Edifício Martinelli: de guerra de arranha-céu com o Rio e falência a festas no rooftop


Prédio celebra 100 anos com reabertura de uma das melhores vistas de São Paulo antes de restauro e instalação de espaços de cultura, gastronomia e lazer; saiba por que foi tão pioneiro

Por Priscila Mengue
Atualização:

Poucos espaços nasceram tão icônicos quanto o Edifício Martinelli. Famoso, controverso, pioneiro e com uma história repleta de reviravoltas, tornou-se símbolo da transformação da São Paulo dos barões de café na maior metrópole do País. Essa trajetória começou há cerca de 100 anos, celebrados com a reabertura temporária para a visitação antes do início das obras, voltadas a retomar o histórico como uma das maiores referências turísticas, gastronômicas e culturais paulistanas. É conhecido por ter uma das melhores vistas da cidade.

O centenário do antigo arranha-céu faz referência ao início da construção, em 1924. A inauguração foi em 1929, mas parcial. Os 105 metros foram conquistados nos anos seguintes, até 1934, quando o idealizador do prédio, o empresário italiano Giuseppe Martinelli, parou de acrescentar novas andares e se convenceu de ter vencido a disputa com o carioca Edifício A Noite, pelo título de mais alto da América Latina, expondo a rivalidade entre a então capital brasileira e a metrópole em ascensão.

Reabertura temporária dos terraços do Martinelli tem programação até de noite Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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O recorde de maior da América Latina foi perdido pouco depois (para o argentino Kavanagh), mas o primeiro lugar no País seguiu até 1947, quando foi deposto pelo Edifício Altino Arantes, o antigo Banespão. O hoje Farol Santander foi uma referência também pela reabertura como centro de cultura, gastronomia e lazer, em 2018, — citado pela Prefeitura ao assinar a concessão do Martinelli à iniciativa privada por 15 anos.

O responsável pela obra, manutenção e operação será o Grupo Tokyo — que se inspira nas múltiplas opções de visitação dos norte-americanos Empire State e Rockefeller Center. Quase um ano após a assinatura do contrato, a concessionária reabriu parte dos terraços e outros espaços temporariamente até o início das obras (previstas para o segundo semestre). Festas estão marcadas para as próximas semanas, assim como outros eventos estão em negociação.

Imagens divulgadas pelo Grupo Tokyo mostram como terraços e palacete devem ficar após obras Foto: Ilha Arquitetura, Michel Stein e Ohtake/Grupo Tokyo/Divulgação
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Os ingressos para a visitação estão esgotados até o fim de junho. A abertura de novos lotes é discutida pelos organizadores, que tiveram problemas com filas e longa espera nas primeiras semanas. Com a conclusão das obras em meados de 2025, com um novo elevador e outras alterações exigidas no contrato, espera-se maior facilidade para o acesso do público.

Na nova etapa, as entradas dos terraços serão cobrados, com preço ainda indefinido. O teto contratual é de R$ 30 (a ser atualizado pelo IPC/FIPE). Por enquanto, a visitação é gratuita.

“O Martinelli é uma joia, é único. A nossa visão é para que se converta em um dos principais pontos turísticos do Brasil”, descreve Fábio Floriano, CFO do Grupo Tokyo. Para ele, a vizinhança de outros espaços, como a Casa de Francisca, vai potencializar aquele entorno. “O centro tem potencial para se tornar a nova Vila Madalena, com ocupação de bares, noturna, metrô perto.”

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A concessão envolve 2.570 m², distribuídos em um grande espaço com acesso pelo térreo e os quatro últimos andares — onde o empresário italiano Giuseppe Martinelli construiu o palacete em que viveu com a família para comprovar a estabilidade do prédio aos mais desconfiados. A maior parte do edifício seguirá com as atividades cotidianas de secretarias e órgãos municipais.

A ideia de maior aproveitamento dos terraços e de trazer exposições e gastronomia ao Martinelli era discutida na cidade há cerca de 20 anos. O espaço chegou a ter uma abertura para visitação em 2010 até 2017, com retomadas e interrupções posteriores. As atividades se concentravam pela manhã e tarde, enquanto a concessão é voltada também a estimular a programação noturna.

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“Por que não foi para frente (há 20 anos)? A gente não explora o potencial turístico do nosso skyline”, avalia a arquiteta e urbanista Nadia Somekh, pesquisadora de verticalização de São Paulo e professora da Mackenzie. Como exemplos mais recentes dessa mudança, cita o Farol Santander e iniciativas no Mirante do Vale, no Anhangabaú.

Por que o Edifício Martinelli foi tão pioneiro e icônico?

O Edifício Martinelli é um dos marcos de diversas mudanças simbólicas e urbanísticas de São Paulo, que buscava protagonismo em meio ao aumento populacional e à industrialização. A inspiração europeia tão presente na arquitetura passava aos poucos a dividir espaço com a influência norte-americana, especialmente de Nova York.

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À época, o skyline nova iorquino dominava o ranking de prédios mais altos do mundo. O recordista contemporâneo do Martinelli era o Chrysler, inaugurado em 1930, com 319 metros, segundo o Council on Tall Buildings and Urban Habitat.

Entrada pela Líbero Badaró traz inscrição do ano de inauguração (1929) e do idealizador do edifício, José (Giuseppe) Martinelli Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“O Martinelli não era da elite cafeeira, era um imigrante que trouxe o capital, investiu tudo nesse edifício. Era a representação da mudança, da transição para indústria”, comenta a arquiteta e urbanista Nadia Somekh.

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Essa transformação envolveu iniciativas pioneiras, alterações na legislação para estimular uma verticalização e a chegada de novas técnicas, materiais e equipamentos.

Nessa linha do tempo, começou-se a utilizar termos para identificar a “genealogia” dos prédios na cidade. O bisavô seria o Edifício Guinle (de 1913, com cerca de 36 metros, na Rua Direita), enquanto o “avô” seria o Edifício Sampaio Moreira (de 1924, com 50 metros, na Líbero Badaró). Logo, ao Martinelli, restou ser o “pai” dos arranha-céus.

Hoje, essa denominação é mais utilizada para prédios com mais de 150 metros, mas, para o padrão paulistano à época, tratou-se de uma ruptura evidente. Afinal, até os anos 1910, São Paulo era uma cidade horizontal, de dois pavimentos, construída majoritariamente de taipa de pilão, como descreve a professora de História da Urbanização da USP, Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno.

Fotografia de Alfredo Krausz mostra passagem de dirigível no entorno do Martinelli, em 1938 Foto: Alfredo Krausz/Acervo Instituto Moreira Salles

Na sequência, o Código de Posturas de 1918 e a lei que instituiu o “padrão municipal” em 1920 trouxeram possibilidades mais evidentes para a verticalização, em que a altura permitida passou a ser calculada a partir da largura do logradouro e o pé direito pôde ser mais baixo. “Introduz outro skyline na cidade, inspirado em padrões nova iorquinos. A cidade se eleva em altura”, diz a urbanista.

Após alguns anos da mudança na legislação, a cidade tinha mais prédios, mas a chegada do Martinelli inaugurou um novo momento. E essa iniciativa também está relacionada a como construções tem um caráter simbólico de afirmação.

“O Martinelli era um homem vinculado ao capital, um imigrante que também estava se afirmando na paisagem”, pontua a professora da USP. “A área central era o coração da cidade. A São João era a rua que tinha muitos equipamentos de lazer, tinha sua efervescência.”

