Com saques, Santa Ifigênia vê lojas vazias no centro de SP: ‘Nunca vi tanto imóvel para alugar’


Hoje são duas mil lojas em funcionamento ante 15 mil há dez anos; Prefeitura afirma que reforçou combate à violência por meio de convênio com o Estado

Por Gonçalo Junior
Atualização: Correção:

Referência em produtos eletrônicos até fora do País, a Rua Santa Ifigênia, na região central, enfrenta crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas. Por trás do esvaziamento, está a sensação de insegurança trazida pelo deslocamento de dependentes químicos e arrastões, como ocorreu no sábado, 27, em uma loja de câmeras de segurança. Especialistas criticam projetos do poder público dos últimos anos que priorizam a expansão imobiliária na região. A Prefeitura afirma que reforçou combate à violência por meio de convênio com o Estado.

Hoje são duas mil lojas em funcionamento, conforme a União dos Lojistas da Santa Ifigênia. Há dez anos, eram aproximadamente 15 mil. Segundo a instituição, os últimos três anos têm registrado o maior número de empreendimentos fechados. O faturamento do comércio caiu em média 40% desde a dispersão dos dependentes químicos da Cracolândia, em maio de 2022.

Violência nos arredores da Rua Santa Ifigênia tem assustado comerciantes e clientes Foto: Taba Benedicto/Estadão
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Esses números se tornam mais concretos quando a gente caminha pela rua. O primeiro quarteirão, localizado entre a Avenida Duque de Caxias e a Rua General Osório, é o trecho que enfrenta mais dificuldades, de acordo com quem trabalha na região. Só nesse trecho são cinco placas de “aluga-se”. O local fica próximo da Praça Júlio Prestes, área que por muitos anos foi ocupada pelo fluxo de usuários de drogas.

Outro indicador do esvaziamento da região são as vagas disponíveis para estacionamento. Anos atrás era quase impossível encontrar um lugar para parar o carro durante o dia, de acordo com os frequentadores da região. Na manhã de segunda-feira, era possível escolher uma vaga.

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No final do ano passado, houve esperança de retomada desses espaços. O fluxo de usuários de drogas se deslocou para a Rua dos Protestantes depois de cerca de um mês concentrado na Rua dos Gusmões, que fica a menos de um quarteirão da Santa Ifigênia. A principal razão foi uma série de protestos de comerciantes.

“No ano passado, estávamos conseguindo certa recuperação, as pessoas começavam a voltar. Mas aí aconteceu isso”, afirma o lojista Joseph Riachi, presidente da União Comercial de São Paulo e que trabalha na região por mais da metade dos seus 70 anos.

“Isso” se refere ao mais recente episódio de violência, registrado no sábado. Uma loja de câmeras de segurança foi invadida e saqueada por assaltantes e dependentes químicos. O empresário João Paulo de Souza afirma que vai fechar a unidade por conta do prejuízo de R$ 300 mil.

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Arrastão destruiu uma loja de câmeras de segurança no último sábado Foto: Reprodução

A Polícia Civil instaurou inquérito para investigar o episódio. Três homens foram detidos após um furto na Rua Vitória depois que guardas metropolitanos desconfiaram que os objetos subtraídos poderiam ter sido furtados no sábado. Dois deles estão sendo investigados; o terceiro ficou preso devido a um mandado de prisão preventiva em aberto na Bahia. Foi o terceiro arrastão na região desde o mês de novembro.

A Secretaria de Segurança Pública informa a prisão de 3.578 infratores (aumento de 49,2% em relação a 2022) pelos policiais do 3º DP e no 77º DP, que atendem as ocorrências da cenas abertas de uso. O órgão indica uma queda em relação aos crimes de homicídios (5 casos a menos) de roubos (queda de 12,9%), de roubos de veículos (queda de 24,1%) e de furtos em geral (queda de 1,5%).

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“Isso significa que não apenas as seguidas altas dos crimes no ano de 2022 foram interrompidas como começaram a cair a partir de abril”, diz o órgão. A estimativa da SSP é de que, só nos últimos nove meses, 3.360 pessoas, no mínimo, deixaram de ser vítimas de roubos, furtos ou homicídios na região das cenas de uso e respectivos entornos do centro da Capital.

A Prefeitura de São Paulo informou que reforçou o combate à violência e ao comércio irregular com mais de 1.350 policiais militares por meio de um convênio com o Estado. Mais de 1,6 mil guardas civis também realizam rondas periódicas, além das bases comunitárias na região. O poder municipal indica ainda que a região recebeu 80% das 2.008 câmeras do Programa Smart Sampa.

Uma das principais reclamações dos comerciantes se refere à queda do policiamento à noite. O major Rodrigo Garcia Vilardi, coordenador de Políticas Públicas da SSP, prevê aumento do policiamento nos próximos dias. “A necessidade de reforço do policiamento noturno já havia sido identificada no ano passado. Por isso, tivemos um reforço da Operação Delegada (policiais trabalham nos dia de folga com remuneração extra), principalmente no período noturno. Serão de 100 a 150 policiais nas ruas a mais”, diz.

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Lojas investem nas vendas digitais para sobreviver

Diante do sumiço dos clientes, a maioria dos estabelecimentos aposta no atendimento online. É o caso da rede “Portal das Câmeras”. O gerente Ricardo Aquino comanda a equipe digital com foco nas redes sociais, inclusive com tráfego pago de mensagens e anúncios para gerar engajamento dos usuários. As entregas dos produtos as compras virtuais são feitas pelos Correios e por entregadores.

