Desde o temporal do último dia 3 de novembro, que deixou 2,1 milhões de pessoas sem energia na capital e em municípios da Grande São Paulo, usuários da região vêm reclamando de instabilidade na rede elétrica. Há relatos de luz intermitente, lâmpadas piscando e danos ou mau funcionamento de eletrodomésticos.
A Enel afirma que eventuais interrupções de energia podem ter origem em diversos fatores, incluindo fatores externos à rede de distribuição de energia, e reforça que os efeitos do El Niño provocam fenômenos climáticos em períodos atípicos e com mais frequência, o que afeta a rede. Sobre as reclamações, a companhia questiona a forma como elas são registradas e fala em queda nos índices.
Para o engenheiro industrial elétrico Ermínio Cesar Belvedere, especialista em redes de distribuição, o fenômeno é conhecido como oscilação de tensão e pode, de fato, danificar aparelhos elétricos.
Morador da capital, ele foi funcionário da Eletropaulo durante 35 anos e é procurado por vizinhos quando há problemas de eletricidade. “Uma vizinha me procurou para contar que a energia estava oscilando e o micro-ondas não funcionava. Fui ver a rede na rua e estava visível que o transformador era muito velho.”
Ele contou que em sua casa, apesar de ter uma rede muito boa, também teve oscilação. “É o resultado da somatória de eventos como a queda de árvores sobre as redes, galhos em contato com os fios e o maior consumo de energia por causa do calor, com mais aparelhos de ar condicionado ligados. A rede velha, sem manutenção fica superaquecida e oscila para baixo e para cima.”
A solução, segundo ele, seria usar reguladores de tensão dentro de casa. “Quando o sistema é bom, isso é dispensável”, disse.
O Estadão mostrou que moradores de diversos bairros tem relatado oscilações e interrupções no fornecimento após chuvas e ventanias. Cerca de 3,1 mil consumidores reclamaram no Procon contra a concessionária Enel desde o dia 3 de novembro.
Nos dez meses anteriores à tempestade, haviam sido 15 mil queixas (cerca de 1,5 mil por mês). Os dados foram apresentados por Luiz Orsatti Filho, diretor-executivo do Procon/SP, em audiência pública na Câmara dos Deputados, na semana passada.
Ao longo de novembro, a Enel respondeu por 81% das reclamações do Procon direcionadas a concessionárias de energia. As queixas estão divididas em quatro grupos: descontinuidade do serviço essencial, problemas com serviço de atendimento ao cliente, perda de alimentos e comprometimento da saúde de consumidores.
O engenheiro eletricista Paulo Barreto, consultor em engenharia elétrica e sócio diretor da Barreto Engenharia, com sede na capital paulista, disse que as oscilações na rede elétrica podem ser causadas por esbarrões de galhos de árvores em cabos de média tensão no alto dos postes. Eles causam desligamentos de curta duração nos sensores de desligamento automático da rede.
“As oscilações também podem ser decorrentes da chuva quando os isoladores da rede ficaram secos por muito tempo. De qualquer forma, são anomalias externas que podem ser prevenidas com manutenção”, disse.
Segundo ele, é de responsabilidade da concessionária (Enel) adotar medidas técnicas para reduzir essas anomalias. “Sou testemunha desse problema. Tenho nobreaks (fonte de alimentação que fornece energia de emergência quando a rede elétrica falha) em casa e no escritório e vira e mexe eles entram em ação. Quem não tem, pode perder equipamentos eletrônicos. Têm dias que são 4 ou 5 piscadas seguidas. Os equipamentos eletrônicos e digitais não aceitam essas caídas de energia”, afirmou.
A fotógrafa Rosanne Brancatelli, de 61 anos, afirma ter ficado sem luz entre 12h do dia 24 até as 16h do dia seguinte após uma chuva em Pinheiros, na zona oeste. Ela suspeita que o forno elétrico pifou por causa desse apagão. Ela relata ter ligado seis vezes para a concessionária, mas a Enel diz que também não há registros de suas reclamações.
Os vizinhos apontam a queda de um galho em cima de um transformador como causa do apagão. “Os transformadores não têm proteção. O menor galho que cai causa explosão dos equipamentos e enormes estragos. As árvores são vítimas da falta de planejamento”, diz Rosanne, que mora na região há dez anos.
Em novembro, Paulo Barreto, coordenador da Divisão de Sistemas do Instituto de Engenharia, sugeriu um mapeamento para enterrar as redes prioritariamente em locais de grande concentração de árvores, as principais responsáveis pelo rompimento das redes, e outros que sejam relevantes, como áreas hospitalares, de escolas e serviços públicos.
“Obviamente é algo que já deveria ter sido feito há muitos anos. Agora não há tempo e dinheiro para se fazer de forma geral, daí a necessidade de um programa de prioridades.” Conforme Barreto, o problema expõe falhas do modelo de privatização. “Quando a distribuição de energia saiu da estatal para a empresa privada, isso deveria estar previsto no contrato”, disse.
“Para se adaptar às novas condições impostas, uma das questões básicas é cuidar intensamente da manutenção das áreas verdes, verificar se as árvores estão saudáveis, a necessidade de podas corretivas para que possam resistir a eventos climáticos mais extremos”, disse, também em novembro, Pedro Luis Côrtes, professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental da USP.
Enel vê queda nas reclamações
A Enel afirma que registrou queda nos índices de reclamações no Procon: menos 32% em 2022, em comparação com o ano anterior, e de 71% em 2021, em relação a 2020. “Os dados informados pelo Procon incluem reclamações ingressadas, reiteradas e canceladas, o que pode duplicar ou até triplicar o número real de reclamações ingressadas”, diz a Enel.
Os indicadores oficiais de qualidade do fornecimento de energia da Enel São Paulo, estabelecidos em contrato de concessão e medidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), apresentaram, conforme a companhia, melhoria expressiva nos últimos anos. Entre 2017 e 2022, a duração média das interrupções caiu 47%, enquanto o total de vezes em que o cliente fica sem energia caiu 46%.
Como pedir indenização?
De acordo com a concessionária, o consumidor pode realizar sua solicitação via aplicativo, site, contato com a Central de Relacionamento ou comparecer em uma loja da Enel.
Para abrir uma reclamação na Aneel, os moradores podem utilizar o assistente virtual no site da agência e preencher um formulário detalhando a queixa. Os consumidores também podem utilizar o aplicativo Aneel Consumidor (disponível para Android e iOS) e os telefones 167 e 0800-727-0167 (com atendimentos de segunda à sábado, das 6h20 à meia noite).
Já para utilizar o consumidor.gov.br, é preciso se cadastrar no Portal Gov.br, e registrar uma reclamação sobre a atuação da empresa de energia. Durante o registro da reclamação, é necessário informar dados pessoais e indicar qual a empresa de energia que se deseja reclamar.
Os moradores também podem procurar a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). As reclamações podem ser feitas no Canal Eletrônico do Procon ou no número de telefone 151. As demandas dos moradores são respondidas entre cinco dias úteis e as queixas são registradas em até 15 dias úteis. /COLABORORARAM GONÇALO JUNIOR E GABRIEL DE SOUSA