Paulistices, cultura geral e outras curiosidades

Kiyomi, o sushiman mais antigo da cidade


Por Edison Veiga

Esse cuidado quase sagrado com o sushi se revela de forma plena no festival que já se torna tradição no restaurante de Watanabe: todo 1.º de novembro, Dia Internacional do Sushi, a casa oferece, a preço fechado (R$ 140), a degustação de 30 tipos do prato. "Mostramos a evolução do sushi desde o século 16 até os dias atuais", explica Carlos, que ao lado do pai e de um assistente é o responsável pelo preparo das receitas da casa.

"Ele é um defensor do sushi tradicional, do corte perfeito dos toppings, do arroz shari bem temperado e da correta pressão no bolinho, que faz com que o arroz desmanche na boca, soltando o vinagre e dando aquela sensação de suspensão, que faz erguer nossa postura de satisfação", elogia o produtor cultural Jo Takahashi, consultor de arte e cultura da Fundação Japão. "Conquistar 50 anos de ofício transforma Kiyomi Watanabe de artesão a mestre."

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No mesmo barco. Kiyomi tinha 11 anos quando enfrentou, em 1955, a longa viagem do Japão ao Porto de Belém, a bordo do África Maru. "Eram mais de 300 no navio", conta. Entre eles, a pequena Natiko, então com 8 anos. Ele nascera em Fukuoka; ela, em Yamaguchi. No interior do Pará, as duas famílias foram trabalhar no cultivo de pimenta - mas em sítios diferentes.

De lá, os pais de Kiyomi se mudaram para o interior do Paraná. Foram tentar a sorte nas lavouras de café da região do Norte Pioneiro. "Meu pai ajudava no orçamento familiar vendendo verduras de porta em porta", diz Carlos. Frustrados com uma forte geada, em 1961 resolveram tentar a vida em São Paulo, onde o bairro da Liberdade já era reduto de japoneses.

Na capital paulista, os Watanabe arrendaram uma peixaria. Seus principais clientes eram os restaurantes japoneses - poucos e reduto exclusivo dos orientais à época. "É preciso lembrar que dos anos 1920 aos anos 1950, comida japonesa em São Paulo só era servida nas casas de pensão para orientais", contextualiza Carlos.

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Foi o Okina Sushi, que funcionou entre os anos 1950 e 1970 na Rua Conselheiro Furtado, na Liberdade, o primeiro restaurante japonês, com sushibar, de São Paulo. "Meus pais, Eiko e Yasushiro Okinaga, abriram este mundo aos paulistanos", confirma César, filho do casal - ambos já morreram. Abriram, mas nem tanto. Até o início dos anos 1980, comida japonesa não tinha tanto apelo entre ocidentais da cidade.

Nasce um sushiman. Graças ao trabalho na peixaria, Kiyomi conheceu um dono de restaurante. Ainda em 1961, começou a trabalhar como assistente de sushiman, aprendendo rápido - e com excelência - as técnicas para elaborar o prato. Quatro anos mais tarde, abria seu próprio restaurante - o Suehiro, também na Liberdade.

Nessa época, seu destino cruzou novamente com o de Natiko. Aquela menininha que conhecera a bordo do África Maru havia se transformado em moça feita. Casaram-se e tiveram três filhos: Carlos (nascido em 1967), Nelson (de 1969, morto em um acidente de carro em 1995) e Cláudia (de 1971).

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Começava a década de 1980 quando Kiyomi resolveu ousar e abrir o primeiro restaurante japonês fora da Liberdade. Escolheu o Bexiga - bairro das pizzas, macarronadas e lasanhas - para inaugurar, em setembro de 1981, o Sushi Kiyo. "Achava que a comida japonesa, que é a melhor do mundo, precisava conquistar o brasileiro. Sabia que quando um comesse ensinaria para o outro que era bom, que ensinaria para o outro, até todo mundo gostar", resume o sushiman. "Porque nós precisamos do brasileiro para sustentar o restaurante."

Deu certo. Trinta anos mais tarde, a maior parte da clientela do restaurante - que, desde 1997 funciona na Rua Tutoia, 223, no Paraíso - é composta por ocidentais. "E a gastronomia paulistana se abriu aos pratos orientais, que foram incorporados ao paladar da cidade", diz Carlos.

