Um desvio milionário do caixa da comissão formatura da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e cinco vitórias na loteria marcam um caso que tem chamado atenção nas redes sociais. Alicia Dudy Muller Veiga, de 25 anos, é acusada pelos colegas de ter desviado quantia aproximada de R$ 920 mil, que seria usada para a formatura dos futuros médicos no final deste ano.
Aos colegas, Alicia disse ter movimentado valor recolhido há quatro anos e sob custódia da Ás Formaturas, por sentir que empresa não estava fazendo bom trabalho, e, posteriormente, ter sido vítima de golpe de uma corretora, onde teria investido o montante. No ano passado, contudo, ela passou a ser investigada por lavagem de dinheiro e estelionato após denúncia de funcionários de uma lotérica, onde ela costumava fazer apostas de alto valor.
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Entenda o que se sabe até agora:
Quem é a estudante acusada de desvio pelos colegas?
Alicia Dudy Muller Veiga, de 25 anos, é integrante da Turma 106.ª da Faculdade de Medicina da USP. Ela presidia da comissão de formatura da turma.
De onde veio todo esse dinheiro supostamente desviado?
É comum que em alguns cursos os alunos já comecem, logo no início da graduação, a recolher e guardar dinheiro para a formatura, tendo em vista que são eventos caros. No caso da Turma 106.ª, o dinheiro para a formatura vinha sendo arrecadado pela empresa Ás Formaturas havia quatro anos.
O que contou Alicia aos colegas?
Aos colegas, Alicia disse que sacou o dinheiro da conta da empresa porque ela não estava prestando bom serviço e decidiu investir o recurso junto à corretora Sentinel Bank e que teria, posteriormente, sofrido um golpe. A estudante investigada diz que a instituição financeira sumiu com cerca de R$ 800 mil e que o restante do valor foi gasto por ela com advogados para tentar reaver a quantia. Questionada pelos demais alunos sobre os comprovantes, ela afirma não ter o contrato de prestação de serviços com o Sentinel Bank porque o documento teria sido levado em um assalto que ela sofreu.
O Estadão tentou contato com Alicia por ligação e mensagem, mas não obteve retorno. As chamadas caíram na caixa postal e as mensagens não foram respondidas. Alunos disseram que ela deixou de frequentar as atividades acadêmica nesta segunda, 16. Procurado, o Sentinel Bank também não foi localizado.
O que os colegas dizem sobre o caso?
Segundo membros da comissão de formatura, Alicia solicitou a transferência dos valores para uma conta pessoal dela sem o aval de outros alunos integrantes do grupo. “Ninguém sabia até o dia 6 de janeiro de 2023 que ela havia retirado dinheiro da conta da Ás”, disse um representante da comissão que não quis ser identificado. Foi nessa data que Alicia, por meio de uma mensagem de Whatsapp no grupo da comissão, afirmou ter perdido todo o dinheiro.
Em nota assinada por todos os alunos da comissão, o grupo afirma que Alicia descumpriu “o Estatuto ao movimentar esse montante sem a assinatura de nenhum outro membro e transferindo-o a uma conta pessoal sua” e que “a atitude não representa moral e eticamente a postura dos demais membros desta comissão e os mais de 110 alunos aderidos”.
Eles prestaram queixas contra ela?
Sim. Na terça-feira, 10, um aluno do curso registrou boletim de ocorrência contra ela. O caso foi registrado no 14.º DP, em Pinheiros, e na sequência encaminhado ao 16º DP, na Vila Clementino, que passou a fazer a investigação.
O que falam os professores do curso?
Em comunicado a professores ao qual o Estadão teve acesso, a diretoria da faculdade diz que foi informada que “a Comissão de Formatura e, portanto, os alunos aderentes à formatura da Turma 106ª, foram vítimas de fraude após investimento do recurso arrecadado para organização das festividades de celebração, que ocorrerá ao final de 2023. Os fatos estão sendo apurados, buscando-se identificar os responsáveis pela fraude e a Diretoria está apoiando na orientação aos alunos envolvidos”.
Essa é a única acusação contra ela?
Não. Outro boletim de ocorrência, de julho do ano passado, foi aberto contra a universitária no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), de São Bernardo do Campo. Ali, ela é investigada por lavagem de dinheiro e estelionato em uma lotérica na Vila Mariana, zona sul de São Paulo.
De acordo com a SSP, uma representante da lotérica compareceu ao Deic e relatou que a mulher vinha realizando apostas em valores altos diariamente, sempre pagos por meio de transferência via Pix.
Em 12 de julho de 2022, quando ela já havia gastado cerca de R$ 461 mil em apostas e até feito amizade com os funcionários da lotérica, a mulher tentou fazer um conjunto de jogos na Lotofácil no total de R$ 891.530. Para isso, apresentou, como prova do pagamento, um agendamento de transferência via Pix. As funcionárias, então, começaram a registrar os jogos e a entregar os comprovantes para a apostadora, mas a gerente desconfiou da situação e questionou a estudante sobre quando o dinheiro cairia.
Ainda conforme a polícia, a aluna de Medicina, então, tentou “ludibriar” os funcionários da lotérica ao mostrar um comprovante de transferência no valor de R$ 891,53, mas a gerente ordenou que as apostas fossem interrompidas. Naquela altura, porém, Alicia já havia recebido os comprovantes de R$ 193 mil em apostas mesmo tendo pago à lotérica menos de R$ 900. Ela saiu do local com os canhotos das apostas que conseguiu efetuar, deixando um prejuízo de R$ 192.908,47.
O que ela fez com o dinheiro supostamente desviado da comissão de formatura?
Apenas o inquérito policial será capaz de responder se, de fato, houve desvio e, em caso positivo, para que o montante foi utilizado.
Contudo, segundo relataram os proprietários do estabelecimento que a acusa de golpe, Alicia vinha, desde abril de 2022, fazendo apostas de cerca de R$ 9 mil diariamente. Ela chegou a ganhar cinco vezes na loteria e faturar, no total, R$ 326 mil em premiações da Lotofácil, diz a Polícia Civil, com base em informações que relatam ter recebido do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que monitora transações financeiras.
A delegada Katia Regina Cristofaro Martins, do Deic de São Bernardo, que investiga o caso da lotérica, contou ao Estadão que ela e sua equipe não tinham a informação sobre a possível apropriação indébita de quase R$ 1 milhão dos alunos de Medicina da USP por parte da Alicia. “Fiquei sabendo desse fato novo na última sexta-feira. Agora temos uma pista da origem do dinheiro (usado nas apostas) e pretendo colher depoimento dos alunos da comissão de formatura e da empresa envolvida”, afirmou.
O que diz a Às Formaturas?
A empresa Ás Formaturas afirmou que “todas as transferências foram realizadas rigorosamente conforme estabelecido nas cláusulas contratuais” e disse estar “à disposição das autoridades para o fornecimento de contratos, documentos, e-mails e demais informações”.
O que diz o Sentinel Bank?
A reportagem não conseguiu localizar representantes do Sentinel Bank.