Crise joga famílias nas ruas e barracas se espalham por São Paulo


População nas calçadas da cidade dobrou em 14 distritos das regiões Norte, Leste e Sul, aponta censo da Prefeitura

Por Gonçalo Junior

Famílias que perderam emprego durante a pandemia e não conseguem mais pagar aluguel estão recorrendo cada vez mais a barracas. O uso deste tipo de moradia improvisada cresceu 3,3 vezes entre 2019 e 2021 e se popularizou também na periferia de São Paulo. Associadas ao turismo, as barracas de camping ganharam nova – e triste – dimensão e são usadas para garantir o mínimo de privacidade e proteção para casais com filhos ou mães-solo que ficaram sem teto por causa da crise econômica.

O aumento do número de famílias inteiras em situação de rua foi identificado pelo Censo da População em Situação de Rua da Prefeitura de São Paulo. O número de entrevistados que declaram ter a companhia de alguma pessoa de sua família aumentou. Enquanto em 2019, 20% da população em situação de rua deu esta declaração, em 2021 o porcentual subiu para 28,6%.

Barracas no centro de SP; pelo menos 28,6% dos que vivem nas ruas estão com alguém da família Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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O casal Anderson Oliveira, de 36 anos, e Verônica Medeiros, de 33 anos, vive na praça Ouvidor Pacheco Silva, na esquina das ruas São Bento e José Bonifácio, na região central. Eles não estão sozinhos. Brincando por ali estão os filhos Pablo, 10, e Ketlen, 8. Por causa da pandemia, ele perdeu o emprego como atendente de uma rede de fast food em junho do ano passado. Sua mulher, que trabalhava como faxineira de uma empresa de cobrança de crédito, ficou desempregada antes. Sem renda, eles deixaram uma casa em Ermelino Matarazzo, zona leste, e foram pedir ajuda no centro.

Rua Anchieta, com vista para o Pátio do Colégio, no centro de São Paulo; à esquerda imagem da semana passada com barracas de moradores em situação de rua, à direita, registro da calçada vazia em2018 captado pelo Google Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Hoje, os quatro vivem numa barraca, alternativa de moradia de quem está nas ruas a menos de um ano, de acordo com o censo. As “moradias improvisadas” nas ruas, no jargão dos recenseadores, cresceram 230% entre 2019 e 2021. Enquanto no recenseamento anterior havia 2.051 pontos abordados com barracas improvisadas, em 2021 foram computados 6.778 pontos. Os números autenticam a sensação de quem anda pelas ruas. As barracas tomaram conta da paisagem urbana.

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A barraca é forrada por cobertores doados pela prefeitura. Eles contam que o chão é frio à noite. As roupas estão em sacos de lixo. Duas mochilas servem de travesseiros. “É só até arrumar emprego para a gente alugar uma casa de novo”, projeta o pai.

Segundo os analistas da Qualitest, empresa que fez o recenseamento, o crescimento do número de barracas e de pessoas nas ruas com alguém da família ajuda a compor “a provável ida de um perfil mais familiar para a situação de rua, possivelmente por motivação econômica”. Essa é a mesma percepção de quem ajuda. “Existe uma nova classe de pessoas que foi para a rua durante a pandemia, que são as famílias”, afirma André Soler, presidente da ONG SP Invisível.

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Robson Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População de Rua, conta que, no ano passado, eram quatro a cinco solicitações de barracas por dia; hoje são de 20. Para atender à demanda, ele conta com o apoio de parceiros e faz compras por atacado em sites especializados. Cada barraca sai por cerca de R$ 120. “Na hora de doar uma barraca, a gente dá prioridade para quem está com criança”, diz Robson Mendonça.

Mas não é tudo que o censo capta. Na fila de cerca de 500 pessoas que esperam um marmitex no centro, a dona de casa Mariana não responde onde está dormindo e sai puxando duas meninas pelo braço. Outro fica sem jeito ao responder que não consegue tomar banho todo dia. O censo também não pega a cara de “e agora?” do homem negro que chega atrasado, quando não tinha mais comida.

Famílias em situação de rua estão se espalhando pela cidade. O garçom Guilherme Pereira, de 42 anos, vive numa calçada nas proximidades da Avenida Cruzeiro do Sul, zona norte. De dentro da barraca que divide com a mulher Elisa, grávida de quatro meses, ele tira uma pasta amassada onde guarda os documentos para procurar trabalho. Depois de perder o emprego em uma churrascaria, ele não conseguiu pagar o aluguel de uma pensão no Brás, por volta de R$ 350, só com o dinheiro dos bicos. O jeito é dormir na rua até “conseguir se aprumar”. Já são três meses. Para comer, eles esperam até 15h, quando os restaurantes fazem doações do que sobrou do almoço. Ele quer voltar para a Seabra (BA), onde nasceu, mas não consegue juntar os R$ 370 da passagem.

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Barracas de campingviraram alternativa de moradia e passaram a dar proteção para famíliasnaCapital Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Comerciantes explicam que essa calçada não era ocupada anos atrás. A percepção está alinhada ao censo, que aponta “crescimentos bastante significativos da população em situação de rua em regiões como Perus, Vila Maria-Vila Guilherme e Santana-Tucuruvi, na Zona Norte”. O relatório também cita outros bairros das zonas leste e sul. Apesar da maioria da população de rua se concentrar nas áreas centrais da cidade, 14 distritos das regiões Norte, Leste e Sul registram aumento de mais de 100% no total de pessoas nas ruas, segundo dados da gestão municipal.

