolvidos como parte do Geociências em Foco, programa que integra o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas), os tours por cemitérios tiveram de ser interrompidos em 2020 e voltaram a ser feitos só neste ano, com o retorno das aulas presenciais na USP. Houve, então, uma edição no Cemitério São Paulo, zona oeste, e a do último sábado, na Consolação, a segunda após a retomada. “O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso”, disse Eliane.

O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso

Eliane Del Lama, professora da USP

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Para que o formato dê certo, ela conta que tem o cuidado de não tornar os passeios tão específicos, como se fossem uma aula de Geologia. Um dos principais desafios é atrair mais pessoas de fora da universidade. “A intenção é agregar o maior número de pessoas. Quero falar da pedra, mas preciso falar das outras coisas”, disse Eliane. Em geral, os passeios contam com, no máximo, 30 pessoas – a maior parte, de integrantes da USP.

“Principalmente nos Estados Unidos, há um hábito de visitar cemitérios como parques. É um lugar arborizado, de paz, tem aquele silêncio, normalmente tem barulho de pássaro”, acrescentou Eliane. Na Europa, explica, há inclusive uma associação dos cemitérios históricos (ASCE, na sigla em inglês) que distribui selos para quem visita os cemitérios. “Aqui no Brasil não se tem muito esse hábito.” 

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O uso das pedras no Cemitério da Consolação

Conforme Eliane, por ter sido o primeiro da cidade de São Paulo, o Cemitério da Consolação, inaugurado em 1858, teve uma fase inicial mais popular e que não era marcada por um padrão bem definido de túmulos.

Professora da USP Eliane Del Lama conduz tour para apresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão
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Décadas depois, a partir do final do século 19 – quando houve a inauguração de outros cemitérios na cidade, como o do Araçá – se intensificou um processo de elitização do Cemitério da Consolação. O avanço econômico da Avenida Paulista, próximo dali, também influenciou essa mudança.

“Na Época do Café, esses túmulos passaram a ser construídos com pedras estrangeiras, principalmente com o mármore de Carrara”, explicou Eliane. A pesquisadora conta ter sido nesse período que as estátuas e mausoléus mais imponentes ganharam força. 

Considerado um dos maiores da América Latina,mausoléu da família Matarazzoé revestido com pedras como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi Foto: Felipe Rau/Estadão
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Ornamentado com estátuas de bronze, o mausoléu da família Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina. Ele é revestido com pedras que vieram da Itália, como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi. A prática de importação de rochas, porém, começou a perder força com o passar do tempo. “Com a crise de 1929, começou-se a usar mais pedras nacionais”, disse Eliane.

Nessa época, a pesquisadora explica que a pedra que passou a ser mais usada no cemitério é o granito Itaquera, que era amplamente encontrado na região onde hoje fica o estádio do Corinthians, na zona leste. “Usavam também os granitos Cinza Mauá, Piracaia e Verde Ubatuba, que eram bastante comuns.”

Em uma das construções mais famosas do cemitério, a estátua “O Sepultamento”, do escultor italiano Victor Brecheret, há uma junção de dois desses granitos: o Itaquera e o Cinza Mauá.

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Geotour organizado por professora da USP passa pela estátua 'O Sepultamento', do escultorVictor Brecheret; obra foi feita com os granitos Itaquera e Cinza Mauá Foto: Felipe Rau/Estadão

“Durante o tour, dá para se fazer esse tipo de relação, explicando que determinada pedra vem de um período específico”, explicou Eliane. “É nesse sentido que a gente tenta agregar. Normalmente, é muito difícil encontrar nos tours alguém que fale da pedra, de onde veio, esse tipo de coisa.”

A pesquisadora explica que as pedras usadas nos túmulos ajudam a contar a história não só do cemitério, como da cidade que cresce para além dele – em parte dos casos, as pedras observadas na Consolação são as mesmas usadas em fachadas de prédios no centro histórico da cidade.

Um exemplo é o famoso prédio do antigo Banco de São Paulo, que fica no centro e cuja fachada é revestida com o granito Preto Bragança. Trata-se do mesmo material que reveste alguns túmulos da Consolação, como o do escritor Monteiro Lobato.

Observar esses paralelos com o centro foi um dos motivos para oferecer os tours pelos cemitérios. “Depois de fazer muitas vezes os tours pelo centro velho, a gente começou a ver que tinha outros nichos para explorar”, explicou Eliane.

A geóloga Eliane Del Lama é responsável por conduzir otour eapresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

O Cemitério da Consolação foi a porta de entrada. “Tive uma orientanda que fez uma dissertação de mestrado no Cemitério da Consolação e um dos trabalhos da dissertação dela foi justamente um roteiro no cemitério.”

A mestranda, no caso, era Luciane Kuzmickas, que passou a se interessar pelo assunto quando ia visitar o túmulo do avô, enterrado na Consolação. "Sempre gostei dessa área de monumentos históricos por conta da história da minha família, sou descendente de lituanos que vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor", contou. 

Ao entrar na USP, ela começou, então, a participar de pesquisas sobre rochas usadas no cemitério e, apesar do estigma que ainda existe sobre o tema, focou em uma dissertação na área há alguns anos.

“Identificamos pelo menos mais de 20 tipos de rochas diferentes ali dentro”, contou a geóloga, que relembra que a identificação ocorreu com auxílio de um catálogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Anos depois, os avanços obtidos com o trabalho deram um “empurrão” para Eliane passar a oferecer os tours.

“No Brasil, não tem nenhum cemitério comparável com o da Consolação em questão de variedade de rochas”, disse Luciane. “É um local que conta muito nossa história, principalmente de São Paulo.”

Por dentro do tour no cemitério

Pouco após as 9h30 do último sábado, um grupo com cerca de 11 interessados recebeu as boas-vindas da professora Eliane na entrada do Cemitério da Consolação e começou a ser conduzido pelo geotour. Com um microfone acoplado no rosto, a pesquisadora caminhou com os visitantes por entre as vielas do cemitério e falou desde a textura de algumas pedras a maneiras de como identificá-las. Os olhos dos visitantes se voltaram por cerca de 2 horas para túmulos, esculturas e mausoléus construídos no local.

Passeio geoturístico tem início próximo ao portão principal do Cemitério da Consolação Foto: Felipe Rau/Estadão

Aluna do último ano do curso de Geologia, Giovana Grossi, de 22 anos, conta que já tinha ido a um tour com Eliane no Cemitério da Consolação. Como gostou da experiência, decidiu levar o namorado quando tivesse uma edição aberta ao público geral. “Achei que seria interessante ele conhecer esse universo, já que é de fora da área da Geologia”, contou ela.

O casal saiu da região do Butantã, zona oeste, e pegou um ônibus para ir até o local. Em cerca de 30 minutos, os dois estavam lá. “Ela me falava disso já faz um tempo. Quando chegou a oportunidade, aceitei”, disse o namorado de Giovana, o atleta Vinícius Castro, de 22 anos. “Acho legal ver os túmulos e as culturas e religiões diferentes.”

Mausoléu da família Siciliano é um dos primeiros a ser apresentado aos visitantes ao longo do tour Foto: Felipe Rau/Estadão

O clima frio – os termômetros marcavam pouco mais de 10ºC no horário do tour – não espantou os interessados. “Acho que o clima até combinou com a ideia. O medo era estar chovendo, mas como o tempo está firme, não impediu a gente de vir”, disse a pesquisadora da área de geografia humana da USP Ana Carolina Almeida, de 28 anos. 

