Hoje, com 82 anos, e morando na cidade de São Paulo há mais de 60, a polonesa Ala Szerman não sabe precisar se o navio que a trouxe para o Rio de Janeiro chegou em 1959 ou 1960. Mas ela lembra bem o motivo que a fez deixar a Europa para sempre e se estabelecer de forma definitiva no Brasil: escapar do antissemitismo que a perseguia — e perseguia tantos outros judeus — mesmo depois da queda da Alemanha nazista em 1945.
Foi no Brasil onde ela se casou, se formou em Educação Física na USP e se tornou uma empresária bem-sucedida na área de saúde e bem-estar, com direito a ostentar o posto de ser considerada uma das primeiras pessoas a inaugurar uma academia destinada para mulheres e um spa no País.
”No Brasil só encontrei pessoas que gostam de mim e que me prestigiam. Assim como me doei aos brasileiros, eles me doaram muito também. Não há agradecimento que mostre o quanto eu voltei a viver aqui”, disse ao Estadão.
O sentimento de liberdade e gratidão que Ala demonstra ao falar do Brasil também aparece na fala de Joshua Strul, 89. Nascido na Romênia em 1933, ele chegou ao Brasil em 1957, a convite de um irmão que já vivia na Freguesia do Ó, zona norte paulistana, onde ganhava o sustento no comércio. “Aqui professei a minha fé judaica livremente. Voltei a viver como um ser humano digno”, afirmou Joshua.
Foi em 27 de janeiro de 1945 que as tropas soviéticas libertaram o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia – por isso, nesta sexta se homenageia a memória das vítimas. Neste mês, também são lembrados os 90 anos da ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, considerado o marco inicial do Holocausto.
Ala e Joshua fazem parte de um grupo de 300 a 500 judeus que sobreviveram ao antissemitismo, às perseguições religiosas na Europa, e migraram para o Brasil após a guerra. São Paulo virou a moradia de 80% deles, embora não existam dados oficiais precisos, disse o pesquisador, escritor e cineasta Márcio Pitliuk.
”Aqui me sinto livre. Nunca tive problemas por ser judia”, afirmou Ala, que relatou já ter sido ameaçada de morte pela sua religião e até queimada por um ácido por pessoas que nem a conheciam. As marcas que ficam não são apenas na perna, mas também internas: “não foram cicatrizadas”. No Brasil, ambos se casaram, tiveram filhos e netos.
Cicatrizes
Ala e Joshua não foram para um campo de concentração, mas também conviveram constantemente com as incertezas da própria sobrevivência e com o luto da perda de parentes durante a guerra. ”A pior lembrança que tenho é de correr atrás de quem morreu, e procurar nos bolsos dessas pessoas um pedaço de pão ou batata para poder mastigar algo. Logicamente há outras lembranças ruins, mas essa é a pior”, disse Ala.
Sobreviventes do Holocausto não são apenas aquelas pessoas que escaparam de um campo de concentração, disse Márcio Pitliuk. “A partir de 1933, quando Hitler assumiu o poder na Alemanha, já começaram as perseguições aos judeus no país. Então, todos os que fugiram a partir deste ano são considerados sobreviventes do holocausto”, afirmou.
Homenagem
Memorial do Holocausto de São Paulo, em parceria com a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) e a StandWithUs – dedicada ao ensino sobre Israel e Oriente Médio – promovem homenagens a Aia, Joshua e outros sobreviventes. Uma delas está no Shopping Pátio Paulista. A exposição A Cara de São Paulo vai até o dia 15 e tem entrada gratuita. Traz fotografias de paulistanos que representam a cidade, incluindo judeus. Ainda este mês, no Shopping Vila Olímpia, será possível visitar outra exposição de fotos dos sobreviventes, feita pelo fotógrafo Luiz Rampazzo.