Por enquanto, Aquino afirma que os meios digitais estão longe de compensar a queda de 30% nas vendas nos últimos anos. “São alternativas porque o cliente não está vindo mais”, diz. “Nunca vi tantos imóveis para alugar”, afirma ele, gerente na Santa Ifigênia há 17 anos

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Prefeitura reforçou combate à violência por meio de um convênio com o Estado; mais de 1.600 guardas civis também realizam rondas periódicas na região Foto: Taba Benedicto/Estadão

O empresário Fábio Zorzo afirma que conseguiu fazer essa migração, do físico para o digital, na loja Inpower, na esquina com a rua Aurora: hoje 80% dos negócios são feitos por meio digitais. Em relação ao faturamento, a loja física representa cerca de 5% do total. “É um trabalho de longo prazo, tivemos de entender o mercado. Hoje também distribuímos produtos de grandes marcas.”

A socióloga Mônica de Carvalho alerta que o mercado de rua hoje tem sofrido em todos os sentidos com a concorrência do e-commerce. “Isso se verifica de forma mais acentuada se a localização está prejudicada pela ausência de segurança”, afirma a professora da PUC-SP e pesquisadora da Rede INCT Observatório das Metrópoles.

A União dos Lojistas da Santa elaborou duas propostas de revitalização da região com foco principal no fortalecimento do turismo de compras. O projeto “Nova Santa Ifigênia” vai oferecer oportunidades de trabalho para dependentes químicos que tenham se recuperado.

Já a proposta “Muralha Virtual” prevê a utilização de câmeras de monitoramento nas oito principais entradas do bairro, além de outras 21 em locais de interesse em cruzamentos de vias públicas e 39 pontos em fachadas de prédios particulares. Os equipamentos serão implantados em fases diferentes. Os planos estão em análise pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo estadual.

Região da Santa Ifigênia enfrenta grave crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas Foto: Taba Benedicto/Estadão

Estudiosos apontam priorização da expansão imobiliária

Planos de revitalização da Santa Efigênia miravam a dissolução do polo eletroeletrônico, segundo a professora Raquel Rolnik, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP).

“O projeto Nova Luz, mais de uma vez reiterado, apostava na demolição, destruição, desapropriação, com pagamento pelos privados, para transformar a área da Santa Efigênia e outras áreas dos Campos Elíseos numa frente de expansão da incorporação imobiliária”, diz uma das coordenadoras do LabCidade.

“A destruição não é uma saída. A popularização da rua, sim”, afirma Mônica Carvalho. “A solução é antiga: dinamizar a ocupação do centro por meio de moradias populares. Seriam duas políticas casadas que atenderiam a população que mais necessita e a revitalização do centro da cidade”.

A Prefeitura de São Paulo informa que a nova Lei do Triângulo Histórico e Quadrilátero (18.065/23) foi regulamentada na última semana para fomentar o crescimento econômico na região:

  • IPTU reduzido: proprietários de imóveis não residenciais têm isenção parcial de 40% no IPTU, limitado a R$ 15 mil;
  • isenção de taxas: empreendedores contam com isenção de taxas municipais para instalação e funcionamento;
  • procedimentos simplificados: agilidade na obtenção de autorizações e alvarás com simplificação de procedimentos;
  • redução no ISS: profissionais de diversas áreas têm a alíquota do ISS reduzida de 5% para 2%.
  • incentivo a obras locais: redução de ISS para obras no Triângulo e Quadrilátero, impulsionando investimentos
  • apoio ao Requalifica Centro: redução de ISS para os projetos de obras do programa.

O poder municipal também anunciou a criação do projeto Ruas Temáticas como nova intervenção urbana no centro da cidade para “requalificar e estimular a economia em vias públicas reconhecidas por sua relevância econômica, turística e cultural”. De acordo com a prefeitura, a primeira via beneficiada, no primeiro trimestre de 2024, será a rua General Osório, a Rua das Motos. As ruas Santa Ifigênia (Rua dos Eletrônicos), São Caetano (Rua das Noivas), Paula Sousa (Rua das Cozinhas) e Florêncio de Abreu (Rua das Ferramentas) também serão incluídas no programa.

Referência em produtos eletrônicos até fora do País, a Rua Santa Ifigênia, na região central, enfrenta crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas. Por trás do esvaziamento, está a sensação de insegurança trazida pelo deslocamento de dependentes químicos e arrastões, como ocorreu no sábado, 27, em uma loja de câmeras de segurança. Especialistas criticam projetos do poder público dos últimos anos que priorizam a expansão imobiliária na região. A Prefeitura afirma que reforçou combate à violência por meio de convênio com o Estado.

Hoje são duas mil lojas em funcionamento, conforme a União dos Lojistas da Santa Ifigênia. Há dez anos, eram aproximadamente 15 mil. Segundo a instituição, os últimos três anos têm registrado o maior número de empreendimentos fechados. O faturamento do comércio caiu em média 40% desde a dispersão dos dependentes químicos da Cracolândia, em maio de 2022.

Violência nos arredores da Rua Santa Ifigênia tem assustado comerciantes e clientes Foto: Taba Benedicto/Estadão

Esses números se tornam mais concretos quando a gente caminha pela rua. O primeiro quarteirão, localizado entre a Avenida Duque de Caxias e a Rua General Osório, é o trecho que enfrenta mais dificuldades, de acordo com quem trabalha na região. Só nesse trecho são cinco placas de “aluga-se”. O local fica próximo da Praça Júlio Prestes, área que por muitos anos foi ocupada pelo fluxo de usuários de drogas.

Outro indicador do esvaziamento da região são as vagas disponíveis para estacionamento. Anos atrás era quase impossível encontrar um lugar para parar o carro durante o dia, de acordo com os frequentadores da região. Na manhã de segunda-feira, era possível escolher uma vaga.

No final do ano passado, houve esperança de retomada desses espaços. O fluxo de usuários de drogas se deslocou para a Rua dos Protestantes depois de cerca de um mês concentrado na Rua dos Gusmões, que fica a menos de um quarteirão da Santa Ifigênia. A principal razão foi uma série de protestos de comerciantes.