Esse espalhamento segue algumas regras, como a proximidade com as redes de apoio. No Belenzinho, zona leste, várias barracas foram montadas perto do Núcleo de Convivência São Martinho de Lima, conveniado à Prefeitura de São Paulo. Ali, a população de rua tem três refeições. As barracas – ou lonas amarradas nos muros ou nos galhos de uma árvore – ocupam quase a calçada inteira. É ali que José Sebastião Batistella, de 38 anos, mora. Há dois anos, o ajudante de obras deixou o Rio para tentar emprego em São Paulo. Foi assaltado, perdeu os documentos, confessou envolvimento com drogas e vive na rua há um ano. “Fico aqui porque consigo comer”, diz, mostrando a senha 392 para o almoço.

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Nas regiões mais distantes, as oportunidades de trabalho e renda formam outros polos. No Itaim Paulista, também zona leste, Luis Fernando Gomes, de 34 anos, e Greice Assis, de 37, decidiram há um ano viver ao lado de um depósito de ferro-velho para o qual vendem papelão, plástico e cobre para reciclagem. Não é uma barraca, mas um pedaço de plástico amarrado numa árvore, às margens do córrego Itaqueruna, numa travessa da rua Antonio Rodovalho. Os cinco filhos viveram juntos com eles durante um tempo; agora estão com a avó materna.

Nas ruas próximas, as histórias se repetem: pessoas que vivem em situação de rua e decidiram ficar perto do depósito. São várias barracas (ou pedaço delas), colchões (ou quase isso, de tão finos), cobertores e mochilas amontoados ao lado do muro. O pedreiro Rafael Alves Souza, de 32 anos, deixou suas coisas ali. Depois que a mãe Leda Souza faleceu, em 2020, ele nunca mais se achou na vida. A pandemia foi outro baque. Os R$ 60 que ganha por dia não são suficientes para pagar aluguel. “Pensei em ir para o centro, mas disseram que a situação está pior. Está assim mesmo?”, perguntou o mineiro de Belo Horizonte.

Existem outros fatores para a diáspora, de acordo com os especialistas. Soler lembra os embates de diversas gestões do poder municipal com os frequentadores da Cracolândia, região marcada pelo uso de drogas, que acabaram espalhando os usuários – a dependência de álcool e outras drogas é um dos principais motivos para os entrevistados estarem na rua (29,5%).

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Além disso, ações de zeladoria e policiamento estariam “empurrando” as pessoas para outras regiões. Nesse contexto, uma ação da Prefeitura causou polêmica. O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, publicou em suas redes sociais vídeos da retirada de pertences dos moradores de rua na Sé. Na visão do padre, a Prefeitura queria “limpar o centro” para o aniversário da cidade.

A Prefeitura afirma que precisa fazer ações de zeladoria, com manutenção e limpeza das áreas públicas, não foram removidos objetos de uso pessoal e que são recolhidos objetos que caracterizam estabelecimento permanente em local público, principalmente quando impedem a circulação.

Largo da Batata, em Pinheiros, é um dos locais distantes da região centralque registraram aumento do número de moradores em situação de rua Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Cidade possui 117 serviços de acolhimento com pernoite

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informou que a cidade de São Paulo já conta com 117 serviços de acolhimento com pernoite para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, sendo 15.116 vagas disponibilizadas.

A Prefeitura lançará, nos próximos dias, o Programa Reencontro, política pública que reúne várias secretarias para proporcionar maior qualidade de vida às pessoas em situação de rua e ampliar e melhorar a rede socioassistencial. De acordo com a Prefeitura, é uma das prioridades da atual administração.

Na esfera estadual, a Secretaria da Assistência Social fechou um convênio com a Prefeitura para repassar R$ 50 milhões por ano para a ampliação do número de vagas para locação social voltada aos moradores em situação de rua, com prioridade para famílias e idosos. / COLABOROU ADRIANA FERRAZ

Famílias que perderam emprego durante a pandemia e não conseguem mais pagar aluguel estão recorrendo cada vez mais a barracas. O uso deste tipo de moradia improvisada cresceu 3,3 vezes entre 2019 e 2021 e se popularizou também na periferia de São Paulo. Associadas ao turismo, as barracas de camping ganharam nova – e triste – dimensão e são usadas para garantir o mínimo de privacidade e proteção para casais com filhos ou mães-solo que ficaram sem teto por causa da crise econômica.

O aumento do número de famílias inteiras em situação de rua foi identificado pelo Censo da População em Situação de Rua da Prefeitura de São Paulo. O número de entrevistados que declaram ter a companhia de alguma pessoa de sua família aumentou. Enquanto em 2019, 20% da população em situação de rua deu esta declaração, em 2021 o porcentual subiu para 28,6%.

Barracas no centro de SP; pelo menos 28,6% dos que vivem nas ruas estão com alguém da família Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O casal Anderson Oliveira, de 36 anos, e Verônica Medeiros, de 33 anos, vive na praça Ouvidor Pacheco Silva, na esquina das ruas São Bento e José Bonifácio, na região central. Eles não estão sozinhos. Brincando por ali estão os filhos Pablo, 10, e Ketlen, 8. Por causa da pandemia, ele perdeu o emprego como atendente de uma rede de fast food em junho do ano passado. Sua mulher, que trabalhava como faxineira de uma empresa de cobrança de crédito, ficou desempregada antes. Sem renda, eles deixaram uma casa em Ermelino Matarazzo, zona leste, e foram pedir ajuda no centro.

Rua Anchieta, com vista para o Pátio do Colégio, no centro de São Paulo; à esquerda imagem da semana passada com barracas de moradores em situação de rua, à direita, registro da calçada vazia em2018 captado pelo Google Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Hoje, os quatro vivem numa barraca, alternativa de moradia de quem está nas ruas a menos de um ano, de acordo com o censo. As “moradias improvisadas” nas ruas, no jargão dos recenseadores, cresceram 230% entre 2019 e 2021. Enquanto no recenseamento anterior havia 2.051 pontos abordados com barracas improvisadas, em 2021 foram computados 6.778 pontos. Os números autenticam a sensação de quem anda pelas ruas. As barracas tomaram conta da paisagem urbana.

