Enel sairá de SP? Vai pagar indenização? Rede foi reforçada? 9 dúvidas sobre a crise do apagão


Empresa de energia elétrica é alvo de apuração, em processo que pode levar à perda da concessão. Distribuidora diz manter operação reforçada diante da chuva neste fim de semana

Por Redação

A crise de fornecimento de energia elétrica em São Paulo e na região metropolitana, que se arrastou desde a tempestade de sexta-feira, 11, prejudicou cerca de 3,1 milhões de imóveis. A responsável pelo serviço, concessionária Enel, é alvo de processo disciplinar aberto pelo governo federal, o que pode levar até a perda da concessão. A empresa italiana diz ter reforçado a operação neste fim de semana diante das novas chuvas previstas na região.

Moradores da Rua Catão, no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo, ficaram sem energia por pelo menos dois dias desde sexta-feira, 11, quando uma tempestade causou danos à fiação. Foto: Werther Satnana/Estadão

Por que tantos apagões em São Paulo?

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A Enel justifica as frequentes interrupções no serviço de energia em São Paulo nos últimos anos às mudanças climáticas. “Temos energia em todas as casas hoje no Brasil por conta do método de rede aérea (de fiação elétrica via postes). Mas essa rede aérea é mais suscetível a eventos climáticos”, afirmou o presidente da Enel São Paulo, Guilherme Lencastre, nesta quinta-feira, 17.

Na data do último grande apagão, 11 de outubro, uma tempestade causou ventos com velocidade superior a 100 quilômetros por hora. Houve queda de 386 árvores somente na capital paulista, conforme dados da Prefeitura e muitas delas acertaram a fiação.

Lencastre também afirmou que a rede elétrica de São Paulo é antiga, com pontos de instalação de mais de 100 anos, e demandam investimento de longo prazo para modernização. Especialistas destacam que é preciso acelerar a adaptação a eventos climáticos mais extremos e intensos.

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O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, também defende que os eventos climáticos extremos precisam ser considerados na operação de concessionárias como a Enel, especialmente as que prestam serviços públicos essenciais. “A empresa tem o dever legal de estar preparada para extremos climáticos. Não dá para colocar a culpa em São Pedro”, afirmou ao Estadão.

O TCU exigiu que a Enel passe a compartilhar, em tempo real, as informações de seu centro de controle operacional com a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) e com as prefeituras das cidades atingidas pelo apagão. A companhia disse que não tem problema em divulgar dados, sendo uma concessionária de serviço público.

Nos últimos meses, já tinham sido registradas quedas de luz no centro de São Paulo. Assim como nas regiões leste e norte da capital e em Guarulhos, região metropolitana. Em novembro de 2023, parte da população sofreu com blecaute que afetou 2,2 milhões de imóveis.

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Comerciantes da Rua Joaquim Antunes, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, trabalharam à luz de vela por causa do apagão. Foto: Fábio Vieira/Estadão

O que a Enel afirma ter feito para evitar novos apagões?

O plano de investimentos da Enel prevê R$ 20 bilhões para todo o País até 2026 - para São Paulo, cerca de R$ 2 bilhões por ano, 45% a mais do que a média anual dos últimos últimos seis anos. Hoje, o investimento é de R$ 1,4 bilhão na região, segundo a companhia.

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Relatórios da própria empresa mostram queda de 16% no volume de investimento no ano passado, de R$ 1,95 bilhão para R$ 1,64 bilhão. Na área de manutenção, a queda foi de 8%, de R$ 799 milhões para R$ 737 milhões.

No seu balanço consolidado de 2023, a empresa reportou 15.721 trabalhadores. Em 2020 eram quase 27 mil. A concessionária diz que “não reduziu a força de trabalho que atua em campo e tem aumentado o seu quadro de eletricistas próprios”.

Na crise desta semana, a Enel diz ter mobilizado eletricistas de outras cidades e até da Itália para ajudar –, são 2,4 mil profissionais na região metropolitana.

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A empresa também afirma que tem investido em aparelhos para acelerar a detecção de danos à rede elétrica e reparos, assim como contratar e capacitar 1,2 mil novos eletricistas até março de 2025 – o treinamento dos profissionais dura seis meses e é obrigatório para que comecem na empresa.

Para atender casos críticos, a Enel diz que disponibilizou “500 geradores (40 de grande porte) para serviços essenciais, como hospitais, e clientes que dependem de eletricidade para manutenção de equipamentos hospitalares, por exemplo”.

Em agosto, a concessionária divulgou um projeto-piloto que testará mudanças na rede da Grande São Paulo, com foco em resiliência climática. A partir de janeiro, os resultados colhidos, em termos de diminuição de interrupções do serviço e tempo de religamento, serão analisados.

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Os bairros Parque dos Príncipes e Alto de Pinheiros, na zona oeste da capital, e Alvarenga, em São Bernardo do Campo, fazem parte do experimento e estão recebendo nova fiação, mais resistente à queda de árvores; transmissores inteligentes; e intensificação do serviço de poda.

Segundo a empresa, o experimento deve resultar em um projeto de expansão para outras áreas – ainda sem data e escopo previstos.

Quais os motivos da demora e da falta de previsão para religar a energia?

Lencastre atribuiu a demora no restabelecimento do serviço e a dificuldade em informar previsões ao tamanho do impacto na rede – segundo a companhia, houve queda de postes 40% maior do que no apagão de novembro de 2023.

A Enel também justifica a demora pela dificuldade de acesso a alguns pontos que necessitam reparo, principalmente por conta das árvores caídas e possíveis riscos à vida dos eletricistas.

Como mostrou o Estadão, a dificuldade da Enel São Paulo de reagir em situações climáticas mais críticas piorou entre outubro de 2023 e agosto deste ano. Desde que a empresa assumiu a concessão, os indicadores de qualidade — que medem a duração e a frequência de interrupções de energia — melhoraram nos dias comuns, mas em situações emergenciais se agravaram.

Em nota, a Enel afirmou que, entre 2018 e 2023, investiu R$ 8,3 bilhões em São Paulo, “com melhoria dos indicadores oficiais de qualidade da distribuidora”. “Entre 2017 e 2023, a duração média das interrupções de energia (DEC) melhorou 42% e a frequência média de interrupções (FEC) melhorou 45%”, complementa.

Mas, dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que o tempo médio de duração das interrupções em situações de emergência subiu de 2,83 horas em outubro de 2023 para 12,68 em agosto deste ano e a frequência subiu de 0,73 vezes para 1,56. Segundo a agência, para se enquadrar nessa situação, as distribuidoras têm de comprovar a impossibilidade de atuação imediata para resolver os problemas.

Especializado no setor de Energia, o advogado Urias Martiniano Neto afirmou ao Estadão que “não ter um prazo para informar não pode ser admitido. É pouquíssimo provável que a Enel não saiba um prazo. Se não tiver, não conhece a rede que tem. Não seria concebível não saber”, completa.

Na cidade de São Paulo, a Enel possui 43 mil quilômetros de rede de distribuição em toda a área de concessão, sendo 40 mil quilômetros aérea e 2,6 mil quilômetros subterrânea.

Farol da rua Joaquim Antunes com a rua Cardeal Arcoverde, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, ficou sem energia durante último apagão. Foto: Fábio Vieira/Estadão

Aterramento de fios é alternativa viável?

Os apagões trouxeram de volta a discussão sobre o enterramento de fios de energia elétrica na capital. A solução é apontada por especialistas como eficaz para evitar blecautes em dias de ventos fortes e chuvas intensas e é pleiteada por moradores, mas enfrenta entraves como custos altos e desafios logísticos.