“No ano passado, estávamos conseguindo certa recuperação, as pessoas começavam a voltar. Mas aí aconteceu isso”, afirma o lojista Joseph Riachi, presidente da União Comercial de São Paulo e que trabalha na região por mais da metade dos seus 70 anos.

“Isso” se refere ao mais recente episódio de violência, registrado no sábado. Uma loja de câmeras de segurança foi invadida e saqueada por assaltantes e dependentes químicos. O empresário João Paulo de Souza afirma que vai fechar a unidade por conta do prejuízo de R$ 300 mil.

Arrastão destruiu uma loja de câmeras de segurança no último sábado Foto: Reprodução

A Polícia Civil instaurou inquérito para investigar o episódio. Três homens foram detidos após um furto na Rua Vitória depois que guardas metropolitanos desconfiaram que os objetos subtraídos poderiam ter sido furtados no sábado. Dois deles estão sendo investigados; o terceiro ficou preso devido a um mandado de prisão preventiva em aberto na Bahia. Foi o terceiro arrastão na região desde o mês de novembro.

A Secretaria de Segurança Pública informa a prisão de 3.578 infratores (aumento de 49,2% em relação a 2022) pelos policiais do 3º DP e no 77º DP, que atendem as ocorrências da cenas abertas de uso. O órgão indica uma queda em relação aos crimes de homicídios (5 casos a menos) de roubos (queda de 12,9%), de roubos de veículos (queda de 24,1%) e de furtos em geral (queda de 1,5%).

“Isso significa que não apenas as seguidas altas dos crimes no ano de 2022 foram interrompidas como começaram a cair a partir de abril”, diz o órgão. A estimativa da SSP é de que, só nos últimos nove meses, 3.360 pessoas, no mínimo, deixaram de ser vítimas de roubos, furtos ou homicídios na região das cenas de uso e respectivos entornos do centro da Capital.

A Prefeitura de São Paulo informou que reforçou o combate à violência e ao comércio irregular com mais de 1.350 policiais militares por meio de um convênio com o Estado. Mais de 1,6 mil guardas civis também realizam rondas periódicas, além das bases comunitárias na região. O poder municipal indica ainda que a região recebeu 80% das 2.008 câmeras do Programa Smart Sampa.

Uma das principais reclamações dos comerciantes se refere à queda do policiamento à noite. O major Rodrigo Garcia Vilardi, coordenador de Políticas Públicas da SSP, prevê aumento do policiamento nos próximos dias. “A necessidade de reforço do policiamento noturno já havia sido identificada no ano passado. Por isso, tivemos um reforço da Operação Delegada (policiais trabalham nos dia de folga com remuneração extra), principalmente no período noturno. Serão de 100 a 150 policiais nas ruas a mais”, diz.

Lojas investem nas vendas digitais para sobreviver

Diante do sumiço dos clientes, a maioria dos estabelecimentos aposta no atendimento online. É o caso da rede “Portal das Câmeras”. O gerente Ricardo Aquino comanda a equipe digital com foco nas redes sociais, inclusive com tráfego pago de mensagens e anúncios para gerar engajamento dos usuários. As entregas dos produtos as compras virtuais são feitas pelos Correios e por entregadores.

Por enquanto, Aquino afirma que os meios digitais estão longe de compensar a queda de 30% nas vendas nos últimos anos. “São alternativas porque o cliente não está vindo mais”, diz. “Nunca vi tantos imóveis para alugar”, afirma ele, gerente na Santa Ifigênia há 17 anos

Prefeitura reforçou combate à violência por meio de um convênio com o Estado; mais de 1.600 guardas civis também realizam rondas periódicas na região Foto: Taba Benedicto/Estadão

O empresário Fábio Zorzo afirma que conseguiu fazer essa migração, do físico para o digital, na loja Inpower, na esquina com a rua Aurora: hoje 80% dos negócios são feitos por meio digitais. Em relação ao faturamento, a loja física representa cerca de 5% do total. “É um trabalho de longo prazo, tivemos de entender o mercado. Hoje também distribuímos produtos de grandes marcas.”

A socióloga Mônica de Carvalho alerta que o mercado de rua hoje tem sofrido em todos os sentidos com a concorrência do e-commerce. “Isso se verifica de forma mais acentuada se a localização está prejudicada pela ausência de segurança”, afirma a professora da PUC-SP e pesquisadora da Rede INCT Observatório das Metrópoles.

A União dos Lojistas da Santa elaborou duas propostas de revitalização da região com foco principal no fortalecimento do turismo de compras. O projeto “Nova Santa Ifigênia” vai oferecer oportunidades de trabalho para dependentes químicos que tenham se recuperado.

Já a proposta “Muralha Virtual” prevê a utilização de câmeras de monitoramento nas oito principais entradas do bairro, além de outras 21 em locais de interesse em cruzamentos de vias públicas e 39 pontos em fachadas de prédios particulares. Os equipamentos serão implantados em fases diferentes. Os planos estão em análise pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo estadual.

Região da Santa Ifigênia enfrenta grave crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas Foto: Taba Benedicto/Estadão

Estudiosos apontam priorização da expansão imobiliária

Planos de revitalização da Santa Efigênia miravam a dissolução do polo eletroeletrônico, segundo a professora Raquel Rolnik, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP).

“O projeto Nova Luz, mais de uma vez reiterado, apostava na demolição, destruição, desapropriação, com pagamento pelos privados, para transformar a área da Santa Efigênia e outras áreas dos Campos Elíseos numa frente de expansão da incorporação imobiliária”, diz uma das coordenadoras do LabCidade.

“A destruição não é uma saída. A popularização da rua, sim”, afirma Mônica Carvalho. “A solução é antiga: dinamizar a ocupação do centro por meio de moradias populares. Seriam duas políticas casadas que atenderiam a população que mais necessita e a revitalização do centro da cidade”.

