SÃO PAULO - Atrás de uma porta discreta e pesada, no bairro de Moema, existe um País raro e indisponível para a maioria, um lugar em que homens e mulheres podem se esquivar dos olhares de reprovação, da “letra fria da lei” e se entregarem a um prazer malvisto por muitos. A reportagem do Estado visitou clubes de charuto e tabacarias, espaços onde fumar é mais do que permitido, fumar é uma questão de “lifestyle”.
Ao atravessar a porta da tabacaria e clube de charuto Caruso Lounge, a primeira coisa que se nota são pessoas sentadas em confortáveis poltronas, com copos de uísque em suas respectivas mesas e espirais de fumaça subindo rumo aos exaustores (e, embora a fumaça esteja no ar, não existe uma nuvem de nicotina espessa). Pelo que se vê, não é difícil adivinhar quem são seus frequentadores. Tratam-se de empresários, advogados, operadores do mercado financeiro e, eventualmente, artistas, políticos, juízes e ministros das mais altas cortes brasileiras.
No caso do Caruso, tornar-se um sócio do clube depende das boas relações do postulante - já que ele precisa ser indicado ou apresentado por alguém que já faz parte daquele ambiente. No mais, as mensalidades variam de R$ 350 a R$ 1500 - sendo que cada faixa de preço guarda algumas facilidades. No plano mais caro, o associado tem o direito de reservar espaços exclusivos, descontos e convites para viagens, possibilidade de fazer um test drive com carros de luxo por alguns dias, degustações de uísque (e outras bebidas), cortes de cabelo gratuitos e ainda possuir um cofre climatizado para guardar seus charutos. Quem não é associado e quiser frequentar o lobby paga R$ 200 de entrada (pode ser gratuito se o convidado for amigo de um associado premium).
Os frequentadores desse tipo de espaço costumam consumir charutos cubanos clássicos, como os Cohibas, e os chamados OFF Cuba - oriundos principalmente da República Dominicana e Nicarágua. Os charutos nacionais também começam a ser apreciados pelos clientes mais jovens. O mercado de charuto estão em uma faixa de preço bastante elástica, com uma variação que pode ir de R$ 20 a R$ 5 mil a unidade. Não à toa, um dos grandes problemas desse negócio é a pirataria. Os fumantes mais experimentados pedem cautela com preços que parecem imperdíveis ou grandes pechinchas.
“O amante do charuto é um cliente potencial para várias marcas de luxo - por isso conseguimos aproximar nossos associados desse universo”, conta o proprietário do Caruso Lounge, André Caruso Sacchi. “Para além do charuto, aqui é um lugar em que muitos promovem encontros de trabalho, reuniões e fecham negócios”, completou.
André Caruso Sacchi, proprietário do Caruso Lounge
Mário Kendey Mitasaki, por exemplo, trabalha no mercado financeiro, e usa o clube de charuto como uma sala de reuniões. “Aqui é possível conversar de forma mais relaxada, fazer negócios e principalmente fazer contatos profissionais”, disse.
Claro, nem todo frequentador está lá para trabalhar. O advogado Daltro Borges, 62 anos, frequenta clubes de charuto porque “não é possível fumar em qualquer lugar e porque filha não gosta que ele fume na varanda de casa”.
Mulheres
O mundo do charuto ainda é bastante masculino. Por isso, encontrar uma mulher à frente de um clube de charutos ainda não é tão comum. O espaço Quai D’Orsay, na região dos Jardins, foge a regra. É a Priscila Roschel quem atua como cigar sommelier e gerente de eventos do lugar. O clube tem uma anuidade de R$ 550, mas é aberto para quem quiser conhecer (não há cobrança de entrada). O associado também tem uma série de facilidades (parcerias com hotéis da região) e descontos.
Assim como o Caruso, o ambiente é sofisticado, com um clima que remete aos clubes de jazz (música que, assim como a bossa nova, faz parte da trilha sonora do lugar). O lounge também pode ser alugado para palestras, lançamentos, vernissages, degustações e reuniões em geral.
Priscila entrou para esse universo a partir do seu ex-trabalho. Ela era representante de uma empresa de purificadores e perfumadores de ambientes - usados justamente para tirar o cheiro dos charutos. “Visitei quase todas as tabacarias de São Paulo e me apaixonei por esse universo”, disse.
O resultado dessa paixão foi virar sócia de uma das tabacarias visitadas, a Quai D’ Orsay.
“O fato de ser uma mulher à frente do clube e da tabacaria, faz com que outros mulheres se sintam mais à vontade para participar e aprender sobre o charuto”, afirmou Priscila. “O charuto, hoje, é algo muito mais democrático”, completou.
Priscila Roschel, proprietária do Espaço Quai D'Orsay - Tabacaria
Saúde
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tabacarias devem apresentar laudo técnico de avaliação prévia à Vigilância Sanitária para atestar o cumprimento de normas referentes ao projeto arquitetônico e de tratamento de resíduos, entre outros requisitos que comprovem o atendimento à legislação. Esses locais também não podem servir comida ou os restaurantes precisam estar separados dos locais onde é possível fumar.
Adiretora do programa de tratamento do tabagismo do Instituto do Coração (Incor), Jaqueline Scholz, adverte que o charuto faz tão mal para a saúde quanto o cigarro.
“Pela forma como é consumido, ele é responsável por lesões e por câncer de boca. Como algumas pessoas, que desconhecem a forma de consumo, acabam tragando o charuto, ele também pode causar o mesmo tipo de problema que um cigarro causa”, disse.
Serviço
Clubes de charuto e lojas
- Caruso Lounge - Av. Horácio Lafer, 44, Itaim
- Espaço Quai D'Orsay - Tabacaria - Rua Haddock Lobo, 932, Jardim Paulista
- Esch Café - Alameda Lorena, 1899, Jardim Paulista
- Ranieri Tabacaria - Alameda Lorena, 1221, Jardim Paulista