Como revisão de lei liberou comércio em zona de casas no Pacaembu e por que entidade vai contestar


Área de 14 imóveis deixou de ser restrita a moradias, mas alteração só veio à tona agora; vereador diz que fez ‘correção’. Lista de endereços com mudança inclui escritório de advocacia, procurado, dono não comentou

Por Priscila Mengue
Atualização:

Quase um ano depois, uma alteração que havia passado despercebida veio à tona para parte dos moradores do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo: a liberação de alguns tipos de comércio e serviços em área antes restrita a casas. A descoberta ocorreu por meio da retomada de um projeto de lei sobre o zoneamento daquela vizinhança.

Desde janeiro, a revisão do zoneamento “esticou” a Zona Corredor (ZCOR) da Avenida Pacaembu para 14 imóveis nas ruas Itamarati, Itassucê e Traipu. Os endereços deixaram de ser Zona Exclusivamente Residencial (ZER), “miolos” restritos a casas, e passaram a ser “puxadinhos” dos corredores existentes há anos (onde se permite estabelecimentos comerciais e serviços de baixa estatura).

A alteração é contestada pela Associação Viva Pacaembu, que vai buscar o Ministério Público. Asunción Blanco, diretora de urbanismo da associação, vê “inconstitucionalidade” e diz que a mudança atende a causa de poucos munícipes.

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Procurada, a Prefeitura disse que a mudança “busca compatibilizar o zoneamento da região, que apresenta características de zona corredor em virtude da Avenida Pacaembu”. A presidência da Câmara não comentou.

Lei mudou zoneamento de trecho antes restrito a casas no Pacaembu Foto: Alex Silva/Estadão

Uma das mudanças está em projeto de lei específico, de 2018, mas teve a aprovação contraindicada pela Prefeitura à época. A alteração mudava o zoneamento de um único lote.

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A autoria desse projeto de seis anos atrás é do vereador Rodrigo Goulart (PSD). Ele foi o relator da revisão do zoneamento, que incorporou a mudança nessa área, a qual está em vigor desde janeiro. Ao Estadão, argumentou que fez uma “correção” na classificação do local, pois considera que fica na mesma “linearidade” da Avenida Pacaembu.

O PL de 2018 é o retomado pela Câmara neste fim de ano. A versão original do texto não tem mais efeitos práticos, uma vez que a mudança proposta naquela época está em vigor desde janeiro. Mesmo assim, o projeto foi pautado, com a possível inclusão de novas emendas à Lei de Zoneamento ou um texto substitutivo, com mais alterações. A votação final é prevista para a próxima semana.

Na revisão do zoneamento, a alteração na classificação de parte do Pacaembu incluiu mais 13 imóveis nas ruas Traipu e Itamarati, além daquele apontado no PL de 2018.

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Especialistas criticam mudanças pontuais

A mudança abrange o endereço do escritório do advogado Herói Vicente, especializado em direito desportivo. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou.

O escritório tem entrada pelas ruas Itassucê e Itamarati, junto a um canteiro voltado para a Avenida Pacaembu. Um dos argumentos para a mudança é o de que teria a frente para a avenida e, portanto, deveria ser zona corredor. No sistema municipal, contudo, consta que as entradas do lote são pelas duas ruas, não pela Pacaembu.

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Essa alteração foi a mais criticada pela Viva Pacaembu. A associação chegou a fazer um relatório anos atrás para defender que a frente do imóvel não é para a avenida.

Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que alterações nas zonas exclusivamente residenciais estão em desacordo com as diretrizes principais da legislação urbanística paulistana. Também consideram que uma mudança dessa magnitude poderia ser debatida na cidade, mas apenas após estudos e discussão em diversas audiências públicas e órgãos colegiados da Prefeitura. Isto é: o caminho não deveria ser um texto substitutivo divulgado na semana da votação (como ocorreu com a revisão do zoneamento no fim do ano passado).

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Durante a revisão do zoneamento, moradores e proprietários de imóveis no Pacaembu apresentaram demandas tanto de mudanças para classificações mais flexíveis quanto para a manutenção dos padrões mais restritivos atuais.

À época, foi destacado pelos vereadores que alterações significativas em Zona Exclusivamente Residencial não seriam tratadas na revisão. A defesa naquele momento era deixar essas discussões mais amplas para 2029, quando a cidade terá um projeto novo de Plano Diretor.