Um dos principais benefícios do aterramento de fios é a proteção contra queda de árvores, uma das principais causas das interrupções de energia em momentos de crise por eventos climáticos. A alternativa também diminui o desgaste causado pela chuva e os problemas de roubo de fios, além de melhorar a segurança, a confiabilidade e a disponibilidade da rede de distribuição de energia, de acordo com especialistas.

Só na região central de São Paulo seriam necessários R$ 20 bilhões, estima a Prefeitura. Também não há consenso sobre quem ficaria responsável por arcar com todo este custo. E o processo levaria bastante tempo para ser concluído.

“É quase um artesanato. Tem de ir fazendo trecho a trecho, porque embaixo das calçadas tem uma rede de tubulação de água da chuva, de abastecimento de água, de coleta de esgoto, de gás, e o mapeamento dessa rede subterrânea está tão bagunçado”, diz Anderson Kazuo Nakano, especialista em urbanismo e professor da Unifesp.

“Antes de pensar no enterramento dos fios, o que percebemos é que a rede de distribuição de energia está fora de controle. O monitoramento da rede está falhando, porque nessa situação emergencial tinham que ter dados para, pelo menos, saber onde é que está acontecendo esses problemas”, afirma o professor.

Lencastre argumenta que o padrão da rede elétrica adotado por todas as distribuidoras no Brasil é de redes aéreas e “apesar da maior confiabilidade do fornecimento de energia proporcionada pelas redes subterrâneas, quando ocorrem falhas, o trabalho de recomposição do serviço é mais complexo, pois exige maior cuidado com as condições de segurança para que os técnicos possam atuar”.

A companhia esclareceu ainda que o enterramento de cabos ocorre “em casos específicos e seguindo critérios técnicos e econômicos quando o investimento é considerado prudente”, já que “os investimentos realizados nas redes de distribuição no País devem prever a razoabilidade dos custos, pois são repassados às tarifas de energia de todos os consumidores nos processos de revisão tarifária das distribuidoras”.

Sobre o monitoramento da rede, a Enel diz que tem aprimorado esse quesito com a instalação de telecomunicadores de rede, mas diz que suas possibilidades de investimento em tecnologia são limitadas pelos termos do contrato de concessão, de 1998, que teria pouca vazão na parte de resiliência climática e investimentos mais arrojados.

A Enel vai indenizar quem teve prejuízo?

Guilherme Lencastre afirma que a indenização aos moradores da cidade de São Paulo e região metropolitana que ficaram sem energia durante dias será tratada ‘caso a caso’. A declaração foi feita na manhã desta sexta-feira, 18, em entrevista à GloboNews.

Os clientes afetados podem fazer pedidos de ressarcimento de danos pelos canais de atendimento da concessionária, na agência virtual do site da companhia, no aplicativo, pelo telefone 0800 72 72 120 ou presencialmente em qualquer loja de atendimento (os endereços constam no site).

O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, disse nesta segunda-feira, 14, que serão tomadas medidas para ressarcir consumidores afetados pela falta de energia em São Paulo. Ele disse que o governo federal fará uma reunião com o Procon de São Paulo para mapear os prejuízos e exigir ressarcimentos da Enel. Até o momento, nada definitivo foi divulgado.

A concessionária já recebeu penalizações de Aneel, Procon e Senacon ao longo dos últimos anos, somando quase R$ 400 milhões em multas, mas a Justiça suspendeu o pagamento da maior parte do valor. Só na Aneel, a empresa acumula oito penalidades desde 2018, as quais somam multas de mais de R$ 320,8 milhões. As mais altas foram suspensas na Justiça e menos de 20% das penalidades foram pagas.

Dentre os motivos das multas aplicadas pela Aneel, estão “qualidade do fornecimento”, “descumprimento de determinação” e “qualidade do atendimento ao consumidor”, dentre outras.

Além disso, desde 2018, a Enel já pagou cerca de R$ 400 milhões aos consumidores a título de compensação pelo descumprimento dos limites de continuidade no fornecimento. É uma espécie de multa automática que a concessionária paga quando demora, por exemplo, por desligar a energia sem que tenha havido a falta de pagamento ou, ainda, quando ultrapassa o horário estipulado para a manutenção de linhas, deixando consumidores sem energia mais tempo do que o previsto.

O apagão teria causado, até segunda-feira, 14, perdas brutas de cerca de R$ 1,65 bilhão para os setores de varejo e serviços, segundo cálculos da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). A instituição considerou o faturamento estimado que ambos os setores deixaram de registrar por três dias.

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de SP (Fhoresp) disse que pretende processar a Enel por prejuízos. O órgão, que representa 502 mil estabelecimentos, disse que metade deles fica nas regiões afetadas.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel-SP) também prometeu ajuizar nova ação contra a concessionária pedindo indenização a bares e restaurantes. A associação estima que cerca de 50% dos 155 restaurantes e bares da capital paulista associados foram afetados de alguma forma e tiveram prejuízo mínimo de cerca de R$ 10 mil.

A população, em geral, reclamou de perda de medicamento e comida por falta de refrigeração, assim como impossibilidade de trabalhar, já que a internet residencial wi-fi não funciona sem energia elétrica. O Procon notificou a Enel por demora em restabelecer fornecimento de energia.

Cruzamento da Av. Henrique Schaumann com a Rua Teodoro Sampaio, na zona oeste, com os semáforos desligados por falta de energia elétrica em 13 de outubro. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Qual o histórico da Enel em outras cidades e países?

A crise de fornecimento de energia elétrica em São Paulo não é a primeira a ter a Enel no centro da questão. A companhia já tinha um histórico de problemas em Goiás, e registra falhas e ações movidas pelo Ministério Público em cidades do Rio de Janeiro e do Ceará. A concessionária enfrenta questionamentos até em filiais fora do País, como o caso do braço da empresa que opera no Chile.

Em Goiás, após sucessivos apagões que resultaram em prejuízos para produtores rurais e desassistência à população, a companhia foi praticamente “expulsa” pelo governo do Estado, que mobilizou o Ministério Público Federal, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel para encerrar a atividade da empresa em solo goiano.

No Rio, o Ministério Público Estadual já abriu ações contra a empresa por problemas que se repetem no fornecimento em pelo menos cinco cidades: Niterói, Petrópolis, Paraty, Duas Barras e Resende. Há apagões, demora em restabelecer o serviço e falta de prazos.

No Ceará, a Assembleia Legislativa do Estado (Alece) e o Ministério Público (MP-CE) adotaram medidas contra a Enel desde 2019 por conta de apagões que têm prejudicado o comércio, o turismo e a área da saúde. Os fatos são descritos no relatório da CPI da Enel, publicado em maio deste ano. Os parlamentares pedem a caducidade do contrato.

No Chile, em agosto, o presidente Gabriel Boric determinou que sua equipe reveja a concessão da Enel após um grande apagão. Na ocasião, Boric subiu o tom contra a Enel e disse que o comportamento da empresa é “inaceitável”.

O contrato com a Enel em SP pode ser cancelado?

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) intimou a Enel para que apresente justificativas e proposta de adequação imediata do serviço em São Paulo diante dos apagões e ocorrências registradas na última sexta, 11, e no sábado, 12.

A Aneel afirmou, em nota, que os diretores da instituição vão analisar a proposta da empresa. Caso a Enel “não apresente solução satisfatória e imediata da prestação do serviço”, a agência vai instaurar “processo de recomendação da caducidade da concessão junto ao MME (Ministério de Minas e Energia)”.