Fila de visitantes no Edifício Martinelli na quarta-feira, 20 Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O Martinelli também foi pioneiro no uso misto, com apartamentos, espaços comerciais e hotelaria. À época, prédios altos eram voltados a escritórios. Além disso, como destaca a especialista, a construção de moradias em São Paulo estava migrando para o entorno do centro antigo e os bairros. “Ele colocou cinema, hotel, escritório, residências, um programa completamente novo.”

Com uma localização privilegiada e visto de diversos pontos centrais, o Martinelli também foi pioneiro ao trazer espaços destinados a anúncios gigantes. Um resquício desse período ainda é perceptível em uma das fachadas do prédio, na Rua Líbero Badaró, que preserva uma moldura para publicidade e uma desbotada silhueta de garrafa, indicando que a última marca a explorar o espaço era de bebidas.

Ao todo, o prédio tem cerca de 46,1 mil m², com 2 mil janelas e 1,2 mil cômodos, como salões, salas comerciais e apartamentos (convertidos em escritórios). Projetado pelo arquiteto húngaro William Fillinger, é tombado como patrimônio cultural em conjunto com outras construções vizinhas ao Vale do Anhangabaú.

Fachada lateral ainda tem moldura para anúncios publicitários Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Luxo, falência, incêndio, cortiço: os diversos momentos do Edifício Martinelli

O edifício nasceu como um endereço disputado na cidade, com restaurantes, clubes (inclusive a sede social do Palmeiras), escritórios e espaços de associações variadas, como partidos políticos. Na alta sociedade, chamava a atenção principalmente pelo Hotel São Bento e o Cine Rosário, cuja abertura teve o luxo e a riqueza destacados à época pelo Estadão.

Antes disso, contudo, passou por contestações e até embargo judicial. O aumento de andares sem autorização da Prefeitura levou ao embargo administrativo e a suspensão temporária do engenheiro responsável, como noticiou o Estadão. Além disso, Giuseppe Martinelli tomou diversas medidas para comprovar a estabilidade e segurança de um prédio dessa altura.

Em 1929, durante as obras de ampliação, um incêndio atribuído a um curto-circuito atingiu madeiras e outros materiais de construção no alto do edifício. “O fato atraiu a curiosidade do povo, que se aglomerava nas ruas vizinhas, apreciando o feito, sensacional por ter se manifestado no prédio mais alto do País, cuja construção constitui motivo de ufania para os paulistas”, dizia notícia do Estadão.

A história é repleta de reviravoltas. Mesmo abalado com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, Martinelli seguiu com a ampliação do prédio atrás do título de maior da América Latina e do País. A obra foi finalizada em 1934, mesmo ano em que a vendeu ao governo da Itália, diante de problemas financeiros, como noticiou o Estadão à época.

Quase uma década após, com o Brasil na Segunda Guerra Mundial, o Martinelli foi confiscado pela União e mudou temporariamente de nome, para Edifício América. Depois, passou por leilão.

Postal com fotografia das obras do Edifício Martinelli, de 1928 Foto: Autoria desconhecida/Acervo IMS

Por volta dos anos 1960, esteve em uma fase de desvalorização intensa. Até chegou a ser chamado de um “cortiço vertical”. A nova virada ocorreu em 1975, quando o então prefeito Olavo Setúbal determinou a desapropriação do edifício, onde instalou diversas secretarias e órgãos municipais após uma remodelação, com reabertura em 1979. A maior parte do prédio ainda é do poder público, incluindo as sedes das pastas de Habitação, Subprefeituras e Urbanismo e Licenciamento

O que está previsto na concessão do Edifício Martinelli?

A concessão foi lançada oficialmente na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019, com os objetivos de “retomar o protagonismo” do Martinelli e proporcionar uma experiência de visitação completa. Com uma suspensão temporária pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), o processo foi parado por quase dois anos, com algumas mudanças, e teve o contrato assinado no ano passado.

O Grupo Tokyo ficou responsável por uma série de intervenções obrigatórias (como o restauro e a instalação de guarda-corpos de vidro) e o pagamento de uma outorga mensal fixa de R$ 135 mil. Dessa forma, o contrato tem valor estimado de R$ 61,3 milhões.

Ao todo, a concessionária é responsável por um espaço chamado “loja 11″, que tem 590 m² distribuídos em três pavimentos (com acesso pela São João), e o 25º, 26º, 27º e 28º andar, o que inclui os terraços e o palacete da cobertura. As obrigações previstas em contrato incluem a criação de um espaço expositivo de memória (como da história do prédio e da cidade), a instalação de ao menos uma loja, um restaurante e um café ou lanchonete e a abertura para visitação por pelo menos dez horas diárias.

O início das obras depende da consolidação do projeto, que precisa de aval dos órgãos de patrimônio. Um levantamento feito pelo Estúdio Sarasá, contratado pela concessionária, identificou a necessidade de limpeza dos revestimentos, tratamento de pequenas fissuras e outras intervenções. Durante a prospecção, também foram identificados vestígios de antigas pinturas decorativas nas paredes do palacete, que poderão ser futuramente recuperadas.

Poucos espaços nasceram tão icônicos quanto o Edifício Martinelli. Famoso, controverso, pioneiro e com uma história repleta de reviravoltas, tornou-se símbolo da transformação da São Paulo dos barões de café na maior metrópole do País. Essa trajetória começou há cerca de 100 anos, celebrados com a reabertura temporária para a visitação antes do início das obras, voltadas a retomar o histórico como uma das maiores referências turísticas, gastronômicas e culturais paulistanas. É conhecido por ter uma das melhores vistas da cidade.

O centenário do antigo arranha-céu faz referência ao início da construção, em 1924. A inauguração foi em 1929, mas parcial. Os 105 metros foram conquistados nos anos seguintes, até 1934, quando o idealizador do prédio, o empresário italiano Giuseppe Martinelli, parou de acrescentar novas andares e se convenceu de ter vencido a disputa com o carioca Edifício A Noite, pelo título de mais alto da América Latina, expondo a rivalidade entre a então capital brasileira e a metrópole em ascensão.

Reabertura temporária dos terraços do Martinelli tem programação até de noite Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O recorde de maior da América Latina foi perdido pouco depois (para o argentino Kavanagh), mas o primeiro lugar no País seguiu até 1947, quando foi deposto pelo Edifício Altino Arantes, o antigo Banespão. O hoje Farol Santander foi uma referência também pela reabertura como centro de cultura, gastronomia e lazer, em 2018, — citado pela Prefeitura ao assinar a concessão do Martinelli à iniciativa privada por 15 anos.

O responsável pela obra, manutenção e operação será o Grupo Tokyo — que se inspira nas múltiplas opções de visitação dos norte-americanos Empire State e Rockefeller Center. Quase um ano após a assinatura do contrato, a concessionária reabriu parte dos terraços e outros espaços temporariamente até o início das obras (previstas para o segundo semestre). Festas estão marcadas para as próximas semanas, assim como outros eventos estão em negociação.

Imagens divulgadas pelo Grupo Tokyo mostram como terraços e palacete devem ficar após obras Foto: Ilha Arquitetura, Michel Stein e Ohtake/Grupo Tokyo/Divulgação

Os ingressos para a visitação estão esgotados até o fim de junho. A abertura de novos lotes é discutida pelos organizadores, que tiveram problemas com filas e longa espera nas primeiras semanas. Com a conclusão das obras em meados de 2025, com um novo elevador e outras alterações exigidas no contrato, espera-se maior facilidade para o acesso do público.

Na nova etapa, as entradas dos terraços serão cobrados, com preço ainda indefinido. O teto contratual é de R$ 30 (a ser atualizado pelo IPC/FIPE). Por enquanto, a visitação é gratuita.

