Distante um quilômetro da Rua José Paulino, uma das áreas de comércio popular mais conhecidas do Bom Retiro, na região central, o Complexo Prates, equipamento municipal de apoio a usuários de drogas e pessoas em situação de rua, está rodeado por imóveis vazios, pouquíssimo comércio e a sensação de insegurança de quem trabalha por ali. Os moradores consideram a região como “zona proibida” para circulação, principalmente à noite.
O complexo foi citado pela gestão estadual como destino de tratamento de dependentes químicos da Cracolândia, que hoje ocupa a Rua dos Gusmões. A intenção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) é fazer com que o chamado “fluxo” fique mais próximo do equipamento de saúde para facilitar o tratamento para a dependência química.
“Lá tenho uma AMA, um CAPS e consigo deixá-los um pouco mais afastados da área residencial e da área comercial. Vamos ver se a estratégia vai dar certo. Vai dar certo? Não sei. Vamos tentar esse movimento agora para oferecer assistência imediata, sem tanto transtorno para a cidade”, afirmou o governador na terça-feira, 18.
Embora a mudança não esteja definida – Tarcísio mencionou só o plano de mudança e a região como referência para um eventual destino -, a simples possibilidade deixou os comerciantes preocupados. “Aí sim a gente vai viver num bairro fantasma”, disse o mecânico Antonio Souza, dono de borracharia na esquina da rua Prates com a Rodolfo Miranda.
Também há o risco de estigmatização, como alerta Saul Nahmias, presidente do Conselho de Segurança (Conseg) Bom Retiro. Embora seja marcada pelo comércio, instituições importantes, como a creche Dom Gastão e a Escola Luminova, além da presença da comunidade coreana, que pediu a mudança do nome da rua para Prates-Coreia, a região pode ficar marcada pelas características presentes apenas no último quarteirão.
Da esquina é possível acompanhar a movimentação dos dependentes químicos e sem-teto em frente ao complexo. São 20, 30 pessoas. Não há uso de drogas em cena aberta, como na Cracolândia, mas o clima é de insegurança. Moradores reclamam de roubos constantes de peças de automóveis que ficam estacionados e materiais das empresas.
Na rua sem saída onde fica o Complexo Prates estão um depósito de ferro velho com muro pichado com pedido de moradia e uma empresa de máquinas industriais. Quase na esquina, o único restaurante da região, que é comandado por Maria Helena (ela cita só os primeiros nomes).
Depois de adquirir o estabelecimento com a verba rescisória de 30 anos de trabalho como costureira, a aposentada afirma que consegue apenas pagar as contas por causa do baixo movimento. “Quem senta para comer tem de estar preparado para os pedidos de comida. Muita gente não quer isso”, afirma. Ela conta que nunca foi assaltada, conta que os frequentadores pedem, mas não roubam, mas não sai sozinha do bar.
O Complexo Prates é uma área de 11 mil m² onde funcionam desde 2012 equipamentos de atenção social. O local foi inaugurado pela Prefeitura na gestão de Gilberto Kassab (PSD), hoje secretário de Governo. São atendidas pessoas em situação de rua e dependentes químicos, como o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps), além de unidade da Assistência Médica Ambulatorial (AMA).
A impressão de lugar com pouco movimento, quase abandonado, é reforçada pelas placas de “aluga-se”. Só na rua Rodolfo Miranda, que faz esquina com a Prates, são seis delas. Outros prédios, na próprio rua, estão apenas abandonados. Quem trabalha ali parece querer se proteger.
As poucas empresas mantêm portões altos e fechados, com proteção de ferro, sem placas de identificação. O Estadão tentou contato com uma delas, ao lado do complexo, mas o vigilante disse que não havia ninguém para dar informações e não poderia passar o telefone da empresa.
Quem precisa trabalhar com portas abertas cria seus próprios protocolos de segurança. No fundo do depósito de embalagens de uma gráfica, o auxiliar de produção Josimar Teixeira, de 48 anos, conta que precisa baixar as portas quando vai ao banheiro. “Se deixar aberto e sozinho, alguém pode entrar para roubar. Já tentaram roubar uma moto que ficou estacionada aqui dentro”.
