Como as câmeras em uniformes reduziram o nº de adolescentes mortos pela polícia


Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança e do Unicef analisou o impacto do equipamento e de outros protocolos nas mortes cometidas por agentes no Estado de São Paulo

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

O uso de câmeras corporais por policiais militares de São Paulo, implementado de forma gradativa há três anos, reduziu em 62,7% as mortes decorrentes da intervenção de agentes em serviço entre 2019 e 2022. Em batalhões que já possuem a tecnologia, a queda chegou a 76,2%, mais do que o dobro da redução observada no resto da corporação (33,3%), segundo estudo divulgado nesta terça-feira, 16, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Unicef (fundo da ONU para a infância).

As câmeras ajudaram a diminuir de forma expressiva os óbitos de adolescentes, que já vinham em queda, mas são considerados um ponto de alerta em São Paulo. Uma a cada três mortes por intervenção policial registradas em 2017 teve um jovem entre 15 e 19 anos como vítima – foram 171 ocorrências. Desde então, houve queda de 80,1% nesse indicador, com 34 óbitos nessa faixa etária contabilizados no ano passado. Hoje, menos de duas a cada dez vítimas são jovens, percentual mais próximo ao de outros Estados.

Especialistas afirmam que a redução também ocorreu por conta de medidas como a criação, pela PM, de uma comissão para analisar ocorrências de mortes por intervenção policial, mas foi impulsionada pela adoção das câmeras corporais (também chamadas de COPs ou bodycams). Eles reforçam que a política tem dado certo no Estado não só pela tecnologia em si, mas pelos protocolos para gestão e controle das imagens. A alta da letalidade policial no início deste ano, puxada por casos envolvendo policiais de folga, é alvo de atenção.

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“É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos”, disse Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além dos dados locais, o grupo de pesquisadores analisou mais de cem estudos, em um período de seis meses, para construir do material.

É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos.

Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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Samira reforça que a adoção de câmeras corporais em São Paulo faz parte de uma tendência observada há pelo menos uma década, especialmente por forças de segurança pública de países como Estados Unidos Canadá e Reino Unido.

Os resultados, porém, não estão atrelados apenas à tecnologia, mas a medidas acessórias adotadas para propiciar o bom uso da ferramenta, principalmente levando em conta contextos locais. “Quando a gente fala de São Paulo, o número de adolescentes vítimas em decorrência de intervenções policiais é muito elevado, mais do que em outros Estados. Isso exige um nível de capacitação e de atenção.”

Câmeras estão em implementação gradativa na corporação há três anos Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO - 10/02/2022
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A pesquisadora destaca que o Estado foi pioneiro em adotar a gravação ininterrupta das imagens – em outros locais, a captação costuma ocorrer apenas quando o sistema é acionado por um agente ou uma central. Essa especificidade fez com que o programa Olho Vivo, implementado ainda na gestão João Doria, em 2020, dependesse menos de aspectos subjetivos.

“Não se pode assumir que a implantação da câmera no fardamento policial por si só vai dar resultados”, afirmou a pesquisadora. “Mas tem uma coisa que vários estudos mostram: o resultado do programa parece depender da adoção ou do cumprimento do protocolo.”

Como funcionam as câmeras usadas por policiais em SP

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Até aqui, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), foram implementadas 10,1 mil câmeras corporais em São Paulo, distribuídas em 63 batalhões (quase metade do total) e unidades de ensino da Polícia Militar. O programa já atende toda a região metropolitana da capital paulista.

“O policial tem de acionar a câmera no momento do atendimento da ocorrência, mas ela não deixa de gravar quando não está acionada. O que muda é a qualidade da gravação e a captação do som ambiente”, explicou Samira. “Mas ela grava ininterruptamente, tanto que o policial pode tirar para ir no banheiro, para fazer refeição, justamente porque ela está gravando de maneira ininterrupta.”

Além disso, os vídeos de rotina permanecem arquivados por um período menor (90 dias), enquanto os vídeos intencionais ficam arquivados por um ano. Os materiais que são compartilhados com usuários ou órgãos cadastrados no software de gestão das COPs permanecem arquivados por três anos.

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Em casos em que a gravação ininterrupta não ocorre, os resultados são mais variáveis. “Um dos estudos que a gente olhou, que é o da polícia de Phoenix (EUA), constava que os policiais só ligavam a câmera em 32% das ocorrências que atendiam. E essa tem sido a média (em países que usam esse modelo)”, disse a pesquisadora.

Em experimento feito em 2015 e 2016 no Rio de Janeiro, 70% dos policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) não acionaram as câmeras nas ocorrências acompanhadas. “Mesmo diante do não acionamento do dispositivo na maioria das ocorrências, os pesquisadores calcularam uma redução de 46% das atividades de policiamento que exigiam algum tipo de proatividade dos agentes, como abordagens″, apontou o estudo. Já em São Paulo, houve aumento nos indicadores de produtividade policial.

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O período de gravação, segundo Samira, é decisivo para o sucesso da política, assim como a cadeia de custódia das imagens. Em São Paulo, o armazenamento é feito em uma nuvem contratada junto à própria Axon, empresa que fornece os equipamentos aos policiais, o que diminui a margem para exclusão ou edição dos vídeos. O Estado paga R$ 486 por mês para cada câmera cedida pela empresa. “Ainda é uma tecnologia cara, mas que barateou muito nos últimos anos”, diz a pesquisadora.

Um outro ponto é que o próprio uso das imagens ainda não está tão difundido pelo Ministério Público e outros órgãos de controle. “Como é algo recente no Brasil, muitas coisas ainda não estão no papel, não há regramento sobre isso. São questões que precisam ser discutidas”, acrescenta Samira. Segundo ela, incentivos do governo federal, como os já sinalizados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, são bem-vindos.

