O estudante universitário Marco Aurélio Acosta, de 22 anos, morreu na madrugada de quarta-feira, 20, após ser baleado durante uma abordagem policial na Vila Mariana, zona sul de São Paulo.
Imagens de câmeras de segurança do hotel mostram o momento da ação, mas ainda não está claro o que teria ocorrido entre o jovem e os PMs na rua, antes dele ser baleado no saguão do estabelecimento.
Na quarta, em nota, a Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP afirmou que o estudante teria batido no retrovisor da viatura e resistido ao ser abordado. A pasta ainda alega que o caso é investigado e que os policiais envolvidos foram afastados.
Em depoimento à polícia, uma mulher de 21 anos, que estava hospedada com o rapaz, contou que o Marco Aurélio tinha consumido bebida alcoólica e que eles teriam brigado. No relato, ela afirma que foi agredida pelo estudante.
Ela contou ainda que a polícia teria sido acionada por funcionários do hotel por conta da discussão. Ela deixou o quarto e foi até a recepção, onde ficou abrigada. O estudante saiu para a rua em busca dela. Logo depois, retornou correndo e os policiais entraram no local.
A família da vítima critica a violência policial e cobra respostas do governo paulista sobre as circunstâncias da morte do estudante.
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Caso ocorreu na madrugada de quarta, 20, dentro de hotel na Zona Sul da capital.
Veja abaixo o que se sabe e o que ainda falta esclarecer:
Como o estudante foi baleado
Imagens da câmera de segurança de um hotel da Vila Mariana, na Zona Sul da capital, onde o rapaz estava hospedado, mostram o jovem entrar no estabelecimento correndo.
Ele é seguido por um policial militar que o puxa pelo braço, empunhando a arma. Um segundo policial aparece, dando um chute no jovem, que segura seu pé e o faz desequilibrar. Em seguida, o policial de arma em punho dispara na altura do peito da vítima.
Mulher relata briga em quarto de hotel antes da PM chegar
Em depoimento à polícia, a mulher que estava com o estudante na noite em que ele foi morto, disse que o rapaz tinha consumido bebida alcóolica e que eles tinham discutido horas antes da polícia chegar.
O Estadão teve acesso ao depoimento dela. No relato, a jovem de 21 anos ainda afirma que foi agredida pelo rapaz. Ele bateu em sua cabeça tentando impedir que ela deixasse o quarto em que estavam hospedados.
Aos investigadores, a jovem contou que trabalha como garota de programa e que conhecia o estudante havia dois anos. Nesse período, eles tiveram um relacionamento amoroso, mas ela afirma que não deixou de cobra-lo e, por isso, ele teria uma dívida com ela de cerca de R$ 20 mil. A discussão entre os dois teria sido motivada por conta dessas questões.
Segundo ela, o recepcionista do hotel teria chamado a polícia após escutar os dois brigando. A jovem diz que conseguiu sair do quarto, desceu as escadas do hotel e se escondeu próximo à recepção. Marco Aurélio teria seguido a jovem e ido até a rua. Ela afirma que, na sequência, escutou um policial entrar no estabelecimento e perguntar por que o estudante teria batido na viatura. Em seguida, escutou o disparo de arma de fogo.
O que diz a SSP
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirma que os policiais envolvidos na ocorrência prestaram depoimento, foram indiciados e permanecerão afastados das atividades operacionais até a conclusão das apurações.
Toda a conduta dos agentes é investigada. As imagens das câmeras corporais que registraram o fato serão anexadas aos inquéritos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
No boletim de ocorrência, os policiais relataram Marco Aurélio estaria alterado e agressivo e teria resistido à abordagem policial “entrando em vias de fato com a equipe policial e, em determinado momento, tentou subtrair a arma de fogo” de um dos policiais.
Um dos agentes que estava na ação efetuou um disparo em direção ao estudante “a fim de impedi-lo”, diz o registro.
O resgate foi acionado e rapaz foi socorrido ao Hospital Ipiranga, onde morreu horas depois. Ainda segundo o boletim, “todos os policiais militares portavam câmeras corporais.”
As imagens registradas pelas câmeras corporais serão anexadas aos inquéritos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
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Ouvidor afirma que policiais não seguiram o protocolo
O ouvidor das Polícias do Estado, Cláudio Aparecido da Silva, criticou a ação e disse que os policiais não seguiram o protocolo que prevê o uso progressivo da força, como determinam normas internas da corporação.
“O uso excessivo da força foi feito e isso culminou com a morte daquele jovem abordado, porque (os agentes) teriam condições, sim, de fazer o uso gradativo da força e render aquele jovem e colocá-lo à disposição da autoridade policial”, afirmou.
Segundo ele, a ouvidoria recebeu o caso com muita preocupação. “É mais um reflexo da lógica de polícia que está instalada no Estado de São Paulo”.
A Ouvidoria das Polícias informou que também irá acompanhar o caso. “Vamos acompanhar a apuração dessa morte, sempre apelando para que as nossas forças policiais reduzam o nível de atuação com letalidade e garanta a vida das pessoas”, disse Silva. Segundo ele, o órgão irá solicitar acesso às câmeras corporais dos agentes envolvidos.