O Ministério de Minas e Energia já havia aberto um processo disciplinar contra a Enel. A Corte de Contas já investigava o blecaute em São Paulo de novembro de 2023, quando 2,1 milhões de imóveis ficaram sem energia elétrica – alguns, por mais de cinco dias.

Nos últimos dias, todos os lados políticos se levantaram contra a companhia, pressionando pelo fim da concessão do contrato da Enel. A empresa se transformou em alvo do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do seu oponente nesta eleição, Guilherme Boulos (PSOL).

As críticas também vieram do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A principal queixa é porque a Enel, ao longo dos últimos anos, reduziu o quadro de funcionários e, mais recentemente, cortou investimentos. Assim, não estaria conseguindo prestar um serviço minimamente aceitável.

Em setembro, houve falha no fornecimento de energia na Rua 25 de Março, um dos principais centros de comércio popular da capital. Foto: Taba Benedicto/ Estadão

O advogado Urias Martiniano Neto avalia que a Aneel precisa fazer uma avaliação essencialmente técnica, com a identificação das causas do apagão e da demora na resolução, considerando o que está no contrato. Um fator a considerar, segundo ele, é o cumprimento de melhorias no sistema após o apagão de novembro do ano passado. “De certa forma, existe uma reincidência”, avalia.

Para o advogado, uma eventual caducidade do contrato precisa ser avaliada em meio a uma discussão sobre como ficaria a operação do serviço depois. Além disso, seria uma “medida extrema”, embora esteja prevista em contrato e por meio de decreto, pode gerar a necessidade de reembolso à concessionária, por exemplo. “Não é um processo simples”, destaca.

Na coletiva de imprensa de quinta-feira, 17, o presidente da concessionária em São Paulo disse que o contrato de concessão está sendo cumprido, inclusive as cláusulas que determinam fatores que, quando não cumpridos, podem levar à caducidade.

O que é papel da Prefeitura e o que é dever da Enel?

Apesar de a responsabilidade do fornecimento e dos reparos na rede de energia elétrica de São Paulo serem da Enel, a Prefeitura tem o dever de realizar a poda das árvores na cidade – mas algumas dessas podas demandam intervenção da Enel primeiro, ou seja, é uma demanda compartilhada.

Conforme dados da Prefeitura de São Paulo, havia na quarta-feira, 16, na cidade, 6.081 pedidos de podas de árvore que necessitam da intervenção prévia da Enel para afastar folhas e galhos que estão em contato com a rede elétrica em aberto. O número é quase o dobro do ano passado, quando eram 3.690 pedidos em aberto em novembro, mês do segundo pior apagão dos últimos anos.

A Enel, por sua vez, apresentou outros dados. Disse que “estão em aberto e dentro do prazo acordado cerca de 1,8 mil solicitações de poda realizadas pela Prefeitura, sendo dessas apenas 130 em atraso”. A empresa afirma também que “realiza reuniões semanais com representantes do Município para acompanhar esse trabalho”.

Na segunda-feira, 14, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que “mais de 50% dos eventos relacionados à falta de luz foram causados por árvores caindo em cima do sistema de média e baixa tensão em São Paulo”. Desde sexta-feira, a Prefeitura registrou 386 ocorrências de quedas de árvores na capital. Desse total, 49 precisariam da intervenção da Enel por terem atingido a fiação.

A Prefeitura moveu ação contra a Enel exigindo o restabelecimento do serviço e o prefeito Ricardo Nunes (MDB), em campanha eleitoral, tem adotado discurso acusatório e combativo contra a concessionária por conta dos apagões.

Em sua última declaração, o prefeito chegou a dizer que a prefeitura pretende colocar câmeras na porta das garagens da Enel para monitorar os caminhões de reparo à instalações elétricas, de modo a monitorar o serviço. O prefeito também afirmou que prevê remanejar agentes para acompanhar 24 horas os veículos da Enel.

O que está sendo feito para a próxima chuva?

Para os próximos dias, a previsão é de que novos temporais atinjam a cidade, alertou a Defesa Civil do Estado de São Paulo. São esperados ventos de até 60 km/h na capital entre sexta-feira, 18, e domingo, 20, além de possibilidade de queda de granizo em pontos específicos da cidade.

A Enel afirma que mantém o efetivo de profissionais reforçado, mesmo estando em operação “normal” atualmente – a empresa diz que o número de 36 mil imóveis sem luz, divulgado nesta quinta-feira, 17, já é considerado “normal”, pelo histórico da concessão. O reforço no efetivo seria em prevenção a possíveis novos danos causados pela nova tempestade prevista para o fim de semana.

Segundo Guilherme Lencastre, presidente da Enel São Paulo, cerca de 2,4 mil profissionais atuam para manter e reparar danos na rede elétrica paulista, sendo a maioria deles eletricistas. “Estamos aproveitando a equipe maior para fazer inspeções na rede, para ver onde estão os defeitos e fazendo as correções, além de manter a prontidão”, disse o presidente.

A Defesa Civil realizou reunião com empresas de energia elétrica, entre elas a Enel, nesta quinta-feira, 17, para discutir medidas preparatórias para os eventos climáticos. Ficou determinado que o órgão estadual terá agentes nos centros de operações da Enel e de outras quatro concessionárias de energia elétrica no Estado para fiscalizar as empresas e garantir que elas cumprirão à risca seus planos de contingência nesse próximo evento climático.

A crise de fornecimento de energia elétrica em São Paulo e na região metropolitana, que se arrastou desde a tempestade de sexta-feira, 11, prejudicou cerca de 3,1 milhões de imóveis. A responsável pelo serviço, concessionária Enel, é alvo de processo disciplinar aberto pelo governo federal, o que pode levar até a perda da concessão. A empresa italiana diz ter reforçado a operação neste fim de semana diante das novas chuvas previstas na região.

Moradores da Rua Catão, no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo, ficaram sem energia por pelo menos dois dias desde sexta-feira, 11, quando uma tempestade causou danos à fiação. Foto: Werther Satnana/Estadão

Por que tantos apagões em São Paulo?

A Enel justifica as frequentes interrupções no serviço de energia em São Paulo nos últimos anos às mudanças climáticas. “Temos energia em todas as casas hoje no Brasil por conta do método de rede aérea (de fiação elétrica via postes). Mas essa rede aérea é mais suscetível a eventos climáticos”, afirmou o presidente da Enel São Paulo, Guilherme Lencastre, nesta quinta-feira, 17.

Na data do último grande apagão, 11 de outubro, uma tempestade causou ventos com velocidade superior a 100 quilômetros por hora. Houve queda de 386 árvores somente na capital paulista, conforme dados da Prefeitura e muitas delas acertaram a fiação.

Lencastre também afirmou que a rede elétrica de São Paulo é antiga, com pontos de instalação de mais de 100 anos, e demandam investimento de longo prazo para modernização. Especialistas destacam que é preciso acelerar a adaptação a eventos climáticos mais extremos e intensos.

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, também defende que os eventos climáticos extremos precisam ser considerados na operação de concessionárias como a Enel, especialmente as que prestam serviços públicos essenciais. “A empresa tem o dever legal de estar preparada para extremos climáticos. Não dá para colocar a culpa em São Pedro”, afirmou ao Estadão.

O TCU exigiu que a Enel passe a compartilhar, em tempo real, as informações de seu centro de controle operacional com a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) e com as prefeituras das cidades atingidas pelo apagão. A companhia disse que não tem problema em divulgar dados, sendo uma concessionária de serviço público.

Nos últimos meses, já tinham sido registradas quedas de luz no centro de São Paulo. Assim como nas regiões leste e norte da capital e em Guarulhos, região metropolitana. Em novembro de 2023, parte da população sofreu com blecaute que afetou 2,2 milhões de imóveis.

