Um saudoso modelo do avião Douglas DC-3, que permitiu o desenvolvimento da aviação comercial brasileira, trazendo pujança para São Paulo e para o Brasil no período pós-guerra (década de 1940), encontra-se estacionado em um canto do pátio do Palácio das Indústrias, no Parque Dom Pedro II, onde funciona o Projeto Catavento, voltado às crianças.
O aparelho deveria estar em melhor estado de conservação para ser mais visto e visitado, até mesmo ter alguém para explicar o seu funcionamento e a importância que teve ao desbravar os mais distantes e isolados rincões do país, em especial o Norte, o Centro-Oeste e o Nordeste, levando malotes do Correio Aéreo Nacional, dinheiro para os bancos, medicamentos, passageiros e encomendas diversas, permitindo a integração e o desenvolvimento irradiados a partir do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Única vantagem em se ter um DC - 3 parado em uma área do centro paulistano é que ao fotografá-lo, aparece ao fundo o edifício Altino Arantes, mais conhecido como "prédio do Banespa", um dos cartões postais da cidade de São Paulo em qualquer parte do mundo. Inspirado nesse visual é que busquei informações sobre esse avião com um amigo chamado Wanderley Duck, que me mandou um texto de um antigo aviador, Camilo R. C. Fernandes Costa, com mais detalhes desse aparelho.
Camilo conta que a maioria dos treze mil DC-3 fabricados pela Douglas, em Long Beach, na Flórida (E.U.A.), está atualmente em museus e hangares, mas ainda existem quatrocentos DC-3 em serviço comercial no mundo. No Brasil, os DC-3 começaram a operar em 1935 e viveram mais de três décadas de glória. A antiga Pan Air do Brasil chegou a ter 23 aparelhos DC-3 e a Real Aerovias operou 70 DC-3. A Varig utilizou-os até fevereiro de 1973 e a Vasp empregou aviões DC-3 em sua Rede de Integração Nacional, subvencionada pelo governo federal. Pequenas linhas regionais fizeram uso do DC-3 no Brasil até 1985, embora pertencem a uma época em que havia romantismo e glamour nas viagens de avião. "Viajar de avião era sempre um grande acontecimento na vida das pessoas, principalmente porque o custo das viagens era elevado. Os DC-3 tinham 28 lugares, em 14 fileiras, mais o acento do comissário", explica Camilo Costa, avisando que a aeronave não subia além de três mil metros de altitude, por não ser pressurizada. Como não subia acima das nuvens, os pilotos precisavam encarar as tempestades debaixo d'água, e os consequentes raios e trovoadas. "Assim, uma viagem do Rio de Janeiro a Natal, por exemplo, levava oito horas. São Paulo a Rio Branco ou São Luis, dois dias, com pernoite, voando somente durante o dia. Os pernoites eram em Cuiabá ou em Goiânia", informa.
Em abril de 1945 a Pan Air recebeu sua primeira aeronave DC-3 (prefixo PP-PBU), marcando época em suas operações. A partir da década de 1970, os DC-3 passaram a ser vistos como obsoletos, pois estavam entrando no mercado os aviões turbo -hélice e a jato puro. Mas foi um DC-3, denominado "Clipper", da Pan American, com o Comandante Wood, entre outros aviões, que deixou a estação de passageiros do Aeroporto de Congonhas e inaugurou sua torre de controle em agosto de 1945. Os DC-3 eram resistentes e pousavam até em pistas precárias, de cascalho ou de terra batida. Possuíam dois motores Pratt & Whitney R-1830-92 a hélice, robustos, a gasolina, com 1.050 HP cada um. "Tanta capacidade, o ajudava enfrentar os piores solavancos em mãos inexperientes ou nas más condições dos campos de pouso, pois eram a versão comercial do avião militar C-47 usado pela Força Aérea dos Estados Unidos na Segunda Guerra para o transporte de tropas, equipamentos, armas e munição. Terminado o conflito, o excedente de produção foi vendido a companhias aéreas brasileiras por preços irrisórios, esclarece Camilo.
Convém lembrar que as Bases Aéreas do Nordeste Brasileiro, em especial a Base de Natal, serviram de maneira eficaz aos países aliados, proporcionando o sobrevoo do território africano, então em poder do inimigo. "Nessa época, formou-se no nosso Nordeste o chamado "Trampolim da Vitória", onde o DC-3 exerceu papel vital, visto que os Estados Unidos haviam perdido sua rota aérea para a Austrália, cortada pelo inimigo, com a tomada da Ilha Wake que impossibilitava o acesso ao Pacífico Ocidental, colocando em risco as forças aliadas naquela região", escreve o especialista, acrescentando que "as bases no Brasil permitiram enviar os reforços necessários ao Pacífico e foi graças à munição embarcada em nosso Nordeste que o Marechal Rommel recuou em El Alamein. Tão importante foram as bases do Nordeste, que o General Henry H. Arnold, comandante da Força Aérea dos Estados Unidos, declarou, em banquete oferecido pelo Ministro Salgado Filho, "ter sido impossível vencer sem as bases do Brasil". Com a venda dos equipamentos aéreos de guerra ao Brasil, muitos rádio-amadores vieram a possuir um receptor BC-348 usado no DC-3. Esses aviões levavam na tripulação, um rádio-operador telegrafista.
Aos poucos, os DC - 3 foram sendo substituídos por outros aviões, como os YS-11, de fabricação japonesa, em época que os Bandeirantes, da Embraer, já começavam a operar no território nacional. O então presidente da Vasp, Luiz Rodovil Rossi, chegou a entregar alguns DC-3 para o Projeto Rondon, como doação para objetivos altamente patrióticos, levando universitários em período de férias a regiões remotas da Amazônia, para prestar socorro médico e odontológico. Foi num DC-3 que o ditador Fulgêncio Batista partiu de Cuba para o exílio após a vitória de Fidel e Guevara na Revolução de 1959. Em alguns lugares do Brasil, voava-se de DC-3 sem radar a bordo, onde o único auxílio de terra eram as emissoras comerciais de rádio AM.
Um rádio-goniômetro a bordo (Automatic Direction Finder - ADF) indicava ao piloto o rumo da estação. "Os DC-3 foram a grande escola dos futuros pilotos e comandantes dos turbo-hélices e jatos que viriam em seguida", conclui Camilo R.C.Fernandes Costa em seu artigo a nós oferecido. Por essas informações e tantas mais é que os exemplares existentes do avião Douglas DC - 3 de longas asas que possibilitavam continuar voando mais algum tempo, como um planador, mesmo sem combustível, merecem melhor preservação.