A Prefeitura de São Paulo informa que a nova Lei do Triângulo Histórico e Quadrilátero (18.065/23) foi regulamentada na última semana para fomentar o crescimento econômico na região:

  • IPTU reduzido: proprietários de imóveis não residenciais têm isenção parcial de 40% no IPTU, limitado a R$ 15 mil;
  • isenção de taxas: empreendedores contam com isenção de taxas municipais para instalação e funcionamento;
  • procedimentos simplificados: agilidade na obtenção de autorizações e alvarás com simplificação de procedimentos;
  • redução no ISS: profissionais de diversas áreas têm a alíquota do ISS reduzida de 5% para 2%.
  • incentivo a obras locais: redução de ISS para obras no Triângulo e Quadrilátero, impulsionando investimentos
  • apoio ao Requalifica Centro: redução de ISS para os projetos de obras do programa.

O poder municipal também anunciou a criação do projeto Ruas Temáticas como nova intervenção urbana no centro da cidade para “requalificar e estimular a economia em vias públicas reconhecidas por sua relevância econômica, turística e cultural”. De acordo com a prefeitura, a primeira via beneficiada, no primeiro trimestre de 2024, será a rua General Osório, a Rua das Motos. As ruas Santa Ifigênia (Rua dos Eletrônicos), São Caetano (Rua das Noivas), Paula Sousa (Rua das Cozinhas) e Florêncio de Abreu (Rua das Ferramentas) também serão incluídas no programa.

Referência em produtos eletrônicos até fora do País, a Rua Santa Ifigênia, na região central, enfrenta crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas. Por trás do esvaziamento, está a sensação de insegurança trazida pelo deslocamento de dependentes químicos e arrastões, como ocorreu no sábado, 27, em uma loja de câmeras de segurança. Especialistas criticam projetos do poder público dos últimos anos que priorizam a expansão imobiliária na região. A Prefeitura afirma que reforçou combate à violência por meio de convênio com o Estado.

Hoje são duas mil lojas em funcionamento, conforme a União dos Lojistas da Santa Ifigênia. Há dez anos, eram aproximadamente 15 mil. Segundo a instituição, os últimos três anos têm registrado o maior número de empreendimentos fechados. O faturamento do comércio caiu em média 40% desde a dispersão dos dependentes químicos da Cracolândia, em maio de 2022.

Violência nos arredores da Rua Santa Ifigênia tem assustado comerciantes e clientes Foto: Taba Benedicto/Estadão

Esses números se tornam mais concretos quando a gente caminha pela rua. O primeiro quarteirão, localizado entre a Avenida Duque de Caxias e a Rua General Osório, é o trecho que enfrenta mais dificuldades, de acordo com quem trabalha na região. Só nesse trecho são cinco placas de “aluga-se”. O local fica próximo da Praça Júlio Prestes, área que por muitos anos foi ocupada pelo fluxo de usuários de drogas.

Outro indicador do esvaziamento da região são as vagas disponíveis para estacionamento. Anos atrás era quase impossível encontrar um lugar para parar o carro durante o dia, de acordo com os frequentadores da região. Na manhã de segunda-feira, era possível escolher uma vaga.

No final do ano passado, houve esperança de retomada desses espaços. O fluxo de usuários de drogas se deslocou para a Rua dos Protestantes depois de cerca de um mês concentrado na Rua dos Gusmões, que fica a menos de um quarteirão da Santa Ifigênia. A principal razão foi uma série de protestos de comerciantes.

“No ano passado, estávamos conseguindo certa recuperação, as pessoas começavam a voltar. Mas aí aconteceu isso”, afirma o lojista Joseph Riachi, presidente da União Comercial de São Paulo e que trabalha na região por mais da metade dos seus 70 anos.

“Isso” se refere ao mais recente episódio de violência, registrado no sábado. Uma loja de câmeras de segurança foi invadida e saqueada por assaltantes e dependentes químicos. O empresário João Paulo de Souza afirma que vai fechar a unidade por conta do prejuízo de R$ 300 mil.

Arrastão destruiu uma loja de câmeras de segurança no último sábado Foto: Reprodução

A Polícia Civil instaurou inquérito para investigar o episódio. Três homens foram detidos após um furto na Rua Vitória depois que guardas metropolitanos desconfiaram que os objetos subtraídos poderiam ter sido furtados no sábado. Dois deles estão sendo investigados; o terceiro ficou preso devido a um mandado de prisão preventiva em aberto na Bahia. Foi o terceiro arrastão na região desde o mês de novembro.

A Secretaria de Segurança Pública informa a prisão de 3.578 infratores (aumento de 49,2% em relação a 2022) pelos policiais do 3º DP e no 77º DP, que atendem as ocorrências da cenas abertas de uso. O órgão indica uma queda em relação aos crimes de homicídios (5 casos a menos) de roubos (queda de 12,9%), de roubos de veículos (queda de 24,1%) e de furtos em geral (queda de 1,5%).

“Isso significa que não apenas as seguidas altas dos crimes no ano de 2022 foram interrompidas como começaram a cair a partir de abril”, diz o órgão. A estimativa da SSP é de que, só nos últimos nove meses, 3.360 pessoas, no mínimo, deixaram de ser vítimas de roubos, furtos ou homicídios na região das cenas de uso e respectivos entornos do centro da Capital.

A Prefeitura de São Paulo informou que reforçou o combate à violência e ao comércio irregular com mais de 1.350 policiais militares por meio de um convênio com o Estado. Mais de 1,6 mil guardas civis também realizam rondas periódicas, além das bases comunitárias na região. O poder municipal indica ainda que a região recebeu 80% das 2.008 câmeras do Programa Smart Sampa.

Uma das principais reclamações dos comerciantes se refere à queda do policiamento à noite. O major Rodrigo Garcia Vilardi, coordenador de Políticas Públicas da SSP, prevê aumento do policiamento nos próximos dias. “A necessidade de reforço do policiamento noturno já havia sido identificada no ano passado. Por isso, tivemos um reforço da Operação Delegada (policiais trabalham nos dia de folga com remuneração extra), principalmente no período noturno. Serão de 100 a 150 policiais nas ruas a mais”, diz.