Comerciantes da Rua Joaquim Antunes, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, trabalharam à luz de vela por causa do apagão. Foto: Fábio Vieira/Estadão

O que a Enel afirma ter feito para evitar novos apagões?

O plano de investimentos da Enel prevê R$ 20 bilhões para todo o País até 2026 - para São Paulo, cerca de R$ 2 bilhões por ano, 45% a mais do que a média anual dos últimos últimos seis anos. Hoje, o investimento é de R$ 1,4 bilhão na região, segundo a companhia.

Relatórios da própria empresa mostram queda de 16% no volume de investimento no ano passado, de R$ 1,95 bilhão para R$ 1,64 bilhão. Na área de manutenção, a queda foi de 8%, de R$ 799 milhões para R$ 737 milhões.

No seu balanço consolidado de 2023, a empresa reportou 15.721 trabalhadores. Em 2020 eram quase 27 mil. A concessionária diz que “não reduziu a força de trabalho que atua em campo e tem aumentado o seu quadro de eletricistas próprios”.

Na crise desta semana, a Enel diz ter mobilizado eletricistas de outras cidades e até da Itália para ajudar –, são 2,4 mil profissionais na região metropolitana.

A empresa também afirma que tem investido em aparelhos para acelerar a detecção de danos à rede elétrica e reparos, assim como contratar e capacitar 1,2 mil novos eletricistas até março de 2025 – o treinamento dos profissionais dura seis meses e é obrigatório para que comecem na empresa.

Para atender casos críticos, a Enel diz que disponibilizou “500 geradores (40 de grande porte) para serviços essenciais, como hospitais, e clientes que dependem de eletricidade para manutenção de equipamentos hospitalares, por exemplo”.

Em agosto, a concessionária divulgou um projeto-piloto que testará mudanças na rede da Grande São Paulo, com foco em resiliência climática. A partir de janeiro, os resultados colhidos, em termos de diminuição de interrupções do serviço e tempo de religamento, serão analisados.

Os bairros Parque dos Príncipes e Alto de Pinheiros, na zona oeste da capital, e Alvarenga, em São Bernardo do Campo, fazem parte do experimento e estão recebendo nova fiação, mais resistente à queda de árvores; transmissores inteligentes; e intensificação do serviço de poda.

Segundo a empresa, o experimento deve resultar em um projeto de expansão para outras áreas – ainda sem data e escopo previstos.

Quais os motivos da demora e da falta de previsão para religar a energia?

Lencastre atribuiu a demora no restabelecimento do serviço e a dificuldade em informar previsões ao tamanho do impacto na rede – segundo a companhia, houve queda de postes 40% maior do que no apagão de novembro de 2023.

A Enel também justifica a demora pela dificuldade de acesso a alguns pontos que necessitam reparo, principalmente por conta das árvores caídas e possíveis riscos à vida dos eletricistas.

Como mostrou o Estadão, a dificuldade da Enel São Paulo de reagir em situações climáticas mais críticas piorou entre outubro de 2023 e agosto deste ano. Desde que a empresa assumiu a concessão, os indicadores de qualidade — que medem a duração e a frequência de interrupções de energia — melhoraram nos dias comuns, mas em situações emergenciais se agravaram.

Em nota, a Enel afirmou que, entre 2018 e 2023, investiu R$ 8,3 bilhões em São Paulo, “com melhoria dos indicadores oficiais de qualidade da distribuidora”. “Entre 2017 e 2023, a duração média das interrupções de energia (DEC) melhorou 42% e a frequência média de interrupções (FEC) melhorou 45%”, complementa.

Mas, dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que o tempo médio de duração das interrupções em situações de emergência subiu de 2,83 horas em outubro de 2023 para 12,68 em agosto deste ano e a frequência subiu de 0,73 vezes para 1,56. Segundo a agência, para se enquadrar nessa situação, as distribuidoras têm de comprovar a impossibilidade de atuação imediata para resolver os problemas.

Especializado no setor de Energia, o advogado Urias Martiniano Neto afirmou ao Estadão que “não ter um prazo para informar não pode ser admitido. É pouquíssimo provável que a Enel não saiba um prazo. Se não tiver, não conhece a rede que tem. Não seria concebível não saber”, completa.

Na cidade de São Paulo, a Enel possui 43 mil quilômetros de rede de distribuição em toda a área de concessão, sendo 40 mil quilômetros aérea e 2,6 mil quilômetros subterrânea.

Farol da rua Joaquim Antunes com a rua Cardeal Arcoverde, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, ficou sem energia durante último apagão. Foto: Fábio Vieira/Estadão

Aterramento de fios é alternativa viável?

Os apagões trouxeram de volta a discussão sobre o enterramento de fios de energia elétrica na capital. A solução é apontada por especialistas como eficaz para evitar blecautes em dias de ventos fortes e chuvas intensas e é pleiteada por moradores, mas enfrenta entraves como custos altos e desafios logísticos.

Um dos principais benefícios do aterramento de fios é a proteção contra queda de árvores, uma das principais causas das interrupções de energia em momentos de crise por eventos climáticos. A alternativa também diminui o desgaste causado pela chuva e os problemas de roubo de fios, além de melhorar a segurança, a confiabilidade e a disponibilidade da rede de distribuição de energia, de acordo com especialistas.

Só na região central de São Paulo seriam necessários R$ 20 bilhões, estima a Prefeitura. Também não há consenso sobre quem ficaria responsável por arcar com todo este custo. E o processo levaria bastante tempo para ser concluído.

“É quase um artesanato. Tem de ir fazendo trecho a trecho, porque embaixo das calçadas tem uma rede de tubulação de água da chuva, de abastecimento de água, de coleta de esgoto, de gás, e o mapeamento dessa rede subterrânea está tão bagunçado”, diz Anderson Kazuo Nakano, especialista em urbanismo e professor da Unifesp.

“Antes de pensar no enterramento dos fios, o que percebemos é que a rede de distribuição de energia está fora de controle. O monitoramento da rede está falhando, porque nessa situação emergencial tinham que ter dados para, pelo menos, saber onde é que está acontecendo esses problemas”, afirma o professor.

Lencastre argumenta que o padrão da rede elétrica adotado por todas as distribuidoras no Brasil é de redes aéreas e “apesar da maior confiabilidade do fornecimento de energia proporcionada pelas redes subterrâneas, quando ocorrem falhas, o trabalho de recomposição do serviço é mais complexo, pois exige maior cuidado com as condições de segurança para que os técnicos possam atuar”.

A companhia esclareceu ainda que o enterramento de cabos ocorre “em casos específicos e seguindo critérios técnicos e econômicos quando o investimento é considerado prudente”, já que “os investimentos realizados nas redes de distribuição no País devem prever a razoabilidade dos custos, pois são repassados às tarifas de energia de todos os consumidores nos processos de revisão tarifária das distribuidoras”.

Sobre o monitoramento da rede, a Enel diz que tem aprimorado esse quesito com a instalação de telecomunicadores de rede, mas diz que suas possibilidades de investimento em tecnologia são limitadas pelos termos do contrato de concessão, de 1998, que teria pouca vazão na parte de resiliência climática e investimentos mais arrojados.

A Enel vai indenizar quem teve prejuízo?

Guilherme Lencastre afirma que a indenização aos moradores da cidade de São Paulo e região metropolitana que ficaram sem energia durante dias será tratada ‘caso a caso’. A declaração foi feita na manhã desta sexta-feira, 18, em entrevista à GloboNews.