Na prática, contudo, algumas mudanças foram feitas em ZER, como no caso de uma parte vizinha ao Jockey Clube, na Cidade Jardim. Outra alteração criticada envolveu diversas quadras de Zona Corredor de Alto de Pinheiros, recentemente suspensa temporariamente pela Justiça.

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Órgão da Prefeitura foi contra mudança em 2018

Em 2018, a Coordenadoria de Legislação de Uso e Ocupação do Solo da Prefeitura considerou que o lote do escritório de advocacia não teria frente de fato para a Avenida Pacaembu e que está voltado para duas vias menos movimentadas (uma delas sem saída). À época, contraindicou a mudança para ZCOR e, também, apontou “ausência de justificativa técnica na seara urbanística” adequada.

Imóvel de escritório de advocacia (à direita) fica junto a um canteiro, o qual tem frente para a Avenida Pacaembu Foto: Google Street View/Reprodução

Pelo zoneamento, corredores são vias movimentadas no entorno de áreas estritamente residenciais. “É vizinho a um canteiro que impede que qualquer acesso ao lote seja realizado diretamente pela Avenida Pacaembu”, acrescentou o órgão da Prefeitura. “Esta coordenadoria entende que, juridicamente, o PL também não guarda condições de prosperar.”

Na Câmara, o projeto não chegou a ser aprovado à época. Foi arquivado no começo de 2021, pela troca de legislatura, mas foi desarquivado meses depois. Desde então, praticamente não teve movimentação no Legislativo até novembro deste ano.

Em 2018, o escritório de Herói Vicente chegou a solicitar reenquadramento diretamente para Prefeitura, mas teve o pedido negado. “O imóvel em pauta sempre esteve enquadrado dentro de zona exclusivamente residencial”, apontou a avaliação municipal à época.

“Segundo nosso entendimento, não há erro no enquadramento do imóvel em pauta como ZER-1, uma vez que o mesmo não faz frente para via que exerce estruturação local ou regional, no caso, a Av. Pacaembu, fazendo, de fato, frente para as ruas Itassucê e Itamarati”, completou.

Após ser procurada pelo Estadão, a Subprefeitura Lapa fez vistoria no local, na qual constatou ausência de auto de licença de funcionamento. “A empresa responsável foi notificada a regularizar a situação”, acrescentou.

Lei mudou zoneamento de 13 lotes no entorno das Ruas Itamarati e Traipu Foto: Alex Silva/Estadão

Por que a mudança foi descoberta só agora?

A alteração no zoneamento do Pacaembu ficou evidente após o projeto que alterava o lote do escritório de advocacia ser resgatado pela Câmara, em novembro. Por ora, o texto segue com a versão de 2018 (que deixou de ter impacto prático, já que a nova classificação está em vigor desde janeiro), mas emendas e um texto substitutivo estão em discussão.

Mesmo sem efeitos práticos por enquanto, o projeto foi aprovado em 1ª votação na terça-feira, 10. Os vereadores estão em uma maratona de votações urbanísticas, com outras alterações discutidas no Plano Diretor e na Lei de Zoneamento. As apreciações finais devem ocorrer por volta de 18 de dezembro, véspera da diplomação dos eleitos.

Relator da revisão do zoneamento e autor do projeto de lei, o vereador Rodrigo Goulart diz não ter sido o responsável por resgatar o projeto e pautá-lo para votação — o que costuma ser de responsabilidade da Presidência da Câmara. Procurada, a assessoria do Legislativo não respondeu.

Goulart confirmou conhecer o advogado do escritório que fica na área beneficiada (ambos são ligados ao Corinthians), mas disse que isso não interferiu na proposta, pois considera que a classificação anterior estava equivocada. Também alegou que a revisão fez outras alterações pontuais a partir da avaliação de demandas da sociedade civil, tanto mais quanto menos restritivas.

“A gente atendeu o que viu coerência, e os vereadores concordaram”, justificou. Além disso, salientou que as alterações no Pacaembu foram sancionadas pela Prefeitura.

A retomada desse projeto de lei neste ano foi criticada por especialistas ouvidos pelo Estadão. “Resgataram um PL de 2018, que já teve alteração, para ser um ‘PL ônibus’, para ir enganchando um monte de emendas”, critica Bianca Tavolari, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professora de Direito Urbanístico da FGV.