Lojas investem nas vendas digitais para sobreviver

Diante do sumiço dos clientes, a maioria dos estabelecimentos aposta no atendimento online. É o caso da rede “Portal das Câmeras”. O gerente Ricardo Aquino comanda a equipe digital com foco nas redes sociais, inclusive com tráfego pago de mensagens e anúncios para gerar engajamento dos usuários. As entregas dos produtos as compras virtuais são feitas pelos Correios e por entregadores.

Por enquanto, Aquino afirma que os meios digitais estão longe de compensar a queda de 30% nas vendas nos últimos anos. “São alternativas porque o cliente não está vindo mais”, diz. “Nunca vi tantos imóveis para alugar”, afirma ele, gerente na Santa Ifigênia há 17 anos

Prefeitura reforçou combate à violência por meio de um convênio com o Estado; mais de 1.600 guardas civis também realizam rondas periódicas na região Foto: Taba Benedicto/Estadão

O empresário Fábio Zorzo afirma que conseguiu fazer essa migração, do físico para o digital, na loja Inpower, na esquina com a rua Aurora: hoje 80% dos negócios são feitos por meio digitais. Em relação ao faturamento, a loja física representa cerca de 5% do total. “É um trabalho de longo prazo, tivemos de entender o mercado. Hoje também distribuímos produtos de grandes marcas.”

A socióloga Mônica de Carvalho alerta que o mercado de rua hoje tem sofrido em todos os sentidos com a concorrência do e-commerce. “Isso se verifica de forma mais acentuada se a localização está prejudicada pela ausência de segurança”, afirma a professora da PUC-SP e pesquisadora da Rede INCT Observatório das Metrópoles.

A União dos Lojistas da Santa elaborou duas propostas de revitalização da região com foco principal no fortalecimento do turismo de compras. O projeto “Nova Santa Ifigênia” vai oferecer oportunidades de trabalho para dependentes químicos que tenham se recuperado.

Já a proposta “Muralha Virtual” prevê a utilização de câmeras de monitoramento nas oito principais entradas do bairro, além de outras 21 em locais de interesse em cruzamentos de vias públicas e 39 pontos em fachadas de prédios particulares. Os equipamentos serão implantados em fases diferentes. Os planos estão em análise pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo estadual.

Região da Santa Ifigênia enfrenta grave crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas Foto: Taba Benedicto/Estadão

Estudiosos apontam priorização da expansão imobiliária

Planos de revitalização da Santa Efigênia miravam a dissolução do polo eletroeletrônico, segundo a professora Raquel Rolnik, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP).

“O projeto Nova Luz, mais de uma vez reiterado, apostava na demolição, destruição, desapropriação, com pagamento pelos privados, para transformar a área da Santa Efigênia e outras áreas dos Campos Elíseos numa frente de expansão da incorporação imobiliária”, diz uma das coordenadoras do LabCidade.

“A destruição não é uma saída. A popularização da rua, sim”, afirma Mônica Carvalho. “A solução é antiga: dinamizar a ocupação do centro por meio de moradias populares. Seriam duas políticas casadas que atenderiam a população que mais necessita e a revitalização do centro da cidade”.

A Prefeitura de São Paulo informa que a nova Lei do Triângulo Histórico e Quadrilátero (18.065/23) foi regulamentada na última semana para fomentar o crescimento econômico na região:

  • IPTU reduzido: proprietários de imóveis não residenciais têm isenção parcial de 40% no IPTU, limitado a R$ 15 mil;
  • isenção de taxas: empreendedores contam com isenção de taxas municipais para instalação e funcionamento;
  • procedimentos simplificados: agilidade na obtenção de autorizações e alvarás com simplificação de procedimentos;
  • redução no ISS: profissionais de diversas áreas têm a alíquota do ISS reduzida de 5% para 2%.
  • incentivo a obras locais: redução de ISS para obras no Triângulo e Quadrilátero, impulsionando investimentos
  • apoio ao Requalifica Centro: redução de ISS para os projetos de obras do programa.

O poder municipal também anunciou a criação do projeto Ruas Temáticas como nova intervenção urbana no centro da cidade para “requalificar e estimular a economia em vias públicas reconhecidas por sua relevância econômica, turística e cultural”. De acordo com a prefeitura, a primeira via beneficiada, no primeiro trimestre de 2024, será a rua General Osório, a Rua das Motos. As ruas Santa Ifigênia (Rua dos Eletrônicos), São Caetano (Rua das Noivas), Paula Sousa (Rua das Cozinhas) e Florêncio de Abreu (Rua das Ferramentas) também serão incluídas no programa.

Referência em produtos eletrônicos até fora do País, a Rua Santa Ifigênia, na região central, enfrenta crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas. Por trás do esvaziamento, está a sensação de insegurança trazida pelo deslocamento de dependentes químicos e arrastões, como ocorreu no sábado, 27, em uma loja de câmeras de segurança. Especialistas criticam projetos do poder público dos últimos anos que priorizam a expansão imobiliária na região. A Prefeitura afirma que reforçou combate à violência por meio de convênio com o Estado.

Hoje são duas mil lojas em funcionamento, conforme a União dos Lojistas da Santa Ifigênia. Há dez anos, eram aproximadamente 15 mil. Segundo a instituição, os últimos três anos têm registrado o maior número de empreendimentos fechados. O faturamento do comércio caiu em média 40% desde a dispersão dos dependentes químicos da Cracolândia, em maio de 2022.