Interessada no assunto, ela lamentou apenas a falta de divulgação fora dos contextos acadêmicos, mas disse entender que o assunto ainda é um pouco estigmatizado. “Falei para a minha avó que viria aqui e ela disse: ‘ai, o que você vai fazer no cemitério?’”, contou. 

Ana Carolina foi ao local após ser convidada por uma amiga, a também pesquisadora Iara Silva, de 27 anos. “Recebi um e-mail do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP), que onde trabalho, falando sobre o tour. Achei interessante.”

Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes e realizacerca de 40 sepultamentos por mês Foto: Felipe Rau/Estadão

Ao longo do tour, que contava com inscrições prévias por meio de um Google Forms, dois estudantes de História que caminhavam desavisados pelo cemitério foram incorporados pelo grupo e passaram a acompanhar o passeio: João Pedro Lopes, que estuda na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Antônio de Almeida, aluno da USP, ambos de 19 anos. 

“Viemos aqui procurando o túmulo do Caio Prado, que é uma leitura canônica nos cursos de História”, disse João Pedro, que, junto ao amigo, tinha curiosidade de achar o local onde o historiador estava enterrado. No meio do caminho, a dupla encontrou o geotour acontecendo, e disse ter gostado da experiência de acompanhar o passeio.

Passeio guiado por pesquisadores leva interessados a conhecer os jazigos e túmulos de personagens históricos Foto: Felipe Rau/Estadão

“Em relação aos nomes das pedras, é claro que me senti um pouco ‘boiando’, não conheço nada, mas achei interessante os símbolos que estão atrelados a cada pedra. Isso liga muito com a História, com o jeito de lidar com a morte”, explicou o estudante. “É muito legal que é um tour de Geologia, mas que tem questões históricas atreladas a ele, e isso foi colocado”, complementou Antônio.

As impressões, em geral, foram positivas após a realização do tour. Pesquisador da USP, o geólogo André Zular, de 60 anos, conta que, apesar de sempre ter morado na capital paulista, nunca havia ido ao Cemitério da Consolação. “É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra”, disse. “Precisou ter uma oportunidade para vir. Achei muito legal.”

É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra

André Zular, geólogo

A Prefeitura de São Paulo informou que o Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes. Por mês, são realizados cerca de 40 sepultamentos. O local possui área total de 77,3 mil m² e conta com aproximadamente 8,5 mil túmulos. A capital paulista possui, ao todo, 22 cemitérios municipais administrados pelo Serviço Funerário do Município, todos em vias de serem concedidos à iniciativa privada.

A gestão municipal informou ainda que oferece uma visita guiada gratuita no Cemitério da Consolação, que acontece todas sextas-feiras, às 14h. O tour, focado em apresentar pontos históricos do local, tem duração de 2h e ocorre há 20 anos. No primeiro semestre deste ano, o passeio recebeu cerca de 600 visitantes, informou a Prefeitura. Para participar, é necessário realizar um pré-agendamento, por e-mail, com a Assessoria de Imprensa do Serviço Funerário.

Como participar do próximo geotour da USP

Sem periodicidade definida, os geotours com a professora Eliane Del Lama normalmente são divulgados pelas redes sociais do GeoHereditas e do Museu de Geociências da USP. Acontecem de forma gratuita e, normalmente, duas vezes ao ano, mas podem ter a periodicidade alterada conforme a demanda:

Às margens da Rua da Consolação, na região central de São Paulo, há um conjunto de ruas e vielas normalmente pouco movimentadas: as que compõem o Cemitério da Consolação. É caminhando por elas que a professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Eliane Del Lama conduz um tour para apresentar a variedade de rochas nos túmulos e mausoléus – e como essas pedras contam muito sobre a história da cidade. Aberta ao público geral, a edição mais recente aconteceu no último sábado, 13, e foi acompanhada de perto pela reportagem do Estadão.

No cemitério, o mais antigo da cidade, descansam de anônimos a famosos – o escritor Monteiro Lobato e a pintora Tarsila do Amaral, por exemplo, estão enterrados na Consolação. Há ainda obras históricas que ornamentam os túmulos, como esculturas de Victor Brecheret, e mausoléus de famílias da elite paulistana, como a Siciliano e a Matarazzo. Com 150 m² de área construída, o jazigo dos Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina e foi um dos pontos apresentados durante o passeio.

Caminhada ocorre entre ruas e vielas do Cemitério da Consolação, o primeiro a ser construído na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

“Cemitérios como o da Consolação têm uma diversidade de pedras muito grande, de todas as cores, com várias texturas. Com os tours, o objetivo é mostrar um pouco disso para o público leigo ou até para os nossos alunos”, contou Eliane. Os chamados geotours, explicou, já são oferecidos aos alunos da universidade há mais tempo como parte de uma disciplina, mas ganharam versão aberta ao público geral a partir de 2019. “Na hora que achei que a gente estava progredindo, veio a pandemia.”

Desenvolvidos como parte do Geociências em Foco, programa que integra o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas), os tours por cemitérios tiveram de ser interrompidos em 2020 e voltaram a ser feitos só neste ano, com o retorno das aulas presenciais na USP. Houve, então, uma edição no Cemitério São Paulo, zona oeste, e a do último sábado, na Consolação, a segunda após a retomada. “O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso”, disse Eliane.

O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso

Eliane Del Lama, professora da USP

Para que o formato dê certo, ela conta que tem o cuidado de não tornar os passeios tão específicos, como se fossem uma aula de Geologia. Um dos principais desafios é atrair mais pessoas de fora da universidade. “A intenção é agregar o maior número de pessoas. Quero falar da pedra, mas preciso falar das outras coisas”, disse Eliane. Em geral, os passeios contam com, no máximo, 30 pessoas – a maior parte, de integrantes da USP.

“Principalmente nos Estados Unidos, há um hábito de visitar cemitérios como parques. É um lugar arborizado, de paz, tem aquele silêncio, normalmente tem barulho de pássaro”, acrescentou Eliane. Na Europa, explica, há inclusive uma associação dos cemitérios históricos (ASCE, na sigla em inglês) que distribui selos para quem visita os cemitérios. “Aqui no Brasil não se tem muito esse hábito.” 

O uso das pedras no Cemitério da Consolação

Conforme Eliane, por ter sido o primeiro da cidade de São Paulo, o Cemitério da Consolação, inaugurado em 1858, teve uma fase inicial mais popular e que não era marcada por um padrão bem definido de túmulos.

Professora da USP Eliane Del Lama conduz tour para apresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

Décadas depois, a partir do final do século 19 – quando houve a inauguração de outros cemitérios na cidade, como o do Araçá – se intensificou um processo de elitização do Cemitério da Consolação. O avanço econômico da Avenida Paulista, próximo dali, também influenciou essa mudança.

“Na Época do Café, esses túmulos passaram a ser construídos com pedras estrangeiras, principalmente com o mármore de Carrara”, explicou Eliane. A pesquisadora conta ter sido nesse período que as estátuas e mausoléus mais imponentes ganharam força. 

Considerado um dos maiores da América Latina,mausoléu da família Matarazzoé revestido com pedras como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi Foto: Felipe Rau/Estadão

Ornamentado com estátuas de bronze, o mausoléu da família Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina. Ele é revestido com pedras que vieram da Itália, como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi. A prática de importação de rochas, porém, começou a perder força com o passar do tempo. “Com a crise de 1929, começou-se a usar mais pedras nacionais”, disse Eliane.

Nessa época, a pesquisadora explica que a pedra que passou a ser mais usada no cemitério é o granito Itaquera, que era amplamente encontrado na região onde hoje fica o estádio do Corinthians, na zona leste. “Usavam também os granitos Cinza Mauá, Piracaia e Verde Ubatuba, que eram bastante comuns.”