Os clientes afetados podem fazer pedidos de ressarcimento de danos pelos canais de atendimento da concessionária, na agência virtual do site da companhia, no aplicativo, pelo telefone 0800 72 72 120 ou presencialmente em qualquer loja de atendimento (os endereços constam no site).

O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, disse nesta segunda-feira, 14, que serão tomadas medidas para ressarcir consumidores afetados pela falta de energia em São Paulo. Ele disse que o governo federal fará uma reunião com o Procon de São Paulo para mapear os prejuízos e exigir ressarcimentos da Enel. Até o momento, nada definitivo foi divulgado.

A concessionária já recebeu penalizações de Aneel, Procon e Senacon ao longo dos últimos anos, somando quase R$ 400 milhões em multas, mas a Justiça suspendeu o pagamento da maior parte do valor. Só na Aneel, a empresa acumula oito penalidades desde 2018, as quais somam multas de mais de R$ 320,8 milhões. As mais altas foram suspensas na Justiça e menos de 20% das penalidades foram pagas.

Dentre os motivos das multas aplicadas pela Aneel, estão “qualidade do fornecimento”, “descumprimento de determinação” e “qualidade do atendimento ao consumidor”, dentre outras.

Além disso, desde 2018, a Enel já pagou cerca de R$ 400 milhões aos consumidores a título de compensação pelo descumprimento dos limites de continuidade no fornecimento. É uma espécie de multa automática que a concessionária paga quando demora, por exemplo, por desligar a energia sem que tenha havido a falta de pagamento ou, ainda, quando ultrapassa o horário estipulado para a manutenção de linhas, deixando consumidores sem energia mais tempo do que o previsto.

O apagão teria causado, até segunda-feira, 14, perdas brutas de cerca de R$ 1,65 bilhão para os setores de varejo e serviços, segundo cálculos da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). A instituição considerou o faturamento estimado que ambos os setores deixaram de registrar por três dias.

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de SP (Fhoresp) disse que pretende processar a Enel por prejuízos. O órgão, que representa 502 mil estabelecimentos, disse que metade deles fica nas regiões afetadas.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel-SP) também prometeu ajuizar nova ação contra a concessionária pedindo indenização a bares e restaurantes. A associação estima que cerca de 50% dos 155 restaurantes e bares da capital paulista associados foram afetados de alguma forma e tiveram prejuízo mínimo de cerca de R$ 10 mil.

A população, em geral, reclamou de perda de medicamento e comida por falta de refrigeração, assim como impossibilidade de trabalhar, já que a internet residencial wi-fi não funciona sem energia elétrica. O Procon notificou a Enel por demora em restabelecer fornecimento de energia.

Cruzamento da Av. Henrique Schaumann com a Rua Teodoro Sampaio, na zona oeste, com os semáforos desligados por falta de energia elétrica em 13 de outubro. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Qual o histórico da Enel em outras cidades e países?

A crise de fornecimento de energia elétrica em São Paulo não é a primeira a ter a Enel no centro da questão. A companhia já tinha um histórico de problemas em Goiás, e registra falhas e ações movidas pelo Ministério Público em cidades do Rio de Janeiro e do Ceará. A concessionária enfrenta questionamentos até em filiais fora do País, como o caso do braço da empresa que opera no Chile.

Em Goiás, após sucessivos apagões que resultaram em prejuízos para produtores rurais e desassistência à população, a companhia foi praticamente “expulsa” pelo governo do Estado, que mobilizou o Ministério Público Federal, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel para encerrar a atividade da empresa em solo goiano.

No Rio, o Ministério Público Estadual já abriu ações contra a empresa por problemas que se repetem no fornecimento em pelo menos cinco cidades: Niterói, Petrópolis, Paraty, Duas Barras e Resende. Há apagões, demora em restabelecer o serviço e falta de prazos.

No Ceará, a Assembleia Legislativa do Estado (Alece) e o Ministério Público (MP-CE) adotaram medidas contra a Enel desde 2019 por conta de apagões que têm prejudicado o comércio, o turismo e a área da saúde. Os fatos são descritos no relatório da CPI da Enel, publicado em maio deste ano. Os parlamentares pedem a caducidade do contrato.

No Chile, em agosto, o presidente Gabriel Boric determinou que sua equipe reveja a concessão da Enel após um grande apagão. Na ocasião, Boric subiu o tom contra a Enel e disse que o comportamento da empresa é “inaceitável”.

O contrato com a Enel em SP pode ser cancelado?

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) intimou a Enel para que apresente justificativas e proposta de adequação imediata do serviço em São Paulo diante dos apagões e ocorrências registradas na última sexta, 11, e no sábado, 12.

A Aneel afirmou, em nota, que os diretores da instituição vão analisar a proposta da empresa. Caso a Enel “não apresente solução satisfatória e imediata da prestação do serviço”, a agência vai instaurar “processo de recomendação da caducidade da concessão junto ao MME (Ministério de Minas e Energia)”.

O Ministério de Minas e Energia já havia aberto um processo disciplinar contra a Enel. A Corte de Contas já investigava o blecaute em São Paulo de novembro de 2023, quando 2,1 milhões de imóveis ficaram sem energia elétrica – alguns, por mais de cinco dias.

Nos últimos dias, todos os lados políticos se levantaram contra a companhia, pressionando pelo fim da concessão do contrato da Enel. A empresa se transformou em alvo do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do seu oponente nesta eleição, Guilherme Boulos (PSOL).

As críticas também vieram do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A principal queixa é porque a Enel, ao longo dos últimos anos, reduziu o quadro de funcionários e, mais recentemente, cortou investimentos. Assim, não estaria conseguindo prestar um serviço minimamente aceitável.

Em setembro, houve falha no fornecimento de energia na Rua 25 de Março, um dos principais centros de comércio popular da capital. Foto: Taba Benedicto/ Estadão

O advogado Urias Martiniano Neto avalia que a Aneel precisa fazer uma avaliação essencialmente técnica, com a identificação das causas do apagão e da demora na resolução, considerando o que está no contrato. Um fator a considerar, segundo ele, é o cumprimento de melhorias no sistema após o apagão de novembro do ano passado. “De certa forma, existe uma reincidência”, avalia.

Para o advogado, uma eventual caducidade do contrato precisa ser avaliada em meio a uma discussão sobre como ficaria a operação do serviço depois. Além disso, seria uma “medida extrema”, embora esteja prevista em contrato e por meio de decreto, pode gerar a necessidade de reembolso à concessionária, por exemplo. “Não é um processo simples”, destaca.

Na coletiva de imprensa de quinta-feira, 17, o presidente da concessionária em São Paulo disse que o contrato de concessão está sendo cumprido, inclusive as cláusulas que determinam fatores que, quando não cumpridos, podem levar à caducidade.

O que é papel da Prefeitura e o que é dever da Enel?

Apesar de a responsabilidade do fornecimento e dos reparos na rede de energia elétrica de São Paulo serem da Enel, a Prefeitura tem o dever de realizar a poda das árvores na cidade – mas algumas dessas podas demandam intervenção da Enel primeiro, ou seja, é uma demanda compartilhada.

Conforme dados da Prefeitura de São Paulo, havia na quarta-feira, 16, na cidade, 6.081 pedidos de podas de árvore que necessitam da intervenção prévia da Enel para afastar folhas e galhos que estão em contato com a rede elétrica em aberto. O número é quase o dobro do ano passado, quando eram 3.690 pedidos em aberto em novembro, mês do segundo pior apagão dos últimos anos.