Violência nos arredores da Rua Santa Ifigênia tem assustado comerciantes e clientes Foto: Taba Benedicto/Estadão

Esses números se tornam mais concretos quando a gente caminha pela rua. O primeiro quarteirão, localizado entre a Avenida Duque de Caxias e a Rua General Osório, é o trecho que enfrenta mais dificuldades, de acordo com quem trabalha na região. Só nesse trecho são cinco placas de “aluga-se”. O local fica próximo da Praça Júlio Prestes, área que por muitos anos foi ocupada pelo fluxo de usuários de drogas.

Outro indicador do esvaziamento da região são as vagas disponíveis para estacionamento. Anos atrás era quase impossível encontrar um lugar para parar o carro durante o dia, de acordo com os frequentadores da região. Na manhã de segunda-feira, era possível escolher uma vaga.

No final do ano passado, houve esperança de retomada desses espaços. O fluxo de usuários de drogas se deslocou para a Rua dos Protestantes depois de cerca de um mês concentrado na Rua dos Gusmões, que fica a menos de um quarteirão da Santa Ifigênia. A principal razão foi uma série de protestos de comerciantes.

“No ano passado, estávamos conseguindo certa recuperação, as pessoas começavam a voltar. Mas aí aconteceu isso”, afirma o lojista Joseph Riachi, presidente da União Comercial de São Paulo e que trabalha na região por mais da metade dos seus 70 anos.

“Isso” se refere ao mais recente episódio de violência, registrado no sábado. Uma loja de câmeras de segurança foi invadida e saqueada por assaltantes e dependentes químicos. O empresário João Paulo de Souza afirma que vai fechar a unidade por conta do prejuízo de R$ 300 mil.

Arrastão destruiu uma loja de câmeras de segurança no último sábado Foto: Reprodução

A Polícia Civil instaurou inquérito para investigar o episódio. Três homens foram detidos após um furto na Rua Vitória depois que guardas metropolitanos desconfiaram que os objetos subtraídos poderiam ter sido furtados no sábado. Dois deles estão sendo investigados; o terceiro ficou preso devido a um mandado de prisão preventiva em aberto na Bahia. Foi o terceiro arrastão na região desde o mês de novembro.

A Secretaria de Segurança Pública informa a prisão de 3.578 infratores (aumento de 49,2% em relação a 2022) pelos policiais do 3º DP e no 77º DP, que atendem as ocorrências da cenas abertas de uso. O órgão indica uma queda em relação aos crimes de homicídios (5 casos a menos) de roubos (queda de 12,9%), de roubos de veículos (queda de 24,1%) e de furtos em geral (queda de 1,5%).

“Isso significa que não apenas as seguidas altas dos crimes no ano de 2022 foram interrompidas como começaram a cair a partir de abril”, diz o órgão. A estimativa da SSP é de que, só nos últimos nove meses, 3.360 pessoas, no mínimo, deixaram de ser vítimas de roubos, furtos ou homicídios na região das cenas de uso e respectivos entornos do centro da Capital.

A Prefeitura de São Paulo informou que reforçou o combate à violência e ao comércio irregular com mais de 1.350 policiais militares por meio de um convênio com o Estado. Mais de 1,6 mil guardas civis também realizam rondas periódicas, além das bases comunitárias na região. O poder municipal indica ainda que a região recebeu 80% das 2.008 câmeras do Programa Smart Sampa.

Uma das principais reclamações dos comerciantes se refere à queda do policiamento à noite. O major Rodrigo Garcia Vilardi, coordenador de Políticas Públicas da SSP, prevê aumento do policiamento nos próximos dias. “A necessidade de reforço do policiamento noturno já havia sido identificada no ano passado. Por isso, tivemos um reforço da Operação Delegada (policiais trabalham nos dia de folga com remuneração extra), principalmente no período noturno. Serão de 100 a 150 policiais nas ruas a mais”, diz.

Lojas investem nas vendas digitais para sobreviver

Diante do sumiço dos clientes, a maioria dos estabelecimentos aposta no atendimento online. É o caso da rede “Portal das Câmeras”. O gerente Ricardo Aquino comanda a equipe digital com foco nas redes sociais, inclusive com tráfego pago de mensagens e anúncios para gerar engajamento dos usuários. As entregas dos produtos as compras virtuais são feitas pelos Correios e por entregadores.

Por enquanto, Aquino afirma que os meios digitais estão longe de compensar a queda de 30% nas vendas nos últimos anos. “São alternativas porque o cliente não está vindo mais”, diz. “Nunca vi tantos imóveis para alugar”, afirma ele, gerente na Santa Ifigênia há 17 anos

Prefeitura reforçou combate à violência por meio de um convênio com o Estado; mais de 1.600 guardas civis também realizam rondas periódicas na região Foto: Taba Benedicto/Estadão

O empresário Fábio Zorzo afirma que conseguiu fazer essa migração, do físico para o digital, na loja Inpower, na esquina com a rua Aurora: hoje 80% dos negócios são feitos por meio digitais. Em relação ao faturamento, a loja física representa cerca de 5% do total. “É um trabalho de longo prazo, tivemos de entender o mercado. Hoje também distribuímos produtos de grandes marcas.”

A socióloga Mônica de Carvalho alerta que o mercado de rua hoje tem sofrido em todos os sentidos com a concorrência do e-commerce. “Isso se verifica de forma mais acentuada se a localização está prejudicada pela ausência de segurança”, afirma a professora da PUC-SP e pesquisadora da Rede INCT Observatório das Metrópoles.

A União dos Lojistas da Santa elaborou duas propostas de revitalização da região com foco principal no fortalecimento do turismo de compras. O projeto “Nova Santa Ifigênia” vai oferecer oportunidades de trabalho para dependentes químicos que tenham se recuperado.

Já a proposta “Muralha Virtual” prevê a utilização de câmeras de monitoramento nas oito principais entradas do bairro, além de outras 21 em locais de interesse em cruzamentos de vias públicas e 39 pontos em fachadas de prédios particulares. Os equipamentos serão implantados em fases diferentes. Os planos estão em análise pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo estadual.