Em uma das construções mais famosas do cemitério, a estátua “O Sepultamento”, do escultor italiano Victor Brecheret, há uma junção de dois desses granitos: o Itaquera e o Cinza Mauá.

Geotour organizado por professora da USP passa pela estátua 'O Sepultamento', do escultorVictor Brecheret; obra foi feita com os granitos Itaquera e Cinza Mauá Foto: Felipe Rau/Estadão

“Durante o tour, dá para se fazer esse tipo de relação, explicando que determinada pedra vem de um período específico”, explicou Eliane. “É nesse sentido que a gente tenta agregar. Normalmente, é muito difícil encontrar nos tours alguém que fale da pedra, de onde veio, esse tipo de coisa.”

A pesquisadora explica que as pedras usadas nos túmulos ajudam a contar a história não só do cemitério, como da cidade que cresce para além dele – em parte dos casos, as pedras observadas na Consolação são as mesmas usadas em fachadas de prédios no centro histórico da cidade.

Um exemplo é o famoso prédio do antigo Banco de São Paulo, que fica no centro e cuja fachada é revestida com o granito Preto Bragança. Trata-se do mesmo material que reveste alguns túmulos da Consolação, como o do escritor Monteiro Lobato.

Observar esses paralelos com o centro foi um dos motivos para oferecer os tours pelos cemitérios. “Depois de fazer muitas vezes os tours pelo centro velho, a gente começou a ver que tinha outros nichos para explorar”, explicou Eliane.

A geóloga Eliane Del Lama é responsável por conduzir otour eapresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

O Cemitério da Consolação foi a porta de entrada. “Tive uma orientanda que fez uma dissertação de mestrado no Cemitério da Consolação e um dos trabalhos da dissertação dela foi justamente um roteiro no cemitério.”

A mestranda, no caso, era Luciane Kuzmickas, que passou a se interessar pelo assunto quando ia visitar o túmulo do avô, enterrado na Consolação. "Sempre gostei dessa área de monumentos históricos por conta da história da minha família, sou descendente de lituanos que vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor", contou. 

Ao entrar na USP, ela começou, então, a participar de pesquisas sobre rochas usadas no cemitério e, apesar do estigma que ainda existe sobre o tema, focou em uma dissertação na área há alguns anos.

“Identificamos pelo menos mais de 20 tipos de rochas diferentes ali dentro”, contou a geóloga, que relembra que a identificação ocorreu com auxílio de um catálogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Anos depois, os avanços obtidos com o trabalho deram um “empurrão” para Eliane passar a oferecer os tours.

“No Brasil, não tem nenhum cemitério comparável com o da Consolação em questão de variedade de rochas”, disse Luciane. “É um local que conta muito nossa história, principalmente de São Paulo.”

Por dentro do tour no cemitério

Pouco após as 9h30 do último sábado, um grupo com cerca de 11 interessados recebeu as boas-vindas da professora Eliane na entrada do Cemitério da Consolação e começou a ser conduzido pelo geotour. Com um microfone acoplado no rosto, a pesquisadora caminhou com os visitantes por entre as vielas do cemitério e falou desde a textura de algumas pedras a maneiras de como identificá-las. Os olhos dos visitantes se voltaram por cerca de 2 horas para túmulos, esculturas e mausoléus construídos no local.

Passeio geoturístico tem início próximo ao portão principal do Cemitério da Consolação Foto: Felipe Rau/Estadão

Aluna do último ano do curso de Geologia, Giovana Grossi, de 22 anos, conta que já tinha ido a um tour com Eliane no Cemitério da Consolação. Como gostou da experiência, decidiu levar o namorado quando tivesse uma edição aberta ao público geral. “Achei que seria interessante ele conhecer esse universo, já que é de fora da área da Geologia”, contou ela.

O casal saiu da região do Butantã, zona oeste, e pegou um ônibus para ir até o local. Em cerca de 30 minutos, os dois estavam lá. “Ela me falava disso já faz um tempo. Quando chegou a oportunidade, aceitei”, disse o namorado de Giovana, o atleta Vinícius Castro, de 22 anos. “Acho legal ver os túmulos e as culturas e religiões diferentes.”

Mausoléu da família Siciliano é um dos primeiros a ser apresentado aos visitantes ao longo do tour Foto: Felipe Rau/Estadão

O clima frio – os termômetros marcavam pouco mais de 10ºC no horário do tour – não espantou os interessados. “Acho que o clima até combinou com a ideia. O medo era estar chovendo, mas como o tempo está firme, não impediu a gente de vir”, disse a pesquisadora da área de geografia humana da USP Ana Carolina Almeida, de 28 anos. 

Interessada no assunto, ela lamentou apenas a falta de divulgação fora dos contextos acadêmicos, mas disse entender que o assunto ainda é um pouco estigmatizado. “Falei para a minha avó que viria aqui e ela disse: ‘ai, o que você vai fazer no cemitério?’”, contou. 

Ana Carolina foi ao local após ser convidada por uma amiga, a também pesquisadora Iara Silva, de 27 anos. “Recebi um e-mail do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP), que onde trabalho, falando sobre o tour. Achei interessante.”

Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes e realizacerca de 40 sepultamentos por mês Foto: Felipe Rau/Estadão

Ao longo do tour, que contava com inscrições prévias por meio de um Google Forms, dois estudantes de História que caminhavam desavisados pelo cemitério foram incorporados pelo grupo e passaram a acompanhar o passeio: João Pedro Lopes, que estuda na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Antônio de Almeida, aluno da USP, ambos de 19 anos. 

“Viemos aqui procurando o túmulo do Caio Prado, que é uma leitura canônica nos cursos de História”, disse João Pedro, que, junto ao amigo, tinha curiosidade de achar o local onde o historiador estava enterrado. No meio do caminho, a dupla encontrou o geotour acontecendo, e disse ter gostado da experiência de acompanhar o passeio.

Passeio guiado por pesquisadores leva interessados a conhecer os jazigos e túmulos de personagens históricos Foto: Felipe Rau/Estadão

“Em relação aos nomes das pedras, é claro que me senti um pouco ‘boiando’, não conheço nada, mas achei interessante os símbolos que estão atrelados a cada pedra. Isso liga muito com a História, com o jeito de lidar com a morte”, explicou o estudante. “É muito legal que é um tour de Geologia, mas que tem questões históricas atreladas a ele, e isso foi colocado”, complementou Antônio.

As impressões, em geral, foram positivas após a realização do tour. Pesquisador da USP, o geólogo André Zular, de 60 anos, conta que, apesar de sempre ter morado na capital paulista, nunca havia ido ao Cemitério da Consolação. “É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra”, disse. “Precisou ter uma oportunidade para vir. Achei muito legal.”

É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra

André Zular, geólogo

A Prefeitura de São Paulo informou que o Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes. Por mês, são realizados cerca de 40 sepultamentos. O local possui área total de 77,3 mil m² e conta com aproximadamente 8,5 mil túmulos. A capital paulista possui, ao todo, 22 cemitérios municipais administrados pelo Serviço Funerário do Município, todos em vias de serem concedidos à iniciativa privada.

A gestão municipal informou ainda que oferece uma visita guiada gratuita no Cemitério da Consolação, que acontece todas sextas-feiras, às 14h. O tour, focado em apresentar pontos históricos do local, tem duração de 2h e ocorre há 20 anos. No primeiro semestre deste ano, o passeio recebeu cerca de 600 visitantes, informou a Prefeitura. Para participar, é necessário realizar um pré-agendamento, por e-mail, com a Assessoria de Imprensa do Serviço Funerário.