“O Martinelli é uma joia, é único. A nossa visão é para que se converta em um dos principais pontos turísticos do Brasil”, descreve Fábio Floriano, CFO do Grupo Tokyo. Para ele, a vizinhança de outros espaços, como a Casa de Francisca, vai potencializar aquele entorno. “O centro tem potencial para se tornar a nova Vila Madalena, com ocupação de bares, noturna, metrô perto.”

A concessão envolve 2.570 m², distribuídos em um grande espaço com acesso pelo térreo e os quatro últimos andares — onde o empresário italiano Giuseppe Martinelli construiu o palacete em que viveu com a família para comprovar a estabilidade do prédio aos mais desconfiados. A maior parte do edifício seguirá com as atividades cotidianas de secretarias e órgãos municipais.

A ideia de maior aproveitamento dos terraços e de trazer exposições e gastronomia ao Martinelli era discutida na cidade há cerca de 20 anos. O espaço chegou a ter uma abertura para visitação em 2010 até 2017, com retomadas e interrupções posteriores. As atividades se concentravam pela manhã e tarde, enquanto a concessão é voltada também a estimular a programação noturna.

“Por que não foi para frente (há 20 anos)? A gente não explora o potencial turístico do nosso skyline”, avalia a arquiteta e urbanista Nadia Somekh, pesquisadora de verticalização de São Paulo e professora da Mackenzie. Como exemplos mais recentes dessa mudança, cita o Farol Santander e iniciativas no Mirante do Vale, no Anhangabaú.

Por que o Edifício Martinelli foi tão pioneiro e icônico?

O Edifício Martinelli é um dos marcos de diversas mudanças simbólicas e urbanísticas de São Paulo, que buscava protagonismo em meio ao aumento populacional e à industrialização. A inspiração europeia tão presente na arquitetura passava aos poucos a dividir espaço com a influência norte-americana, especialmente de Nova York.

À época, o skyline nova iorquino dominava o ranking de prédios mais altos do mundo. O recordista contemporâneo do Martinelli era o Chrysler, inaugurado em 1930, com 319 metros, segundo o Council on Tall Buildings and Urban Habitat.

Entrada pela Líbero Badaró traz inscrição do ano de inauguração (1929) e do idealizador do edifício, José (Giuseppe) Martinelli Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“O Martinelli não era da elite cafeeira, era um imigrante que trouxe o capital, investiu tudo nesse edifício. Era a representação da mudança, da transição para indústria”, comenta a arquiteta e urbanista Nadia Somekh.

Essa transformação envolveu iniciativas pioneiras, alterações na legislação para estimular uma verticalização e a chegada de novas técnicas, materiais e equipamentos.

Nessa linha do tempo, começou-se a utilizar termos para identificar a “genealogia” dos prédios na cidade. O bisavô seria o Edifício Guinle (de 1913, com cerca de 36 metros, na Rua Direita), enquanto o “avô” seria o Edifício Sampaio Moreira (de 1924, com 50 metros, na Líbero Badaró). Logo, ao Martinelli, restou ser o “pai” dos arranha-céus.

Hoje, essa denominação é mais utilizada para prédios com mais de 150 metros, mas, para o padrão paulistano à época, tratou-se de uma ruptura evidente. Afinal, até os anos 1910, São Paulo era uma cidade horizontal, de dois pavimentos, construída majoritariamente de taipa de pilão, como descreve a professora de História da Urbanização da USP, Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno.

Fotografia de Alfredo Krausz mostra passagem de dirigível no entorno do Martinelli, em 1938 Foto: Alfredo Krausz/Acervo Instituto Moreira Salles

Na sequência, o Código de Posturas de 1918 e a lei que instituiu o “padrão municipal” em 1920 trouxeram possibilidades mais evidentes para a verticalização, em que a altura permitida passou a ser calculada a partir da largura do logradouro e o pé direito pôde ser mais baixo. “Introduz outro skyline na cidade, inspirado em padrões nova iorquinos. A cidade se eleva em altura”, diz a urbanista.

Após alguns anos da mudança na legislação, a cidade tinha mais prédios, mas a chegada do Martinelli inaugurou um novo momento. E essa iniciativa também está relacionada a como construções tem um caráter simbólico de afirmação.

“O Martinelli era um homem vinculado ao capital, um imigrante que também estava se afirmando na paisagem”, pontua a professora da USP. “A área central era o coração da cidade. A São João era a rua que tinha muitos equipamentos de lazer, tinha sua efervescência.”

Fila de visitantes no Edifício Martinelli na quarta-feira, 20 Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O Martinelli também foi pioneiro no uso misto, com apartamentos, espaços comerciais e hotelaria. À época, prédios altos eram voltados a escritórios. Além disso, como destaca a especialista, a construção de moradias em São Paulo estava migrando para o entorno do centro antigo e os bairros. “Ele colocou cinema, hotel, escritório, residências, um programa completamente novo.”

Com uma localização privilegiada e visto de diversos pontos centrais, o Martinelli também foi pioneiro ao trazer espaços destinados a anúncios gigantes. Um resquício desse período ainda é perceptível em uma das fachadas do prédio, na Rua Líbero Badaró, que preserva uma moldura para publicidade e uma desbotada silhueta de garrafa, indicando que a última marca a explorar o espaço era de bebidas.

Ao todo, o prédio tem cerca de 46,1 mil m², com 2 mil janelas e 1,2 mil cômodos, como salões, salas comerciais e apartamentos (convertidos em escritórios). Projetado pelo arquiteto húngaro William Fillinger, é tombado como patrimônio cultural em conjunto com outras construções vizinhas ao Vale do Anhangabaú.

Fachada lateral ainda tem moldura para anúncios publicitários Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Luxo, falência, incêndio, cortiço: os diversos momentos do Edifício Martinelli

O edifício nasceu como um endereço disputado na cidade, com restaurantes, clubes (inclusive a sede social do Palmeiras), escritórios e espaços de associações variadas, como partidos políticos. Na alta sociedade, chamava a atenção principalmente pelo Hotel São Bento e o Cine Rosário, cuja abertura teve o luxo e a riqueza destacados à época pelo Estadão.

Antes disso, contudo, passou por contestações e até embargo judicial. O aumento de andares sem autorização da Prefeitura levou ao embargo administrativo e a suspensão temporária do engenheiro responsável, como noticiou o Estadão. Além disso, Giuseppe Martinelli tomou diversas medidas para comprovar a estabilidade e segurança de um prédio dessa altura.

Em 1929, durante as obras de ampliação, um incêndio atribuído a um curto-circuito atingiu madeiras e outros materiais de construção no alto do edifício. “O fato atraiu a curiosidade do povo, que se aglomerava nas ruas vizinhas, apreciando o feito, sensacional por ter se manifestado no prédio mais alto do País, cuja construção constitui motivo de ufania para os paulistas”, dizia notícia do Estadão.

A história é repleta de reviravoltas. Mesmo abalado com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, Martinelli seguiu com a ampliação do prédio atrás do título de maior da América Latina e do País. A obra foi finalizada em 1934, mesmo ano em que a vendeu ao governo da Itália, diante de problemas financeiros, como noticiou o Estadão à época.

Quase uma década após, com o Brasil na Segunda Guerra Mundial, o Martinelli foi confiscado pela União e mudou temporariamente de nome, para Edifício América. Depois, passou por leilão.

Postal com fotografia das obras do Edifício Martinelli, de 1928 Foto: Autoria desconhecida/Acervo IMS

Por volta dos anos 1960, esteve em uma fase de desvalorização intensa. Até chegou a ser chamado de um “cortiço vertical”. A nova virada ocorreu em 1975, quando o então prefeito Olavo Setúbal determinou a desapropriação do edifício, onde instalou diversas secretarias e órgãos municipais após uma remodelação, com reabertura em 1979. A maior parte do prédio ainda é do poder público, incluindo as sedes das pastas de Habitação, Subprefeituras e Urbanismo e Licenciamento

O que está previsto na concessão do Edifício Martinelli?