Em campanha, governador criticou equipamento, mas hoje diz querer ampliar programa

Especialistas explicam que, quanto melhor definidos os protocolos, maiores as chances de sucesso das políticas. Mas a tecnologia, por si só, nunca é um garantidor. Na contramão das quedas observadas no último ano, as mortes cometidas por policiais militares de São Paulo cresceram no primeiro trimestre deste ano. A alta foi puxado por ocorrências envolvendo policiais fora de serviço, quando estão sem câmeras, mas é vista como um ponto de atenção.

“As câmeras reduzem (as ações truculentas), mas não impedem completamente. Tanto que a gente tem episódios em que os policiais, mesmo com câmeras, executaram suspeitos sem grandes preocupações”, disse Samira. “Não é só tecnologia, depende de um compromisso político-institucional das lideranças das polícias, dos governantes, para que isso dê certo.”

Em oportunidades passadas, o hoje governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o atual secretário da Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, questionaram a efetividade do uso das câmeras nas fardas de policiais. Após pressão, os dois voltaram atrás e passaram a adotar um discurso de que visam a incrementar os equipamentos com novas funcionalidades.

Também chamadas de COPs ou bodycams, as câmeras acopladas às fardas foram implementadas em São Paulo em 2020 Foto: Taba Benedicto/Estadão

Para Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo, um ponto importante revelado pelo estudo é que houve uma redução praticamente igual entre diferentes etnias: entre 2019 e 2022, as mortes pela polícia caíram 66,2% entre brancos e 64,3% entre negros. Ainda assim, duas a cada três vítimas são negras, o que demanda seguir incrementando as políticas.

“O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas”, afirmou Adriana. “É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.”

O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas. É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.

Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo

Adriana reforça ainda que, por conta de São Paulo ter alta incidência de adolescentes entre as vítimas de intervenções policiais, é necessário pensar além da adoção das câmeras para reduzir ainda mais os índices de letalidade. “É importante que esses agentes de segurança tenham um repertório, instrumentos adaptados para lidar com adolescentes”, disse a representante do Unicef.

Em 2020, um jovem foi morto com um tiro nas costas durante ação da PM na zona sul de São Paulo no dia de seu aniversário de 19 anos. Segundo Adriana, é preciso combater o número elevado de violência letal contra jovens de forma urgente, inclusive com ações para além das câmeras. Entre as medidas recentes, ela destaca lei aprovada para priorizar a investigação de mortes violentas de crianças e adolescentes.

De acordo com o estudo, o uso das câmeras em São Paulo também tem efeitos positivos na redução das mortes de policiais e de casos de corrupção. “Além de servir como meio de prova contra maus policiais, que cometem abusos, torturas e assassinatos, também é importante para os policiais que atuam corretamente, nos casos de legítima defesa”, disse Ariel de Castro Alves, advogado do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. “Evita também possíveis injustiças com policiais que atuam cumprindo as leis.”

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que “diversas medidas foram implementadas pela pasta com o objetivo de promover a segurança e a integridade tanto da população quanto dos próprios policiais”. “Entre elas está a aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, contribuindo para a diminuição da letalidade nas ações policiais”, disse a pasta.

A secretaria também destacou a criação, pela Polícia Militar, da Comissão de Mitigação e Não Conformidades, que analisa as ocorrências de mortes por intervenção policial e se dedica a ajustar os procedimentos operacionais e a revisar a matriz de treinamento dos policiais. A iniciativa foi adotada em julho de 2020.

“Outra inovação significativa foi a criação do Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar. Após envolvimento em um evento de alto risco, o policial passa por uma avaliação psicológica imediata, assegurando sua saúde mental e sua capacidade de continuar a exercer suas funções de forma adequada”, acrescentou a pasta.

“A SSP destaca que está em contínua avaliação e monitoramento dos indicadores criminais e de indicadores de produtividade, e busca implementar melhorias com a incorporação de ferramentas de inteligência artificial nas COPs, permitindo que identifiquem padrões, criminosos e outras informações.”

O uso de câmeras corporais por policiais militares de São Paulo, implementado de forma gradativa há três anos, reduziu em 62,7% as mortes decorrentes da intervenção de agentes em serviço entre 2019 e 2022. Em batalhões que já possuem a tecnologia, a queda chegou a 76,2%, mais do que o dobro da redução observada no resto da corporação (33,3%), segundo estudo divulgado nesta terça-feira, 16, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Unicef (fundo da ONU para a infância).

As câmeras ajudaram a diminuir de forma expressiva os óbitos de adolescentes, que já vinham em queda, mas são considerados um ponto de alerta em São Paulo. Uma a cada três mortes por intervenção policial registradas em 2017 teve um jovem entre 15 e 19 anos como vítima – foram 171 ocorrências. Desde então, houve queda de 80,1% nesse indicador, com 34 óbitos nessa faixa etária contabilizados no ano passado. Hoje, menos de duas a cada dez vítimas são jovens, percentual mais próximo ao de outros Estados.

Especialistas afirmam que a redução também ocorreu por conta de medidas como a criação, pela PM, de uma comissão para analisar ocorrências de mortes por intervenção policial, mas foi impulsionada pela adoção das câmeras corporais (também chamadas de COPs ou bodycams). Eles reforçam que a política tem dado certo no Estado não só pela tecnologia em si, mas pelos protocolos para gestão e controle das imagens. A alta da letalidade policial no início deste ano, puxada por casos envolvendo policiais de folga, é alvo de atenção.

“É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos”, disse Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além dos dados locais, o grupo de pesquisadores analisou mais de cem estudos, em um período de seis meses, para construir do material.

É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos.

Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Samira reforça que a adoção de câmeras corporais em São Paulo faz parte de uma tendência observada há pelo menos uma década, especialmente por forças de segurança pública de países como Estados Unidos Canadá e Reino Unido.

Os resultados, porém, não estão atrelados apenas à tecnologia, mas a medidas acessórias adotadas para propiciar o bom uso da ferramenta, principalmente levando em conta contextos locais. “Quando a gente fala de São Paulo, o número de adolescentes vítimas em decorrência de intervenções policiais é muito elevado, mais do que em outros Estados. Isso exige um nível de capacitação e de atenção.”

