OSASCO - O julgamento de dois policiais militares e um GCM, acusados do assassinato de 17 pessoas na chacina da Grande São Paulo, em agosto de 2015, entrou na fase de debates, com acirramento de tensão entre as partes. Após depoimentos de pessoas com medo, manifestação de incômodo de jurados e exposição de testemunhas protegidas durante o júri, o advogado do PM da Rota Fabrício Eleutério citou, em voz alta, o nome de cada um dos jurados, o que causou constrangimento no Tribunal.
Responsável pela acusação, o promotor Marcelo Alexandre de Oliveira fez críticas ao advogado Nilton Nunes, que representa Eleutério, por revelar o nome dos jurados no plenário, na frente dos três réus. "Estou indignado com esse fato", disse o membro do Ministério Público de São Paulo, para quem a atitude pode influenciar na decisão do Conselho de Sentença. O já havia dedicado uma parte da sua exposição, de manhã, para tentar convencer o júri a não ter medo de condenar os réus.
"Não sei se ele fez de propósito, não sei se está de boa-fé - se está de boa-fé é muito ingênuo - mas é um tremendo ato de irresponsabilidade", afirmou Oliveira. O promotor também afirmou ter participado de tribunais do júri por oito anos em Guarulhos, com uma média de quatro julgamentos por semana. "Nunca vi isso acontecer antes."
Citar o nome dos jurados não é vedado pelo Código do Processo Penal, ainda que o procedimento seja evitado com o objetivo de preservar as pessoas que vão decidir se os réus são culpados ou não. O Conselho de Sentença da chacina é formado por quatro homens e três mulheres.
No momento em que eles tiveram os nomes revelados, o plenário estava lotado, com todas as 119 cadeiras ocupadas. A maior parte do público presente no Fórum Criminal de Osasco era formado por guardas civis de Barueri, além de familiares e amigos dos réus. Assim como nos dias anteriores de julgamento, parentes das vítimas dos ataques estavam em pequeno número. O Estado apurou que o episódio causou incômodo e os jurados chegaram a manifestar insatisfação mais uma vez, após o encerramento da sessão.
A primeira vez que eles tinham reclamado havia sido no dia anterior, quando um policial militar que chegou a ser preso por suspeita de participar da chacina, chamado como testemunha de defesa, prestou depoimento sentado de frente para a bancada dos jurados. O relato de um GCM, colega do réu Sérgio Manhanhã, também falou olhando para o Conselho de Sentença.
Durante a fase de interrogatório dos réus, Eleutério também afirmou que teve acesso ao depoimento e chegou a assistir ao vídeo da vítima protegida "Elias", a principal prova contra ele. Baleado nos braços, "Elias" reconhece o soldado da Rota como o autor dos disparos.
Questionado, Nunes disse que não há "nenhuma proibição" para falar o nome dos jurados e também negou que a atitude pudesse amedrontar os jurados. "É praxe se cumprimentar com nome, é normal. Tenho meu modo de trabalhar, sempre com ética", afirmou. "É uma questão de educação, de tratá-los por nome e não por número."
O advogado Abelardo da Rocha, representante do GCM Sérgio Manhanhã, também ponderou o episódio. "É uma ideia que eu particularmente não adotei porque tenho bastante receio de que os jurados se sintam amedrontados", disse. "Mas respeito o colega e não acho que, por si só, isso vá ocorrer."
Protegidos. Um total de 43 testemunhas foram arroladas no processo, mas só 24 chegaram a prestar depoimento no júri (as demais foram dispensadas). Dessas, quatro estavam sob proteção da Justiça e falaram aos jurados com as portas do plenário fechadas. Uma quinta testemunha protegida - e considerada "chave" no processo envolvendo o soldado da PM Thiago Henklain - deu depoimento apenas à polícia, durante as investigações, e não chegou a falar no Tribunal.