“Tem havido grande fragmentação de projetos”, afirma Daniel Todtmann Montandon, consultor em legislação urbanística. Os especialistas destacam que se poderia ter discutido mudanças em ZER durante a revisão de zoneamento, mas com critérios estabelecidos e ampla discussão, e não de forma pontual.

Quase um ano depois, uma alteração que havia passado despercebida veio à tona para parte dos moradores do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo: a liberação de alguns tipos de comércio e serviços em área antes restrita a casas. A descoberta ocorreu por meio da retomada de um projeto de lei sobre o zoneamento daquela vizinhança.

Desde janeiro, a revisão do zoneamento “esticou” a Zona Corredor (ZCOR) da Avenida Pacaembu para 14 imóveis nas ruas Itamarati, Itassucê e Traipu. Os endereços deixaram de ser Zona Exclusivamente Residencial (ZER), “miolos” restritos a casas, e passaram a ser “puxadinhos” dos corredores existentes há anos (onde se permite estabelecimentos comerciais e serviços de baixa estatura).

A alteração é contestada pela Associação Viva Pacaembu, que vai buscar o Ministério Público. Asunción Blanco, diretora de urbanismo da associação, vê “inconstitucionalidade” e diz que a mudança atende a causa de poucos munícipes.

Procurada, a Prefeitura disse que a mudança “busca compatibilizar o zoneamento da região, que apresenta características de zona corredor em virtude da Avenida Pacaembu”. A presidência da Câmara não comentou.

Lei mudou zoneamento de trecho antes restrito a casas no Pacaembu Foto: Alex Silva/Estadão

Uma das mudanças está em projeto de lei específico, de 2018, mas teve a aprovação contraindicada pela Prefeitura à época. A alteração mudava o zoneamento de um único lote.

A autoria desse projeto de seis anos atrás é do vereador Rodrigo Goulart (PSD). Ele foi o relator da revisão do zoneamento, que incorporou a mudança nessa área, a qual está em vigor desde janeiro. Ao Estadão, argumentou que fez uma “correção” na classificação do local, pois considera que fica na mesma “linearidade” da Avenida Pacaembu.

O PL de 2018 é o retomado pela Câmara neste fim de ano. A versão original do texto não tem mais efeitos práticos, uma vez que a mudança proposta naquela época está em vigor desde janeiro. Mesmo assim, o projeto foi pautado, com a possível inclusão de novas emendas à Lei de Zoneamento ou um texto substitutivo, com mais alterações. A votação final é prevista para a próxima semana.

Na revisão do zoneamento, a alteração na classificação de parte do Pacaembu incluiu mais 13 imóveis nas ruas Traipu e Itamarati, além daquele apontado no PL de 2018.

Especialistas criticam mudanças pontuais

A mudança abrange o endereço do escritório do advogado Herói Vicente, especializado em direito desportivo. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou.

O escritório tem entrada pelas ruas Itassucê e Itamarati, junto a um canteiro voltado para a Avenida Pacaembu. Um dos argumentos para a mudança é o de que teria a frente para a avenida e, portanto, deveria ser zona corredor. No sistema municipal, contudo, consta que as entradas do lote são pelas duas ruas, não pela Pacaembu.

Essa alteração foi a mais criticada pela Viva Pacaembu. A associação chegou a fazer um relatório anos atrás para defender que a frente do imóvel não é para a avenida.

Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que alterações nas zonas exclusivamente residenciais estão em desacordo com as diretrizes principais da legislação urbanística paulistana. Também consideram que uma mudança dessa magnitude poderia ser debatida na cidade, mas apenas após estudos e discussão em diversas audiências públicas e órgãos colegiados da Prefeitura. Isto é: o caminho não deveria ser um texto substitutivo divulgado na semana da votação (como ocorreu com a revisão do zoneamento no fim do ano passado).

Durante a revisão do zoneamento, moradores e proprietários de imóveis no Pacaembu apresentaram demandas tanto de mudanças para classificações mais flexíveis quanto para a manutenção dos padrões mais restritivos atuais.

À época, foi destacado pelos vereadores que alterações significativas em Zona Exclusivamente Residencial não seriam tratadas na revisão. A defesa naquele momento era deixar essas discussões mais amplas para 2029, quando a cidade terá um projeto novo de Plano Diretor.

