Uma mudança no plano diretor de Cotia, município a oeste de São Paulo, vai permitir prédios de até 30 pavimentos onde até agora só era possível erguer prédios pequenos. Especialistas ponderam que a mudança de regra adensa uma região com problemas de mobilidade urbana e pode ter impactos ambientais, ao afetar áreas residenciais sustentáveis, como a Granja Viana. Já a prefeitura diz que o plano diminui o espraiamento da cidade e evita a ocupação de pontos onde ainda há remanescentes florestais.
Após 40 anos de resistência, Cotia se rende ao processo de expansão da região metropolitana que ocorre diante da saturação da capital. Limitada pelas restrições ambientais na zona sul, pela Serra da Cantareira ao norte e pelo esgotamento de parte da zona leste, São Paulo se expande rumo à zona oeste, apontam estudos da prefeitura de Cotia, que conserva clima de interior.
“Cotia precisa diminuir o espraiamento da cidade e o avanço urbano para as áreas de preservação, evitando a ocupação em áreas onde ainda existem remanescentes de floresta. A concentração populacional deve ocorrer em áreas de urbanização já consolidada”, diz Rogério Franco (PSD), prefeito da cidade de 274 mil habitantes.
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A Câmara dos Vereadores também aprovou em maio a lei de uso e ocupação de solo, que define as áreas onde pode haver prédios, indústrias e empresas e de serviços ambientais.
- A lei prevê edifícios de até 30 pavimentos e conjuntos de prédios em áreas lindeiras às rodovias, como a Raposo Tavares. O gabarito de 16 m passa a ser de 90 m. Nos demais corredores comerciais, o gabarito passa de 12 m para 75 m, com prédios de até 25 pavimentos.
- Nos dois casos, os prédios podem ser dispostos em blocos. Mas, no caso de mais de uma torre, o distanciamento mínimo entre elas deve ser de 6 metros.
- As faixas de 200 metros nas duas margens da Raposo, em Cotia, foram categorizadas como corredores comerciais. Com isso, são possíveis edificações de até 30 andares para usos residencial, empresarial, industrial, comercial e de serviços. O corredor dos prédios altos nas margens da Raposo pode ir da Granja Viana até a divisa de Cotia com Vargem Grande Paulista.
- As mesmas regras valem para a Estrada de Itapevi (SP-029), Rodoanel Metropolitano de São Paulo (SP-021) e Rodovia Bunjiro Nakao (SP-250). Prédios com até 30 andares também podem ser construídos em uma faixa de 100 metros das vias locais, como a Estrada do Embu, a Fernando Nobre, antiga Estrada do Espigão, a Aldeia de Carapicuíba e outras.
- Em vias urbanas, como a Marginal entre o km 22 e o km 23 da Raposo, Rua Ushima Kira, Alameda São Luiz e Avenida São Camilo, entre outras, na região da Granja Viana, serão possíveis prédios de até 25 andares em uma faixa de 100 metros, nos dois lados da via.
- Já na área urbana mais central de Cotia, praticamente todas as ruas e avenidas poderão receber edifícios com esse gabarito. O mesmo vale para estradas municipais, como a da Represinha, Capelinha, Morro Grande e Caucaia do Alto.
- Em áreas definidas como rurais, nos bairros da Caputera e Ressaca, são permitidas atividades agroindustriais sem emissão de poluentes. A lei permite a exploração agrícola, pecuária e industrial inclusive na Área de Proteção Ambiental (APA) de Itupararanga, em regime de sustentabilidade ambiental.
- Já a Reserva Florestal do Morro Grande e o Parque das Nascentes são considerados zonas de preservação integral.
- Nas zonas de contenção da expansão urbana, passa a ser permitido parcelar lotes com dimensão mínima de 500 m². No entorno da APA do Morro Grande foi criada uma zona de interesse paisagístico, histórico e turístico, com faixa de 600 metros, com o objetivo de se formar uma área de transição entre os espaços urbanos e de preservação ambiental.
Para Renato Rouxinol, da Associação de Moradores e Amigos da Granja Viana, o projeto traz grande adensamento populacional em uma região com graves problemas de mobilidade. “Vai alterar terrivelmente o perfil da região e não houve debate mais profundo”, diz, ao reclamar da votação dos textos em poucos dias no Legislativo.