A Enel, por sua vez, apresentou outros dados. Disse que “estão em aberto e dentro do prazo acordado cerca de 1,8 mil solicitações de poda realizadas pela Prefeitura, sendo dessas apenas 130 em atraso”. A empresa afirma também que “realiza reuniões semanais com representantes do Município para acompanhar esse trabalho”.

Na segunda-feira, 14, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que “mais de 50% dos eventos relacionados à falta de luz foram causados por árvores caindo em cima do sistema de média e baixa tensão em São Paulo”. Desde sexta-feira, a Prefeitura registrou 386 ocorrências de quedas de árvores na capital. Desse total, 49 precisariam da intervenção da Enel por terem atingido a fiação.

A Prefeitura moveu ação contra a Enel exigindo o restabelecimento do serviço e o prefeito Ricardo Nunes (MDB), em campanha eleitoral, tem adotado discurso acusatório e combativo contra a concessionária por conta dos apagões.

Em sua última declaração, o prefeito chegou a dizer que a prefeitura pretende colocar câmeras na porta das garagens da Enel para monitorar os caminhões de reparo à instalações elétricas, de modo a monitorar o serviço. O prefeito também afirmou que prevê remanejar agentes para acompanhar 24 horas os veículos da Enel.

O que está sendo feito para a próxima chuva?

Para os próximos dias, a previsão é de que novos temporais atinjam a cidade, alertou a Defesa Civil do Estado de São Paulo. São esperados ventos de até 60 km/h na capital entre sexta-feira, 18, e domingo, 20, além de possibilidade de queda de granizo em pontos específicos da cidade.

A Enel afirma que mantém o efetivo de profissionais reforçado, mesmo estando em operação “normal” atualmente – a empresa diz que o número de 36 mil imóveis sem luz, divulgado nesta quinta-feira, 17, já é considerado “normal”, pelo histórico da concessão. O reforço no efetivo seria em prevenção a possíveis novos danos causados pela nova tempestade prevista para o fim de semana.

Segundo Guilherme Lencastre, presidente da Enel São Paulo, cerca de 2,4 mil profissionais atuam para manter e reparar danos na rede elétrica paulista, sendo a maioria deles eletricistas. “Estamos aproveitando a equipe maior para fazer inspeções na rede, para ver onde estão os defeitos e fazendo as correções, além de manter a prontidão”, disse o presidente.

A Defesa Civil realizou reunião com empresas de energia elétrica, entre elas a Enel, nesta quinta-feira, 17, para discutir medidas preparatórias para os eventos climáticos. Ficou determinado que o órgão estadual terá agentes nos centros de operações da Enel e de outras quatro concessionárias de energia elétrica no Estado para fiscalizar as empresas e garantir que elas cumprirão à risca seus planos de contingência nesse próximo evento climático.

A crise de fornecimento de energia elétrica em São Paulo e na região metropolitana, que se arrastou desde a tempestade de sexta-feira, 11, prejudicou cerca de 3,1 milhões de imóveis. A responsável pelo serviço, concessionária Enel, é alvo de processo disciplinar aberto pelo governo federal, o que pode levar até a perda da concessão. A empresa italiana diz ter reforçado a operação neste fim de semana diante das novas chuvas previstas na região.

Moradores da Rua Catão, no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo, ficaram sem energia por pelo menos dois dias desde sexta-feira, 11, quando uma tempestade causou danos à fiação. Foto: Werther Satnana/Estadão

Por que tantos apagões em São Paulo?

A Enel justifica as frequentes interrupções no serviço de energia em São Paulo nos últimos anos às mudanças climáticas. “Temos energia em todas as casas hoje no Brasil por conta do método de rede aérea (de fiação elétrica via postes). Mas essa rede aérea é mais suscetível a eventos climáticos”, afirmou o presidente da Enel São Paulo, Guilherme Lencastre, nesta quinta-feira, 17.

Na data do último grande apagão, 11 de outubro, uma tempestade causou ventos com velocidade superior a 100 quilômetros por hora. Houve queda de 386 árvores somente na capital paulista, conforme dados da Prefeitura e muitas delas acertaram a fiação.

Lencastre também afirmou que a rede elétrica de São Paulo é antiga, com pontos de instalação de mais de 100 anos, e demandam investimento de longo prazo para modernização. Especialistas destacam que é preciso acelerar a adaptação a eventos climáticos mais extremos e intensos.

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, também defende que os eventos climáticos extremos precisam ser considerados na operação de concessionárias como a Enel, especialmente as que prestam serviços públicos essenciais. “A empresa tem o dever legal de estar preparada para extremos climáticos. Não dá para colocar a culpa em São Pedro”, afirmou ao Estadão.

O TCU exigiu que a Enel passe a compartilhar, em tempo real, as informações de seu centro de controle operacional com a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) e com as prefeituras das cidades atingidas pelo apagão. A companhia disse que não tem problema em divulgar dados, sendo uma concessionária de serviço público.

Nos últimos meses, já tinham sido registradas quedas de luz no centro de São Paulo. Assim como nas regiões leste e norte da capital e em Guarulhos, região metropolitana. Em novembro de 2023, parte da população sofreu com blecaute que afetou 2,2 milhões de imóveis.

Comerciantes da Rua Joaquim Antunes, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, trabalharam à luz de vela por causa do apagão. Foto: Fábio Vieira/Estadão

O que a Enel afirma ter feito para evitar novos apagões?

O plano de investimentos da Enel prevê R$ 20 bilhões para todo o País até 2026 - para São Paulo, cerca de R$ 2 bilhões por ano, 45% a mais do que a média anual dos últimos últimos seis anos. Hoje, o investimento é de R$ 1,4 bilhão na região, segundo a companhia.

Relatórios da própria empresa mostram queda de 16% no volume de investimento no ano passado, de R$ 1,95 bilhão para R$ 1,64 bilhão. Na área de manutenção, a queda foi de 8%, de R$ 799 milhões para R$ 737 milhões.

No seu balanço consolidado de 2023, a empresa reportou 15.721 trabalhadores. Em 2020 eram quase 27 mil. A concessionária diz que “não reduziu a força de trabalho que atua em campo e tem aumentado o seu quadro de eletricistas próprios”.

Na crise desta semana, a Enel diz ter mobilizado eletricistas de outras cidades e até da Itália para ajudar –, são 2,4 mil profissionais na região metropolitana.

A empresa também afirma que tem investido em aparelhos para acelerar a detecção de danos à rede elétrica e reparos, assim como contratar e capacitar 1,2 mil novos eletricistas até março de 2025 – o treinamento dos profissionais dura seis meses e é obrigatório para que comecem na empresa.

Para atender casos críticos, a Enel diz que disponibilizou “500 geradores (40 de grande porte) para serviços essenciais, como hospitais, e clientes que dependem de eletricidade para manutenção de equipamentos hospitalares, por exemplo”.

Em agosto, a concessionária divulgou um projeto-piloto que testará mudanças na rede da Grande São Paulo, com foco em resiliência climática. A partir de janeiro, os resultados colhidos, em termos de diminuição de interrupções do serviço e tempo de religamento, serão analisados.

Os bairros Parque dos Príncipes e Alto de Pinheiros, na zona oeste da capital, e Alvarenga, em São Bernardo do Campo, fazem parte do experimento e estão recebendo nova fiação, mais resistente à queda de árvores; transmissores inteligentes; e intensificação do serviço de poda.

Segundo a empresa, o experimento deve resultar em um projeto de expansão para outras áreas – ainda sem data e escopo previstos.

Quais os motivos da demora e da falta de previsão para religar a energia?

Lencastre atribuiu a demora no restabelecimento do serviço e a dificuldade em informar previsões ao tamanho do impacto na rede – segundo a companhia, houve queda de postes 40% maior do que no apagão de novembro de 2023.