A concessão foi lançada oficialmente na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019, com os objetivos de “retomar o protagonismo” do Martinelli e proporcionar uma experiência de visitação completa. Com uma suspensão temporária pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), o processo foi parado por quase dois anos, com algumas mudanças, e teve o contrato assinado no ano passado.

O Grupo Tokyo ficou responsável por uma série de intervenções obrigatórias (como o restauro e a instalação de guarda-corpos de vidro) e o pagamento de uma outorga mensal fixa de R$ 135 mil. Dessa forma, o contrato tem valor estimado de R$ 61,3 milhões.

Ao todo, a concessionária é responsável por um espaço chamado “loja 11″, que tem 590 m² distribuídos em três pavimentos (com acesso pela São João), e o 25º, 26º, 27º e 28º andar, o que inclui os terraços e o palacete da cobertura. As obrigações previstas em contrato incluem a criação de um espaço expositivo de memória (como da história do prédio e da cidade), a instalação de ao menos uma loja, um restaurante e um café ou lanchonete e a abertura para visitação por pelo menos dez horas diárias.

O início das obras depende da consolidação do projeto, que precisa de aval dos órgãos de patrimônio. Um levantamento feito pelo Estúdio Sarasá, contratado pela concessionária, identificou a necessidade de limpeza dos revestimentos, tratamento de pequenas fissuras e outras intervenções. Durante a prospecção, também foram identificados vestígios de antigas pinturas decorativas nas paredes do palacete, que poderão ser futuramente recuperadas.

Poucos espaços nasceram tão icônicos quanto o Edifício Martinelli. Famoso, controverso, pioneiro e com uma história repleta de reviravoltas, tornou-se símbolo da transformação da São Paulo dos barões de café na maior metrópole do País. Essa trajetória começou há cerca de 100 anos, celebrados com a reabertura temporária para a visitação antes do início das obras, voltadas a retomar o histórico como uma das maiores referências turísticas, gastronômicas e culturais paulistanas. É conhecido por ter uma das melhores vistas da cidade.

O centenário do antigo arranha-céu faz referência ao início da construção, em 1924. A inauguração foi em 1929, mas parcial. Os 105 metros foram conquistados nos anos seguintes, até 1934, quando o idealizador do prédio, o empresário italiano Giuseppe Martinelli, parou de acrescentar novas andares e se convenceu de ter vencido a disputa com o carioca Edifício A Noite, pelo título de mais alto da América Latina, expondo a rivalidade entre a então capital brasileira e a metrópole em ascensão.

Reabertura temporária dos terraços do Martinelli tem programação até de noite Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O recorde de maior da América Latina foi perdido pouco depois (para o argentino Kavanagh), mas o primeiro lugar no País seguiu até 1947, quando foi deposto pelo Edifício Altino Arantes, o antigo Banespão. O hoje Farol Santander foi uma referência também pela reabertura como centro de cultura, gastronomia e lazer, em 2018, — citado pela Prefeitura ao assinar a concessão do Martinelli à iniciativa privada por 15 anos.

O responsável pela obra, manutenção e operação será o Grupo Tokyo — que se inspira nas múltiplas opções de visitação dos norte-americanos Empire State e Rockefeller Center. Quase um ano após a assinatura do contrato, a concessionária reabriu parte dos terraços e outros espaços temporariamente até o início das obras (previstas para o segundo semestre). Festas estão marcadas para as próximas semanas, assim como outros eventos estão em negociação.

Imagens divulgadas pelo Grupo Tokyo mostram como terraços e palacete devem ficar após obras Foto: Ilha Arquitetura, Michel Stein e Ohtake/Grupo Tokyo/Divulgação

Os ingressos para a visitação estão esgotados até o fim de junho. A abertura de novos lotes é discutida pelos organizadores, que tiveram problemas com filas e longa espera nas primeiras semanas. Com a conclusão das obras em meados de 2025, com um novo elevador e outras alterações exigidas no contrato, espera-se maior facilidade para o acesso do público.

Na nova etapa, as entradas dos terraços serão cobrados, com preço ainda indefinido. O teto contratual é de R$ 30 (a ser atualizado pelo IPC/FIPE). Por enquanto, a visitação é gratuita.

“O Martinelli é uma joia, é único. A nossa visão é para que se converta em um dos principais pontos turísticos do Brasil”, descreve Fábio Floriano, CFO do Grupo Tokyo. Para ele, a vizinhança de outros espaços, como a Casa de Francisca, vai potencializar aquele entorno. “O centro tem potencial para se tornar a nova Vila Madalena, com ocupação de bares, noturna, metrô perto.”

A concessão envolve 2.570 m², distribuídos em um grande espaço com acesso pelo térreo e os quatro últimos andares — onde o empresário italiano Giuseppe Martinelli construiu o palacete em que viveu com a família para comprovar a estabilidade do prédio aos mais desconfiados. A maior parte do edifício seguirá com as atividades cotidianas de secretarias e órgãos municipais.

A ideia de maior aproveitamento dos terraços e de trazer exposições e gastronomia ao Martinelli era discutida na cidade há cerca de 20 anos. O espaço chegou a ter uma abertura para visitação em 2010 até 2017, com retomadas e interrupções posteriores. As atividades se concentravam pela manhã e tarde, enquanto a concessão é voltada também a estimular a programação noturna.

“Por que não foi para frente (há 20 anos)? A gente não explora o potencial turístico do nosso skyline”, avalia a arquiteta e urbanista Nadia Somekh, pesquisadora de verticalização de São Paulo e professora da Mackenzie. Como exemplos mais recentes dessa mudança, cita o Farol Santander e iniciativas no Mirante do Vale, no Anhangabaú.

Por que o Edifício Martinelli foi tão pioneiro e icônico?

O Edifício Martinelli é um dos marcos de diversas mudanças simbólicas e urbanísticas de São Paulo, que buscava protagonismo em meio ao aumento populacional e à industrialização. A inspiração europeia tão presente na arquitetura passava aos poucos a dividir espaço com a influência norte-americana, especialmente de Nova York.

À época, o skyline nova iorquino dominava o ranking de prédios mais altos do mundo. O recordista contemporâneo do Martinelli era o Chrysler, inaugurado em 1930, com 319 metros, segundo o Council on Tall Buildings and Urban Habitat.

Entrada pela Líbero Badaró traz inscrição do ano de inauguração (1929) e do idealizador do edifício, José (Giuseppe) Martinelli Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“O Martinelli não era da elite cafeeira, era um imigrante que trouxe o capital, investiu tudo nesse edifício. Era a representação da mudança, da transição para indústria”, comenta a arquiteta e urbanista Nadia Somekh.

Essa transformação envolveu iniciativas pioneiras, alterações na legislação para estimular uma verticalização e a chegada de novas técnicas, materiais e equipamentos.

Nessa linha do tempo, começou-se a utilizar termos para identificar a “genealogia” dos prédios na cidade. O bisavô seria o Edifício Guinle (de 1913, com cerca de 36 metros, na Rua Direita), enquanto o “avô” seria o Edifício Sampaio Moreira (de 1924, com 50 metros, na Líbero Badaró). Logo, ao Martinelli, restou ser o “pai” dos arranha-céus.

Hoje, essa denominação é mais utilizada para prédios com mais de 150 metros, mas, para o padrão paulistano à época, tratou-se de uma ruptura evidente. Afinal, até os anos 1910, São Paulo era uma cidade horizontal, de dois pavimentos, construída majoritariamente de taipa de pilão, como descreve a professora de História da Urbanização da USP, Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno.