Na prática, contudo, algumas mudanças foram feitas em ZER, como no caso de uma parte vizinha ao Jockey Clube, na Cidade Jardim. Outra alteração criticada envolveu diversas quadras de Zona Corredor de Alto de Pinheiros, recentemente suspensa temporariamente pela Justiça.

Órgão da Prefeitura foi contra mudança em 2018

Em 2018, a Coordenadoria de Legislação de Uso e Ocupação do Solo da Prefeitura considerou que o lote do escritório de advocacia não teria frente de fato para a Avenida Pacaembu e que está voltado para duas vias menos movimentadas (uma delas sem saída). À época, contraindicou a mudança para ZCOR e, também, apontou “ausência de justificativa técnica na seara urbanística” adequada.

Imóvel de escritório de advocacia (à direita) fica junto a um canteiro, o qual tem frente para a Avenida Pacaembu Foto: Google Street View/Reprodução

Pelo zoneamento, corredores são vias movimentadas no entorno de áreas estritamente residenciais. “É vizinho a um canteiro que impede que qualquer acesso ao lote seja realizado diretamente pela Avenida Pacaembu”, acrescentou o órgão da Prefeitura. “Esta coordenadoria entende que, juridicamente, o PL também não guarda condições de prosperar.”

Na Câmara, o projeto não chegou a ser aprovado à época. Foi arquivado no começo de 2021, pela troca de legislatura, mas foi desarquivado meses depois. Desde então, praticamente não teve movimentação no Legislativo até novembro deste ano.

Em 2018, o escritório de Herói Vicente chegou a solicitar reenquadramento diretamente para Prefeitura, mas teve o pedido negado. “O imóvel em pauta sempre esteve enquadrado dentro de zona exclusivamente residencial”, apontou a avaliação municipal à época.

“Segundo nosso entendimento, não há erro no enquadramento do imóvel em pauta como ZER-1, uma vez que o mesmo não faz frente para via que exerce estruturação local ou regional, no caso, a Av. Pacaembu, fazendo, de fato, frente para as ruas Itassucê e Itamarati”, completou.

Após ser procurada pelo Estadão, a Subprefeitura Lapa fez vistoria no local, na qual constatou ausência de auto de licença de funcionamento. “A empresa responsável foi notificada a regularizar a situação”, acrescentou.

Lei mudou zoneamento de 13 lotes no entorno das Ruas Itamarati e Traipu Foto: Alex Silva/Estadão

Por que a mudança foi descoberta só agora?

A alteração no zoneamento do Pacaembu ficou evidente após o projeto que alterava o lote do escritório de advocacia ser resgatado pela Câmara, em novembro. Por ora, o texto segue com a versão de 2018 (que deixou de ter impacto prático, já que a nova classificação está em vigor desde janeiro), mas emendas e um texto substitutivo estão em discussão.

Mesmo sem efeitos práticos por enquanto, o projeto foi aprovado em 1ª votação na terça-feira, 10. Os vereadores estão em uma maratona de votações urbanísticas, com outras alterações discutidas no Plano Diretor e na Lei de Zoneamento. As apreciações finais devem ocorrer por volta de 18 de dezembro, véspera da diplomação dos eleitos.

Relator da revisão do zoneamento e autor do projeto de lei, o vereador Rodrigo Goulart diz não ter sido o responsável por resgatar o projeto e pautá-lo para votação — o que costuma ser de responsabilidade da Presidência da Câmara. Procurada, a assessoria do Legislativo não respondeu.

Goulart confirmou conhecer o advogado do escritório que fica na área beneficiada (ambos são ligados ao Corinthians), mas disse que isso não interferiu na proposta, pois considera que a classificação anterior estava equivocada. Também alegou que a revisão fez outras alterações pontuais a partir da avaliação de demandas da sociedade civil, tanto mais quanto menos restritivas.

“A gente atendeu o que viu coerência, e os vereadores concordaram”, justificou. Além disso, salientou que as alterações no Pacaembu foram sancionadas pela Prefeitura.

A retomada desse projeto de lei neste ano foi criticada por especialistas ouvidos pelo Estadão. “Resgataram um PL de 2018, que já teve alteração, para ser um ‘PL ônibus’, para ir enganchando um monte de emendas”, critica Bianca Tavolari, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professora de Direito Urbanístico da FGV.

“Tem havido grande fragmentação de projetos”, afirma Daniel Todtmann Montandon, consultor em legislação urbanística. Os especialistas destacam que se poderia ter discutido mudanças em ZER durante a revisão de zoneamento, mas com critérios estabelecidos e ampla discussão, e não de forma pontual.

