A última reserva de Mata Atlântica às margens do Rio Pinheiros, na zona sul de São Paulo, está marcada para morrer. São cerca de 5 mil árvores, numeradas uma a uma, com placas de ferro, em uma área de proteção ambiental de 717 mil metros quadrados, vizinha do Parque Burle Marx, no Panamby. Um dos terrenos com mata fechada ainda abriga cursos d'água e espécies raras de árvores, algumas com mais de 50 anos. Segundo representação feita por moradores da região ao Ministério Público Estadual (MPE), esse respiro verde vai dar lugar a dois empreendimentos com 16 torres, criando um paredão ao redor do parque, tombado pelo patrimônio histórico desde 1994.O promotor do Meio Ambiente José Roberto Rochel instaurou inquérito civil para apurar denúncia de que o desmatamento teve início no mês passado. A área pertencia ao Fundo Imobiliário Panamby, gerido pelo Banco Brascan, e foi fatiada em duas partes: uma delas foi vendida para a Cyrela e outra para a Camargo Corrêa. Um alvará para nova construção na parte do terreno que pertence à Camargo Corrêa já tramita na Prefeitura. Em julho de 2013, o governo indeferiu um pedido para obras na área, mas a empresa continua tentando obter a licença.As duas incorporadoras confirmam a intenção de ocupar os terrenos, mas garantem que vão respeitar a legislação ambiental.Os terrenos estão em área inundável de várzea e eram parte da bacia do Rio Pinheiros. Os registros do Departamento de Áreas Verdes (Depave) da Prefeitura apontam os terrenos como de proteção permanente. Mesmo assim, em 2003 o governo municipal concedeu uma autorização para a edificação da área. No caso da Camargo Corrêa, são necessárias ainda as licenças ambientais para o início do desmatamento.A Cyrela ainda não fez o pedido de licença para construção no terreno que fica bem na frente do Parque Burle Marx. Mas moradores vizinhos da área relatam ao MPE, com fotos e vídeos, um suposto desmatamento que teria sido iniciado em fevereiro pela empresa Agrotexas Ambiental, que nega a acusação.Roberto Delmanto, advogado que representa três associações de moradores da região e morador do Panamby, conseguiu fotos e plantas do megaempreendimento planejado na área - seriam torres e também um shopping center."Quem entra na floresta do terreno observa claramente que estão abrindo clareiras, para tentar descaracterizar a Mata Atlântica. Isso é uma prática comum do mercado antes de fazer o pedido de licença. Aí, quando vier alguém da Prefeitura fazer o laudo das espécies, vão ver bem menos árvores", afirma o advogado. Ameaça. Moradores do Morumbi temem os riscos do corte de mais de 5 mil árvores em uma área onde já foi autorizado, em junho do ano passado, a retirada de 1.787 árvores para a construção do Condomínio Parque Global, empreendimento da empresa Bueno Neto. Eles estão enviando à Prefeitura laudos feitos por botânicos e geólogos que apontam a impermeabilização de uma área inundável às margens do Rio Pinheiros."Essa é a última faixa de mata nativa que existe entre a Represa do Guarapiranga e o Rio Pinheiros. É uma floresta que pertence a todos, que não pode ser transformada em jardins particulares", alega a urbanista Helena Caldeira, da Associação Morumbi Melhor. "A Prefeitura não pode permitir que o mercado imobiliário traga para esse lado do Pinheiros, em uma área de preservação, o mesmo adensamento que foi feito do outro lado, ao longo da Avenida Chucre Zaidan", diz a urbanista. As outras duas entidades que tentam barrar os empreendimentos no entorno do Parque Burle Marx são o Defenda São Paulo e a Associação Amigos do Panamby. Para frear a autorização aos novos prédios, elas ainda apontam como agravante o fato de a região do Panamby ter liderado o desmatamento autorizado em São Paulo na última década - o distrito da Vila Andrade, onde está o bairro, perdeu milhares de árvores para dar lugar a novos prédios desde janeiro de 2005.