Região da Santa Ifigênia enfrenta grave crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas Foto: Taba Benedicto/Estadão

Estudiosos apontam priorização da expansão imobiliária

Planos de revitalização da Santa Efigênia miravam a dissolução do polo eletroeletrônico, segundo a professora Raquel Rolnik, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP).

“O projeto Nova Luz, mais de uma vez reiterado, apostava na demolição, destruição, desapropriação, com pagamento pelos privados, para transformar a área da Santa Efigênia e outras áreas dos Campos Elíseos numa frente de expansão da incorporação imobiliária”, diz uma das coordenadoras do LabCidade.

“A destruição não é uma saída. A popularização da rua, sim”, afirma Mônica Carvalho. “A solução é antiga: dinamizar a ocupação do centro por meio de moradias populares. Seriam duas políticas casadas que atenderiam a população que mais necessita e a revitalização do centro da cidade”.

A Prefeitura de São Paulo informa que a nova Lei do Triângulo Histórico e Quadrilátero (18.065/23) foi regulamentada na última semana para fomentar o crescimento econômico na região:

  • IPTU reduzido: proprietários de imóveis não residenciais têm isenção parcial de 40% no IPTU, limitado a R$ 15 mil;
  • isenção de taxas: empreendedores contam com isenção de taxas municipais para instalação e funcionamento;
  • procedimentos simplificados: agilidade na obtenção de autorizações e alvarás com simplificação de procedimentos;
  • redução no ISS: profissionais de diversas áreas têm a alíquota do ISS reduzida de 5% para 2%.
  • incentivo a obras locais: redução de ISS para obras no Triângulo e Quadrilátero, impulsionando investimentos
  • apoio ao Requalifica Centro: redução de ISS para os projetos de obras do programa.

O poder municipal também anunciou a criação do projeto Ruas Temáticas como nova intervenção urbana no centro da cidade para “requalificar e estimular a economia em vias públicas reconhecidas por sua relevância econômica, turística e cultural”. De acordo com a prefeitura, a primeira via beneficiada, no primeiro trimestre de 2024, será a rua General Osório, a Rua das Motos. As ruas Santa Ifigênia (Rua dos Eletrônicos), São Caetano (Rua das Noivas), Paula Sousa (Rua das Cozinhas) e Florêncio de Abreu (Rua das Ferramentas) também serão incluídas no programa.

Referência em produtos eletrônicos até fora do País, a Rua Santa Ifigênia, na região central, enfrenta crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas. Por trás do esvaziamento, está a sensação de insegurança trazida pelo deslocamento de dependentes químicos e arrastões, como ocorreu no sábado, 27, em uma loja de câmeras de segurança. Especialistas criticam projetos do poder público dos últimos anos que priorizam a expansão imobiliária na região. A Prefeitura afirma que reforçou combate à violência por meio de convênio com o Estado.

Hoje são duas mil lojas em funcionamento, conforme a União dos Lojistas da Santa Ifigênia. Há dez anos, eram aproximadamente 15 mil. Segundo a instituição, os últimos três anos têm registrado o maior número de empreendimentos fechados. O faturamento do comércio caiu em média 40% desde a dispersão dos dependentes químicos da Cracolândia, em maio de 2022.

Violência nos arredores da Rua Santa Ifigênia tem assustado comerciantes e clientes Foto: Taba Benedicto/Estadão

Esses números se tornam mais concretos quando a gente caminha pela rua. O primeiro quarteirão, localizado entre a Avenida Duque de Caxias e a Rua General Osório, é o trecho que enfrenta mais dificuldades, de acordo com quem trabalha na região. Só nesse trecho são cinco placas de “aluga-se”. O local fica próximo da Praça Júlio Prestes, área que por muitos anos foi ocupada pelo fluxo de usuários de drogas.

Outro indicador do esvaziamento da região são as vagas disponíveis para estacionamento. Anos atrás era quase impossível encontrar um lugar para parar o carro durante o dia, de acordo com os frequentadores da região. Na manhã de segunda-feira, era possível escolher uma vaga.

No final do ano passado, houve esperança de retomada desses espaços. O fluxo de usuários de drogas se deslocou para a Rua dos Protestantes depois de cerca de um mês concentrado na Rua dos Gusmões, que fica a menos de um quarteirão da Santa Ifigênia. A principal razão foi uma série de protestos de comerciantes.

“No ano passado, estávamos conseguindo certa recuperação, as pessoas começavam a voltar. Mas aí aconteceu isso”, afirma o lojista Joseph Riachi, presidente da União Comercial de São Paulo e que trabalha na região por mais da metade dos seus 70 anos.

“Isso” se refere ao mais recente episódio de violência, registrado no sábado. Uma loja de câmeras de segurança foi invadida e saqueada por assaltantes e dependentes químicos. O empresário João Paulo de Souza afirma que vai fechar a unidade por conta do prejuízo de R$ 300 mil.

Arrastão destruiu uma loja de câmeras de segurança no último sábado Foto: Reprodução

A Polícia Civil instaurou inquérito para investigar o episódio. Três homens foram detidos após um furto na Rua Vitória depois que guardas metropolitanos desconfiaram que os objetos subtraídos poderiam ter sido furtados no sábado. Dois deles estão sendo investigados; o terceiro ficou preso devido a um mandado de prisão preventiva em aberto na Bahia. Foi o terceiro arrastão na região desde o mês de novembro.

A Secretaria de Segurança Pública informa a prisão de 3.578 infratores (aumento de 49,2% em relação a 2022) pelos policiais do 3º DP e no 77º DP, que atendem as ocorrências da cenas abertas de uso. O órgão indica uma queda em relação aos crimes de homicídios (5 casos a menos) de roubos (queda de 12,9%), de roubos de veículos (queda de 24,1%) e de furtos em geral (queda de 1,5%).