Como participar do próximo geotour da USP

Sem periodicidade definida, os geotours com a professora Eliane Del Lama normalmente são divulgados pelas redes sociais do GeoHereditas e do Museu de Geociências da USP. Acontecem de forma gratuita e, normalmente, duas vezes ao ano, mas podem ter a periodicidade alterada conforme a demanda:

Às margens da Rua da Consolação, na região central de São Paulo, há um conjunto de ruas e vielas normalmente pouco movimentadas: as que compõem o Cemitério da Consolação. É caminhando por elas que a professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Eliane Del Lama conduz um tour para apresentar a variedade de rochas nos túmulos e mausoléus – e como essas pedras contam muito sobre a história da cidade. Aberta ao público geral, a edição mais recente aconteceu no último sábado, 13, e foi acompanhada de perto pela reportagem do Estadão.

No cemitério, o mais antigo da cidade, descansam de anônimos a famosos – o escritor Monteiro Lobato e a pintora Tarsila do Amaral, por exemplo, estão enterrados na Consolação. Há ainda obras históricas que ornamentam os túmulos, como esculturas de Victor Brecheret, e mausoléus de famílias da elite paulistana, como a Siciliano e a Matarazzo. Com 150 m² de área construída, o jazigo dos Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina e foi um dos pontos apresentados durante o passeio.

Caminhada ocorre entre ruas e vielas do Cemitério da Consolação, o primeiro a ser construído na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

“Cemitérios como o da Consolação têm uma diversidade de pedras muito grande, de todas as cores, com várias texturas. Com os tours, o objetivo é mostrar um pouco disso para o público leigo ou até para os nossos alunos”, contou Eliane. Os chamados geotours, explicou, já são oferecidos aos alunos da universidade há mais tempo como parte de uma disciplina, mas ganharam versão aberta ao público geral a partir de 2019. “Na hora que achei que a gente estava progredindo, veio a pandemia.”

Desenvolvidos como parte do Geociências em Foco, programa que integra o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas), os tours por cemitérios tiveram de ser interrompidos em 2020 e voltaram a ser feitos só neste ano, com o retorno das aulas presenciais na USP. Houve, então, uma edição no Cemitério São Paulo, zona oeste, e a do último sábado, na Consolação, a segunda após a retomada. “O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso”, disse Eliane.

O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso

Eliane Del Lama, professora da USP

Para que o formato dê certo, ela conta que tem o cuidado de não tornar os passeios tão específicos, como se fossem uma aula de Geologia. Um dos principais desafios é atrair mais pessoas de fora da universidade. “A intenção é agregar o maior número de pessoas. Quero falar da pedra, mas preciso falar das outras coisas”, disse Eliane. Em geral, os passeios contam com, no máximo, 30 pessoas – a maior parte, de integrantes da USP.

“Principalmente nos Estados Unidos, há um hábito de visitar cemitérios como parques. É um lugar arborizado, de paz, tem aquele silêncio, normalmente tem barulho de pássaro”, acrescentou Eliane. Na Europa, explica, há inclusive uma associação dos cemitérios históricos (ASCE, na sigla em inglês) que distribui selos para quem visita os cemitérios. “Aqui no Brasil não se tem muito esse hábito.” 

O uso das pedras no Cemitério da Consolação

Conforme Eliane, por ter sido o primeiro da cidade de São Paulo, o Cemitério da Consolação, inaugurado em 1858, teve uma fase inicial mais popular e que não era marcada por um padrão bem definido de túmulos.

Professora da USP Eliane Del Lama conduz tour para apresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

Décadas depois, a partir do final do século 19 – quando houve a inauguração de outros cemitérios na cidade, como o do Araçá – se intensificou um processo de elitização do Cemitério da Consolação. O avanço econômico da Avenida Paulista, próximo dali, também influenciou essa mudança.

“Na Época do Café, esses túmulos passaram a ser construídos com pedras estrangeiras, principalmente com o mármore de Carrara”, explicou Eliane. A pesquisadora conta ter sido nesse período que as estátuas e mausoléus mais imponentes ganharam força. 

Considerado um dos maiores da América Latina,mausoléu da família Matarazzoé revestido com pedras como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi Foto: Felipe Rau/Estadão

Ornamentado com estátuas de bronze, o mausoléu da família Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina. Ele é revestido com pedras que vieram da Itália, como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi. A prática de importação de rochas, porém, começou a perder força com o passar do tempo. “Com a crise de 1929, começou-se a usar mais pedras nacionais”, disse Eliane.

Nessa época, a pesquisadora explica que a pedra que passou a ser mais usada no cemitério é o granito Itaquera, que era amplamente encontrado na região onde hoje fica o estádio do Corinthians, na zona leste. “Usavam também os granitos Cinza Mauá, Piracaia e Verde Ubatuba, que eram bastante comuns.”

Em uma das construções mais famosas do cemitério, a estátua “O Sepultamento”, do escultor italiano Victor Brecheret, há uma junção de dois desses granitos: o Itaquera e o Cinza Mauá.

Geotour organizado por professora da USP passa pela estátua 'O Sepultamento', do escultorVictor Brecheret; obra foi feita com os granitos Itaquera e Cinza Mauá Foto: Felipe Rau/Estadão

“Durante o tour, dá para se fazer esse tipo de relação, explicando que determinada pedra vem de um período específico”, explicou Eliane. “É nesse sentido que a gente tenta agregar. Normalmente, é muito difícil encontrar nos tours alguém que fale da pedra, de onde veio, esse tipo de coisa.”

A pesquisadora explica que as pedras usadas nos túmulos ajudam a contar a história não só do cemitério, como da cidade que cresce para além dele – em parte dos casos, as pedras observadas na Consolação são as mesmas usadas em fachadas de prédios no centro histórico da cidade.

Um exemplo é o famoso prédio do antigo Banco de São Paulo, que fica no centro e cuja fachada é revestida com o granito Preto Bragança. Trata-se do mesmo material que reveste alguns túmulos da Consolação, como o do escritor Monteiro Lobato.

Observar esses paralelos com o centro foi um dos motivos para oferecer os tours pelos cemitérios. “Depois de fazer muitas vezes os tours pelo centro velho, a gente começou a ver que tinha outros nichos para explorar”, explicou Eliane.

A geóloga Eliane Del Lama é responsável por conduzir otour eapresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

O Cemitério da Consolação foi a porta de entrada. “Tive uma orientanda que fez uma dissertação de mestrado no Cemitério da Consolação e um dos trabalhos da dissertação dela foi justamente um roteiro no cemitério.”

A mestranda, no caso, era Luciane Kuzmickas, que passou a se interessar pelo assunto quando ia visitar o túmulo do avô, enterrado na Consolação. "Sempre gostei dessa área de monumentos históricos por conta da história da minha família, sou descendente de lituanos que vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor", contou. 

Ao entrar na USP, ela começou, então, a participar de pesquisas sobre rochas usadas no cemitério e, apesar do estigma que ainda existe sobre o tema, focou em uma dissertação na área há alguns anos.

“Identificamos pelo menos mais de 20 tipos de rochas diferentes ali dentro”, contou a geóloga, que relembra que a identificação ocorreu com auxílio de um catálogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Anos depois, os avanços obtidos com o trabalho deram um “empurrão” para Eliane passar a oferecer os tours.

“No Brasil, não tem nenhum cemitério comparável com o da Consolação em questão de variedade de rochas”, disse Luciane. “É um local que conta muito nossa história, principalmente de São Paulo.”