O ouvidor afirma que as imagens da câmera da entrada do hotel mostram que os policiais estavam em número superior ao estudante. “Essa pessoa abordada também estava sem camisa, desarmada, e os policiais não fizeram o uso progressivo da força, que está determinado por normas internas da própria Polícia Militar.”
Família critica polícia e cobra respostas do governo
Julio Cesar Acosta Navarro, pai de Marco Aurélio, contou ao Estadão que esteve no hotel após saber da ocorrência. Ele reclama da postura dos policiais, que não passaram informações, apenas disseram que seu filho tinha sido encaminhado a um hospital da região.
Navarro ainda relata que esteve com o filho no hospital, antes do jovem ser encaminhado para o centro cirúrgico. “Uma luta no hospital para poder salvar a vida dele. Encontrei ele pedindo socorro, sofrendo”, disse ao Estadão na quinta.
Júlio foi o único que teria conseguido encontrar Marco Aurélio ainda com vida.
“Falei que era médico, que era pai, e, quando entrei, finalmente vi meu filho. Ele estava pálido e agitado”, disse. Marco Aurélio foi baleado na altura do peito e perdia muito sangue. “Foi aí que soube que tinham atirado numa das áreas mais perigosas, por onde passam artérias.”
Cardiologista, o pai afirmou ter pedido à polícia informações sobre o disparo para tentar salvar o filho, mas diz que ninguém da corporação se pronunciou. Ele trabalha no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, ligado à Faculdade de Medicina da USP, onde também atua como professor colaborador.
“Todo esse bando de 16 policiais, com quatro viaturas, estavam já no hospital quando pedi informações para ver questões técnicas, que distância [do tiro], tudo importante para que o cirurgião tenha uma ideia melhor das consequências. Ninguém me falou nada.”
A médica intensivista Silvia Mônica Cardenas Prado, de 57 anos, afirma ter sido impedida de entrar no hospital para ver o filho baleado. “Os guardas não me deixavam entrar, mesmo eu tendo me identificado como médica”, disse. Silvia disse que chegou a se ajoelhar pedindo para ver o filho, mas sem efeito. “Eu perguntei ‘por que?’ e me falaram que era ordem da polícia.”
Ela disse ainda que o vídeo da câmera de hotel revelou despreparo dos policiais. “Se eu tivesse visto que meu filho tinha pulado para tentar tirar a arma do policial eu estaria chorando, mas até envergonhada. Só que não é isso”, disse. “Meu filho não era bandido e, mesmo se tivesse sido, não é possível que a polícia brasileira dispare contra um ser humano desarmado.”
O que disse o governador Tarcísio de Freitas
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse na quinta-feira lamentar a morte do estudante. Ele também afirmou que abusos serão “severamente” punidos.
“Essa não é a conduta que a polícia do Estado de São Paulo deve ter com nenhum cidadão, sob nenhuma circunstância. A Polícia Militar é uma instituição de quase 200 anos, é a polícia mais preparada do País e está nas ruas para proteger. Abusos nunca vão ser tolerados e serão severamente punidos”, escreveu o governador no X, antigo Twitter.
Quem era o estudante de medicina
Marco Aurélio tinha 22 anos e estudava Medicina na Universidade Anhembi Morumbi. Era apaixonado por futebol e música. Os pais e o irmão afirmam que ele era um rapaz alegre, amoroso.
“A alegria da nossa casa, da nossa família, foi embora. Meu melhor amigo foi embora”, escreveu Frank Cardenas, irmão de Marco, nas redes sociais.
Ele integrava o time dos alunos de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi, onde estudava, e nos campos era conhecido como “Bilau”. Em nota de pesar publicada nas redes sociais, a equipe afirmou que o estudante será lembrado com amor e carinho.
Prestes a ingressar no 6.º ano de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi, Marco Aurélio seria o quinto médico da família. Além dele, também exercem a profissão os pais, que se mudaram do Peru para o Brasil há quase 30 anos, e os dois irmãos mais velhos.
O jovem também atuava como MC e, em 2021, divulgou o vídeo de uma música sobre “um amigo morto a tiros pela polícia na porta de casa”.
A canção diz: “Quando um amigo morre, deixa um vazio na alma. Sentimos falta das conversas, momentos de risada. Ô, meu aliado, você vai deixar saudade. Amigos nós seremos, pra toda eternidade. Inevitavelmente, o que aconteceu? Tremenda injustiça com um amigo meu. Morto a tiros pela polícia na porta de casa, ele era trabalhador e nem mexia em fita errada”.
No medley, MC Boy da VM, como se apresentava Marco Aurélio, canta ainda sobre o caso ter virado estatística e o sofrimento da família. “Essa eu fiz de coração”, acrescenta no fim do vídeo.
Em outro conteúdo do YouTube, o rapaz explica que começou no funk em 2020, que VM era Vila Mariana e que a inspiração para o nome artístico foi o MC Boy do Charmes. “Numa conversa com meu irmão, de brincadeirinha, estava varrendo o chão e comecei a fazer o cabo da vassoura de microfone. Meu irmão, vendo a cena toda, começou a rir de mim e aí eu falei: ‘Você está desacreditando? Este ano eu vou virar MC.”