“Isso significa que não apenas as seguidas altas dos crimes no ano de 2022 foram interrompidas como começaram a cair a partir de abril”, diz o órgão. A estimativa da SSP é de que, só nos últimos nove meses, 3.360 pessoas, no mínimo, deixaram de ser vítimas de roubos, furtos ou homicídios na região das cenas de uso e respectivos entornos do centro da Capital.

A Prefeitura de São Paulo informou que reforçou o combate à violência e ao comércio irregular com mais de 1.350 policiais militares por meio de um convênio com o Estado. Mais de 1,6 mil guardas civis também realizam rondas periódicas, além das bases comunitárias na região. O poder municipal indica ainda que a região recebeu 80% das 2.008 câmeras do Programa Smart Sampa.

Uma das principais reclamações dos comerciantes se refere à queda do policiamento à noite. O major Rodrigo Garcia Vilardi, coordenador de Políticas Públicas da SSP, prevê aumento do policiamento nos próximos dias. “A necessidade de reforço do policiamento noturno já havia sido identificada no ano passado. Por isso, tivemos um reforço da Operação Delegada (policiais trabalham nos dia de folga com remuneração extra), principalmente no período noturno. Serão de 100 a 150 policiais nas ruas a mais”, diz.

Lojas investem nas vendas digitais para sobreviver

Diante do sumiço dos clientes, a maioria dos estabelecimentos aposta no atendimento online. É o caso da rede “Portal das Câmeras”. O gerente Ricardo Aquino comanda a equipe digital com foco nas redes sociais, inclusive com tráfego pago de mensagens e anúncios para gerar engajamento dos usuários. As entregas dos produtos as compras virtuais são feitas pelos Correios e por entregadores.

Por enquanto, Aquino afirma que os meios digitais estão longe de compensar a queda de 30% nas vendas nos últimos anos. “São alternativas porque o cliente não está vindo mais”, diz. “Nunca vi tantos imóveis para alugar”, afirma ele, gerente na Santa Ifigênia há 17 anos

Prefeitura reforçou combate à violência por meio de um convênio com o Estado; mais de 1.600 guardas civis também realizam rondas periódicas na região Foto: Taba Benedicto/Estadão

O empresário Fábio Zorzo afirma que conseguiu fazer essa migração, do físico para o digital, na loja Inpower, na esquina com a rua Aurora: hoje 80% dos negócios são feitos por meio digitais. Em relação ao faturamento, a loja física representa cerca de 5% do total. “É um trabalho de longo prazo, tivemos de entender o mercado. Hoje também distribuímos produtos de grandes marcas.”

A socióloga Mônica de Carvalho alerta que o mercado de rua hoje tem sofrido em todos os sentidos com a concorrência do e-commerce. “Isso se verifica de forma mais acentuada se a localização está prejudicada pela ausência de segurança”, afirma a professora da PUC-SP e pesquisadora da Rede INCT Observatório das Metrópoles.

A União dos Lojistas da Santa elaborou duas propostas de revitalização da região com foco principal no fortalecimento do turismo de compras. O projeto “Nova Santa Ifigênia” vai oferecer oportunidades de trabalho para dependentes químicos que tenham se recuperado.

Já a proposta “Muralha Virtual” prevê a utilização de câmeras de monitoramento nas oito principais entradas do bairro, além de outras 21 em locais de interesse em cruzamentos de vias públicas e 39 pontos em fachadas de prédios particulares. Os equipamentos serão implantados em fases diferentes. Os planos estão em análise pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo estadual.

Região da Santa Ifigênia enfrenta grave crise marcada pela perda de clientes e fechamento de lojas Foto: Taba Benedicto/Estadão

Estudiosos apontam priorização da expansão imobiliária

Planos de revitalização da Santa Efigênia miravam a dissolução do polo eletroeletrônico, segundo a professora Raquel Rolnik, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP).

“O projeto Nova Luz, mais de uma vez reiterado, apostava na demolição, destruição, desapropriação, com pagamento pelos privados, para transformar a área da Santa Efigênia e outras áreas dos Campos Elíseos numa frente de expansão da incorporação imobiliária”, diz uma das coordenadoras do LabCidade.

“A destruição não é uma saída. A popularização da rua, sim”, afirma Mônica Carvalho. “A solução é antiga: dinamizar a ocupação do centro por meio de moradias populares. Seriam duas políticas casadas que atenderiam a população que mais necessita e a revitalização do centro da cidade”.

A Prefeitura de São Paulo informa que a nova Lei do Triângulo Histórico e Quadrilátero (18.065/23) foi regulamentada na última semana para fomentar o crescimento econômico na região:

  • IPTU reduzido: proprietários de imóveis não residenciais têm isenção parcial de 40% no IPTU, limitado a R$ 15 mil;
  • isenção de taxas: empreendedores contam com isenção de taxas municipais para instalação e funcionamento;
  • procedimentos simplificados: agilidade na obtenção de autorizações e alvarás com simplificação de procedimentos;
  • redução no ISS: profissionais de diversas áreas têm a alíquota do ISS reduzida de 5% para 2%.
  • incentivo a obras locais: redução de ISS para obras no Triângulo e Quadrilátero, impulsionando investimentos
  • apoio ao Requalifica Centro: redução de ISS para os projetos de obras do programa.

O poder municipal também anunciou a criação do projeto Ruas Temáticas como nova intervenção urbana no centro da cidade para “requalificar e estimular a economia em vias públicas reconhecidas por sua relevância econômica, turística e cultural”. De acordo com a prefeitura, a primeira via beneficiada, no primeiro trimestre de 2024, será a rua General Osório, a Rua das Motos. As ruas Santa Ifigênia (Rua dos Eletrônicos), São Caetano (Rua das Noivas), Paula Sousa (Rua das Cozinhas) e Florêncio de Abreu (Rua das Ferramentas) também serão incluídas no programa.

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