Quase um ano depois, uma alteração que havia passado despercebida veio à tona para parte dos moradores do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo: a liberação de alguns tipos de comércio e serviços em área antes restrita a casas. A descoberta ocorreu por meio da retomada de um projeto de lei sobre o zoneamento daquela vizinhança.

Desde janeiro, a revisão do zoneamento “esticou” a Zona Corredor (ZCOR) da Avenida Pacaembu para 14 imóveis nas ruas Itamarati, Itassucê e Traipu. Os endereços deixaram de ser Zona Exclusivamente Residencial (ZER), “miolos” restritos a casas, e passaram a ser “puxadinhos” dos corredores existentes há anos (onde se permite estabelecimentos comerciais e serviços de baixa estatura).

A alteração é contestada pela Associação Viva Pacaembu, que vai buscar o Ministério Público. Asunción Blanco, diretora de urbanismo da associação, vê “inconstitucionalidade” e diz que a mudança atende a causa de poucos munícipes.

Procurada, a Prefeitura disse que a mudança “busca compatibilizar o zoneamento da região, que apresenta características de zona corredor em virtude da Avenida Pacaembu”. A presidência da Câmara não comentou.

Lei mudou zoneamento de trecho antes restrito a casas no Pacaembu Foto: Alex Silva/Estadão

Uma das mudanças está em projeto de lei específico, de 2018, mas teve a aprovação contraindicada pela Prefeitura à época. A alteração mudava o zoneamento de um único lote.

A autoria desse projeto de seis anos atrás é do vereador Rodrigo Goulart (PSD). Ele foi o relator da revisão do zoneamento, que incorporou a mudança nessa área, a qual está em vigor desde janeiro. Ao Estadão, argumentou que fez uma “correção” na classificação do local, pois considera que fica na mesma “linearidade” da Avenida Pacaembu.

O PL de 2018 é o retomado pela Câmara neste fim de ano. A versão original do texto não tem mais efeitos práticos, uma vez que a mudança proposta naquela época está em vigor desde janeiro. Mesmo assim, o projeto foi pautado, com a possível inclusão de novas emendas à Lei de Zoneamento ou um texto substitutivo, com mais alterações. A votação final é prevista para a próxima semana.

Na revisão do zoneamento, a alteração na classificação de parte do Pacaembu incluiu mais 13 imóveis nas ruas Traipu e Itamarati, além daquele apontado no PL de 2018.

Especialistas criticam mudanças pontuais

A mudança abrange o endereço do escritório do advogado Herói Vicente, especializado em direito desportivo. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou.

O escritório tem entrada pelas ruas Itassucê e Itamarati, junto a um canteiro voltado para a Avenida Pacaembu. Um dos argumentos para a mudança é o de que teria a frente para a avenida e, portanto, deveria ser zona corredor. No sistema municipal, contudo, consta que as entradas do lote são pelas duas ruas, não pela Pacaembu.

Essa alteração foi a mais criticada pela Viva Pacaembu. A associação chegou a fazer um relatório anos atrás para defender que a frente do imóvel não é para a avenida.

Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que alterações nas zonas exclusivamente residenciais estão em desacordo com as diretrizes principais da legislação urbanística paulistana. Também consideram que uma mudança dessa magnitude poderia ser debatida na cidade, mas apenas após estudos e discussão em diversas audiências públicas e órgãos colegiados da Prefeitura. Isto é: o caminho não deveria ser um texto substitutivo divulgado na semana da votação (como ocorreu com a revisão do zoneamento no fim do ano passado).

Durante a revisão do zoneamento, moradores e proprietários de imóveis no Pacaembu apresentaram demandas tanto de mudanças para classificações mais flexíveis quanto para a manutenção dos padrões mais restritivos atuais.

À época, foi destacado pelos vereadores que alterações significativas em Zona Exclusivamente Residencial não seriam tratadas na revisão. A defesa naquele momento era deixar essas discussões mais amplas para 2029, quando a cidade terá um projeto novo de Plano Diretor.

Na prática, contudo, algumas mudanças foram feitas em ZER, como no caso de uma parte vizinha ao Jockey Clube, na Cidade Jardim. Outra alteração criticada envolveu diversas quadras de Zona Corredor de Alto de Pinheiros, recentemente suspensa temporariamente pela Justiça.