Fotografia de Alfredo Krausz mostra passagem de dirigível no entorno do Martinelli, em 1938 Foto: Alfredo Krausz/Acervo Instituto Moreira Salles

Na sequência, o Código de Posturas de 1918 e a lei que instituiu o “padrão municipal” em 1920 trouxeram possibilidades mais evidentes para a verticalização, em que a altura permitida passou a ser calculada a partir da largura do logradouro e o pé direito pôde ser mais baixo. “Introduz outro skyline na cidade, inspirado em padrões nova iorquinos. A cidade se eleva em altura”, diz a urbanista.

Após alguns anos da mudança na legislação, a cidade tinha mais prédios, mas a chegada do Martinelli inaugurou um novo momento. E essa iniciativa também está relacionada a como construções tem um caráter simbólico de afirmação.

“O Martinelli era um homem vinculado ao capital, um imigrante que também estava se afirmando na paisagem”, pontua a professora da USP. “A área central era o coração da cidade. A São João era a rua que tinha muitos equipamentos de lazer, tinha sua efervescência.”

Fila de visitantes no Edifício Martinelli na quarta-feira, 20 Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O Martinelli também foi pioneiro no uso misto, com apartamentos, espaços comerciais e hotelaria. À época, prédios altos eram voltados a escritórios. Além disso, como destaca a especialista, a construção de moradias em São Paulo estava migrando para o entorno do centro antigo e os bairros. “Ele colocou cinema, hotel, escritório, residências, um programa completamente novo.”

Com uma localização privilegiada e visto de diversos pontos centrais, o Martinelli também foi pioneiro ao trazer espaços destinados a anúncios gigantes. Um resquício desse período ainda é perceptível em uma das fachadas do prédio, na Rua Líbero Badaró, que preserva uma moldura para publicidade e uma desbotada silhueta de garrafa, indicando que a última marca a explorar o espaço era de bebidas.

Ao todo, o prédio tem cerca de 46,1 mil m², com 2 mil janelas e 1,2 mil cômodos, como salões, salas comerciais e apartamentos (convertidos em escritórios). Projetado pelo arquiteto húngaro William Fillinger, é tombado como patrimônio cultural em conjunto com outras construções vizinhas ao Vale do Anhangabaú.

Fachada lateral ainda tem moldura para anúncios publicitários Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Luxo, falência, incêndio, cortiço: os diversos momentos do Edifício Martinelli

O edifício nasceu como um endereço disputado na cidade, com restaurantes, clubes (inclusive a sede social do Palmeiras), escritórios e espaços de associações variadas, como partidos políticos. Na alta sociedade, chamava a atenção principalmente pelo Hotel São Bento e o Cine Rosário, cuja abertura teve o luxo e a riqueza destacados à época pelo Estadão.

Antes disso, contudo, passou por contestações e até embargo judicial. O aumento de andares sem autorização da Prefeitura levou ao embargo administrativo e a suspensão temporária do engenheiro responsável, como noticiou o Estadão. Além disso, Giuseppe Martinelli tomou diversas medidas para comprovar a estabilidade e segurança de um prédio dessa altura.

Em 1929, durante as obras de ampliação, um incêndio atribuído a um curto-circuito atingiu madeiras e outros materiais de construção no alto do edifício. “O fato atraiu a curiosidade do povo, que se aglomerava nas ruas vizinhas, apreciando o feito, sensacional por ter se manifestado no prédio mais alto do País, cuja construção constitui motivo de ufania para os paulistas”, dizia notícia do Estadão.

A história é repleta de reviravoltas. Mesmo abalado com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, Martinelli seguiu com a ampliação do prédio atrás do título de maior da América Latina e do País. A obra foi finalizada em 1934, mesmo ano em que a vendeu ao governo da Itália, diante de problemas financeiros, como noticiou o Estadão à época.

Quase uma década após, com o Brasil na Segunda Guerra Mundial, o Martinelli foi confiscado pela União e mudou temporariamente de nome, para Edifício América. Depois, passou por leilão.

Postal com fotografia das obras do Edifício Martinelli, de 1928 Foto: Autoria desconhecida/Acervo IMS

Por volta dos anos 1960, esteve em uma fase de desvalorização intensa. Até chegou a ser chamado de um “cortiço vertical”. A nova virada ocorreu em 1975, quando o então prefeito Olavo Setúbal determinou a desapropriação do edifício, onde instalou diversas secretarias e órgãos municipais após uma remodelação, com reabertura em 1979. A maior parte do prédio ainda é do poder público, incluindo as sedes das pastas de Habitação, Subprefeituras e Urbanismo e Licenciamento

O que está previsto na concessão do Edifício Martinelli?

A concessão foi lançada oficialmente na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019, com os objetivos de “retomar o protagonismo” do Martinelli e proporcionar uma experiência de visitação completa. Com uma suspensão temporária pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), o processo foi parado por quase dois anos, com algumas mudanças, e teve o contrato assinado no ano passado.

O Grupo Tokyo ficou responsável por uma série de intervenções obrigatórias (como o restauro e a instalação de guarda-corpos de vidro) e o pagamento de uma outorga mensal fixa de R$ 135 mil. Dessa forma, o contrato tem valor estimado de R$ 61,3 milhões.

Ao todo, a concessionária é responsável por um espaço chamado “loja 11″, que tem 590 m² distribuídos em três pavimentos (com acesso pela São João), e o 25º, 26º, 27º e 28º andar, o que inclui os terraços e o palacete da cobertura. As obrigações previstas em contrato incluem a criação de um espaço expositivo de memória (como da história do prédio e da cidade), a instalação de ao menos uma loja, um restaurante e um café ou lanchonete e a abertura para visitação por pelo menos dez horas diárias.

O início das obras depende da consolidação do projeto, que precisa de aval dos órgãos de patrimônio. Um levantamento feito pelo Estúdio Sarasá, contratado pela concessionária, identificou a necessidade de limpeza dos revestimentos, tratamento de pequenas fissuras e outras intervenções. Durante a prospecção, também foram identificados vestígios de antigas pinturas decorativas nas paredes do palacete, que poderão ser futuramente recuperadas.

Poucos espaços nasceram tão icônicos quanto o Edifício Martinelli. Famoso, controverso, pioneiro e com uma história repleta de reviravoltas, tornou-se símbolo da transformação da São Paulo dos barões de café na maior metrópole do País. Essa trajetória começou há cerca de 100 anos, celebrados com a reabertura temporária para a visitação antes do início das obras, voltadas a retomar o histórico como uma das maiores referências turísticas, gastronômicas e culturais paulistanas. É conhecido por ter uma das melhores vistas da cidade.

O centenário do antigo arranha-céu faz referência ao início da construção, em 1924. A inauguração foi em 1929, mas parcial. Os 105 metros foram conquistados nos anos seguintes, até 1934, quando o idealizador do prédio, o empresário italiano Giuseppe Martinelli, parou de acrescentar novas andares e se convenceu de ter vencido a disputa com o carioca Edifício A Noite, pelo título de mais alto da América Latina, expondo a rivalidade entre a então capital brasileira e a metrópole em ascensão.

Reabertura temporária dos terraços do Martinelli tem programação até de noite Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O recorde de maior da América Latina foi perdido pouco depois (para o argentino Kavanagh), mas o primeiro lugar no País seguiu até 1947, quando foi deposto pelo Edifício Altino Arantes, o antigo Banespão. O hoje Farol Santander foi uma referência também pela reabertura como centro de cultura, gastronomia e lazer, em 2018, — citado pela Prefeitura ao assinar a concessão do Martinelli à iniciativa privada por 15 anos.