Câmeras estão em implementação gradativa na corporação há três anos Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO - 10/02/2022

A pesquisadora destaca que o Estado foi pioneiro em adotar a gravação ininterrupta das imagens – em outros locais, a captação costuma ocorrer apenas quando o sistema é acionado por um agente ou uma central. Essa especificidade fez com que o programa Olho Vivo, implementado ainda na gestão João Doria, em 2020, dependesse menos de aspectos subjetivos.

“Não se pode assumir que a implantação da câmera no fardamento policial por si só vai dar resultados”, afirmou a pesquisadora. “Mas tem uma coisa que vários estudos mostram: o resultado do programa parece depender da adoção ou do cumprimento do protocolo.”

Como funcionam as câmeras usadas por policiais em SP

Até aqui, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), foram implementadas 10,1 mil câmeras corporais em São Paulo, distribuídas em 63 batalhões (quase metade do total) e unidades de ensino da Polícia Militar. O programa já atende toda a região metropolitana da capital paulista.

“O policial tem de acionar a câmera no momento do atendimento da ocorrência, mas ela não deixa de gravar quando não está acionada. O que muda é a qualidade da gravação e a captação do som ambiente”, explicou Samira. “Mas ela grava ininterruptamente, tanto que o policial pode tirar para ir no banheiro, para fazer refeição, justamente porque ela está gravando de maneira ininterrupta.”

Além disso, os vídeos de rotina permanecem arquivados por um período menor (90 dias), enquanto os vídeos intencionais ficam arquivados por um ano. Os materiais que são compartilhados com usuários ou órgãos cadastrados no software de gestão das COPs permanecem arquivados por três anos.

Em casos em que a gravação ininterrupta não ocorre, os resultados são mais variáveis. “Um dos estudos que a gente olhou, que é o da polícia de Phoenix (EUA), constava que os policiais só ligavam a câmera em 32% das ocorrências que atendiam. E essa tem sido a média (em países que usam esse modelo)”, disse a pesquisadora.

Em experimento feito em 2015 e 2016 no Rio de Janeiro, 70% dos policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) não acionaram as câmeras nas ocorrências acompanhadas. “Mesmo diante do não acionamento do dispositivo na maioria das ocorrências, os pesquisadores calcularam uma redução de 46% das atividades de policiamento que exigiam algum tipo de proatividade dos agentes, como abordagens″, apontou o estudo. Já em São Paulo, houve aumento nos indicadores de produtividade policial.

O período de gravação, segundo Samira, é decisivo para o sucesso da política, assim como a cadeia de custódia das imagens. Em São Paulo, o armazenamento é feito em uma nuvem contratada junto à própria Axon, empresa que fornece os equipamentos aos policiais, o que diminui a margem para exclusão ou edição dos vídeos. O Estado paga R$ 486 por mês para cada câmera cedida pela empresa. “Ainda é uma tecnologia cara, mas que barateou muito nos últimos anos”, diz a pesquisadora.

Um outro ponto é que o próprio uso das imagens ainda não está tão difundido pelo Ministério Público e outros órgãos de controle. “Como é algo recente no Brasil, muitas coisas ainda não estão no papel, não há regramento sobre isso. São questões que precisam ser discutidas”, acrescenta Samira. Segundo ela, incentivos do governo federal, como os já sinalizados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, são bem-vindos.

Em campanha, governador criticou equipamento, mas hoje diz querer ampliar programa

Especialistas explicam que, quanto melhor definidos os protocolos, maiores as chances de sucesso das políticas. Mas a tecnologia, por si só, nunca é um garantidor. Na contramão das quedas observadas no último ano, as mortes cometidas por policiais militares de São Paulo cresceram no primeiro trimestre deste ano. A alta foi puxado por ocorrências envolvendo policiais fora de serviço, quando estão sem câmeras, mas é vista como um ponto de atenção.

“As câmeras reduzem (as ações truculentas), mas não impedem completamente. Tanto que a gente tem episódios em que os policiais, mesmo com câmeras, executaram suspeitos sem grandes preocupações”, disse Samira. “Não é só tecnologia, depende de um compromisso político-institucional das lideranças das polícias, dos governantes, para que isso dê certo.”

Em oportunidades passadas, o hoje governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o atual secretário da Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, questionaram a efetividade do uso das câmeras nas fardas de policiais. Após pressão, os dois voltaram atrás e passaram a adotar um discurso de que visam a incrementar os equipamentos com novas funcionalidades.

Também chamadas de COPs ou bodycams, as câmeras acopladas às fardas foram implementadas em São Paulo em 2020 Foto: Taba Benedicto/Estadão

Para Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo, um ponto importante revelado pelo estudo é que houve uma redução praticamente igual entre diferentes etnias: entre 2019 e 2022, as mortes pela polícia caíram 66,2% entre brancos e 64,3% entre negros. Ainda assim, duas a cada três vítimas são negras, o que demanda seguir incrementando as políticas.

“O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas”, afirmou Adriana. “É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.”

O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas. É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.

Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo

Adriana reforça ainda que, por conta de São Paulo ter alta incidência de adolescentes entre as vítimas de intervenções policiais, é necessário pensar além da adoção das câmeras para reduzir ainda mais os índices de letalidade. “É importante que esses agentes de segurança tenham um repertório, instrumentos adaptados para lidar com adolescentes”, disse a representante do Unicef.

Em 2020, um jovem foi morto com um tiro nas costas durante ação da PM na zona sul de São Paulo no dia de seu aniversário de 19 anos. Segundo Adriana, é preciso combater o número elevado de violência letal contra jovens de forma urgente, inclusive com ações para além das câmeras. Entre as medidas recentes, ela destaca lei aprovada para priorizar a investigação de mortes violentas de crianças e adolescentes.

De acordo com o estudo, o uso das câmeras em São Paulo também tem efeitos positivos na redução das mortes de policiais e de casos de corrupção. “Além de servir como meio de prova contra maus policiais, que cometem abusos, torturas e assassinatos, também é importante para os policiais que atuam corretamente, nos casos de legítima defesa”, disse Ariel de Castro Alves, advogado do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. “Evita também possíveis injustiças com policiais que atuam cumprindo as leis.”