A barraca é forrada por cobertores doados pela prefeitura. Eles contam que o chão é frio à noite. As roupas estão em sacos de lixo. Duas mochilas servem de travesseiros. “É só até arrumar emprego para a gente alugar uma casa de novo”, projeta o pai.

Segundo os analistas da Qualitest, empresa que fez o recenseamento, o crescimento do número de barracas e de pessoas nas ruas com alguém da família ajuda a compor “a provável ida de um perfil mais familiar para a situação de rua, possivelmente por motivação econômica”. Essa é a mesma percepção de quem ajuda. “Existe uma nova classe de pessoas que foi para a rua durante a pandemia, que são as famílias”, afirma André Soler, presidente da ONG SP Invisível.

Robson Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População de Rua, conta que, no ano passado, eram quatro a cinco solicitações de barracas por dia; hoje são de 20. Para atender à demanda, ele conta com o apoio de parceiros e faz compras por atacado em sites especializados. Cada barraca sai por cerca de R$ 120. “Na hora de doar uma barraca, a gente dá prioridade para quem está com criança”, diz Robson Mendonça.

Mas não é tudo que o censo capta. Na fila de cerca de 500 pessoas que esperam um marmitex no centro, a dona de casa Mariana não responde onde está dormindo e sai puxando duas meninas pelo braço. Outro fica sem jeito ao responder que não consegue tomar banho todo dia. O censo também não pega a cara de “e agora?” do homem negro que chega atrasado, quando não tinha mais comida.

Famílias em situação de rua estão se espalhando pela cidade. O garçom Guilherme Pereira, de 42 anos, vive numa calçada nas proximidades da Avenida Cruzeiro do Sul, zona norte. De dentro da barraca que divide com a mulher Elisa, grávida de quatro meses, ele tira uma pasta amassada onde guarda os documentos para procurar trabalho. Depois de perder o emprego em uma churrascaria, ele não conseguiu pagar o aluguel de uma pensão no Brás, por volta de R$ 350, só com o dinheiro dos bicos. O jeito é dormir na rua até “conseguir se aprumar”. Já são três meses. Para comer, eles esperam até 15h, quando os restaurantes fazem doações do que sobrou do almoço. Ele quer voltar para a Seabra (BA), onde nasceu, mas não consegue juntar os R$ 370 da passagem.

Barracas de campingviraram alternativa de moradia e passaram a dar proteção para famíliasnaCapital Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Comerciantes explicam que essa calçada não era ocupada anos atrás. A percepção está alinhada ao censo, que aponta “crescimentos bastante significativos da população em situação de rua em regiões como Perus, Vila Maria-Vila Guilherme e Santana-Tucuruvi, na Zona Norte”. O relatório também cita outros bairros das zonas leste e sul. Apesar da maioria da população de rua se concentrar nas áreas centrais da cidade, 14 distritos das regiões Norte, Leste e Sul registram aumento de mais de 100% no total de pessoas nas ruas, segundo dados da gestão municipal.

Esse espalhamento segue algumas regras, como a proximidade com as redes de apoio. No Belenzinho, zona leste, várias barracas foram montadas perto do Núcleo de Convivência São Martinho de Lima, conveniado à Prefeitura de São Paulo. Ali, a população de rua tem três refeições. As barracas – ou lonas amarradas nos muros ou nos galhos de uma árvore – ocupam quase a calçada inteira. É ali que José Sebastião Batistella, de 38 anos, mora. Há dois anos, o ajudante de obras deixou o Rio para tentar emprego em São Paulo. Foi assaltado, perdeu os documentos, confessou envolvimento com drogas e vive na rua há um ano. “Fico aqui porque consigo comer”, diz, mostrando a senha 392 para o almoço.

Nas regiões mais distantes, as oportunidades de trabalho e renda formam outros polos. No Itaim Paulista, também zona leste, Luis Fernando Gomes, de 34 anos, e Greice Assis, de 37, decidiram há um ano viver ao lado de um depósito de ferro-velho para o qual vendem papelão, plástico e cobre para reciclagem. Não é uma barraca, mas um pedaço de plástico amarrado numa árvore, às margens do córrego Itaqueruna, numa travessa da rua Antonio Rodovalho. Os cinco filhos viveram juntos com eles durante um tempo; agora estão com a avó materna.

Nas ruas próximas, as histórias se repetem: pessoas que vivem em situação de rua e decidiram ficar perto do depósito. São várias barracas (ou pedaço delas), colchões (ou quase isso, de tão finos), cobertores e mochilas amontoados ao lado do muro. O pedreiro Rafael Alves Souza, de 32 anos, deixou suas coisas ali. Depois que a mãe Leda Souza faleceu, em 2020, ele nunca mais se achou na vida. A pandemia foi outro baque. Os R$ 60 que ganha por dia não são suficientes para pagar aluguel. “Pensei em ir para o centro, mas disseram que a situação está pior. Está assim mesmo?”, perguntou o mineiro de Belo Horizonte.

Existem outros fatores para a diáspora, de acordo com os especialistas. Soler lembra os embates de diversas gestões do poder municipal com os frequentadores da Cracolândia, região marcada pelo uso de drogas, que acabaram espalhando os usuários – a dependência de álcool e outras drogas é um dos principais motivos para os entrevistados estarem na rua (29,5%).

Além disso, ações de zeladoria e policiamento estariam “empurrando” as pessoas para outras regiões. Nesse contexto, uma ação da Prefeitura causou polêmica. O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, publicou em suas redes sociais vídeos da retirada de pertences dos moradores de rua na Sé. Na visão do padre, a Prefeitura queria “limpar o centro” para o aniversário da cidade.