O que não mudou foi Kiyomi. Mantém o negócio em família - sua mulher e a filha, que é formada em Administração e Direito, cuidam da parte administrativa; ele e seu filho, que é graduado em Engenharia e Gastronomia, dedicam-se à cozinha. Praticamente só se comunica em japonês - assina o jornal São Paulo-Shimbun, editado no idioma. E mantém os braços cruzados, o olhar atento e o cultivo do silêncio quando, no restaurante, não está se dedicando ao preparo de algum prato.

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"Mas ele não é assim o tempo todo", garante o filho. "Meu pai tem um bom humor peculiar. E sabe fazer rir, com suas histórias." Pelo visto, apenas quando julga ser a hora certa, no local certo e para o público certo.

Quando escolheu sair da Liberdade, não foi só profissionalmente. Mudou-se de casa também. Kiyomi hoje mora no Paraíso, bem próximo ao Sushi Kiyo. E, apesar de cultivar tão bem as tradições nipônicas, tornou-se, sim, um pouco paulistano. "Todo mundo que vem para São Paulo gosta. Vive-se bem aqui, é uma cidade com espaço para estrangeiros de todos os países", explica.

Desde que pisou no Brasil, Kiyomi jamais retornou à terra natal. Nem a passeio. Nas poucas palavras que aceitou trocar com o Estado, só esboçou um leve sorriso ao responder se pensa, um dia, em voltar a viver no Japão. "Não quero, não. Aqui em São Paulo eu tenho mais amor", afirma, firme e preciso, como convém a um bom sushiman.

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Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, seção 'Paulistânia', dia 30 de outubro de 2011

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Esse cuidado quase sagrado com o sushi se revela de forma plena no festival que já se torna tradição no restaurante de Watanabe: todo 1.º de novembro, Dia Internacional do Sushi, a casa oferece, a preço fechado (R$ 140), a degustação de 30 tipos do prato. "Mostramos a evolução do sushi desde o século 16 até os dias atuais", explica Carlos, que ao lado do pai e de um assistente é o responsável pelo preparo das receitas da casa.

"Ele é um defensor do sushi tradicional, do corte perfeito dos toppings, do arroz shari bem temperado e da correta pressão no bolinho, que faz com que o arroz desmanche na boca, soltando o vinagre e dando aquela sensação de suspensão, que faz erguer nossa postura de satisfação", elogia o produtor cultural Jo Takahashi, consultor de arte e cultura da Fundação Japão. "Conquistar 50 anos de ofício transforma Kiyomi Watanabe de artesão a mestre."

No mesmo barco. Kiyomi tinha 11 anos quando enfrentou, em 1955, a longa viagem do Japão ao Porto de Belém, a bordo do África Maru. "Eram mais de 300 no navio", conta. Entre eles, a pequena Natiko, então com 8 anos. Ele nascera em Fukuoka; ela, em Yamaguchi. No interior do Pará, as duas famílias foram trabalhar no cultivo de pimenta - mas em sítios diferentes.

De lá, os pais de Kiyomi se mudaram para o interior do Paraná. Foram tentar a sorte nas lavouras de café da região do Norte Pioneiro. "Meu pai ajudava no orçamento familiar vendendo verduras de porta em porta", diz Carlos. Frustrados com uma forte geada, em 1961 resolveram tentar a vida em São Paulo, onde o bairro da Liberdade já era reduto de japoneses.

Na capital paulista, os Watanabe arrendaram uma peixaria. Seus principais clientes eram os restaurantes japoneses - poucos e reduto exclusivo dos orientais à época. "É preciso lembrar que dos anos 1920 aos anos 1950, comida japonesa em São Paulo só era servida nas casas de pensão para orientais", contextualiza Carlos.

Foi o Okina Sushi, que funcionou entre os anos 1950 e 1970 na Rua Conselheiro Furtado, na Liberdade, o primeiro restaurante japonês, com sushibar, de São Paulo. "Meus pais, Eiko e Yasushiro Okinaga, abriram este mundo aos paulistanos", confirma César, filho do casal - ambos já morreram. Abriram, mas nem tanto. Até o início dos anos 1980, comida japonesa não tinha tanto apelo entre ocidentais da cidade.

Nasce um sushiman. Graças ao trabalho na peixaria, Kiyomi conheceu um dono de restaurante. Ainda em 1961, começou a trabalhar como assistente de sushiman, aprendendo rápido - e com excelência - as técnicas para elaborar o prato. Quatro anos mais tarde, abria seu próprio restaurante - o Suehiro, também na Liberdade.