Por dentro do tour no cemitério

Pouco após as 9h30 do último sábado, um grupo com cerca de 11 interessados recebeu as boas-vindas da professora Eliane na entrada do Cemitério da Consolação e começou a ser conduzido pelo geotour. Com um microfone acoplado no rosto, a pesquisadora caminhou com os visitantes por entre as vielas do cemitério e falou desde a textura de algumas pedras a maneiras de como identificá-las. Os olhos dos visitantes se voltaram por cerca de 2 horas para túmulos, esculturas e mausoléus construídos no local.

Passeio geoturístico tem início próximo ao portão principal do Cemitério da Consolação Foto: Felipe Rau/Estadão

Aluna do último ano do curso de Geologia, Giovana Grossi, de 22 anos, conta que já tinha ido a um tour com Eliane no Cemitério da Consolação. Como gostou da experiência, decidiu levar o namorado quando tivesse uma edição aberta ao público geral. “Achei que seria interessante ele conhecer esse universo, já que é de fora da área da Geologia”, contou ela.

O casal saiu da região do Butantã, zona oeste, e pegou um ônibus para ir até o local. Em cerca de 30 minutos, os dois estavam lá. “Ela me falava disso já faz um tempo. Quando chegou a oportunidade, aceitei”, disse o namorado de Giovana, o atleta Vinícius Castro, de 22 anos. “Acho legal ver os túmulos e as culturas e religiões diferentes.”

Mausoléu da família Siciliano é um dos primeiros a ser apresentado aos visitantes ao longo do tour Foto: Felipe Rau/Estadão

O clima frio – os termômetros marcavam pouco mais de 10ºC no horário do tour – não espantou os interessados. “Acho que o clima até combinou com a ideia. O medo era estar chovendo, mas como o tempo está firme, não impediu a gente de vir”, disse a pesquisadora da área de geografia humana da USP Ana Carolina Almeida, de 28 anos. 

Interessada no assunto, ela lamentou apenas a falta de divulgação fora dos contextos acadêmicos, mas disse entender que o assunto ainda é um pouco estigmatizado. “Falei para a minha avó que viria aqui e ela disse: ‘ai, o que você vai fazer no cemitério?’”, contou. 

Ana Carolina foi ao local após ser convidada por uma amiga, a também pesquisadora Iara Silva, de 27 anos. “Recebi um e-mail do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP), que onde trabalho, falando sobre o tour. Achei interessante.”

Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes e realizacerca de 40 sepultamentos por mês Foto: Felipe Rau/Estadão

Ao longo do tour, que contava com inscrições prévias por meio de um Google Forms, dois estudantes de História que caminhavam desavisados pelo cemitério foram incorporados pelo grupo e passaram a acompanhar o passeio: João Pedro Lopes, que estuda na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Antônio de Almeida, aluno da USP, ambos de 19 anos. 

“Viemos aqui procurando o túmulo do Caio Prado, que é uma leitura canônica nos cursos de História”, disse João Pedro, que, junto ao amigo, tinha curiosidade de achar o local onde o historiador estava enterrado. No meio do caminho, a dupla encontrou o geotour acontecendo, e disse ter gostado da experiência de acompanhar o passeio.

Passeio guiado por pesquisadores leva interessados a conhecer os jazigos e túmulos de personagens históricos Foto: Felipe Rau/Estadão

“Em relação aos nomes das pedras, é claro que me senti um pouco ‘boiando’, não conheço nada, mas achei interessante os símbolos que estão atrelados a cada pedra. Isso liga muito com a História, com o jeito de lidar com a morte”, explicou o estudante. “É muito legal que é um tour de Geologia, mas que tem questões históricas atreladas a ele, e isso foi colocado”, complementou Antônio.

As impressões, em geral, foram positivas após a realização do tour. Pesquisador da USP, o geólogo André Zular, de 60 anos, conta que, apesar de sempre ter morado na capital paulista, nunca havia ido ao Cemitério da Consolação. “É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra”, disse. “Precisou ter uma oportunidade para vir. Achei muito legal.”

É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra

André Zular, geólogo

A Prefeitura de São Paulo informou que o Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes. Por mês, são realizados cerca de 40 sepultamentos. O local possui área total de 77,3 mil m² e conta com aproximadamente 8,5 mil túmulos. A capital paulista possui, ao todo, 22 cemitérios municipais administrados pelo Serviço Funerário do Município, todos em vias de serem concedidos à iniciativa privada.

A gestão municipal informou ainda que oferece uma visita guiada gratuita no Cemitério da Consolação, que acontece todas sextas-feiras, às 14h. O tour, focado em apresentar pontos históricos do local, tem duração de 2h e ocorre há 20 anos. No primeiro semestre deste ano, o passeio recebeu cerca de 600 visitantes, informou a Prefeitura. Para participar, é necessário realizar um pré-agendamento, por e-mail, com a Assessoria de Imprensa do Serviço Funerário.

Como participar do próximo geotour da USP

Sem periodicidade definida, os geotours com a professora Eliane Del Lama normalmente são divulgados pelas redes sociais do GeoHereditas e do Museu de Geociências da USP. Acontecem de forma gratuita e, normalmente, duas vezes ao ano, mas podem ter a periodicidade alterada conforme a demanda:

Às margens da Rua da Consolação, na região central de São Paulo, há um conjunto de ruas e vielas normalmente pouco movimentadas: as que compõem o Cemitério da Consolação. É caminhando por elas que a professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Eliane Del Lama conduz um tour para apresentar a variedade de rochas nos túmulos e mausoléus – e como essas pedras contam muito sobre a história da cidade. Aberta ao público geral, a edição mais recente aconteceu no último sábado, 13, e foi acompanhada de perto pela reportagem do Estadão.

No cemitério, o mais antigo da cidade, descansam de anônimos a famosos – o escritor Monteiro Lobato e a pintora Tarsila do Amaral, por exemplo, estão enterrados na Consolação. Há ainda obras históricas que ornamentam os túmulos, como esculturas de Victor Brecheret, e mausoléus de famílias da elite paulistana, como a Siciliano e a Matarazzo. Com 150 m² de área construída, o jazigo dos Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina e foi um dos pontos apresentados durante o passeio.

Caminhada ocorre entre ruas e vielas do Cemitério da Consolação, o primeiro a ser construído na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

“Cemitérios como o da Consolação têm uma diversidade de pedras muito grande, de todas as cores, com várias texturas. Com os tours, o objetivo é mostrar um pouco disso para o público leigo ou até para os nossos alunos”, contou Eliane. Os chamados geotours, explicou, já são oferecidos aos alunos da universidade há mais tempo como parte de uma disciplina, mas ganharam versão aberta ao público geral a partir de 2019. “Na hora que achei que a gente estava progredindo, veio a pandemia.”

Desenvolvidos como parte do Geociências em Foco, programa que integra o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas), os tours por cemitérios tiveram de ser interrompidos em 2020 e voltaram a ser feitos só neste ano, com o retorno das aulas presenciais na USP. Houve, então, uma edição no Cemitério São Paulo, zona oeste, e a do último sábado, na Consolação, a segunda após a retomada. “O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso”, disse Eliane.

O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso

Eliane Del Lama, professora da USP

Para que o formato dê certo, ela conta que tem o cuidado de não tornar os passeios tão específicos, como se fossem uma aula de Geologia. Um dos principais desafios é atrair mais pessoas de fora da universidade. “A intenção é agregar o maior número de pessoas. Quero falar da pedra, mas preciso falar das outras coisas”, disse Eliane. Em geral, os passeios contam com, no máximo, 30 pessoas – a maior parte, de integrantes da USP.