A Prefeitura afirma que precisa fazer ações de zeladoria, com manutenção e limpeza das áreas públicas, não foram removidos objetos de uso pessoal e que são recolhidos objetos que caracterizam estabelecimento permanente em local público, principalmente quando impedem a circulação.

Largo da Batata, em Pinheiros, é um dos locais distantes da região centralque registraram aumento do número de moradores em situação de rua Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Cidade possui 117 serviços de acolhimento com pernoite

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informou que a cidade de São Paulo já conta com 117 serviços de acolhimento com pernoite para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, sendo 15.116 vagas disponibilizadas.

A Prefeitura lançará, nos próximos dias, o Programa Reencontro, política pública que reúne várias secretarias para proporcionar maior qualidade de vida às pessoas em situação de rua e ampliar e melhorar a rede socioassistencial. De acordo com a Prefeitura, é uma das prioridades da atual administração.

Na esfera estadual, a Secretaria da Assistência Social fechou um convênio com a Prefeitura para repassar R$ 50 milhões por ano para a ampliação do número de vagas para locação social voltada aos moradores em situação de rua, com prioridade para famílias e idosos. / COLABOROU ADRIANA FERRAZ

Famílias que perderam emprego durante a pandemia e não conseguem mais pagar aluguel estão recorrendo cada vez mais a barracas. O uso deste tipo de moradia improvisada cresceu 3,3 vezes entre 2019 e 2021 e se popularizou também na periferia de São Paulo. Associadas ao turismo, as barracas de camping ganharam nova – e triste – dimensão e são usadas para garantir o mínimo de privacidade e proteção para casais com filhos ou mães-solo que ficaram sem teto por causa da crise econômica.

O aumento do número de famílias inteiras em situação de rua foi identificado pelo Censo da População em Situação de Rua da Prefeitura de São Paulo. O número de entrevistados que declaram ter a companhia de alguma pessoa de sua família aumentou. Enquanto em 2019, 20% da população em situação de rua deu esta declaração, em 2021 o porcentual subiu para 28,6%.

Barracas no centro de SP; pelo menos 28,6% dos que vivem nas ruas estão com alguém da família Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O casal Anderson Oliveira, de 36 anos, e Verônica Medeiros, de 33 anos, vive na praça Ouvidor Pacheco Silva, na esquina das ruas São Bento e José Bonifácio, na região central. Eles não estão sozinhos. Brincando por ali estão os filhos Pablo, 10, e Ketlen, 8. Por causa da pandemia, ele perdeu o emprego como atendente de uma rede de fast food em junho do ano passado. Sua mulher, que trabalhava como faxineira de uma empresa de cobrança de crédito, ficou desempregada antes. Sem renda, eles deixaram uma casa em Ermelino Matarazzo, zona leste, e foram pedir ajuda no centro.

Rua Anchieta, com vista para o Pátio do Colégio, no centro de São Paulo; à esquerda imagem da semana passada com barracas de moradores em situação de rua, à direita, registro da calçada vazia em2018 captado pelo Google Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Hoje, os quatro vivem numa barraca, alternativa de moradia de quem está nas ruas a menos de um ano, de acordo com o censo. As “moradias improvisadas” nas ruas, no jargão dos recenseadores, cresceram 230% entre 2019 e 2021. Enquanto no recenseamento anterior havia 2.051 pontos abordados com barracas improvisadas, em 2021 foram computados 6.778 pontos. Os números autenticam a sensação de quem anda pelas ruas. As barracas tomaram conta da paisagem urbana.

A barraca é forrada por cobertores doados pela prefeitura. Eles contam que o chão é frio à noite. As roupas estão em sacos de lixo. Duas mochilas servem de travesseiros. “É só até arrumar emprego para a gente alugar uma casa de novo”, projeta o pai.

Segundo os analistas da Qualitest, empresa que fez o recenseamento, o crescimento do número de barracas e de pessoas nas ruas com alguém da família ajuda a compor “a provável ida de um perfil mais familiar para a situação de rua, possivelmente por motivação econômica”. Essa é a mesma percepção de quem ajuda. “Existe uma nova classe de pessoas que foi para a rua durante a pandemia, que são as famílias”, afirma André Soler, presidente da ONG SP Invisível.

Robson Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População de Rua, conta que, no ano passado, eram quatro a cinco solicitações de barracas por dia; hoje são de 20. Para atender à demanda, ele conta com o apoio de parceiros e faz compras por atacado em sites especializados. Cada barraca sai por cerca de R$ 120. “Na hora de doar uma barraca, a gente dá prioridade para quem está com criança”, diz Robson Mendonça.

Mas não é tudo que o censo capta. Na fila de cerca de 500 pessoas que esperam um marmitex no centro, a dona de casa Mariana não responde onde está dormindo e sai puxando duas meninas pelo braço. Outro fica sem jeito ao responder que não consegue tomar banho todo dia. O censo também não pega a cara de “e agora?” do homem negro que chega atrasado, quando não tinha mais comida.

Famílias em situação de rua estão se espalhando pela cidade. O garçom Guilherme Pereira, de 42 anos, vive numa calçada nas proximidades da Avenida Cruzeiro do Sul, zona norte. De dentro da barraca que divide com a mulher Elisa, grávida de quatro meses, ele tira uma pasta amassada onde guarda os documentos para procurar trabalho. Depois de perder o emprego em uma churrascaria, ele não conseguiu pagar o aluguel de uma pensão no Brás, por volta de R$ 350, só com o dinheiro dos bicos. O jeito é dormir na rua até “conseguir se aprumar”. Já são três meses. Para comer, eles esperam até 15h, quando os restaurantes fazem doações do que sobrou do almoço. Ele quer voltar para a Seabra (BA), onde nasceu, mas não consegue juntar os R$ 370 da passagem.