Órgão da Prefeitura foi contra mudança em 2018

Em 2018, a Coordenadoria de Legislação de Uso e Ocupação do Solo da Prefeitura considerou que o lote do escritório de advocacia não teria frente de fato para a Avenida Pacaembu e que está voltado para duas vias menos movimentadas (uma delas sem saída). À época, contraindicou a mudança para ZCOR e, também, apontou “ausência de justificativa técnica na seara urbanística” adequada.

Imóvel de escritório de advocacia (à direita) fica junto a um canteiro, o qual tem frente para a Avenida Pacaembu Foto: Google Street View/Reprodução

Pelo zoneamento, corredores são vias movimentadas no entorno de áreas estritamente residenciais. “É vizinho a um canteiro que impede que qualquer acesso ao lote seja realizado diretamente pela Avenida Pacaembu”, acrescentou o órgão da Prefeitura. “Esta coordenadoria entende que, juridicamente, o PL também não guarda condições de prosperar.”

Na Câmara, o projeto não chegou a ser aprovado à época. Foi arquivado no começo de 2021, pela troca de legislatura, mas foi desarquivado meses depois. Desde então, praticamente não teve movimentação no Legislativo até novembro deste ano.

Em 2018, o escritório de Herói Vicente chegou a solicitar reenquadramento diretamente para Prefeitura, mas teve o pedido negado. “O imóvel em pauta sempre esteve enquadrado dentro de zona exclusivamente residencial”, apontou a avaliação municipal à época.

“Segundo nosso entendimento, não há erro no enquadramento do imóvel em pauta como ZER-1, uma vez que o mesmo não faz frente para via que exerce estruturação local ou regional, no caso, a Av. Pacaembu, fazendo, de fato, frente para as ruas Itassucê e Itamarati”, completou.

Após ser procurada pelo Estadão, a Subprefeitura Lapa fez vistoria no local, na qual constatou ausência de auto de licença de funcionamento. “A empresa responsável foi notificada a regularizar a situação”, acrescentou.

Lei mudou zoneamento de 13 lotes no entorno das Ruas Itamarati e Traipu Foto: Alex Silva/Estadão

Por que a mudança foi descoberta só agora?

A alteração no zoneamento do Pacaembu ficou evidente após o projeto que alterava o lote do escritório de advocacia ser resgatado pela Câmara, em novembro. Por ora, o texto segue com a versão de 2018 (que deixou de ter impacto prático, já que a nova classificação está em vigor desde janeiro), mas emendas e um texto substitutivo estão em discussão.

Mesmo sem efeitos práticos por enquanto, o projeto foi aprovado em 1ª votação na terça-feira, 10. Os vereadores estão em uma maratona de votações urbanísticas, com outras alterações discutidas no Plano Diretor e na Lei de Zoneamento. As apreciações finais devem ocorrer por volta de 18 de dezembro, véspera da diplomação dos eleitos.

Relator da revisão do zoneamento e autor do projeto de lei, o vereador Rodrigo Goulart diz não ter sido o responsável por resgatar o projeto e pautá-lo para votação — o que costuma ser de responsabilidade da Presidência da Câmara. Procurada, a assessoria do Legislativo não respondeu.

Goulart confirmou conhecer o advogado do escritório que fica na área beneficiada (ambos são ligados ao Corinthians), mas disse que isso não interferiu na proposta, pois considera que a classificação anterior estava equivocada. Também alegou que a revisão fez outras alterações pontuais a partir da avaliação de demandas da sociedade civil, tanto mais quanto menos restritivas.

“A gente atendeu o que viu coerência, e os vereadores concordaram”, justificou. Além disso, salientou que as alterações no Pacaembu foram sancionadas pela Prefeitura.

A retomada desse projeto de lei neste ano foi criticada por especialistas ouvidos pelo Estadão. “Resgataram um PL de 2018, que já teve alteração, para ser um ‘PL ônibus’, para ir enganchando um monte de emendas”, critica Bianca Tavolari, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professora de Direito Urbanístico da FGV.

“Tem havido grande fragmentação de projetos”, afirma Daniel Todtmann Montandon, consultor em legislação urbanística. Os especialistas destacam que se poderia ter discutido mudanças em ZER durante a revisão de zoneamento, mas com critérios estabelecidos e ampla discussão, e não de forma pontual.

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