“Principalmente nos Estados Unidos, há um hábito de visitar cemitérios como parques. É um lugar arborizado, de paz, tem aquele silêncio, normalmente tem barulho de pássaro”, acrescentou Eliane. Na Europa, explica, há inclusive uma associação dos cemitérios históricos (ASCE, na sigla em inglês) que distribui selos para quem visita os cemitérios. “Aqui no Brasil não se tem muito esse hábito.” 

O uso das pedras no Cemitério da Consolação

Conforme Eliane, por ter sido o primeiro da cidade de São Paulo, o Cemitério da Consolação, inaugurado em 1858, teve uma fase inicial mais popular e que não era marcada por um padrão bem definido de túmulos.

Professora da USP Eliane Del Lama conduz tour para apresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

Décadas depois, a partir do final do século 19 – quando houve a inauguração de outros cemitérios na cidade, como o do Araçá – se intensificou um processo de elitização do Cemitério da Consolação. O avanço econômico da Avenida Paulista, próximo dali, também influenciou essa mudança.

“Na Época do Café, esses túmulos passaram a ser construídos com pedras estrangeiras, principalmente com o mármore de Carrara”, explicou Eliane. A pesquisadora conta ter sido nesse período que as estátuas e mausoléus mais imponentes ganharam força. 

Considerado um dos maiores da América Latina,mausoléu da família Matarazzoé revestido com pedras como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi Foto: Felipe Rau/Estadão

Ornamentado com estátuas de bronze, o mausoléu da família Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina. Ele é revestido com pedras que vieram da Itália, como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi. A prática de importação de rochas, porém, começou a perder força com o passar do tempo. “Com a crise de 1929, começou-se a usar mais pedras nacionais”, disse Eliane.

Nessa época, a pesquisadora explica que a pedra que passou a ser mais usada no cemitério é o granito Itaquera, que era amplamente encontrado na região onde hoje fica o estádio do Corinthians, na zona leste. “Usavam também os granitos Cinza Mauá, Piracaia e Verde Ubatuba, que eram bastante comuns.”

Em uma das construções mais famosas do cemitério, a estátua “O Sepultamento”, do escultor italiano Victor Brecheret, há uma junção de dois desses granitos: o Itaquera e o Cinza Mauá.

Geotour organizado por professora da USP passa pela estátua 'O Sepultamento', do escultorVictor Brecheret; obra foi feita com os granitos Itaquera e Cinza Mauá Foto: Felipe Rau/Estadão

“Durante o tour, dá para se fazer esse tipo de relação, explicando que determinada pedra vem de um período específico”, explicou Eliane. “É nesse sentido que a gente tenta agregar. Normalmente, é muito difícil encontrar nos tours alguém que fale da pedra, de onde veio, esse tipo de coisa.”

A pesquisadora explica que as pedras usadas nos túmulos ajudam a contar a história não só do cemitério, como da cidade que cresce para além dele – em parte dos casos, as pedras observadas na Consolação são as mesmas usadas em fachadas de prédios no centro histórico da cidade.

Um exemplo é o famoso prédio do antigo Banco de São Paulo, que fica no centro e cuja fachada é revestida com o granito Preto Bragança. Trata-se do mesmo material que reveste alguns túmulos da Consolação, como o do escritor Monteiro Lobato.

Observar esses paralelos com o centro foi um dos motivos para oferecer os tours pelos cemitérios. “Depois de fazer muitas vezes os tours pelo centro velho, a gente começou a ver que tinha outros nichos para explorar”, explicou Eliane.

A geóloga Eliane Del Lama é responsável por conduzir otour eapresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

O Cemitério da Consolação foi a porta de entrada. “Tive uma orientanda que fez uma dissertação de mestrado no Cemitério da Consolação e um dos trabalhos da dissertação dela foi justamente um roteiro no cemitério.”

A mestranda, no caso, era Luciane Kuzmickas, que passou a se interessar pelo assunto quando ia visitar o túmulo do avô, enterrado na Consolação. "Sempre gostei dessa área de monumentos históricos por conta da história da minha família, sou descendente de lituanos que vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor", contou. 

Ao entrar na USP, ela começou, então, a participar de pesquisas sobre rochas usadas no cemitério e, apesar do estigma que ainda existe sobre o tema, focou em uma dissertação na área há alguns anos.

“Identificamos pelo menos mais de 20 tipos de rochas diferentes ali dentro”, contou a geóloga, que relembra que a identificação ocorreu com auxílio de um catálogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Anos depois, os avanços obtidos com o trabalho deram um “empurrão” para Eliane passar a oferecer os tours.

“No Brasil, não tem nenhum cemitério comparável com o da Consolação em questão de variedade de rochas”, disse Luciane. “É um local que conta muito nossa história, principalmente de São Paulo.”

Por dentro do tour no cemitério

Pouco após as 9h30 do último sábado, um grupo com cerca de 11 interessados recebeu as boas-vindas da professora Eliane na entrada do Cemitério da Consolação e começou a ser conduzido pelo geotour. Com um microfone acoplado no rosto, a pesquisadora caminhou com os visitantes por entre as vielas do cemitério e falou desde a textura de algumas pedras a maneiras de como identificá-las. Os olhos dos visitantes se voltaram por cerca de 2 horas para túmulos, esculturas e mausoléus construídos no local.

Passeio geoturístico tem início próximo ao portão principal do Cemitério da Consolação Foto: Felipe Rau/Estadão

Aluna do último ano do curso de Geologia, Giovana Grossi, de 22 anos, conta que já tinha ido a um tour com Eliane no Cemitério da Consolação. Como gostou da experiência, decidiu levar o namorado quando tivesse uma edição aberta ao público geral. “Achei que seria interessante ele conhecer esse universo, já que é de fora da área da Geologia”, contou ela.

O casal saiu da região do Butantã, zona oeste, e pegou um ônibus para ir até o local. Em cerca de 30 minutos, os dois estavam lá. “Ela me falava disso já faz um tempo. Quando chegou a oportunidade, aceitei”, disse o namorado de Giovana, o atleta Vinícius Castro, de 22 anos. “Acho legal ver os túmulos e as culturas e religiões diferentes.”

Mausoléu da família Siciliano é um dos primeiros a ser apresentado aos visitantes ao longo do tour Foto: Felipe Rau/Estadão

O clima frio – os termômetros marcavam pouco mais de 10ºC no horário do tour – não espantou os interessados. “Acho que o clima até combinou com a ideia. O medo era estar chovendo, mas como o tempo está firme, não impediu a gente de vir”, disse a pesquisadora da área de geografia humana da USP Ana Carolina Almeida, de 28 anos. 

Interessada no assunto, ela lamentou apenas a falta de divulgação fora dos contextos acadêmicos, mas disse entender que o assunto ainda é um pouco estigmatizado. “Falei para a minha avó que viria aqui e ela disse: ‘ai, o que você vai fazer no cemitério?’”, contou. 

Ana Carolina foi ao local após ser convidada por uma amiga, a também pesquisadora Iara Silva, de 27 anos. “Recebi um e-mail do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP), que onde trabalho, falando sobre o tour. Achei interessante.”

Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes e realizacerca de 40 sepultamentos por mês Foto: Felipe Rau/Estadão

Ao longo do tour, que contava com inscrições prévias por meio de um Google Forms, dois estudantes de História que caminhavam desavisados pelo cemitério foram incorporados pelo grupo e passaram a acompanhar o passeio: João Pedro Lopes, que estuda na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Antônio de Almeida, aluno da USP, ambos de 19 anos. 