Barracas de campingviraram alternativa de moradia e passaram a dar proteção para famíliasnaCapital Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Comerciantes explicam que essa calçada não era ocupada anos atrás. A percepção está alinhada ao censo, que aponta “crescimentos bastante significativos da população em situação de rua em regiões como Perus, Vila Maria-Vila Guilherme e Santana-Tucuruvi, na Zona Norte”. O relatório também cita outros bairros das zonas leste e sul. Apesar da maioria da população de rua se concentrar nas áreas centrais da cidade, 14 distritos das regiões Norte, Leste e Sul registram aumento de mais de 100% no total de pessoas nas ruas, segundo dados da gestão municipal.

Esse espalhamento segue algumas regras, como a proximidade com as redes de apoio. No Belenzinho, zona leste, várias barracas foram montadas perto do Núcleo de Convivência São Martinho de Lima, conveniado à Prefeitura de São Paulo. Ali, a população de rua tem três refeições. As barracas – ou lonas amarradas nos muros ou nos galhos de uma árvore – ocupam quase a calçada inteira. É ali que José Sebastião Batistella, de 38 anos, mora. Há dois anos, o ajudante de obras deixou o Rio para tentar emprego em São Paulo. Foi assaltado, perdeu os documentos, confessou envolvimento com drogas e vive na rua há um ano. “Fico aqui porque consigo comer”, diz, mostrando a senha 392 para o almoço.

Nas regiões mais distantes, as oportunidades de trabalho e renda formam outros polos. No Itaim Paulista, também zona leste, Luis Fernando Gomes, de 34 anos, e Greice Assis, de 37, decidiram há um ano viver ao lado de um depósito de ferro-velho para o qual vendem papelão, plástico e cobre para reciclagem. Não é uma barraca, mas um pedaço de plástico amarrado numa árvore, às margens do córrego Itaqueruna, numa travessa da rua Antonio Rodovalho. Os cinco filhos viveram juntos com eles durante um tempo; agora estão com a avó materna.

Nas ruas próximas, as histórias se repetem: pessoas que vivem em situação de rua e decidiram ficar perto do depósito. São várias barracas (ou pedaço delas), colchões (ou quase isso, de tão finos), cobertores e mochilas amontoados ao lado do muro. O pedreiro Rafael Alves Souza, de 32 anos, deixou suas coisas ali. Depois que a mãe Leda Souza faleceu, em 2020, ele nunca mais se achou na vida. A pandemia foi outro baque. Os R$ 60 que ganha por dia não são suficientes para pagar aluguel. “Pensei em ir para o centro, mas disseram que a situação está pior. Está assim mesmo?”, perguntou o mineiro de Belo Horizonte.

Existem outros fatores para a diáspora, de acordo com os especialistas. Soler lembra os embates de diversas gestões do poder municipal com os frequentadores da Cracolândia, região marcada pelo uso de drogas, que acabaram espalhando os usuários – a dependência de álcool e outras drogas é um dos principais motivos para os entrevistados estarem na rua (29,5%).

Além disso, ações de zeladoria e policiamento estariam “empurrando” as pessoas para outras regiões. Nesse contexto, uma ação da Prefeitura causou polêmica. O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, publicou em suas redes sociais vídeos da retirada de pertences dos moradores de rua na Sé. Na visão do padre, a Prefeitura queria “limpar o centro” para o aniversário da cidade.

A Prefeitura afirma que precisa fazer ações de zeladoria, com manutenção e limpeza das áreas públicas, não foram removidos objetos de uso pessoal e que são recolhidos objetos que caracterizam estabelecimento permanente em local público, principalmente quando impedem a circulação.

Largo da Batata, em Pinheiros, é um dos locais distantes da região centralque registraram aumento do número de moradores em situação de rua Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Cidade possui 117 serviços de acolhimento com pernoite

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informou que a cidade de São Paulo já conta com 117 serviços de acolhimento com pernoite para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, sendo 15.116 vagas disponibilizadas.

A Prefeitura lançará, nos próximos dias, o Programa Reencontro, política pública que reúne várias secretarias para proporcionar maior qualidade de vida às pessoas em situação de rua e ampliar e melhorar a rede socioassistencial. De acordo com a Prefeitura, é uma das prioridades da atual administração.

Na esfera estadual, a Secretaria da Assistência Social fechou um convênio com a Prefeitura para repassar R$ 50 milhões por ano para a ampliação do número de vagas para locação social voltada aos moradores em situação de rua, com prioridade para famílias e idosos. / COLABOROU ADRIANA FERRAZ

Famílias que perderam emprego durante a pandemia e não conseguem mais pagar aluguel estão recorrendo cada vez mais a barracas. O uso deste tipo de moradia improvisada cresceu 3,3 vezes entre 2019 e 2021 e se popularizou também na periferia de São Paulo. Associadas ao turismo, as barracas de camping ganharam nova – e triste – dimensão e são usadas para garantir o mínimo de privacidade e proteção para casais com filhos ou mães-solo que ficaram sem teto por causa da crise econômica.

O aumento do número de famílias inteiras em situação de rua foi identificado pelo Censo da População em Situação de Rua da Prefeitura de São Paulo. O número de entrevistados que declaram ter a companhia de alguma pessoa de sua família aumentou. Enquanto em 2019, 20% da população em situação de rua deu esta declaração, em 2021 o porcentual subiu para 28,6%.