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que “diversas medidas foram implementadas pela pasta com o objetivo de promover a segurança e a integridade tanto da população quanto dos próprios policiais”. “Entre elas está a aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, contribuindo para a diminuição da letalidade nas ações policiais”, disse a pasta.

A secretaria também destacou a criação, pela Polícia Militar, da Comissão de Mitigação e Não Conformidades, que analisa as ocorrências de mortes por intervenção policial e se dedica a ajustar os procedimentos operacionais e a revisar a matriz de treinamento dos policiais. A iniciativa foi adotada em julho de 2020.

“Outra inovação significativa foi a criação do Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar. Após envolvimento em um evento de alto risco, o policial passa por uma avaliação psicológica imediata, assegurando sua saúde mental e sua capacidade de continuar a exercer suas funções de forma adequada”, acrescentou a pasta.

“A SSP destaca que está em contínua avaliação e monitoramento dos indicadores criminais e de indicadores de produtividade, e busca implementar melhorias com a incorporação de ferramentas de inteligência artificial nas COPs, permitindo que identifiquem padrões, criminosos e outras informações.”

O uso de câmeras corporais por policiais militares de São Paulo, implementado de forma gradativa há três anos, reduziu em 62,7% as mortes decorrentes da intervenção de agentes em serviço entre 2019 e 2022. Em batalhões que já possuem a tecnologia, a queda chegou a 76,2%, mais do que o dobro da redução observada no resto da corporação (33,3%), segundo estudo divulgado nesta terça-feira, 16, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Unicef (fundo da ONU para a infância).

As câmeras ajudaram a diminuir de forma expressiva os óbitos de adolescentes, que já vinham em queda, mas são considerados um ponto de alerta em São Paulo. Uma a cada três mortes por intervenção policial registradas em 2017 teve um jovem entre 15 e 19 anos como vítima – foram 171 ocorrências. Desde então, houve queda de 80,1% nesse indicador, com 34 óbitos nessa faixa etária contabilizados no ano passado. Hoje, menos de duas a cada dez vítimas são jovens, percentual mais próximo ao de outros Estados.

Especialistas afirmam que a redução também ocorreu por conta de medidas como a criação, pela PM, de uma comissão para analisar ocorrências de mortes por intervenção policial, mas foi impulsionada pela adoção das câmeras corporais (também chamadas de COPs ou bodycams). Eles reforçam que a política tem dado certo no Estado não só pela tecnologia em si, mas pelos protocolos para gestão e controle das imagens. A alta da letalidade policial no início deste ano, puxada por casos envolvendo policiais de folga, é alvo de atenção.

“É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos”, disse Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além dos dados locais, o grupo de pesquisadores analisou mais de cem estudos, em um período de seis meses, para construir do material.

É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos.

Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Samira reforça que a adoção de câmeras corporais em São Paulo faz parte de uma tendência observada há pelo menos uma década, especialmente por forças de segurança pública de países como Estados Unidos Canadá e Reino Unido.

Os resultados, porém, não estão atrelados apenas à tecnologia, mas a medidas acessórias adotadas para propiciar o bom uso da ferramenta, principalmente levando em conta contextos locais. “Quando a gente fala de São Paulo, o número de adolescentes vítimas em decorrência de intervenções policiais é muito elevado, mais do que em outros Estados. Isso exige um nível de capacitação e de atenção.”

Câmeras estão em implementação gradativa na corporação há três anos Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO - 10/02/2022

A pesquisadora destaca que o Estado foi pioneiro em adotar a gravação ininterrupta das imagens – em outros locais, a captação costuma ocorrer apenas quando o sistema é acionado por um agente ou uma central. Essa especificidade fez com que o programa Olho Vivo, implementado ainda na gestão João Doria, em 2020, dependesse menos de aspectos subjetivos.

“Não se pode assumir que a implantação da câmera no fardamento policial por si só vai dar resultados”, afirmou a pesquisadora. “Mas tem uma coisa que vários estudos mostram: o resultado do programa parece depender da adoção ou do cumprimento do protocolo.”

Como funcionam as câmeras usadas por policiais em SP

Até aqui, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), foram implementadas 10,1 mil câmeras corporais em São Paulo, distribuídas em 63 batalhões (quase metade do total) e unidades de ensino da Polícia Militar. O programa já atende toda a região metropolitana da capital paulista.

“O policial tem de acionar a câmera no momento do atendimento da ocorrência, mas ela não deixa de gravar quando não está acionada. O que muda é a qualidade da gravação e a captação do som ambiente”, explicou Samira. “Mas ela grava ininterruptamente, tanto que o policial pode tirar para ir no banheiro, para fazer refeição, justamente porque ela está gravando de maneira ininterrupta.”

Além disso, os vídeos de rotina permanecem arquivados por um período menor (90 dias), enquanto os vídeos intencionais ficam arquivados por um ano. Os materiais que são compartilhados com usuários ou órgãos cadastrados no software de gestão das COPs permanecem arquivados por três anos.

Em casos em que a gravação ininterrupta não ocorre, os resultados são mais variáveis. “Um dos estudos que a gente olhou, que é o da polícia de Phoenix (EUA), constava que os policiais só ligavam a câmera em 32% das ocorrências que atendiam. E essa tem sido a média (em países que usam esse modelo)”, disse a pesquisadora.

Em experimento feito em 2015 e 2016 no Rio de Janeiro, 70% dos policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) não acionaram as câmeras nas ocorrências acompanhadas. “Mesmo diante do não acionamento do dispositivo na maioria das ocorrências, os pesquisadores calcularam uma redução de 46% das atividades de policiamento que exigiam algum tipo de proatividade dos agentes, como abordagens″, apontou o estudo. Já em São Paulo, houve aumento nos indicadores de produtividade policial.