“Viemos aqui procurando o túmulo do Caio Prado, que é uma leitura canônica nos cursos de História”, disse João Pedro, que, junto ao amigo, tinha curiosidade de achar o local onde o historiador estava enterrado. No meio do caminho, a dupla encontrou o geotour acontecendo, e disse ter gostado da experiência de acompanhar o passeio.

Passeio guiado por pesquisadores leva interessados a conhecer os jazigos e túmulos de personagens históricos Foto: Felipe Rau/Estadão

“Em relação aos nomes das pedras, é claro que me senti um pouco ‘boiando’, não conheço nada, mas achei interessante os símbolos que estão atrelados a cada pedra. Isso liga muito com a História, com o jeito de lidar com a morte”, explicou o estudante. “É muito legal que é um tour de Geologia, mas que tem questões históricas atreladas a ele, e isso foi colocado”, complementou Antônio.

As impressões, em geral, foram positivas após a realização do tour. Pesquisador da USP, o geólogo André Zular, de 60 anos, conta que, apesar de sempre ter morado na capital paulista, nunca havia ido ao Cemitério da Consolação. “É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra”, disse. “Precisou ter uma oportunidade para vir. Achei muito legal.”

É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra

André Zular, geólogo

A Prefeitura de São Paulo informou que o Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes. Por mês, são realizados cerca de 40 sepultamentos. O local possui área total de 77,3 mil m² e conta com aproximadamente 8,5 mil túmulos. A capital paulista possui, ao todo, 22 cemitérios municipais administrados pelo Serviço Funerário do Município, todos em vias de serem concedidos à iniciativa privada.

A gestão municipal informou ainda que oferece uma visita guiada gratuita no Cemitério da Consolação, que acontece todas sextas-feiras, às 14h. O tour, focado em apresentar pontos históricos do local, tem duração de 2h e ocorre há 20 anos. No primeiro semestre deste ano, o passeio recebeu cerca de 600 visitantes, informou a Prefeitura. Para participar, é necessário realizar um pré-agendamento, por e-mail, com a Assessoria de Imprensa do Serviço Funerário.

Como participar do próximo geotour da USP

Sem periodicidade definida, os geotours com a professora Eliane Del Lama normalmente são divulgados pelas redes sociais do GeoHereditas e do Museu de Geociências da USP. Acontecem de forma gratuita e, normalmente, duas vezes ao ano, mas podem ter a periodicidade alterada conforme a demanda:

Às margens da Rua da Consolação, na região central de São Paulo, há um conjunto de ruas e vielas normalmente pouco movimentadas: as que compõem o Cemitério da Consolação. É caminhando por elas que a professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Eliane Del Lama conduz um tour para apresentar a variedade de rochas nos túmulos e mausoléus – e como essas pedras contam muito sobre a história da cidade. Aberta ao público geral, a edição mais recente aconteceu no último sábado, 13, e foi acompanhada de perto pela reportagem do Estadão.

No cemitério, o mais antigo da cidade, descansam de anônimos a famosos – o escritor Monteiro Lobato e a pintora Tarsila do Amaral, por exemplo, estão enterrados na Consolação. Há ainda obras históricas que ornamentam os túmulos, como esculturas de Victor Brecheret, e mausoléus de famílias da elite paulistana, como a Siciliano e a Matarazzo. Com 150 m² de área construída, o jazigo dos Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina e foi um dos pontos apresentados durante o passeio.

Caminhada ocorre entre ruas e vielas do Cemitério da Consolação, o primeiro a ser construído na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

“Cemitérios como o da Consolação têm uma diversidade de pedras muito grande, de todas as cores, com várias texturas. Com os tours, o objetivo é mostrar um pouco disso para o público leigo ou até para os nossos alunos”, contou Eliane. Os chamados geotours, explicou, já são oferecidos aos alunos da universidade há mais tempo como parte de uma disciplina, mas ganharam versão aberta ao público geral a partir de 2019. “Na hora que achei que a gente estava progredindo, veio a pandemia.”

Desenvolvidos como parte do Geociências em Foco, programa que integra o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas), os tours por cemitérios tiveram de ser interrompidos em 2020 e voltaram a ser feitos só neste ano, com o retorno das aulas presenciais na USP. Houve, então, uma edição no Cemitério São Paulo, zona oeste, e a do último sábado, na Consolação, a segunda após a retomada. “O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso”, disse Eliane.

O mais legal nesses tours é que as pessoas são um pouco resistentes em fazer um passeio no cemitério e, ao final, ficam com um outro olhar sobre isso

Eliane Del Lama, professora da USP

Para que o formato dê certo, ela conta que tem o cuidado de não tornar os passeios tão específicos, como se fossem uma aula de Geologia. Um dos principais desafios é atrair mais pessoas de fora da universidade. “A intenção é agregar o maior número de pessoas. Quero falar da pedra, mas preciso falar das outras coisas”, disse Eliane. Em geral, os passeios contam com, no máximo, 30 pessoas – a maior parte, de integrantes da USP.

“Principalmente nos Estados Unidos, há um hábito de visitar cemitérios como parques. É um lugar arborizado, de paz, tem aquele silêncio, normalmente tem barulho de pássaro”, acrescentou Eliane. Na Europa, explica, há inclusive uma associação dos cemitérios históricos (ASCE, na sigla em inglês) que distribui selos para quem visita os cemitérios. “Aqui no Brasil não se tem muito esse hábito.” 

O uso das pedras no Cemitério da Consolação

Conforme Eliane, por ter sido o primeiro da cidade de São Paulo, o Cemitério da Consolação, inaugurado em 1858, teve uma fase inicial mais popular e que não era marcada por um padrão bem definido de túmulos.

Professora da USP Eliane Del Lama conduz tour para apresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

Décadas depois, a partir do final do século 19 – quando houve a inauguração de outros cemitérios na cidade, como o do Araçá – se intensificou um processo de elitização do Cemitério da Consolação. O avanço econômico da Avenida Paulista, próximo dali, também influenciou essa mudança.

“Na Época do Café, esses túmulos passaram a ser construídos com pedras estrangeiras, principalmente com o mármore de Carrara”, explicou Eliane. A pesquisadora conta ter sido nesse período que as estátuas e mausoléus mais imponentes ganharam força. 

Considerado um dos maiores da América Latina,mausoléu da família Matarazzoé revestido com pedras como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi Foto: Felipe Rau/Estadão

Ornamentado com estátuas de bronze, o mausoléu da família Matarazzo é considerado um dos maiores da América Latina. Ele é revestido com pedras que vieram da Itália, como o mármore Rosso Verona e o Serpentinito Verde Alpi. A prática de importação de rochas, porém, começou a perder força com o passar do tempo. “Com a crise de 1929, começou-se a usar mais pedras nacionais”, disse Eliane.

Nessa época, a pesquisadora explica que a pedra que passou a ser mais usada no cemitério é o granito Itaquera, que era amplamente encontrado na região onde hoje fica o estádio do Corinthians, na zona leste. “Usavam também os granitos Cinza Mauá, Piracaia e Verde Ubatuba, que eram bastante comuns.”

Em uma das construções mais famosas do cemitério, a estátua “O Sepultamento”, do escultor italiano Victor Brecheret, há uma junção de dois desses granitos: o Itaquera e o Cinza Mauá.

Geotour organizado por professora da USP passa pela estátua 'O Sepultamento', do escultorVictor Brecheret; obra foi feita com os granitos Itaquera e Cinza Mauá Foto: Felipe Rau/Estadão

“Durante o tour, dá para se fazer esse tipo de relação, explicando que determinada pedra vem de um período específico”, explicou Eliane. “É nesse sentido que a gente tenta agregar. Normalmente, é muito difícil encontrar nos tours alguém que fale da pedra, de onde veio, esse tipo de coisa.”