Barracas no centro de SP; pelo menos 28,6% dos que vivem nas ruas estão com alguém da família Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O casal Anderson Oliveira, de 36 anos, e Verônica Medeiros, de 33 anos, vive na praça Ouvidor Pacheco Silva, na esquina das ruas São Bento e José Bonifácio, na região central. Eles não estão sozinhos. Brincando por ali estão os filhos Pablo, 10, e Ketlen, 8. Por causa da pandemia, ele perdeu o emprego como atendente de uma rede de fast food em junho do ano passado. Sua mulher, que trabalhava como faxineira de uma empresa de cobrança de crédito, ficou desempregada antes. Sem renda, eles deixaram uma casa em Ermelino Matarazzo, zona leste, e foram pedir ajuda no centro.

Rua Anchieta, com vista para o Pátio do Colégio, no centro de São Paulo; à esquerda imagem da semana passada com barracas de moradores em situação de rua, à direita, registro da calçada vazia em2018 captado pelo Google Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Hoje, os quatro vivem numa barraca, alternativa de moradia de quem está nas ruas a menos de um ano, de acordo com o censo. As “moradias improvisadas” nas ruas, no jargão dos recenseadores, cresceram 230% entre 2019 e 2021. Enquanto no recenseamento anterior havia 2.051 pontos abordados com barracas improvisadas, em 2021 foram computados 6.778 pontos. Os números autenticam a sensação de quem anda pelas ruas. As barracas tomaram conta da paisagem urbana.

A barraca é forrada por cobertores doados pela prefeitura. Eles contam que o chão é frio à noite. As roupas estão em sacos de lixo. Duas mochilas servem de travesseiros. “É só até arrumar emprego para a gente alugar uma casa de novo”, projeta o pai.

Segundo os analistas da Qualitest, empresa que fez o recenseamento, o crescimento do número de barracas e de pessoas nas ruas com alguém da família ajuda a compor “a provável ida de um perfil mais familiar para a situação de rua, possivelmente por motivação econômica”. Essa é a mesma percepção de quem ajuda. “Existe uma nova classe de pessoas que foi para a rua durante a pandemia, que são as famílias”, afirma André Soler, presidente da ONG SP Invisível.

Robson Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População de Rua, conta que, no ano passado, eram quatro a cinco solicitações de barracas por dia; hoje são de 20. Para atender à demanda, ele conta com o apoio de parceiros e faz compras por atacado em sites especializados. Cada barraca sai por cerca de R$ 120. “Na hora de doar uma barraca, a gente dá prioridade para quem está com criança”, diz Robson Mendonça.

Mas não é tudo que o censo capta. Na fila de cerca de 500 pessoas que esperam um marmitex no centro, a dona de casa Mariana não responde onde está dormindo e sai puxando duas meninas pelo braço. Outro fica sem jeito ao responder que não consegue tomar banho todo dia. O censo também não pega a cara de “e agora?” do homem negro que chega atrasado, quando não tinha mais comida.

Famílias em situação de rua estão se espalhando pela cidade. O garçom Guilherme Pereira, de 42 anos, vive numa calçada nas proximidades da Avenida Cruzeiro do Sul, zona norte. De dentro da barraca que divide com a mulher Elisa, grávida de quatro meses, ele tira uma pasta amassada onde guarda os documentos para procurar trabalho. Depois de perder o emprego em uma churrascaria, ele não conseguiu pagar o aluguel de uma pensão no Brás, por volta de R$ 350, só com o dinheiro dos bicos. O jeito é dormir na rua até “conseguir se aprumar”. Já são três meses. Para comer, eles esperam até 15h, quando os restaurantes fazem doações do que sobrou do almoço. Ele quer voltar para a Seabra (BA), onde nasceu, mas não consegue juntar os R$ 370 da passagem.

Barracas de campingviraram alternativa de moradia e passaram a dar proteção para famíliasnaCapital Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Comerciantes explicam que essa calçada não era ocupada anos atrás. A percepção está alinhada ao censo, que aponta “crescimentos bastante significativos da população em situação de rua em regiões como Perus, Vila Maria-Vila Guilherme e Santana-Tucuruvi, na Zona Norte”. O relatório também cita outros bairros das zonas leste e sul. Apesar da maioria da população de rua se concentrar nas áreas centrais da cidade, 14 distritos das regiões Norte, Leste e Sul registram aumento de mais de 100% no total de pessoas nas ruas, segundo dados da gestão municipal.

Esse espalhamento segue algumas regras, como a proximidade com as redes de apoio. No Belenzinho, zona leste, várias barracas foram montadas perto do Núcleo de Convivência São Martinho de Lima, conveniado à Prefeitura de São Paulo. Ali, a população de rua tem três refeições. As barracas – ou lonas amarradas nos muros ou nos galhos de uma árvore – ocupam quase a calçada inteira. É ali que José Sebastião Batistella, de 38 anos, mora. Há dois anos, o ajudante de obras deixou o Rio para tentar emprego em São Paulo. Foi assaltado, perdeu os documentos, confessou envolvimento com drogas e vive na rua há um ano. “Fico aqui porque consigo comer”, diz, mostrando a senha 392 para o almoço.

Nas regiões mais distantes, as oportunidades de trabalho e renda formam outros polos. No Itaim Paulista, também zona leste, Luis Fernando Gomes, de 34 anos, e Greice Assis, de 37, decidiram há um ano viver ao lado de um depósito de ferro-velho para o qual vendem papelão, plástico e cobre para reciclagem. Não é uma barraca, mas um pedaço de plástico amarrado numa árvore, às margens do córrego Itaqueruna, numa travessa da rua Antonio Rodovalho. Os cinco filhos viveram juntos com eles durante um tempo; agora estão com a avó materna.