O responsável pela obra, manutenção e operação será o Grupo Tokyo — que se inspira nas múltiplas opções de visitação dos norte-americanos Empire State e Rockefeller Center. Quase um ano após a assinatura do contrato, a concessionária reabriu parte dos terraços e outros espaços temporariamente até o início das obras (previstas para o segundo semestre). Festas estão marcadas para as próximas semanas, assim como outros eventos estão em negociação.

Imagens divulgadas pelo Grupo Tokyo mostram como terraços e palacete devem ficar após obras Foto: Ilha Arquitetura, Michel Stein e Ohtake/Grupo Tokyo/Divulgação

Os ingressos para a visitação estão esgotados até o fim de junho. A abertura de novos lotes é discutida pelos organizadores, que tiveram problemas com filas e longa espera nas primeiras semanas. Com a conclusão das obras em meados de 2025, com um novo elevador e outras alterações exigidas no contrato, espera-se maior facilidade para o acesso do público.

Na nova etapa, as entradas dos terraços serão cobrados, com preço ainda indefinido. O teto contratual é de R$ 30 (a ser atualizado pelo IPC/FIPE). Por enquanto, a visitação é gratuita.

“O Martinelli é uma joia, é único. A nossa visão é para que se converta em um dos principais pontos turísticos do Brasil”, descreve Fábio Floriano, CFO do Grupo Tokyo. Para ele, a vizinhança de outros espaços, como a Casa de Francisca, vai potencializar aquele entorno. “O centro tem potencial para se tornar a nova Vila Madalena, com ocupação de bares, noturna, metrô perto.”

A concessão envolve 2.570 m², distribuídos em um grande espaço com acesso pelo térreo e os quatro últimos andares — onde o empresário italiano Giuseppe Martinelli construiu o palacete em que viveu com a família para comprovar a estabilidade do prédio aos mais desconfiados. A maior parte do edifício seguirá com as atividades cotidianas de secretarias e órgãos municipais.

A ideia de maior aproveitamento dos terraços e de trazer exposições e gastronomia ao Martinelli era discutida na cidade há cerca de 20 anos. O espaço chegou a ter uma abertura para visitação em 2010 até 2017, com retomadas e interrupções posteriores. As atividades se concentravam pela manhã e tarde, enquanto a concessão é voltada também a estimular a programação noturna.

“Por que não foi para frente (há 20 anos)? A gente não explora o potencial turístico do nosso skyline”, avalia a arquiteta e urbanista Nadia Somekh, pesquisadora de verticalização de São Paulo e professora da Mackenzie. Como exemplos mais recentes dessa mudança, cita o Farol Santander e iniciativas no Mirante do Vale, no Anhangabaú.

Por que o Edifício Martinelli foi tão pioneiro e icônico?

O Edifício Martinelli é um dos marcos de diversas mudanças simbólicas e urbanísticas de São Paulo, que buscava protagonismo em meio ao aumento populacional e à industrialização. A inspiração europeia tão presente na arquitetura passava aos poucos a dividir espaço com a influência norte-americana, especialmente de Nova York.

À época, o skyline nova iorquino dominava o ranking de prédios mais altos do mundo. O recordista contemporâneo do Martinelli era o Chrysler, inaugurado em 1930, com 319 metros, segundo o Council on Tall Buildings and Urban Habitat.

Entrada pela Líbero Badaró traz inscrição do ano de inauguração (1929) e do idealizador do edifício, José (Giuseppe) Martinelli Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“O Martinelli não era da elite cafeeira, era um imigrante que trouxe o capital, investiu tudo nesse edifício. Era a representação da mudança, da transição para indústria”, comenta a arquiteta e urbanista Nadia Somekh.

Essa transformação envolveu iniciativas pioneiras, alterações na legislação para estimular uma verticalização e a chegada de novas técnicas, materiais e equipamentos.

Nessa linha do tempo, começou-se a utilizar termos para identificar a “genealogia” dos prédios na cidade. O bisavô seria o Edifício Guinle (de 1913, com cerca de 36 metros, na Rua Direita), enquanto o “avô” seria o Edifício Sampaio Moreira (de 1924, com 50 metros, na Líbero Badaró). Logo, ao Martinelli, restou ser o “pai” dos arranha-céus.

Hoje, essa denominação é mais utilizada para prédios com mais de 150 metros, mas, para o padrão paulistano à época, tratou-se de uma ruptura evidente. Afinal, até os anos 1910, São Paulo era uma cidade horizontal, de dois pavimentos, construída majoritariamente de taipa de pilão, como descreve a professora de História da Urbanização da USP, Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno.

Fotografia de Alfredo Krausz mostra passagem de dirigível no entorno do Martinelli, em 1938 Foto: Alfredo Krausz/Acervo Instituto Moreira Salles

Na sequência, o Código de Posturas de 1918 e a lei que instituiu o “padrão municipal” em 1920 trouxeram possibilidades mais evidentes para a verticalização, em que a altura permitida passou a ser calculada a partir da largura do logradouro e o pé direito pôde ser mais baixo. “Introduz outro skyline na cidade, inspirado em padrões nova iorquinos. A cidade se eleva em altura”, diz a urbanista.

Após alguns anos da mudança na legislação, a cidade tinha mais prédios, mas a chegada do Martinelli inaugurou um novo momento. E essa iniciativa também está relacionada a como construções tem um caráter simbólico de afirmação.

“O Martinelli era um homem vinculado ao capital, um imigrante que também estava se afirmando na paisagem”, pontua a professora da USP. “A área central era o coração da cidade. A São João era a rua que tinha muitos equipamentos de lazer, tinha sua efervescência.”

Fila de visitantes no Edifício Martinelli na quarta-feira, 20 Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O Martinelli também foi pioneiro no uso misto, com apartamentos, espaços comerciais e hotelaria. À época, prédios altos eram voltados a escritórios. Além disso, como destaca a especialista, a construção de moradias em São Paulo estava migrando para o entorno do centro antigo e os bairros. “Ele colocou cinema, hotel, escritório, residências, um programa completamente novo.”

Com uma localização privilegiada e visto de diversos pontos centrais, o Martinelli também foi pioneiro ao trazer espaços destinados a anúncios gigantes. Um resquício desse período ainda é perceptível em uma das fachadas do prédio, na Rua Líbero Badaró, que preserva uma moldura para publicidade e uma desbotada silhueta de garrafa, indicando que a última marca a explorar o espaço era de bebidas.

Ao todo, o prédio tem cerca de 46,1 mil m², com 2 mil janelas e 1,2 mil cômodos, como salões, salas comerciais e apartamentos (convertidos em escritórios). Projetado pelo arquiteto húngaro William Fillinger, é tombado como patrimônio cultural em conjunto com outras construções vizinhas ao Vale do Anhangabaú.

Fachada lateral ainda tem moldura para anúncios publicitários Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Luxo, falência, incêndio, cortiço: os diversos momentos do Edifício Martinelli

O edifício nasceu como um endereço disputado na cidade, com restaurantes, clubes (inclusive a sede social do Palmeiras), escritórios e espaços de associações variadas, como partidos políticos. Na alta sociedade, chamava a atenção principalmente pelo Hotel São Bento e o Cine Rosário, cuja abertura teve o luxo e a riqueza destacados à época pelo Estadão.

Antes disso, contudo, passou por contestações e até embargo judicial. O aumento de andares sem autorização da Prefeitura levou ao embargo administrativo e a suspensão temporária do engenheiro responsável, como noticiou o Estadão. Além disso, Giuseppe Martinelli tomou diversas medidas para comprovar a estabilidade e segurança de um prédio dessa altura.

