BRASÍLIA E SÃO PAULO - As condições climáticas estão entre as hipóteses mais fortes para explicar a queda de um avião em Vinhedo, no interior paulista, nesta sexta-feira, 9. A queda da aeronave da companhia aérea Voepass, que partiu de Cascavel, no Paraná, para Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, deixou 62 mortos. A empresa informou que não há sobreviventes entre os 58 passageiros e quatro tripulantes. É o acidente aéreo com maior número de vítimas desde 2007.
Imagens da queda do avião, que mostram a aeronave caindo em um giro vertical, posição chamada de “parafuso chato” no meio da aviação, é o principal indicativo de que o acidente ocorreu devido a uma perda de sustentação, o “estol”. Segundo especialistas, a perda de sustentação da aeronave pode estar associada à formação de gelo nas asas do avião, mas só a investigação será capaz de dar a resposta.
“Toda vez que cai assim é porque a asa perdeu a sustentação. Se os comandos não estivessem travados pelo gelo, ele poderia recuperar. Mas, mesmo assim, em uma queda nessa posição e dependendo do acúmulo de gelo, talvez até um piloto com muita experiência em acrobacia teria dificuldade em sair”, explica Laert Gouvêa, diretor do Instituto Brasileiro de Segurança na Aviação.
Ele explica que o modelo ATR-72 voa em um nível intermediário de altura, o que facilita a formação de gelo sobretudo quando há frentes frias. Conforme o especialista, a formação de gelo ocorre em média a uma altura entre 14 mil pés e 24 mil pés.
“Já houve outros acidentes por causa de gelo com esse modelo de avião. Esse tipo de avião voa num nível mais propenso à formação de gelo. São níveis intermediários (de altura). Nesse nível, tem grãos de gelo muito grandes, isso tanto pode danificar o avião como pode formar um gelo que gruda na aeronave. Quando ele gruda no perfil da asa, ela perde a sustentação. Também pode grudar na hélice e fazer com que ela perca rendimento”, afirma Gouvêa.
Segundo ele, o controle de voo estava alertando os pilotos nesta sexta-feira. “Hoje era um dia atípico com muita formação de gelo em função dessa frente fria de inverno, que é pior”, diz o especialista.
Gouvêa destaca que os aviões têm um sistema para fazer um degelo quando há condições adversas, mas em alguns casos a formação é tão grande que o sistema pode não dar conta. Uma das opções é o piloto alterar o nível de altura em que trafega para evitar exposição a essas massas polares. Ele destaca que é preciso esperar a conclusão das investigações para que a causa da queda seja determinada.
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Especialista em segurança de voo com mais de 40 anos de atuação na área, Roberto Peterka não tem dúvida de que o ATR-72-500 da Voepass estolou. “E entrou em parafuso chato e veio até o chão. A imagem deixa claro isso”, diz. “Ele (o piloto) só sairia do parafuso chato se ele conseguisse mudar o centro de gravidade, mas em uma aeronave dessa não dá tempo de mandar os passageiros todos irem para frente. Com a recuperação das duas caixas-pretas, essa dinâmica toda deve ficar clara”, acrescenta.
Consultor em segurança aérea e criador do canal do YouTube Aviões e Músicas, Lito Sousa explica no caso de haver gelo nas asas do avião algumas manobras podem ser feitas pelo piloto.
“Mesmo que o sistema esteja inoperante, o piloto tem que tomar algumas atitudes como descer o avião em alta velocidade, porque quando você desce a temperatura do ar nas camadas mais baixas aumenta e o gelo vai sair da asa. Assim como outras funções operacionais que o piloto tem que tomar”, afirma.
Ele destaca, no entanto, que é preciso aguardar as respostas da investigação: “Está sendo muito falado das condições de gelo que existiam na rota. Esse pode ser um fator contribuinte, ainda não sabemos. De qualquer maneira, somente um fator não faz um avião se acidentar”, observa.
O especialista também explica que não se pode atribuir o acidente ao modelo do avião. Segundo Sousa, o modelo ATR é projetado para operações de curta duração, com voo baixo e não tão rápido. Essas características possibilitam que a aeronave pouse em pistas pequenas e sem infraestrutura.
“O que podemos falar de fato é que o avião caiu em uma condição de parafuso chato. E para que ocorra essa condição a velocidade do avião tem que estar muito reduzida”, analisa.
Já o investigador de acidentes aeronáuticos Maurício Franklin Pontes, de 53 anos, que é gestor de crises da C5i Crisis Consulting, afirmaque por enquanto não é possível “nem mesmo inferir” o que causou o acidente com o avião da Voepass.
“Muita gente, principalmente pilotos, começa a querer adivinhar (o que causou a queda), e isso é muito prejudicial. Lembra daquele avião que caiu nos Alpes (em 2015, matando 150 pessoas)? Nas primeiras horas, no mundo inteiro, já tinha gente fazendo teorias, e de repente se descobre que foi suicídio do copiloto. Eu posso imaginar hipóteses e gerar vieses na investigação”, afirma Pontes, que era chefe de crises da TAM (hoje Latam) em 2007 e vivenciou o drama de um acidente em 17 de julho daquele ano, quando um avião atravessou a pista do Aeroporto de Congonhas e matou 199 pessoas.
Especialista em aviação e perito criminal de Goiás, lotado na Seção de Engenharia Forense, Celso Faria de Souza diz que a manutenção em linhas aéreas tem uma regulação grande. “Os pilotos passam por simuladores com situações complexas, com falhas nos sistemas. Há também os mecânicos com treinamentos cada vez mais complexos e com sistemas que estão cada vez mais supervisionando todo mundo. Isso cria uma barreira que impede que esse tipo de situação ocorra”, diz.
Queda do Air France
Em 2009, o AF447, que fazia a rota Rio-Paris, caiu após um estol. Na ocasião, as condições climáticas congelaram as sondas de velocidade do avião. O piloto se desestabilizou e subiu o avião, que perdeu a sustentação com essa movimentação. O acidente vitimou 216 passageiros e 12 tripulantes. Desses, 61 eram franceses, 58 brasileiros e 28 alemães, além de italianos (9), espanhóis (2) e um argentino.
A Justiça francesa absolveu as empresas Airbus e Air France da acusação de homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Segundo o tribunal, não foi possível demonstrar “nenhuma relação de causalidade” segura com o acidente.
“Durante dois anos tinham-se várias hipóteses para o acidente ter acontecido. No entanto, só se soube a verdade com a leitura das caixas pretas”, diz Lito Sousa.