A pesquisadora explica que as pedras usadas nos túmulos ajudam a contar a história não só do cemitério, como da cidade que cresce para além dele – em parte dos casos, as pedras observadas na Consolação são as mesmas usadas em fachadas de prédios no centro histórico da cidade.

Um exemplo é o famoso prédio do antigo Banco de São Paulo, que fica no centro e cuja fachada é revestida com o granito Preto Bragança. Trata-se do mesmo material que reveste alguns túmulos da Consolação, como o do escritor Monteiro Lobato.

Observar esses paralelos com o centro foi um dos motivos para oferecer os tours pelos cemitérios. “Depois de fazer muitas vezes os tours pelo centro velho, a gente começou a ver que tinha outros nichos para explorar”, explicou Eliane.

A geóloga Eliane Del Lama é responsável por conduzir otour eapresentar parte da variedade de rochas presentes na cidade Foto: Felipe Rau/Estadão

O Cemitério da Consolação foi a porta de entrada. “Tive uma orientanda que fez uma dissertação de mestrado no Cemitério da Consolação e um dos trabalhos da dissertação dela foi justamente um roteiro no cemitério.”

A mestranda, no caso, era Luciane Kuzmickas, que passou a se interessar pelo assunto quando ia visitar o túmulo do avô, enterrado na Consolação. "Sempre gostei dessa área de monumentos históricos por conta da história da minha família, sou descendente de lituanos que vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor", contou. 

Ao entrar na USP, ela começou, então, a participar de pesquisas sobre rochas usadas no cemitério e, apesar do estigma que ainda existe sobre o tema, focou em uma dissertação na área há alguns anos.

“Identificamos pelo menos mais de 20 tipos de rochas diferentes ali dentro”, contou a geóloga, que relembra que a identificação ocorreu com auxílio de um catálogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Anos depois, os avanços obtidos com o trabalho deram um “empurrão” para Eliane passar a oferecer os tours.

“No Brasil, não tem nenhum cemitério comparável com o da Consolação em questão de variedade de rochas”, disse Luciane. “É um local que conta muito nossa história, principalmente de São Paulo.”

Por dentro do tour no cemitério

Pouco após as 9h30 do último sábado, um grupo com cerca de 11 interessados recebeu as boas-vindas da professora Eliane na entrada do Cemitério da Consolação e começou a ser conduzido pelo geotour. Com um microfone acoplado no rosto, a pesquisadora caminhou com os visitantes por entre as vielas do cemitério e falou desde a textura de algumas pedras a maneiras de como identificá-las. Os olhos dos visitantes se voltaram por cerca de 2 horas para túmulos, esculturas e mausoléus construídos no local.

Passeio geoturístico tem início próximo ao portão principal do Cemitério da Consolação Foto: Felipe Rau/Estadão

Aluna do último ano do curso de Geologia, Giovana Grossi, de 22 anos, conta que já tinha ido a um tour com Eliane no Cemitério da Consolação. Como gostou da experiência, decidiu levar o namorado quando tivesse uma edição aberta ao público geral. “Achei que seria interessante ele conhecer esse universo, já que é de fora da área da Geologia”, contou ela.

O casal saiu da região do Butantã, zona oeste, e pegou um ônibus para ir até o local. Em cerca de 30 minutos, os dois estavam lá. “Ela me falava disso já faz um tempo. Quando chegou a oportunidade, aceitei”, disse o namorado de Giovana, o atleta Vinícius Castro, de 22 anos. “Acho legal ver os túmulos e as culturas e religiões diferentes.”

Mausoléu da família Siciliano é um dos primeiros a ser apresentado aos visitantes ao longo do tour Foto: Felipe Rau/Estadão

O clima frio – os termômetros marcavam pouco mais de 10ºC no horário do tour – não espantou os interessados. “Acho que o clima até combinou com a ideia. O medo era estar chovendo, mas como o tempo está firme, não impediu a gente de vir”, disse a pesquisadora da área de geografia humana da USP Ana Carolina Almeida, de 28 anos. 

Interessada no assunto, ela lamentou apenas a falta de divulgação fora dos contextos acadêmicos, mas disse entender que o assunto ainda é um pouco estigmatizado. “Falei para a minha avó que viria aqui e ela disse: ‘ai, o que você vai fazer no cemitério?’”, contou. 

Ana Carolina foi ao local após ser convidada por uma amiga, a também pesquisadora Iara Silva, de 27 anos. “Recebi um e-mail do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP), que onde trabalho, falando sobre o tour. Achei interessante.”

Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes e realizacerca de 40 sepultamentos por mês Foto: Felipe Rau/Estadão

Ao longo do tour, que contava com inscrições prévias por meio de um Google Forms, dois estudantes de História que caminhavam desavisados pelo cemitério foram incorporados pelo grupo e passaram a acompanhar o passeio: João Pedro Lopes, que estuda na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Antônio de Almeida, aluno da USP, ambos de 19 anos. 

“Viemos aqui procurando o túmulo do Caio Prado, que é uma leitura canônica nos cursos de História”, disse João Pedro, que, junto ao amigo, tinha curiosidade de achar o local onde o historiador estava enterrado. No meio do caminho, a dupla encontrou o geotour acontecendo, e disse ter gostado da experiência de acompanhar o passeio.

Passeio guiado por pesquisadores leva interessados a conhecer os jazigos e túmulos de personagens históricos Foto: Felipe Rau/Estadão

“Em relação aos nomes das pedras, é claro que me senti um pouco ‘boiando’, não conheço nada, mas achei interessante os símbolos que estão atrelados a cada pedra. Isso liga muito com a História, com o jeito de lidar com a morte”, explicou o estudante. “É muito legal que é um tour de Geologia, mas que tem questões históricas atreladas a ele, e isso foi colocado”, complementou Antônio.

As impressões, em geral, foram positivas após a realização do tour. Pesquisador da USP, o geólogo André Zular, de 60 anos, conta que, apesar de sempre ter morado na capital paulista, nunca havia ido ao Cemitério da Consolação. “É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra”, disse. “Precisou ter uma oportunidade para vir. Achei muito legal.”

É um lugar que acho que a maioria dos paulistanos passa muito de carro e nunca entra

André Zular, geólogo

A Prefeitura de São Paulo informou que o Cemitério da Consolação recebe diariamente uma média de 100 visitantes. Por mês, são realizados cerca de 40 sepultamentos. O local possui área total de 77,3 mil m² e conta com aproximadamente 8,5 mil túmulos. A capital paulista possui, ao todo, 22 cemitérios municipais administrados pelo Serviço Funerário do Município, todos em vias de serem concedidos à iniciativa privada.

A gestão municipal informou ainda que oferece uma visita guiada gratuita no Cemitério da Consolação, que acontece todas sextas-feiras, às 14h. O tour, focado em apresentar pontos históricos do local, tem duração de 2h e ocorre há 20 anos. No primeiro semestre deste ano, o passeio recebeu cerca de 600 visitantes, informou a Prefeitura. Para participar, é necessário realizar um pré-agendamento, por e-mail, com a Assessoria de Imprensa do Serviço Funerário.

Como participar do próximo geotour da USP

Sem periodicidade definida, os geotours com a professora Eliane Del Lama normalmente são divulgados pelas redes sociais do GeoHereditas e do Museu de Geociências da USP. Acontecem de forma gratuita e, normalmente, duas vezes ao ano, mas podem ter a periodicidade alterada conforme a demanda:

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