Em 1929, durante as obras de ampliação, um incêndio atribuído a um curto-circuito atingiu madeiras e outros materiais de construção no alto do edifício. “O fato atraiu a curiosidade do povo, que se aglomerava nas ruas vizinhas, apreciando o feito, sensacional por ter se manifestado no prédio mais alto do País, cuja construção constitui motivo de ufania para os paulistas”, dizia notícia do Estadão.

A história é repleta de reviravoltas. Mesmo abalado com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, Martinelli seguiu com a ampliação do prédio atrás do título de maior da América Latina e do País. A obra foi finalizada em 1934, mesmo ano em que a vendeu ao governo da Itália, diante de problemas financeiros, como noticiou o Estadão à época.

Quase uma década após, com o Brasil na Segunda Guerra Mundial, o Martinelli foi confiscado pela União e mudou temporariamente de nome, para Edifício América. Depois, passou por leilão.

Postal com fotografia das obras do Edifício Martinelli, de 1928 Foto: Autoria desconhecida/Acervo IMS

Por volta dos anos 1960, esteve em uma fase de desvalorização intensa. Até chegou a ser chamado de um “cortiço vertical”. A nova virada ocorreu em 1975, quando o então prefeito Olavo Setúbal determinou a desapropriação do edifício, onde instalou diversas secretarias e órgãos municipais após uma remodelação, com reabertura em 1979. A maior parte do prédio ainda é do poder público, incluindo as sedes das pastas de Habitação, Subprefeituras e Urbanismo e Licenciamento

O que está previsto na concessão do Edifício Martinelli?

A concessão foi lançada oficialmente na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019, com os objetivos de “retomar o protagonismo” do Martinelli e proporcionar uma experiência de visitação completa. Com uma suspensão temporária pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), o processo foi parado por quase dois anos, com algumas mudanças, e teve o contrato assinado no ano passado.

O Grupo Tokyo ficou responsável por uma série de intervenções obrigatórias (como o restauro e a instalação de guarda-corpos de vidro) e o pagamento de uma outorga mensal fixa de R$ 135 mil. Dessa forma, o contrato tem valor estimado de R$ 61,3 milhões.

Ao todo, a concessionária é responsável por um espaço chamado “loja 11″, que tem 590 m² distribuídos em três pavimentos (com acesso pela São João), e o 25º, 26º, 27º e 28º andar, o que inclui os terraços e o palacete da cobertura. As obrigações previstas em contrato incluem a criação de um espaço expositivo de memória (como da história do prédio e da cidade), a instalação de ao menos uma loja, um restaurante e um café ou lanchonete e a abertura para visitação por pelo menos dez horas diárias.

O início das obras depende da consolidação do projeto, que precisa de aval dos órgãos de patrimônio. Um levantamento feito pelo Estúdio Sarasá, contratado pela concessionária, identificou a necessidade de limpeza dos revestimentos, tratamento de pequenas fissuras e outras intervenções. Durante a prospecção, também foram identificados vestígios de antigas pinturas decorativas nas paredes do palacete, que poderão ser futuramente recuperadas.

Poucos espaços nasceram tão icônicos quanto o Edifício Martinelli. Famoso, controverso, pioneiro e com uma história repleta de reviravoltas, tornou-se símbolo da transformação da São Paulo dos barões de café na maior metrópole do País. Essa trajetória começou há cerca de 100 anos, celebrados com a reabertura temporária para a visitação antes do início das obras, voltadas a retomar o histórico como uma das maiores referências turísticas, gastronômicas e culturais paulistanas. É conhecido por ter uma das melhores vistas da cidade.

O centenário do antigo arranha-céu faz referência ao início da construção, em 1924. A inauguração foi em 1929, mas parcial. Os 105 metros foram conquistados nos anos seguintes, até 1934, quando o idealizador do prédio, o empresário italiano Giuseppe Martinelli, parou de acrescentar novas andares e se convenceu de ter vencido a disputa com o carioca Edifício A Noite, pelo título de mais alto da América Latina, expondo a rivalidade entre a então capital brasileira e a metrópole em ascensão.

Reabertura temporária dos terraços do Martinelli tem programação até de noite Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O recorde de maior da América Latina foi perdido pouco depois (para o argentino Kavanagh), mas o primeiro lugar no País seguiu até 1947, quando foi deposto pelo Edifício Altino Arantes, o antigo Banespão. O hoje Farol Santander foi uma referência também pela reabertura como centro de cultura, gastronomia e lazer, em 2018, — citado pela Prefeitura ao assinar a concessão do Martinelli à iniciativa privada por 15 anos.

O responsável pela obra, manutenção e operação será o Grupo Tokyo — que se inspira nas múltiplas opções de visitação dos norte-americanos Empire State e Rockefeller Center. Quase um ano após a assinatura do contrato, a concessionária reabriu parte dos terraços e outros espaços temporariamente até o início das obras (previstas para o segundo semestre). Festas estão marcadas para as próximas semanas, assim como outros eventos estão em negociação.

Imagens divulgadas pelo Grupo Tokyo mostram como terraços e palacete devem ficar após obras Foto: Ilha Arquitetura, Michel Stein e Ohtake/Grupo Tokyo/Divulgação

Os ingressos para a visitação estão esgotados até o fim de junho. A abertura de novos lotes é discutida pelos organizadores, que tiveram problemas com filas e longa espera nas primeiras semanas. Com a conclusão das obras em meados de 2025, com um novo elevador e outras alterações exigidas no contrato, espera-se maior facilidade para o acesso do público.

Na nova etapa, as entradas dos terraços serão cobrados, com preço ainda indefinido. O teto contratual é de R$ 30 (a ser atualizado pelo IPC/FIPE). Por enquanto, a visitação é gratuita.

“O Martinelli é uma joia, é único. A nossa visão é para que se converta em um dos principais pontos turísticos do Brasil”, descreve Fábio Floriano, CFO do Grupo Tokyo. Para ele, a vizinhança de outros espaços, como a Casa de Francisca, vai potencializar aquele entorno. “O centro tem potencial para se tornar a nova Vila Madalena, com ocupação de bares, noturna, metrô perto.”

A concessão envolve 2.570 m², distribuídos em um grande espaço com acesso pelo térreo e os quatro últimos andares — onde o empresário italiano Giuseppe Martinelli construiu o palacete em que viveu com a família para comprovar a estabilidade do prédio aos mais desconfiados. A maior parte do edifício seguirá com as atividades cotidianas de secretarias e órgãos municipais.

A ideia de maior aproveitamento dos terraços e de trazer exposições e gastronomia ao Martinelli era discutida na cidade há cerca de 20 anos. O espaço chegou a ter uma abertura para visitação em 2010 até 2017, com retomadas e interrupções posteriores. As atividades se concentravam pela manhã e tarde, enquanto a concessão é voltada também a estimular a programação noturna.

“Por que não foi para frente (há 20 anos)? A gente não explora o potencial turístico do nosso skyline”, avalia a arquiteta e urbanista Nadia Somekh, pesquisadora de verticalização de São Paulo e professora da Mackenzie. Como exemplos mais recentes dessa mudança, cita o Farol Santander e iniciativas no Mirante do Vale, no Anhangabaú.

Por que o Edifício Martinelli foi tão pioneiro e icônico?

O Edifício Martinelli é um dos marcos de diversas mudanças simbólicas e urbanísticas de São Paulo, que buscava protagonismo em meio ao aumento populacional e à industrialização. A inspiração europeia tão presente na arquitetura passava aos poucos a dividir espaço com a influência norte-americana, especialmente de Nova York.