Saul Nahmias, presidente do Conseg Bom Retiro, afirma que a região é conhecida pelos moradores como “zona proibida”. “Todo mundo evita o final da rua Prates, principalmente à noite, em função da sensação de insegurança. Isso já é realidade”, diz o líder comunitário.
O espalhamento dos dependentes químicos tem sido um problema para as gestões municipal e estadual há mais de um ano, quando uma ação policial expulsou dependentes químicos e traficantes da Praça Princesa Isabel, endereço da Cracolândia por cerca de três meses após dispersão do entorno da Praça Julio Prestes.
Na semana passada, os poderes municipal e estadual já haviam feito uma primeira tentativa de remover o fluxo do centro. Relatos de líderes sociais e profissionais de saúde apontam que a Polícia Militar, a Polícia Civil e a GCM conduziram o fluxo da Rua dos Gusmões até a Ponte Orestes Quércia em um caminho de cerca de três quilômetros. No fim da operação, os usuários fugiram do local e retornaram ao centro.
Ser vizinho de um equipamento de saúde, por outro lado, tem suas vantagens. O aposentado Carlos Vieira elogia os serviços da unidade da Assistência Médica Ambulatorial (AMA), que fica dentro do complexo. Mas ele reconhece que a maioria dos moradores não frequenta o local com receio do restante do público. “O atendimento é bom e não costuma ser muito cheio”, diz o aposentado, que sofre com problemas respiratórios.
Governo diz ampliar ações sociais
Em nota, a gestão Tarcísio de Freitas afirma que tem ampliado as ações sociais e de saúde para o atendimento aos usuários de crack e outras drogas na região central, além de intensificar ações preventivas e ostensivas na área de segurança pública. As medidas, conforme o governo, são multissecretariais e alinhadas com a Prefeitura.
Ainda segundo a gestão estadual, todas as estratégias de abordagem e encaminhamento buscam aproximar os dependentes químicos de equipamentos de tratamento, acolhendo e ofertando alternativas humanizadas para que estas pessoas sejam atendidas, assistidas e tenham uma porta de saída do vício, o que consequentemente reduzirá as cenas abertas de uso na região central.
Desde abril, quando o HUB Cuidados em Crack e Outras Drogas foi implementado, já foram realizados mais de 5 mil atendimentos na unidade. O local atua no gerenciamento, articulação e integração das ações desenvolvidas pelo Estado e pelo Município por meio de diferentes políticas de proteção, que contribuem para o cuidado integral a esta população. O Estado, segundo a nota, também tem leitos de retaguarda para a internação e tratamento dos pacientes, além de vagas em comunidades terapêuticas que auxiliam no processo de recuperação e reinserção na sociedade.
Os serviços oferecidos pelo Complexo Prates, conforme a Prefeitura
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informa que o Complexo Prates é composto por quatro serviços da pasta, sendo dois Centros de Acolhida para Adultos, um Centro de Acolhida para Mulheres Transexuais (Casa Florescer) e um Núcleo de Convivência para Adultos em Situação de Rua.
Juntos, os serviços totalizam 346 vagas de acolhimento, incluindo vagas aditadas pela Operação Baixas Temperaturas (OBT), e 300 vagas de convivência no Núcleo. Só no 1º semestre de 2023, foram mais de 11 mil atendimentos, que resultaram em mais de 3 mil encaminhamentos para os serviços de saúde, e mais de 296 mil refeições distribuídas.
A Secretaria Municipal da Saúde informa que o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Álcool e Drogas III Prates é uma unidade de saúde que presta atendimento e assistência à saúde para as pessoas com transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas e de seus familiares. Além do Caps, o Complexo Prates conta ainda com outro equipamento de saúde, a Assistência Médica Ambulatorial (AMA) Prates.
Ao longo de junho, foram 1.931 atendimentos individuais no Caps AD III Prates, com média de 64 atendimentos diários e 488 atendimentos em saúde no mês, incluindo os grupos de atividades coletivas.