O período de gravação, segundo Samira, é decisivo para o sucesso da política, assim como a cadeia de custódia das imagens. Em São Paulo, o armazenamento é feito em uma nuvem contratada junto à própria Axon, empresa que fornece os equipamentos aos policiais, o que diminui a margem para exclusão ou edição dos vídeos. O Estado paga R$ 486 por mês para cada câmera cedida pela empresa. “Ainda é uma tecnologia cara, mas que barateou muito nos últimos anos”, diz a pesquisadora.

Um outro ponto é que o próprio uso das imagens ainda não está tão difundido pelo Ministério Público e outros órgãos de controle. “Como é algo recente no Brasil, muitas coisas ainda não estão no papel, não há regramento sobre isso. São questões que precisam ser discutidas”, acrescenta Samira. Segundo ela, incentivos do governo federal, como os já sinalizados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, são bem-vindos.

Em campanha, governador criticou equipamento, mas hoje diz querer ampliar programa

Especialistas explicam que, quanto melhor definidos os protocolos, maiores as chances de sucesso das políticas. Mas a tecnologia, por si só, nunca é um garantidor. Na contramão das quedas observadas no último ano, as mortes cometidas por policiais militares de São Paulo cresceram no primeiro trimestre deste ano. A alta foi puxado por ocorrências envolvendo policiais fora de serviço, quando estão sem câmeras, mas é vista como um ponto de atenção.

“As câmeras reduzem (as ações truculentas), mas não impedem completamente. Tanto que a gente tem episódios em que os policiais, mesmo com câmeras, executaram suspeitos sem grandes preocupações”, disse Samira. “Não é só tecnologia, depende de um compromisso político-institucional das lideranças das polícias, dos governantes, para que isso dê certo.”

Em oportunidades passadas, o hoje governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o atual secretário da Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, questionaram a efetividade do uso das câmeras nas fardas de policiais. Após pressão, os dois voltaram atrás e passaram a adotar um discurso de que visam a incrementar os equipamentos com novas funcionalidades.

Também chamadas de COPs ou bodycams, as câmeras acopladas às fardas foram implementadas em São Paulo em 2020 Foto: Taba Benedicto/Estadão

Para Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo, um ponto importante revelado pelo estudo é que houve uma redução praticamente igual entre diferentes etnias: entre 2019 e 2022, as mortes pela polícia caíram 66,2% entre brancos e 64,3% entre negros. Ainda assim, duas a cada três vítimas são negras, o que demanda seguir incrementando as políticas.

“O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas”, afirmou Adriana. “É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.”

O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas. É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.

Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo

Adriana reforça ainda que, por conta de São Paulo ter alta incidência de adolescentes entre as vítimas de intervenções policiais, é necessário pensar além da adoção das câmeras para reduzir ainda mais os índices de letalidade. “É importante que esses agentes de segurança tenham um repertório, instrumentos adaptados para lidar com adolescentes”, disse a representante do Unicef.

Em 2020, um jovem foi morto com um tiro nas costas durante ação da PM na zona sul de São Paulo no dia de seu aniversário de 19 anos. Segundo Adriana, é preciso combater o número elevado de violência letal contra jovens de forma urgente, inclusive com ações para além das câmeras. Entre as medidas recentes, ela destaca lei aprovada para priorizar a investigação de mortes violentas de crianças e adolescentes.

De acordo com o estudo, o uso das câmeras em São Paulo também tem efeitos positivos na redução das mortes de policiais e de casos de corrupção. “Além de servir como meio de prova contra maus policiais, que cometem abusos, torturas e assassinatos, também é importante para os policiais que atuam corretamente, nos casos de legítima defesa”, disse Ariel de Castro Alves, advogado do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. “Evita também possíveis injustiças com policiais que atuam cumprindo as leis.”

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que “diversas medidas foram implementadas pela pasta com o objetivo de promover a segurança e a integridade tanto da população quanto dos próprios policiais”. “Entre elas está a aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, contribuindo para a diminuição da letalidade nas ações policiais”, disse a pasta.

A secretaria também destacou a criação, pela Polícia Militar, da Comissão de Mitigação e Não Conformidades, que analisa as ocorrências de mortes por intervenção policial e se dedica a ajustar os procedimentos operacionais e a revisar a matriz de treinamento dos policiais. A iniciativa foi adotada em julho de 2020.

“Outra inovação significativa foi a criação do Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar. Após envolvimento em um evento de alto risco, o policial passa por uma avaliação psicológica imediata, assegurando sua saúde mental e sua capacidade de continuar a exercer suas funções de forma adequada”, acrescentou a pasta.

“A SSP destaca que está em contínua avaliação e monitoramento dos indicadores criminais e de indicadores de produtividade, e busca implementar melhorias com a incorporação de ferramentas de inteligência artificial nas COPs, permitindo que identifiquem padrões, criminosos e outras informações.”

O uso de câmeras corporais por policiais militares de São Paulo, implementado de forma gradativa há três anos, reduziu em 62,7% as mortes decorrentes da intervenção de agentes em serviço entre 2019 e 2022. Em batalhões que já possuem a tecnologia, a queda chegou a 76,2%, mais do que o dobro da redução observada no resto da corporação (33,3%), segundo estudo divulgado nesta terça-feira, 16, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Unicef (fundo da ONU para a infância).

As câmeras ajudaram a diminuir de forma expressiva os óbitos de adolescentes, que já vinham em queda, mas são considerados um ponto de alerta em São Paulo. Uma a cada três mortes por intervenção policial registradas em 2017 teve um jovem entre 15 e 19 anos como vítima – foram 171 ocorrências. Desde então, houve queda de 80,1% nesse indicador, com 34 óbitos nessa faixa etária contabilizados no ano passado. Hoje, menos de duas a cada dez vítimas são jovens, percentual mais próximo ao de outros Estados.

Especialistas afirmam que a redução também ocorreu por conta de medidas como a criação, pela PM, de uma comissão para analisar ocorrências de mortes por intervenção policial, mas foi impulsionada pela adoção das câmeras corporais (também chamadas de COPs ou bodycams). Eles reforçam que a política tem dado certo no Estado não só pela tecnologia em si, mas pelos protocolos para gestão e controle das imagens. A alta da letalidade policial no início deste ano, puxada por casos envolvendo policiais de folga, é alvo de atenção.