As tentativas de liberar a verticalização de Cotia e da Granja Viana acontecem desde o início dos anos 1980, mas sempre enfrentaram a residência dos moradores. Em 2022, a atual gestão obteve na Câmara a aprovação por unanimidade do novo plano diretor e da lei de uso e ocupação de solo, com a liberação de edifícios.
As associações recorreram ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que propôs ação direta de inconstitucionalidade devido à falta de discussão das propostas em audiências públicas. Com a concessão de liminar, as leis não foram sancionadas.
Rouxinol afirma que as associações de moradores vão procurar o MP-SP para avaliar a legalidade das medidas. O MPSP informou que há dois processos em fase de instrução referentes ao Plano Diretor e à lei de zoneamento de 2022 do município de Cotia, em especial quanto ao processo legislativo. Os procedimentos estão em fase de instrução. O MP não informou se os efeitos de eventuais decisões judiciais nesses processos alcançam as novas leis sancionadas este ano.
Estudo feito em 2022 pelo Secovi-SP e pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias mostrou que a região da Granja Viana, em Cotia, atrai investimentos por ter o metro quadrado mais barato do que em bairros como Pinheiros e Moema, nas zona oeste e sul da capital, respectivamente.
Procurado pela reportagem, o Secovi disse que apoia o desenvolvimento sustentável do setor imobiliário e atua para atender as necessidades de moradia da população em todas as faixas de renda familiar. Já a Abrainc informou não ter estudos sobre Cotia no momento.
A região também deve ter impactos com o projeto Nova Raposo, do governo estadual, que prevê a construção de marginais na rodovia e a cobrança de pedágios. A proposta, em fase final de estudos, inclui a concessão à iniciativa privada do trecho da Raposo entre a capital e Cotia.
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Grupos de moradores do Butantã, de Cotia e até o Clube Alto de Pinheiros questionaram a obra e pediram mais discussão sobre os planos do Estado.
Prefeitura diz se inspirar em Curitiba
Conforme a prefeitura, nos estudos para propor a verticalização foram usados critérios similares aos de Curitiba, considerada modelo em urbanização. “Uma das tendências mundiais das cidades é evitar a concentração de edifícios utilizando eixos de sistemas viários com transporte público, comércio e serviços, para que essa população condensada não necessite de transporte individual para se deslocar na cidade”, diz, em nota.
Segundo o governo, os corredores que receberão prédios já eram definidos como zona de uso misto. “Esses edifícios poderão ter lojas no nível da rua e escritórios, juntos com as residências. Só poderão ter cercamentos (grades ou muros), a partir de 5 metros da rua e, no caso das torres, de 10 metros. Obtemos uma calçada urbanizada, onde será proibido o uso como estacionamento de veículos”, diz.
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Ainda conforme a prefeitura, bairros residenciais afastados do centro comercial vão permanecer como hoje, sem receber novos edifícios. “No momento em que vivemos com catástrofes devido às mudanças climáticas, é impossível não alinhar as políticas públicas com a preservação”, diz o prefeito.
A Câmara de Cotia informa que o projeto de zoneamento de uso e ocupação de solo foi aprovado em sessão ordinária, em 21 de maio, com 12 votos favoráveis e três contrários. A tramitação, segundo o Legislativo, seguiu o regimento no que se refere a temas relevantes para o município, incluindo a realização de audiências públicas.
Rede de transporte não dará conta da verticalização, diz engenheiro
Para Ivan Carlos Maglio, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), sem que Cotia reforce sua rede de mobilidade - com um sistema como o BRT (ônibus de trânsito rápido) ligando a São Paulo e demais municípios da região -, não há capacidade de suporte para essa verticalização.
“Em Curitiba, a verticalização se dá em torno dos eixos de transporte - cinco atualmente. Cotia não conta com esses eixos e a Raposo Tavares ainda não é um eixo de transporte de massa, pelo menos até que o metrô da Linha 22 seja implantado, o que deve acontecer a longo prazo”, diz o engenheiro civil.
Na avaliação de Maglio, deveria ser aplicada a outorga onerosa (taxa cobrada das construtoras) do direito de construir acima do coeficiente. Dessa forma, defende, os recursos iriam “para um fundo de urbanização justamente para reinvestir em mobilidade, meio ambiente e habitação”.