Nas ruas próximas, as histórias se repetem: pessoas que vivem em situação de rua e decidiram ficar perto do depósito. São várias barracas (ou pedaço delas), colchões (ou quase isso, de tão finos), cobertores e mochilas amontoados ao lado do muro. O pedreiro Rafael Alves Souza, de 32 anos, deixou suas coisas ali. Depois que a mãe Leda Souza faleceu, em 2020, ele nunca mais se achou na vida. A pandemia foi outro baque. Os R$ 60 que ganha por dia não são suficientes para pagar aluguel. “Pensei em ir para o centro, mas disseram que a situação está pior. Está assim mesmo?”, perguntou o mineiro de Belo Horizonte.

Existem outros fatores para a diáspora, de acordo com os especialistas. Soler lembra os embates de diversas gestões do poder municipal com os frequentadores da Cracolândia, região marcada pelo uso de drogas, que acabaram espalhando os usuários – a dependência de álcool e outras drogas é um dos principais motivos para os entrevistados estarem na rua (29,5%).

Além disso, ações de zeladoria e policiamento estariam “empurrando” as pessoas para outras regiões. Nesse contexto, uma ação da Prefeitura causou polêmica. O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, publicou em suas redes sociais vídeos da retirada de pertences dos moradores de rua na Sé. Na visão do padre, a Prefeitura queria “limpar o centro” para o aniversário da cidade.

A Prefeitura afirma que precisa fazer ações de zeladoria, com manutenção e limpeza das áreas públicas, não foram removidos objetos de uso pessoal e que são recolhidos objetos que caracterizam estabelecimento permanente em local público, principalmente quando impedem a circulação.

Largo da Batata, em Pinheiros, é um dos locais distantes da região centralque registraram aumento do número de moradores em situação de rua Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Cidade possui 117 serviços de acolhimento com pernoite

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informou que a cidade de São Paulo já conta com 117 serviços de acolhimento com pernoite para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, sendo 15.116 vagas disponibilizadas.

A Prefeitura lançará, nos próximos dias, o Programa Reencontro, política pública que reúne várias secretarias para proporcionar maior qualidade de vida às pessoas em situação de rua e ampliar e melhorar a rede socioassistencial. De acordo com a Prefeitura, é uma das prioridades da atual administração.

Na esfera estadual, a Secretaria da Assistência Social fechou um convênio com a Prefeitura para repassar R$ 50 milhões por ano para a ampliação do número de vagas para locação social voltada aos moradores em situação de rua, com prioridade para famílias e idosos. / COLABOROU ADRIANA FERRAZ

Famílias que perderam emprego durante a pandemia e não conseguem mais pagar aluguel estão recorrendo cada vez mais a barracas. O uso deste tipo de moradia improvisada cresceu 3,3 vezes entre 2019 e 2021 e se popularizou também na periferia de São Paulo. Associadas ao turismo, as barracas de camping ganharam nova – e triste – dimensão e são usadas para garantir o mínimo de privacidade e proteção para casais com filhos ou mães-solo que ficaram sem teto por causa da crise econômica.

O aumento do número de famílias inteiras em situação de rua foi identificado pelo Censo da População em Situação de Rua da Prefeitura de São Paulo. O número de entrevistados que declaram ter a companhia de alguma pessoa de sua família aumentou. Enquanto em 2019, 20% da população em situação de rua deu esta declaração, em 2021 o porcentual subiu para 28,6%.

Barracas no centro de SP; pelo menos 28,6% dos que vivem nas ruas estão com alguém da família Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O casal Anderson Oliveira, de 36 anos, e Verônica Medeiros, de 33 anos, vive na praça Ouvidor Pacheco Silva, na esquina das ruas São Bento e José Bonifácio, na região central. Eles não estão sozinhos. Brincando por ali estão os filhos Pablo, 10, e Ketlen, 8. Por causa da pandemia, ele perdeu o emprego como atendente de uma rede de fast food em junho do ano passado. Sua mulher, que trabalhava como faxineira de uma empresa de cobrança de crédito, ficou desempregada antes. Sem renda, eles deixaram uma casa em Ermelino Matarazzo, zona leste, e foram pedir ajuda no centro.

Rua Anchieta, com vista para o Pátio do Colégio, no centro de São Paulo; à esquerda imagem da semana passada com barracas de moradores em situação de rua, à direita, registro da calçada vazia em2018 captado pelo Google Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Hoje, os quatro vivem numa barraca, alternativa de moradia de quem está nas ruas a menos de um ano, de acordo com o censo. As “moradias improvisadas” nas ruas, no jargão dos recenseadores, cresceram 230% entre 2019 e 2021. Enquanto no recenseamento anterior havia 2.051 pontos abordados com barracas improvisadas, em 2021 foram computados 6.778 pontos. Os números autenticam a sensação de quem anda pelas ruas. As barracas tomaram conta da paisagem urbana.

A barraca é forrada por cobertores doados pela prefeitura. Eles contam que o chão é frio à noite. As roupas estão em sacos de lixo. Duas mochilas servem de travesseiros. “É só até arrumar emprego para a gente alugar uma casa de novo”, projeta o pai.

Segundo os analistas da Qualitest, empresa que fez o recenseamento, o crescimento do número de barracas e de pessoas nas ruas com alguém da família ajuda a compor “a provável ida de um perfil mais familiar para a situação de rua, possivelmente por motivação econômica”. Essa é a mesma percepção de quem ajuda. “Existe uma nova classe de pessoas que foi para a rua durante a pandemia, que são as famílias”, afirma André Soler, presidente da ONG SP Invisível.

Robson Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População de Rua, conta que, no ano passado, eram quatro a cinco solicitações de barracas por dia; hoje são de 20. Para atender à demanda, ele conta com o apoio de parceiros e faz compras por atacado em sites especializados. Cada barraca sai por cerca de R$ 120. “Na hora de doar uma barraca, a gente dá prioridade para quem está com criança”, diz Robson Mendonça.