“É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos”, disse Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além dos dados locais, o grupo de pesquisadores analisou mais de cem estudos, em um período de seis meses, para construir do material.

É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos.

Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Samira reforça que a adoção de câmeras corporais em São Paulo faz parte de uma tendência observada há pelo menos uma década, especialmente por forças de segurança pública de países como Estados Unidos Canadá e Reino Unido.

Os resultados, porém, não estão atrelados apenas à tecnologia, mas a medidas acessórias adotadas para propiciar o bom uso da ferramenta, principalmente levando em conta contextos locais. “Quando a gente fala de São Paulo, o número de adolescentes vítimas em decorrência de intervenções policiais é muito elevado, mais do que em outros Estados. Isso exige um nível de capacitação e de atenção.”

Câmeras estão em implementação gradativa na corporação há três anos Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO - 10/02/2022

A pesquisadora destaca que o Estado foi pioneiro em adotar a gravação ininterrupta das imagens – em outros locais, a captação costuma ocorrer apenas quando o sistema é acionado por um agente ou uma central. Essa especificidade fez com que o programa Olho Vivo, implementado ainda na gestão João Doria, em 2020, dependesse menos de aspectos subjetivos.

“Não se pode assumir que a implantação da câmera no fardamento policial por si só vai dar resultados”, afirmou a pesquisadora. “Mas tem uma coisa que vários estudos mostram: o resultado do programa parece depender da adoção ou do cumprimento do protocolo.”

Como funcionam as câmeras usadas por policiais em SP

Até aqui, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), foram implementadas 10,1 mil câmeras corporais em São Paulo, distribuídas em 63 batalhões (quase metade do total) e unidades de ensino da Polícia Militar. O programa já atende toda a região metropolitana da capital paulista.

“O policial tem de acionar a câmera no momento do atendimento da ocorrência, mas ela não deixa de gravar quando não está acionada. O que muda é a qualidade da gravação e a captação do som ambiente”, explicou Samira. “Mas ela grava ininterruptamente, tanto que o policial pode tirar para ir no banheiro, para fazer refeição, justamente porque ela está gravando de maneira ininterrupta.”

Além disso, os vídeos de rotina permanecem arquivados por um período menor (90 dias), enquanto os vídeos intencionais ficam arquivados por um ano. Os materiais que são compartilhados com usuários ou órgãos cadastrados no software de gestão das COPs permanecem arquivados por três anos.

Em casos em que a gravação ininterrupta não ocorre, os resultados são mais variáveis. “Um dos estudos que a gente olhou, que é o da polícia de Phoenix (EUA), constava que os policiais só ligavam a câmera em 32% das ocorrências que atendiam. E essa tem sido a média (em países que usam esse modelo)”, disse a pesquisadora.

Em experimento feito em 2015 e 2016 no Rio de Janeiro, 70% dos policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) não acionaram as câmeras nas ocorrências acompanhadas. “Mesmo diante do não acionamento do dispositivo na maioria das ocorrências, os pesquisadores calcularam uma redução de 46% das atividades de policiamento que exigiam algum tipo de proatividade dos agentes, como abordagens″, apontou o estudo. Já em São Paulo, houve aumento nos indicadores de produtividade policial.

O período de gravação, segundo Samira, é decisivo para o sucesso da política, assim como a cadeia de custódia das imagens. Em São Paulo, o armazenamento é feito em uma nuvem contratada junto à própria Axon, empresa que fornece os equipamentos aos policiais, o que diminui a margem para exclusão ou edição dos vídeos. O Estado paga R$ 486 por mês para cada câmera cedida pela empresa. “Ainda é uma tecnologia cara, mas que barateou muito nos últimos anos”, diz a pesquisadora.

Um outro ponto é que o próprio uso das imagens ainda não está tão difundido pelo Ministério Público e outros órgãos de controle. “Como é algo recente no Brasil, muitas coisas ainda não estão no papel, não há regramento sobre isso. São questões que precisam ser discutidas”, acrescenta Samira. Segundo ela, incentivos do governo federal, como os já sinalizados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, são bem-vindos.

Em campanha, governador criticou equipamento, mas hoje diz querer ampliar programa

Especialistas explicam que, quanto melhor definidos os protocolos, maiores as chances de sucesso das políticas. Mas a tecnologia, por si só, nunca é um garantidor. Na contramão das quedas observadas no último ano, as mortes cometidas por policiais militares de São Paulo cresceram no primeiro trimestre deste ano. A alta foi puxado por ocorrências envolvendo policiais fora de serviço, quando estão sem câmeras, mas é vista como um ponto de atenção.

“As câmeras reduzem (as ações truculentas), mas não impedem completamente. Tanto que a gente tem episódios em que os policiais, mesmo com câmeras, executaram suspeitos sem grandes preocupações”, disse Samira. “Não é só tecnologia, depende de um compromisso político-institucional das lideranças das polícias, dos governantes, para que isso dê certo.”

Em oportunidades passadas, o hoje governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o atual secretário da Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, questionaram a efetividade do uso das câmeras nas fardas de policiais. Após pressão, os dois voltaram atrás e passaram a adotar um discurso de que visam a incrementar os equipamentos com novas funcionalidades.

Também chamadas de COPs ou bodycams, as câmeras acopladas às fardas foram implementadas em São Paulo em 2020 Foto: Taba Benedicto/Estadão

Para Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo, um ponto importante revelado pelo estudo é que houve uma redução praticamente igual entre diferentes etnias: entre 2019 e 2022, as mortes pela polícia caíram 66,2% entre brancos e 64,3% entre negros. Ainda assim, duas a cada três vítimas são negras, o que demanda seguir incrementando as políticas.

“O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas”, afirmou Adriana. “É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.”

O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas. É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.

Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo

Adriana reforça ainda que, por conta de São Paulo ter alta incidência de adolescentes entre as vítimas de intervenções policiais, é necessário pensar além da adoção das câmeras para reduzir ainda mais os índices de letalidade. “É importante que esses agentes de segurança tenham um repertório, instrumentos adaptados para lidar com adolescentes”, disse a representante do Unicef.

Em 2020, um jovem foi morto com um tiro nas costas durante ação da PM na zona sul de São Paulo no dia de seu aniversário de 19 anos. Segundo Adriana, é preciso combater o número elevado de violência letal contra jovens de forma urgente, inclusive com ações para além das câmeras. Entre as medidas recentes, ela destaca lei aprovada para priorizar a investigação de mortes violentas de crianças e adolescentes.

De acordo com o estudo, o uso das câmeras em São Paulo também tem efeitos positivos na redução das mortes de policiais e de casos de corrupção. “Além de servir como meio de prova contra maus policiais, que cometem abusos, torturas e assassinatos, também é importante para os policiais que atuam corretamente, nos casos de legítima defesa”, disse Ariel de Castro Alves, advogado do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. “Evita também possíveis injustiças com policiais que atuam cumprindo as leis.”

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que “diversas medidas foram implementadas pela pasta com o objetivo de promover a segurança e a integridade tanto da população quanto dos próprios policiais”. “Entre elas está a aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, contribuindo para a diminuição da letalidade nas ações policiais”, disse a pasta.

A secretaria também destacou a criação, pela Polícia Militar, da Comissão de Mitigação e Não Conformidades, que analisa as ocorrências de mortes por intervenção policial e se dedica a ajustar os procedimentos operacionais e a revisar a matriz de treinamento dos policiais. A iniciativa foi adotada em julho de 2020.

“Outra inovação significativa foi a criação do Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar. Após envolvimento em um evento de alto risco, o policial passa por uma avaliação psicológica imediata, assegurando sua saúde mental e sua capacidade de continuar a exercer suas funções de forma adequada”, acrescentou a pasta.

“A SSP destaca que está em contínua avaliação e monitoramento dos indicadores criminais e de indicadores de produtividade, e busca implementar melhorias com a incorporação de ferramentas de inteligência artificial nas COPs, permitindo que identifiquem padrões, criminosos e outras informações.”

O uso de câmeras corporais por policiais militares de São Paulo, implementado de forma gradativa há três anos, reduziu em 62,7% as mortes decorrentes da intervenção de agentes em serviço entre 2019 e 2022. Em batalhões que já possuem a tecnologia, a queda chegou a 76,2%, mais do que o dobro da redução observada no resto da corporação (33,3%), segundo estudo divulgado nesta terça-feira, 16, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Unicef (fundo da ONU para a infância).

As câmeras ajudaram a diminuir de forma expressiva os óbitos de adolescentes, que já vinham em queda, mas são considerados um ponto de alerta em São Paulo. Uma a cada três mortes por intervenção policial registradas em 2017 teve um jovem entre 15 e 19 anos como vítima – foram 171 ocorrências. Desde então, houve queda de 80,1% nesse indicador, com 34 óbitos nessa faixa etária contabilizados no ano passado. Hoje, menos de duas a cada dez vítimas são jovens, percentual mais próximo ao de outros Estados.

Especialistas afirmam que a redução também ocorreu por conta de medidas como a criação, pela PM, de uma comissão para analisar ocorrências de mortes por intervenção policial, mas foi impulsionada pela adoção das câmeras corporais (também chamadas de COPs ou bodycams). Eles reforçam que a política tem dado certo no Estado não só pela tecnologia em si, mas pelos protocolos para gestão e controle das imagens. A alta da letalidade policial no início deste ano, puxada por casos envolvendo policiais de folga, é alvo de atenção.

“É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos”, disse Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além dos dados locais, o grupo de pesquisadores analisou mais de cem estudos, em um período de seis meses, para construir do material.

É um resultado sem precedentes. Não há nenhum estudo, nenhuma avaliação de nenhuma polícia que tenha reduzido nessa proporção a letalidade provocada pela polícia. Os números são muito significativos.

Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Samira reforça que a adoção de câmeras corporais em São Paulo faz parte de uma tendência observada há pelo menos uma década, especialmente por forças de segurança pública de países como Estados Unidos Canadá e Reino Unido.

Os resultados, porém, não estão atrelados apenas à tecnologia, mas a medidas acessórias adotadas para propiciar o bom uso da ferramenta, principalmente levando em conta contextos locais. “Quando a gente fala de São Paulo, o número de adolescentes vítimas em decorrência de intervenções policiais é muito elevado, mais do que em outros Estados. Isso exige um nível de capacitação e de atenção.”

Câmeras estão em implementação gradativa na corporação há três anos Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO - 10/02/2022

A pesquisadora destaca que o Estado foi pioneiro em adotar a gravação ininterrupta das imagens – em outros locais, a captação costuma ocorrer apenas quando o sistema é acionado por um agente ou uma central. Essa especificidade fez com que o programa Olho Vivo, implementado ainda na gestão João Doria, em 2020, dependesse menos de aspectos subjetivos.

“Não se pode assumir que a implantação da câmera no fardamento policial por si só vai dar resultados”, afirmou a pesquisadora. “Mas tem uma coisa que vários estudos mostram: o resultado do programa parece depender da adoção ou do cumprimento do protocolo.”

Como funcionam as câmeras usadas por policiais em SP

Até aqui, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), foram implementadas 10,1 mil câmeras corporais em São Paulo, distribuídas em 63 batalhões (quase metade do total) e unidades de ensino da Polícia Militar. O programa já atende toda a região metropolitana da capital paulista.

“O policial tem de acionar a câmera no momento do atendimento da ocorrência, mas ela não deixa de gravar quando não está acionada. O que muda é a qualidade da gravação e a captação do som ambiente”, explicou Samira. “Mas ela grava ininterruptamente, tanto que o policial pode tirar para ir no banheiro, para fazer refeição, justamente porque ela está gravando de maneira ininterrupta.”