Nessa época, seu destino cruzou novamente com o de Natiko. Aquela menininha que conhecera a bordo do África Maru havia se transformado em moça feita. Casaram-se e tiveram três filhos: Carlos (nascido em 1967), Nelson (de 1969, morto em um acidente de carro em 1995) e Cláudia (de 1971).

Começava a década de 1980 quando Kiyomi resolveu ousar e abrir o primeiro restaurante japonês fora da Liberdade. Escolheu o Bexiga - bairro das pizzas, macarronadas e lasanhas - para inaugurar, em setembro de 1981, o Sushi Kiyo. "Achava que a comida japonesa, que é a melhor do mundo, precisava conquistar o brasileiro. Sabia que quando um comesse ensinaria para o outro que era bom, que ensinaria para o outro, até todo mundo gostar", resume o sushiman. "Porque nós precisamos do brasileiro para sustentar o restaurante."

Deu certo. Trinta anos mais tarde, a maior parte da clientela do restaurante - que, desde 1997 funciona na Rua Tutoia, 223, no Paraíso - é composta por ocidentais. "E a gastronomia paulistana se abriu aos pratos orientais, que foram incorporados ao paladar da cidade", diz Carlos.

O que não mudou foi Kiyomi. Mantém o negócio em família - sua mulher e a filha, que é formada em Administração e Direito, cuidam da parte administrativa; ele e seu filho, que é graduado em Engenharia e Gastronomia, dedicam-se à cozinha. Praticamente só se comunica em japonês - assina o jornal São Paulo-Shimbun, editado no idioma. E mantém os braços cruzados, o olhar atento e o cultivo do silêncio quando, no restaurante, não está se dedicando ao preparo de algum prato.

"Mas ele não é assim o tempo todo", garante o filho. "Meu pai tem um bom humor peculiar. E sabe fazer rir, com suas histórias." Pelo visto, apenas quando julga ser a hora certa, no local certo e para o público certo.

Quando escolheu sair da Liberdade, não foi só profissionalmente. Mudou-se de casa também. Kiyomi hoje mora no Paraíso, bem próximo ao Sushi Kiyo. E, apesar de cultivar tão bem as tradições nipônicas, tornou-se, sim, um pouco paulistano. "Todo mundo que vem para São Paulo gosta. Vive-se bem aqui, é uma cidade com espaço para estrangeiros de todos os países", explica.

Desde que pisou no Brasil, Kiyomi jamais retornou à terra natal. Nem a passeio. Nas poucas palavras que aceitou trocar com o Estado, só esboçou um leve sorriso ao responder se pensa, um dia, em voltar a viver no Japão. "Não quero, não. Aqui em São Paulo eu tenho mais amor", afirma, firme e preciso, como convém a um bom sushiman.

Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, seção 'Paulistânia', dia 30 de outubro de 2011

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Esse cuidado quase sagrado com o sushi se revela de forma plena no festival que já se torna tradição no restaurante de Watanabe: todo 1.º de novembro, Dia Internacional do Sushi, a casa oferece, a preço fechado (R$ 140), a degustação de 30 tipos do prato. "Mostramos a evolução do sushi desde o século 16 até os dias atuais", explica Carlos, que ao lado do pai e de um assistente é o responsável pelo preparo das receitas da casa.

"Ele é um defensor do sushi tradicional, do corte perfeito dos toppings, do arroz shari bem temperado e da correta pressão no bolinho, que faz com que o arroz desmanche na boca, soltando o vinagre e dando aquela sensação de suspensão, que faz erguer nossa postura de satisfação", elogia o produtor cultural Jo Takahashi, consultor de arte e cultura da Fundação Japão. "Conquistar 50 anos de ofício transforma Kiyomi Watanabe de artesão a mestre."

No mesmo barco. Kiyomi tinha 11 anos quando enfrentou, em 1955, a longa viagem do Japão ao Porto de Belém, a bordo do África Maru. "Eram mais de 300 no navio", conta. Entre eles, a pequena Natiko, então com 8 anos. Ele nascera em Fukuoka; ela, em Yamaguchi. No interior do Pará, as duas famílias foram trabalhar no cultivo de pimenta - mas em sítios diferentes.