Ao longo da fase de debates, no entanto, tanto a defesa quanto a acusação deram indícios ou informaram o nome das testemunhas. A vítima "Elias", que reconheceu Eleutério, e a testemunha "798", que diz que vítima, na verdade, era um adolescente entre 14 e 17, tiveram a descrição física relatada pela defesa em plenário.
Já a acusação deu indícios de que a testemunha "Gama", que não participou do júri, é um familiar da esposa do PM Thiago Henklain. Foi ela que relatou à polícia uma briga entre o casal, em casa, após a mulher reconhecê-lo em imagens veiculadas na TV.
Por fim, duas testemunhas ligadas a Eleutério tiveram os nomes reais informados tanto pela acusação quanto pela defesa.
Debate. Por três horas cada, a acusação e defesa apresentaram aos jurados suas versões sobre o que os dois PMs e o GCM fizeram na noite de 13 de agosto de 2015. Em plenário, os dois lados afirmaram que os jurados teriam que decidir em qual tese acreditar.
Em sua sustentação, o promotor Marcelo Alexandre de Oliveira tentou quebrar o alibi dos réus e chegou até a fazer comparações entre o julgamento da chacina e a prisão do ex-governador do Rio Sérgio Cabral. "Um matou por roubar os cofres públicos", disse. "Os homicidas são bastante parecidos na desfaçatez. São dissimulados e se valem do nome de Deus."
Um dos pontos altos da acusação foi a exibições de imagens dos réus Fabrício Eleutério e Thiago Henklain, gravadas durante as audiências de instrução. Nelas, eles aparecem aos risos, ao ouvir o relato de testemunhas do processo. "São esses que vocês viram chorar aqui."
O promotor também fez críticas à investigação da chacina. "Foi parcialmente exitosa", disse. "Não vou menosprezar a inteligência dos senhores dizendo que um evento dessa dimensão teve apenas quatro culpados (um dos réus será julgado depois). É óbvio que não."
Outra dificuldade que o promotor expôs aos jurados foi o de apontar o que cada réu fez naquela noite. "Uma chacina dessa proporção, que abalou a imagem do Brasil perante o mundo, é tecnicamente difícil de descrever", afirmou. "Os senhores terão de decidir se eles concorreram de qualquer modo para o crime."
Contra Eleutério, o Ministério Público citou outras chacinas na Grande São Paulo, em 2013, em que ele chegou a ser preso. Para descrevê-lo, Oliveira falou em "instinto assassino, que tem prazer em eliminar a vida humana".
Os advogados de defesa do PM disseram que "não fariam ilações" e que os jurados precisariam colocar todas as provas apresentadas na balança. "Há um indício desfavorável a ele (a vítima "Elias"), contra dez favoráveis", afirmou Nunes. O advogado também disse que o réu foi impronunciado em todos os outros processos.
Para construir a denúncia contra Henklain, o Ministério Público afirmou que o soldado havia trabalhado com o cabo Ademilson Pereira, morto dias antes da chacina, e relatou a suposta briga entre o PM e a mulher dele. O advogado Evandro Capano disse não haver provas suficientes e criticou a investigação da Polícia Civil por não ter ouvido uma vizinha que também teria relatado a discussão. "Se o delegado não ouviu - e disse que não quis ouvir - é prevaricação."
Na vez de Sérgio Manhanhã, acusado de desviar viaturas sob seu comando para facilitar o trabalho de matadores, o promotor afirmou que o advogado de defesa estava "com a faca e o queijo na mão" e que "prova é tudo que existe nesse processo que os convença (jurados) do acerto ou equívoco de uma das partes".
Contra ele, pesa uma troca de mensagens no Whatsapp com o outro réu, o PM Victor Cristilder (que será julgado depois), apenas com símbolos de "joinha" antes e depois dos horários dos ataques. O advogado de defesa Abelardo da Rocha afirmou que Manhanhã não tinha autonomia para manter ou retirar viaturas das áreas dos crimes e relatou aos jurados que o diálogo era referente ao empréstimo de um livro de direito administrativo.