Além disso, os vídeos de rotina permanecem arquivados por um período menor (90 dias), enquanto os vídeos intencionais ficam arquivados por um ano. Os materiais que são compartilhados com usuários ou órgãos cadastrados no software de gestão das COPs permanecem arquivados por três anos.

Em casos em que a gravação ininterrupta não ocorre, os resultados são mais variáveis. “Um dos estudos que a gente olhou, que é o da polícia de Phoenix (EUA), constava que os policiais só ligavam a câmera em 32% das ocorrências que atendiam. E essa tem sido a média (em países que usam esse modelo)”, disse a pesquisadora.

Em experimento feito em 2015 e 2016 no Rio de Janeiro, 70% dos policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) não acionaram as câmeras nas ocorrências acompanhadas. “Mesmo diante do não acionamento do dispositivo na maioria das ocorrências, os pesquisadores calcularam uma redução de 46% das atividades de policiamento que exigiam algum tipo de proatividade dos agentes, como abordagens″, apontou o estudo. Já em São Paulo, houve aumento nos indicadores de produtividade policial.

O período de gravação, segundo Samira, é decisivo para o sucesso da política, assim como a cadeia de custódia das imagens. Em São Paulo, o armazenamento é feito em uma nuvem contratada junto à própria Axon, empresa que fornece os equipamentos aos policiais, o que diminui a margem para exclusão ou edição dos vídeos. O Estado paga R$ 486 por mês para cada câmera cedida pela empresa. “Ainda é uma tecnologia cara, mas que barateou muito nos últimos anos”, diz a pesquisadora.

Um outro ponto é que o próprio uso das imagens ainda não está tão difundido pelo Ministério Público e outros órgãos de controle. “Como é algo recente no Brasil, muitas coisas ainda não estão no papel, não há regramento sobre isso. São questões que precisam ser discutidas”, acrescenta Samira. Segundo ela, incentivos do governo federal, como os já sinalizados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, são bem-vindos.

Em campanha, governador criticou equipamento, mas hoje diz querer ampliar programa

Especialistas explicam que, quanto melhor definidos os protocolos, maiores as chances de sucesso das políticas. Mas a tecnologia, por si só, nunca é um garantidor. Na contramão das quedas observadas no último ano, as mortes cometidas por policiais militares de São Paulo cresceram no primeiro trimestre deste ano. A alta foi puxado por ocorrências envolvendo policiais fora de serviço, quando estão sem câmeras, mas é vista como um ponto de atenção.

“As câmeras reduzem (as ações truculentas), mas não impedem completamente. Tanto que a gente tem episódios em que os policiais, mesmo com câmeras, executaram suspeitos sem grandes preocupações”, disse Samira. “Não é só tecnologia, depende de um compromisso político-institucional das lideranças das polícias, dos governantes, para que isso dê certo.”

Em oportunidades passadas, o hoje governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o atual secretário da Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, questionaram a efetividade do uso das câmeras nas fardas de policiais. Após pressão, os dois voltaram atrás e passaram a adotar um discurso de que visam a incrementar os equipamentos com novas funcionalidades.

Também chamadas de COPs ou bodycams, as câmeras acopladas às fardas foram implementadas em São Paulo em 2020 Foto: Taba Benedicto/Estadão

Para Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo, um ponto importante revelado pelo estudo é que houve uma redução praticamente igual entre diferentes etnias: entre 2019 e 2022, as mortes pela polícia caíram 66,2% entre brancos e 64,3% entre negros. Ainda assim, duas a cada três vítimas são negras, o que demanda seguir incrementando as políticas.

“O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas”, afirmou Adriana. “É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.”

O estudo mostra uma evolução muito importante, mas muito mais pessoas negras morrem do que pessoas brancas. É preciso adotar políticas e protocolos explicitamente antirracistas, porque a violência policial continua afetando de forma desproporcional adolescentes e jovens negros.

Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo

Adriana reforça ainda que, por conta de São Paulo ter alta incidência de adolescentes entre as vítimas de intervenções policiais, é necessário pensar além da adoção das câmeras para reduzir ainda mais os índices de letalidade. “É importante que esses agentes de segurança tenham um repertório, instrumentos adaptados para lidar com adolescentes”, disse a representante do Unicef.

Em 2020, um jovem foi morto com um tiro nas costas durante ação da PM na zona sul de São Paulo no dia de seu aniversário de 19 anos. Segundo Adriana, é preciso combater o número elevado de violência letal contra jovens de forma urgente, inclusive com ações para além das câmeras. Entre as medidas recentes, ela destaca lei aprovada para priorizar a investigação de mortes violentas de crianças e adolescentes.

De acordo com o estudo, o uso das câmeras em São Paulo também tem efeitos positivos na redução das mortes de policiais e de casos de corrupção. “Além de servir como meio de prova contra maus policiais, que cometem abusos, torturas e assassinatos, também é importante para os policiais que atuam corretamente, nos casos de legítima defesa”, disse Ariel de Castro Alves, advogado do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. “Evita também possíveis injustiças com policiais que atuam cumprindo as leis.”

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que “diversas medidas foram implementadas pela pasta com o objetivo de promover a segurança e a integridade tanto da população quanto dos próprios policiais”. “Entre elas está a aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, contribuindo para a diminuição da letalidade nas ações policiais”, disse a pasta.

A secretaria também destacou a criação, pela Polícia Militar, da Comissão de Mitigação e Não Conformidades, que analisa as ocorrências de mortes por intervenção policial e se dedica a ajustar os procedimentos operacionais e a revisar a matriz de treinamento dos policiais. A iniciativa foi adotada em julho de 2020.

“Outra inovação significativa foi a criação do Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar. Após envolvimento em um evento de alto risco, o policial passa por uma avaliação psicológica imediata, assegurando sua saúde mental e sua capacidade de continuar a exercer suas funções de forma adequada”, acrescentou a pasta.

“A SSP destaca que está em contínua avaliação e monitoramento dos indicadores criminais e de indicadores de produtividade, e busca implementar melhorias com a incorporação de ferramentas de inteligência artificial nas COPs, permitindo que identifiquem padrões, criminosos e outras informações.”

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