O apagão que entra em seu terceiro dia São Paulo retomou a discussão sobre o contrato de energia com a Enel, com uma manifestação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre a possibilidade de pedir a caducidade da concessão — que se estende até 2028. Outro ponto reclamado pela população é o tempo para a retomada do fornecimento, ainda mais diante da postura da companhia em não divulgar um prazo oficial para a retomada total do serviço.
Na manhã deste domingo, 13, cerca de 900 mil endereços seguiam sem energia na região metropolitana de São Paulo, a maioria na capital e em São Bernardo do Campo, Cotia e Taboão da Serra. No pico do apagão, mais de 2,1 milhões ficaram sem luz após um temporal com ventania na noite de sexta-feira, 11, com rajadas que chegaram a 107,6 km/h na região.
A Enel tem ressaltado que estava mais preparada para o evento deste ano em comparação ao de novembro passado, assim como tem reiterado que toma medidas para a modernização da rede. “A distribuidora está comprometida em ir além dos indicadores estabelecidos e segue com um plano estruturado para seguir a trajetória de melhoria contínua dos serviços”, apontou em nota.
Cobrar respostas
Especializado no setor de Energia, o advogado Urias Martiniano Neto considera que a medida primordial do governo federal e da agência reguladora neste momento é cobrar respostas da Enel, especialmente na celeridade da retomada do serviço nas cidades afetadas.
“É uma obrigação do concessionário. Não estamos falando de um serviço que não seja essencial”, afirma. “Não ter um prazo para informar não pode ser admitido. É pouquíssimo provável que a Enel não saiba um prazo. Se não tiver, não conhece a rede que tem. Não seria concebível não saber”, completa.
Revogar a concessão
A respeito da possibilidade de revogar a concessão, o advogado diz que a agência precisa fazer uma avaliação essencialmente técnica, com a identificação das causas do apagão e da demora na resolução, considerando o que está no contrato (que é de 1998). Um fator a considerar é o cumprimento de melhorias no sistema após o apagão de novembro do ano passado. “De certa forma, existe uma reincidência”, avalia.
Uma decisão recente da Aneel considerou, por exemplo, que a concessionária não restabeleceu a energia dentro da eficácia e velocidade necessárias em novembro do ano passado, com um plano de contingência que seria insuficiente, o que gerou uma multa de R$ 165 milhões. À época, a agência considerou que houve demora na resposta ao evento, o que aumentou o prejuízo dos consumidores. Também destacou que o incremento nas equipes dos trabalhos de recuperação ocorreu apenas três dias depois do temporal.
No sábado, 12, a Aneel disse que a Enel seria intimada a prestar esclarecimentos sobre o caso mais recente. Uma equipe iniciou a fiscalização na Grande São Paulo.
Para o advogado, uma eventual caducidade do contrato precisa ser avaliada em meio a uma discussão sobre como ficaria a operação do serviço depois. Além disso, seria uma “medida extrema”, embora esteja prevista em contrato e por meio de decreto, pode gerar a necessidade de reembolso à concessionária, por exemplo. “Não é um processo simples”, destaca.
Caso a caducidade seja de fato discutida, ele salienta a importância de iniciar, paralelamente, o processo de seleção do novo concessionário, para que ocorra uma transição. “Precisa entender o que aconteceu. Indiscutivelmente, a Enel tem responsabilidade pelo evento. Não se pode admitir uma das maiores capitais do País ficar um final de semana sem energia”, aponta. “O fato é que medidas se mostraram ineficientes, porque aconteceram novamente”, diz.
Para ele, mesmo que não ocorra a revogação do contrato, torna-se mais improvável que a Enel continue a operar após o fim da concessão, em 2028. “Esse cenário torna cada vez mais difícil a renovação”, avalia.
Por outro lado, também defende uma discussão mais ampla, envolvendo ainda as políticas energéticas, a regulação e as responsabilidades da Aneel no setor. “O que deve ser feito é menos política e mais solução para o consumidor. Não é o momento de passar responsabilidade de um para outro.”
Ademais, pontua que, diante das mudanças climáticas e eventos extremos cada vez mais intensos e comuns, precisa-se rever o sistema e eventuais necessidades de reforços nas redes. “Se não trabalhar na causa raiz, daqui a dois ou três meses estaremos na mesma discussão. Nada justifica um período tão longo sem energia. Pode acontecer o temporal, cair cabo, mas é aceitável durar o fim de semana?”, completa.