À época, o skyline nova iorquino dominava o ranking de prédios mais altos do mundo. O recordista contemporâneo do Martinelli era o Chrysler, inaugurado em 1930, com 319 metros, segundo o Council on Tall Buildings and Urban Habitat.

Entrada pela Líbero Badaró traz inscrição do ano de inauguração (1929) e do idealizador do edifício, José (Giuseppe) Martinelli Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“O Martinelli não era da elite cafeeira, era um imigrante que trouxe o capital, investiu tudo nesse edifício. Era a representação da mudança, da transição para indústria”, comenta a arquiteta e urbanista Nadia Somekh.

Essa transformação envolveu iniciativas pioneiras, alterações na legislação para estimular uma verticalização e a chegada de novas técnicas, materiais e equipamentos.

Nessa linha do tempo, começou-se a utilizar termos para identificar a “genealogia” dos prédios na cidade. O bisavô seria o Edifício Guinle (de 1913, com cerca de 36 metros, na Rua Direita), enquanto o “avô” seria o Edifício Sampaio Moreira (de 1924, com 50 metros, na Líbero Badaró). Logo, ao Martinelli, restou ser o “pai” dos arranha-céus.

Hoje, essa denominação é mais utilizada para prédios com mais de 150 metros, mas, para o padrão paulistano à época, tratou-se de uma ruptura evidente. Afinal, até os anos 1910, São Paulo era uma cidade horizontal, de dois pavimentos, construída majoritariamente de taipa de pilão, como descreve a professora de História da Urbanização da USP, Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno.

Fotografia de Alfredo Krausz mostra passagem de dirigível no entorno do Martinelli, em 1938 Foto: Alfredo Krausz/Acervo Instituto Moreira Salles

Na sequência, o Código de Posturas de 1918 e a lei que instituiu o “padrão municipal” em 1920 trouxeram possibilidades mais evidentes para a verticalização, em que a altura permitida passou a ser calculada a partir da largura do logradouro e o pé direito pôde ser mais baixo. “Introduz outro skyline na cidade, inspirado em padrões nova iorquinos. A cidade se eleva em altura”, diz a urbanista.

Após alguns anos da mudança na legislação, a cidade tinha mais prédios, mas a chegada do Martinelli inaugurou um novo momento. E essa iniciativa também está relacionada a como construções tem um caráter simbólico de afirmação.

“O Martinelli era um homem vinculado ao capital, um imigrante que também estava se afirmando na paisagem”, pontua a professora da USP. “A área central era o coração da cidade. A São João era a rua que tinha muitos equipamentos de lazer, tinha sua efervescência.”

Fila de visitantes no Edifício Martinelli na quarta-feira, 20 Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O Martinelli também foi pioneiro no uso misto, com apartamentos, espaços comerciais e hotelaria. À época, prédios altos eram voltados a escritórios. Além disso, como destaca a especialista, a construção de moradias em São Paulo estava migrando para o entorno do centro antigo e os bairros. “Ele colocou cinema, hotel, escritório, residências, um programa completamente novo.”

Com uma localização privilegiada e visto de diversos pontos centrais, o Martinelli também foi pioneiro ao trazer espaços destinados a anúncios gigantes. Um resquício desse período ainda é perceptível em uma das fachadas do prédio, na Rua Líbero Badaró, que preserva uma moldura para publicidade e uma desbotada silhueta de garrafa, indicando que a última marca a explorar o espaço era de bebidas.

Ao todo, o prédio tem cerca de 46,1 mil m², com 2 mil janelas e 1,2 mil cômodos, como salões, salas comerciais e apartamentos (convertidos em escritórios). Projetado pelo arquiteto húngaro William Fillinger, é tombado como patrimônio cultural em conjunto com outras construções vizinhas ao Vale do Anhangabaú.

Fachada lateral ainda tem moldura para anúncios publicitários Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Luxo, falência, incêndio, cortiço: os diversos momentos do Edifício Martinelli

O edifício nasceu como um endereço disputado na cidade, com restaurantes, clubes (inclusive a sede social do Palmeiras), escritórios e espaços de associações variadas, como partidos políticos. Na alta sociedade, chamava a atenção principalmente pelo Hotel São Bento e o Cine Rosário, cuja abertura teve o luxo e a riqueza destacados à época pelo Estadão.

Antes disso, contudo, passou por contestações e até embargo judicial. O aumento de andares sem autorização da Prefeitura levou ao embargo administrativo e a suspensão temporária do engenheiro responsável, como noticiou o Estadão. Além disso, Giuseppe Martinelli tomou diversas medidas para comprovar a estabilidade e segurança de um prédio dessa altura.

Em 1929, durante as obras de ampliação, um incêndio atribuído a um curto-circuito atingiu madeiras e outros materiais de construção no alto do edifício. “O fato atraiu a curiosidade do povo, que se aglomerava nas ruas vizinhas, apreciando o feito, sensacional por ter se manifestado no prédio mais alto do País, cuja construção constitui motivo de ufania para os paulistas”, dizia notícia do Estadão.

A história é repleta de reviravoltas. Mesmo abalado com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, Martinelli seguiu com a ampliação do prédio atrás do título de maior da América Latina e do País. A obra foi finalizada em 1934, mesmo ano em que a vendeu ao governo da Itália, diante de problemas financeiros, como noticiou o Estadão à época.

Quase uma década após, com o Brasil na Segunda Guerra Mundial, o Martinelli foi confiscado pela União e mudou temporariamente de nome, para Edifício América. Depois, passou por leilão.

Postal com fotografia das obras do Edifício Martinelli, de 1928 Foto: Autoria desconhecida/Acervo IMS

Por volta dos anos 1960, esteve em uma fase de desvalorização intensa. Até chegou a ser chamado de um “cortiço vertical”. A nova virada ocorreu em 1975, quando o então prefeito Olavo Setúbal determinou a desapropriação do edifício, onde instalou diversas secretarias e órgãos municipais após uma remodelação, com reabertura em 1979. A maior parte do prédio ainda é do poder público, incluindo as sedes das pastas de Habitação, Subprefeituras e Urbanismo e Licenciamento

O que está previsto na concessão do Edifício Martinelli?

A concessão foi lançada oficialmente na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019, com os objetivos de “retomar o protagonismo” do Martinelli e proporcionar uma experiência de visitação completa. Com uma suspensão temporária pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), o processo foi parado por quase dois anos, com algumas mudanças, e teve o contrato assinado no ano passado.

O Grupo Tokyo ficou responsável por uma série de intervenções obrigatórias (como o restauro e a instalação de guarda-corpos de vidro) e o pagamento de uma outorga mensal fixa de R$ 135 mil. Dessa forma, o contrato tem valor estimado de R$ 61,3 milhões.

Ao todo, a concessionária é responsável por um espaço chamado “loja 11″, que tem 590 m² distribuídos em três pavimentos (com acesso pela São João), e o 25º, 26º, 27º e 28º andar, o que inclui os terraços e o palacete da cobertura. As obrigações previstas em contrato incluem a criação de um espaço expositivo de memória (como da história do prédio e da cidade), a instalação de ao menos uma loja, um restaurante e um café ou lanchonete e a abertura para visitação por pelo menos dez horas diárias.

O início das obras depende da consolidação do projeto, que precisa de aval dos órgãos de patrimônio. Um levantamento feito pelo Estúdio Sarasá, contratado pela concessionária, identificou a necessidade de limpeza dos revestimentos, tratamento de pequenas fissuras e outras intervenções. Durante a prospecção, também foram identificados vestígios de antigas pinturas decorativas nas paredes do palacete, que poderão ser futuramente recuperadas.

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