Mas não é tudo que o censo capta. Na fila de cerca de 500 pessoas que esperam um marmitex no centro, a dona de casa Mariana não responde onde está dormindo e sai puxando duas meninas pelo braço. Outro fica sem jeito ao responder que não consegue tomar banho todo dia. O censo também não pega a cara de “e agora?” do homem negro que chega atrasado, quando não tinha mais comida.

Famílias em situação de rua estão se espalhando pela cidade. O garçom Guilherme Pereira, de 42 anos, vive numa calçada nas proximidades da Avenida Cruzeiro do Sul, zona norte. De dentro da barraca que divide com a mulher Elisa, grávida de quatro meses, ele tira uma pasta amassada onde guarda os documentos para procurar trabalho. Depois de perder o emprego em uma churrascaria, ele não conseguiu pagar o aluguel de uma pensão no Brás, por volta de R$ 350, só com o dinheiro dos bicos. O jeito é dormir na rua até “conseguir se aprumar”. Já são três meses. Para comer, eles esperam até 15h, quando os restaurantes fazem doações do que sobrou do almoço. Ele quer voltar para a Seabra (BA), onde nasceu, mas não consegue juntar os R$ 370 da passagem.

Barracas de campingviraram alternativa de moradia e passaram a dar proteção para famíliasnaCapital Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Comerciantes explicam que essa calçada não era ocupada anos atrás. A percepção está alinhada ao censo, que aponta “crescimentos bastante significativos da população em situação de rua em regiões como Perus, Vila Maria-Vila Guilherme e Santana-Tucuruvi, na Zona Norte”. O relatório também cita outros bairros das zonas leste e sul. Apesar da maioria da população de rua se concentrar nas áreas centrais da cidade, 14 distritos das regiões Norte, Leste e Sul registram aumento de mais de 100% no total de pessoas nas ruas, segundo dados da gestão municipal.

Esse espalhamento segue algumas regras, como a proximidade com as redes de apoio. No Belenzinho, zona leste, várias barracas foram montadas perto do Núcleo de Convivência São Martinho de Lima, conveniado à Prefeitura de São Paulo. Ali, a população de rua tem três refeições. As barracas – ou lonas amarradas nos muros ou nos galhos de uma árvore – ocupam quase a calçada inteira. É ali que José Sebastião Batistella, de 38 anos, mora. Há dois anos, o ajudante de obras deixou o Rio para tentar emprego em São Paulo. Foi assaltado, perdeu os documentos, confessou envolvimento com drogas e vive na rua há um ano. “Fico aqui porque consigo comer”, diz, mostrando a senha 392 para o almoço.

Nas regiões mais distantes, as oportunidades de trabalho e renda formam outros polos. No Itaim Paulista, também zona leste, Luis Fernando Gomes, de 34 anos, e Greice Assis, de 37, decidiram há um ano viver ao lado de um depósito de ferro-velho para o qual vendem papelão, plástico e cobre para reciclagem. Não é uma barraca, mas um pedaço de plástico amarrado numa árvore, às margens do córrego Itaqueruna, numa travessa da rua Antonio Rodovalho. Os cinco filhos viveram juntos com eles durante um tempo; agora estão com a avó materna.

Nas ruas próximas, as histórias se repetem: pessoas que vivem em situação de rua e decidiram ficar perto do depósito. São várias barracas (ou pedaço delas), colchões (ou quase isso, de tão finos), cobertores e mochilas amontoados ao lado do muro. O pedreiro Rafael Alves Souza, de 32 anos, deixou suas coisas ali. Depois que a mãe Leda Souza faleceu, em 2020, ele nunca mais se achou na vida. A pandemia foi outro baque. Os R$ 60 que ganha por dia não são suficientes para pagar aluguel. “Pensei em ir para o centro, mas disseram que a situação está pior. Está assim mesmo?”, perguntou o mineiro de Belo Horizonte.

Existem outros fatores para a diáspora, de acordo com os especialistas. Soler lembra os embates de diversas gestões do poder municipal com os frequentadores da Cracolândia, região marcada pelo uso de drogas, que acabaram espalhando os usuários – a dependência de álcool e outras drogas é um dos principais motivos para os entrevistados estarem na rua (29,5%).

Além disso, ações de zeladoria e policiamento estariam “empurrando” as pessoas para outras regiões. Nesse contexto, uma ação da Prefeitura causou polêmica. O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, publicou em suas redes sociais vídeos da retirada de pertences dos moradores de rua na Sé. Na visão do padre, a Prefeitura queria “limpar o centro” para o aniversário da cidade.

A Prefeitura afirma que precisa fazer ações de zeladoria, com manutenção e limpeza das áreas públicas, não foram removidos objetos de uso pessoal e que são recolhidos objetos que caracterizam estabelecimento permanente em local público, principalmente quando impedem a circulação.

Largo da Batata, em Pinheiros, é um dos locais distantes da região centralque registraram aumento do número de moradores em situação de rua Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Cidade possui 117 serviços de acolhimento com pernoite

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informou que a cidade de São Paulo já conta com 117 serviços de acolhimento com pernoite para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, sendo 15.116 vagas disponibilizadas.

A Prefeitura lançará, nos próximos dias, o Programa Reencontro, política pública que reúne várias secretarias para proporcionar maior qualidade de vida às pessoas em situação de rua e ampliar e melhorar a rede socioassistencial. De acordo com a Prefeitura, é uma das prioridades da atual administração.

Na esfera estadual, a Secretaria da Assistência Social fechou um convênio com a Prefeitura para repassar R$ 50 milhões por ano para a ampliação do número de vagas para locação social voltada aos moradores em situação de rua, com prioridade para famílias e idosos. / COLABOROU ADRIANA FERRAZ

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