De lá, os pais de Kiyomi se mudaram para o interior do Paraná. Foram tentar a sorte nas lavouras de café da região do Norte Pioneiro. "Meu pai ajudava no orçamento familiar vendendo verduras de porta em porta", diz Carlos. Frustrados com uma forte geada, em 1961 resolveram tentar a vida em São Paulo, onde o bairro da Liberdade já era reduto de japoneses.

Na capital paulista, os Watanabe arrendaram uma peixaria. Seus principais clientes eram os restaurantes japoneses - poucos e reduto exclusivo dos orientais à época. "É preciso lembrar que dos anos 1920 aos anos 1950, comida japonesa em São Paulo só era servida nas casas de pensão para orientais", contextualiza Carlos.

Foi o Okina Sushi, que funcionou entre os anos 1950 e 1970 na Rua Conselheiro Furtado, na Liberdade, o primeiro restaurante japonês, com sushibar, de São Paulo. "Meus pais, Eiko e Yasushiro Okinaga, abriram este mundo aos paulistanos", confirma César, filho do casal - ambos já morreram. Abriram, mas nem tanto. Até o início dos anos 1980, comida japonesa não tinha tanto apelo entre ocidentais da cidade.

Nasce um sushiman. Graças ao trabalho na peixaria, Kiyomi conheceu um dono de restaurante. Ainda em 1961, começou a trabalhar como assistente de sushiman, aprendendo rápido - e com excelência - as técnicas para elaborar o prato. Quatro anos mais tarde, abria seu próprio restaurante - o Suehiro, também na Liberdade.

Nessa época, seu destino cruzou novamente com o de Natiko. Aquela menininha que conhecera a bordo do África Maru havia se transformado em moça feita. Casaram-se e tiveram três filhos: Carlos (nascido em 1967), Nelson (de 1969, morto em um acidente de carro em 1995) e Cláudia (de 1971).

Começava a década de 1980 quando Kiyomi resolveu ousar e abrir o primeiro restaurante japonês fora da Liberdade. Escolheu o Bexiga - bairro das pizzas, macarronadas e lasanhas - para inaugurar, em setembro de 1981, o Sushi Kiyo. "Achava que a comida japonesa, que é a melhor do mundo, precisava conquistar o brasileiro. Sabia que quando um comesse ensinaria para o outro que era bom, que ensinaria para o outro, até todo mundo gostar", resume o sushiman. "Porque nós precisamos do brasileiro para sustentar o restaurante."

Deu certo. Trinta anos mais tarde, a maior parte da clientela do restaurante - que, desde 1997 funciona na Rua Tutoia, 223, no Paraíso - é composta por ocidentais. "E a gastronomia paulistana se abriu aos pratos orientais, que foram incorporados ao paladar da cidade", diz Carlos.

O que não mudou foi Kiyomi. Mantém o negócio em família - sua mulher e a filha, que é formada em Administração e Direito, cuidam da parte administrativa; ele e seu filho, que é graduado em Engenharia e Gastronomia, dedicam-se à cozinha. Praticamente só se comunica em japonês - assina o jornal São Paulo-Shimbun, editado no idioma. E mantém os braços cruzados, o olhar atento e o cultivo do silêncio quando, no restaurante, não está se dedicando ao preparo de algum prato.

"Mas ele não é assim o tempo todo", garante o filho. "Meu pai tem um bom humor peculiar. E sabe fazer rir, com suas histórias." Pelo visto, apenas quando julga ser a hora certa, no local certo e para o público certo.

Quando escolheu sair da Liberdade, não foi só profissionalmente. Mudou-se de casa também. Kiyomi hoje mora no Paraíso, bem próximo ao Sushi Kiyo. E, apesar de cultivar tão bem as tradições nipônicas, tornou-se, sim, um pouco paulistano. "Todo mundo que vem para São Paulo gosta. Vive-se bem aqui, é uma cidade com espaço para estrangeiros de todos os países", explica.

Desde que pisou no Brasil, Kiyomi jamais retornou à terra natal. Nem a passeio. Nas poucas palavras que aceitou trocar com o Estado, só esboçou um leve sorriso ao responder se pensa, um dia, em voltar a viver no Japão. "Não quero, não. Aqui em São Paulo eu tenho mais amor", afirma, firme e preciso, como convém a um bom sushiman.

Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, seção 'Paulistânia', dia 30 de outubro de 2011

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