A Enel também justifica a demora pela dificuldade de acesso a alguns pontos que necessitam reparo, principalmente por conta das árvores caídas e possíveis riscos à vida dos eletricistas.

Como mostrou o Estadão, a dificuldade da Enel São Paulo de reagir em situações climáticas mais críticas piorou entre outubro de 2023 e agosto deste ano. Desde que a empresa assumiu a concessão, os indicadores de qualidade — que medem a duração e a frequência de interrupções de energia — melhoraram nos dias comuns, mas em situações emergenciais se agravaram.

Em nota, a Enel afirmou que, entre 2018 e 2023, investiu R$ 8,3 bilhões em São Paulo, “com melhoria dos indicadores oficiais de qualidade da distribuidora”. “Entre 2017 e 2023, a duração média das interrupções de energia (DEC) melhorou 42% e a frequência média de interrupções (FEC) melhorou 45%”, complementa.

Mas, dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que o tempo médio de duração das interrupções em situações de emergência subiu de 2,83 horas em outubro de 2023 para 12,68 em agosto deste ano e a frequência subiu de 0,73 vezes para 1,56. Segundo a agência, para se enquadrar nessa situação, as distribuidoras têm de comprovar a impossibilidade de atuação imediata para resolver os problemas.

Especializado no setor de Energia, o advogado Urias Martiniano Neto afirmou ao Estadão que “não ter um prazo para informar não pode ser admitido. É pouquíssimo provável que a Enel não saiba um prazo. Se não tiver, não conhece a rede que tem. Não seria concebível não saber”, completa.

Na cidade de São Paulo, a Enel possui 43 mil quilômetros de rede de distribuição em toda a área de concessão, sendo 40 mil quilômetros aérea e 2,6 mil quilômetros subterrânea.

Farol da rua Joaquim Antunes com a rua Cardeal Arcoverde, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, ficou sem energia durante último apagão. Foto: Fábio Vieira/Estadão

Aterramento de fios é alternativa viável?

Os apagões trouxeram de volta a discussão sobre o enterramento de fios de energia elétrica na capital. A solução é apontada por especialistas como eficaz para evitar blecautes em dias de ventos fortes e chuvas intensas e é pleiteada por moradores, mas enfrenta entraves como custos altos e desafios logísticos.

Um dos principais benefícios do aterramento de fios é a proteção contra queda de árvores, uma das principais causas das interrupções de energia em momentos de crise por eventos climáticos. A alternativa também diminui o desgaste causado pela chuva e os problemas de roubo de fios, além de melhorar a segurança, a confiabilidade e a disponibilidade da rede de distribuição de energia, de acordo com especialistas.

Só na região central de São Paulo seriam necessários R$ 20 bilhões, estima a Prefeitura. Também não há consenso sobre quem ficaria responsável por arcar com todo este custo. E o processo levaria bastante tempo para ser concluído.

“É quase um artesanato. Tem de ir fazendo trecho a trecho, porque embaixo das calçadas tem uma rede de tubulação de água da chuva, de abastecimento de água, de coleta de esgoto, de gás, e o mapeamento dessa rede subterrânea está tão bagunçado”, diz Anderson Kazuo Nakano, especialista em urbanismo e professor da Unifesp.

“Antes de pensar no enterramento dos fios, o que percebemos é que a rede de distribuição de energia está fora de controle. O monitoramento da rede está falhando, porque nessa situação emergencial tinham que ter dados para, pelo menos, saber onde é que está acontecendo esses problemas”, afirma o professor.

Lencastre argumenta que o padrão da rede elétrica adotado por todas as distribuidoras no Brasil é de redes aéreas e “apesar da maior confiabilidade do fornecimento de energia proporcionada pelas redes subterrâneas, quando ocorrem falhas, o trabalho de recomposição do serviço é mais complexo, pois exige maior cuidado com as condições de segurança para que os técnicos possam atuar”.

A companhia esclareceu ainda que o enterramento de cabos ocorre “em casos específicos e seguindo critérios técnicos e econômicos quando o investimento é considerado prudente”, já que “os investimentos realizados nas redes de distribuição no País devem prever a razoabilidade dos custos, pois são repassados às tarifas de energia de todos os consumidores nos processos de revisão tarifária das distribuidoras”.

Sobre o monitoramento da rede, a Enel diz que tem aprimorado esse quesito com a instalação de telecomunicadores de rede, mas diz que suas possibilidades de investimento em tecnologia são limitadas pelos termos do contrato de concessão, de 1998, que teria pouca vazão na parte de resiliência climática e investimentos mais arrojados.

A Enel vai indenizar quem teve prejuízo?

Guilherme Lencastre afirma que a indenização aos moradores da cidade de São Paulo e região metropolitana que ficaram sem energia durante dias será tratada ‘caso a caso’. A declaração foi feita na manhã desta sexta-feira, 18, em entrevista à GloboNews.

Os clientes afetados podem fazer pedidos de ressarcimento de danos pelos canais de atendimento da concessionária, na agência virtual do site da companhia, no aplicativo, pelo telefone 0800 72 72 120 ou presencialmente em qualquer loja de atendimento (os endereços constam no site).

O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, disse nesta segunda-feira, 14, que serão tomadas medidas para ressarcir consumidores afetados pela falta de energia em São Paulo. Ele disse que o governo federal fará uma reunião com o Procon de São Paulo para mapear os prejuízos e exigir ressarcimentos da Enel. Até o momento, nada definitivo foi divulgado.

A concessionária já recebeu penalizações de Aneel, Procon e Senacon ao longo dos últimos anos, somando quase R$ 400 milhões em multas, mas a Justiça suspendeu o pagamento da maior parte do valor. Só na Aneel, a empresa acumula oito penalidades desde 2018, as quais somam multas de mais de R$ 320,8 milhões. As mais altas foram suspensas na Justiça e menos de 20% das penalidades foram pagas.

Dentre os motivos das multas aplicadas pela Aneel, estão “qualidade do fornecimento”, “descumprimento de determinação” e “qualidade do atendimento ao consumidor”, dentre outras.

Além disso, desde 2018, a Enel já pagou cerca de R$ 400 milhões aos consumidores a título de compensação pelo descumprimento dos limites de continuidade no fornecimento. É uma espécie de multa automática que a concessionária paga quando demora, por exemplo, por desligar a energia sem que tenha havido a falta de pagamento ou, ainda, quando ultrapassa o horário estipulado para a manutenção de linhas, deixando consumidores sem energia mais tempo do que o previsto.

O apagão teria causado, até segunda-feira, 14, perdas brutas de cerca de R$ 1,65 bilhão para os setores de varejo e serviços, segundo cálculos da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). A instituição considerou o faturamento estimado que ambos os setores deixaram de registrar por três dias.

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de SP (Fhoresp) disse que pretende processar a Enel por prejuízos. O órgão, que representa 502 mil estabelecimentos, disse que metade deles fica nas regiões afetadas.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel-SP) também prometeu ajuizar nova ação contra a concessionária pedindo indenização a bares e restaurantes. A associação estima que cerca de 50% dos 155 restaurantes e bares da capital paulista associados foram afetados de alguma forma e tiveram prejuízo mínimo de cerca de R$ 10 mil.

A população, em geral, reclamou de perda de medicamento e comida por falta de refrigeração, assim como impossibilidade de trabalhar, já que a internet residencial wi-fi não funciona sem energia elétrica. O Procon notificou a Enel por demora em restabelecer fornecimento de energia.

Cruzamento da Av. Henrique Schaumann com a Rua Teodoro Sampaio, na zona oeste, com os semáforos desligados por falta de energia elétrica em 13 de outubro. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Qual o histórico da Enel em outras cidades e países?

A crise de fornecimento de energia elétrica em São Paulo não é a primeira a ter a Enel no centro da questão. A companhia já tinha um histórico de problemas em Goiás, e registra falhas e ações movidas pelo Ministério Público em cidades do Rio de Janeiro e do Ceará. A concessionária enfrenta questionamentos até em filiais fora do País, como o caso do braço da empresa que opera no Chile.

Em Goiás, após sucessivos apagões que resultaram em prejuízos para produtores rurais e desassistência à população, a companhia foi praticamente “expulsa” pelo governo do Estado, que mobilizou o Ministério Público Federal, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel para encerrar a atividade da empresa em solo goiano.

No Rio, o Ministério Público Estadual já abriu ações contra a empresa por problemas que se repetem no fornecimento em pelo menos cinco cidades: Niterói, Petrópolis, Paraty, Duas Barras e Resende. Há apagões, demora em restabelecer o serviço e falta de prazos.

No Ceará, a Assembleia Legislativa do Estado (Alece) e o Ministério Público (MP-CE) adotaram medidas contra a Enel desde 2019 por conta de apagões que têm prejudicado o comércio, o turismo e a área da saúde. Os fatos são descritos no relatório da CPI da Enel, publicado em maio deste ano. Os parlamentares pedem a caducidade do contrato.

No Chile, em agosto, o presidente Gabriel Boric determinou que sua equipe reveja a concessão da Enel após um grande apagão. Na ocasião, Boric subiu o tom contra a Enel e disse que o comportamento da empresa é “inaceitável”.

O contrato com a Enel em SP pode ser cancelado?

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) intimou a Enel para que apresente justificativas e proposta de adequação imediata do serviço em São Paulo diante dos apagões e ocorrências registradas na última sexta, 11, e no sábado, 12.

A Aneel afirmou, em nota, que os diretores da instituição vão analisar a proposta da empresa. Caso a Enel “não apresente solução satisfatória e imediata da prestação do serviço”, a agência vai instaurar “processo de recomendação da caducidade da concessão junto ao MME (Ministério de Minas e Energia)”.

O Ministério de Minas e Energia já havia aberto um processo disciplinar contra a Enel. A Corte de Contas já investigava o blecaute em São Paulo de novembro de 2023, quando 2,1 milhões de imóveis ficaram sem energia elétrica – alguns, por mais de cinco dias.

Nos últimos dias, todos os lados políticos se levantaram contra a companhia, pressionando pelo fim da concessão do contrato da Enel. A empresa se transformou em alvo do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do seu oponente nesta eleição, Guilherme Boulos (PSOL).

As críticas também vieram do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A principal queixa é porque a Enel, ao longo dos últimos anos, reduziu o quadro de funcionários e, mais recentemente, cortou investimentos. Assim, não estaria conseguindo prestar um serviço minimamente aceitável.

Em setembro, houve falha no fornecimento de energia na Rua 25 de Março, um dos principais centros de comércio popular da capital. Foto: Taba Benedicto/ Estadão

O advogado Urias Martiniano Neto avalia que a Aneel precisa fazer uma avaliação essencialmente técnica, com a identificação das causas do apagão e da demora na resolução, considerando o que está no contrato. Um fator a considerar, segundo ele, é o cumprimento de melhorias no sistema após o apagão de novembro do ano passado. “De certa forma, existe uma reincidência”, avalia.

Para o advogado, uma eventual caducidade do contrato precisa ser avaliada em meio a uma discussão sobre como ficaria a operação do serviço depois. Além disso, seria uma “medida extrema”, embora esteja prevista em contrato e por meio de decreto, pode gerar a necessidade de reembolso à concessionária, por exemplo. “Não é um processo simples”, destaca.

Na coletiva de imprensa de quinta-feira, 17, o presidente da concessionária em São Paulo disse que o contrato de concessão está sendo cumprido, inclusive as cláusulas que determinam fatores que, quando não cumpridos, podem levar à caducidade.

O que é papel da Prefeitura e o que é dever da Enel?

Apesar de a responsabilidade do fornecimento e dos reparos na rede de energia elétrica de São Paulo serem da Enel, a Prefeitura tem o dever de realizar a poda das árvores na cidade – mas algumas dessas podas demandam intervenção da Enel primeiro, ou seja, é uma demanda compartilhada.

Conforme dados da Prefeitura de São Paulo, havia na quarta-feira, 16, na cidade, 6.081 pedidos de podas de árvore que necessitam da intervenção prévia da Enel para afastar folhas e galhos que estão em contato com a rede elétrica em aberto. O número é quase o dobro do ano passado, quando eram 3.690 pedidos em aberto em novembro, mês do segundo pior apagão dos últimos anos.

A Enel, por sua vez, apresentou outros dados. Disse que “estão em aberto e dentro do prazo acordado cerca de 1,8 mil solicitações de poda realizadas pela Prefeitura, sendo dessas apenas 130 em atraso”. A empresa afirma também que “realiza reuniões semanais com representantes do Município para acompanhar esse trabalho”.

Na segunda-feira, 14, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que “mais de 50% dos eventos relacionados à falta de luz foram causados por árvores caindo em cima do sistema de média e baixa tensão em São Paulo”. Desde sexta-feira, a Prefeitura registrou 386 ocorrências de quedas de árvores na capital. Desse total, 49 precisariam da intervenção da Enel por terem atingido a fiação.

A Prefeitura moveu ação contra a Enel exigindo o restabelecimento do serviço e o prefeito Ricardo Nunes (MDB), em campanha eleitoral, tem adotado discurso acusatório e combativo contra a concessionária por conta dos apagões.

Em sua última declaração, o prefeito chegou a dizer que a prefeitura pretende colocar câmeras na porta das garagens da Enel para monitorar os caminhões de reparo à instalações elétricas, de modo a monitorar o serviço. O prefeito também afirmou que prevê remanejar agentes para acompanhar 24 horas os veículos da Enel.

O que está sendo feito para a próxima chuva?

Para os próximos dias, a previsão é de que novos temporais atinjam a cidade, alertou a Defesa Civil do Estado de São Paulo. São esperados ventos de até 60 km/h na capital entre sexta-feira, 18, e domingo, 20, além de possibilidade de queda de granizo em pontos específicos da cidade.

A Enel afirma que mantém o efetivo de profissionais reforçado, mesmo estando em operação “normal” atualmente – a empresa diz que o número de 36 mil imóveis sem luz, divulgado nesta quinta-feira, 17, já é considerado “normal”, pelo histórico da concessão. O reforço no efetivo seria em prevenção a possíveis novos danos causados pela nova tempestade prevista para o fim de semana.

Segundo Guilherme Lencastre, presidente da Enel São Paulo, cerca de 2,4 mil profissionais atuam para manter e reparar danos na rede elétrica paulista, sendo a maioria deles eletricistas. “Estamos aproveitando a equipe maior para fazer inspeções na rede, para ver onde estão os defeitos e fazendo as correções, além de manter a prontidão”, disse o presidente.

A Defesa Civil realizou reunião com empresas de energia elétrica, entre elas a Enel, nesta quinta-feira, 17, para discutir medidas preparatórias para os eventos climáticos. Ficou determinado que o órgão estadual terá agentes nos centros de operações da Enel e de outras quatro concessionárias de energia elétrica no Estado para fiscalizar as empresas e garantir que elas cumprirão à risca seus planos de contingência nesse próximo evento climático.

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