A oferta de aulas e espetáculos de circo tem aumentado durante as férias de verão em São Paulo como uma alternativa de lazer ao ar livre para crianças, jovens, adultos e idosos. Inaugurado pelo governo do Estado em dezembro, o Mundo do Circo SP, no Parque da Juventude, já é uma das principais vitrines da arte circense na capital e tem ajudado a fomentar essa cena com programação diária e gratuita que mescla números tradicionais com atrações de uma nova geração que leva o engajamento social para o picadeiro.
Montado a dez passos da estação de metrô Carandiru, o Mundo do Circo SP ocupa um espaço de mais de 10 mil m² para levar alegria a um local que 30 anos antes de sua inauguração foi palco de uma das piores chacinas na história de São Paulo, com 111 presos mortos. São três lonas com mais de 20 metros cada.
Na entrada, o público encontra uma exposição fixa que conta a história do circo, seus artistas, arquétipos e atrações no interior da primeira lona. Ao fundo, ficam os outros dois espaços reservados para os espetáculos: a Lona Multiuso, usada para números musicais, apresentações menores e desenvolvimento técnico dos shows e equipes; no fundo, a Grande Lona abriga os espetáculos principais do dia.
Segundo o governo estadual, foram investidos mais de R$ 14,4 milhões para criar o espaço, cujo objetivo é ter uma programação contínua. “Queremos que o programa seja o primeiro lugar que a pessoa pense quando quiser assistir um espetáculo circense”, disse durante a inauguração Danielle Nigromonte, diretora-geral da Amigos da Arte, responsável pela gestão do projeto.
Além das atrações espalhadas pelas três lonas, o Mundo Circo SP promove intervenções de hora em hora no pátio de acesso aos espaços. Ali, os artistas atraem o público que passa pelo parque e que, na maioria dos casos, não sabe da programação no local. “A gente veio andando, viu que tinha uma galera ‘grande’, a maior exposição, e entrou querendo saber o que era. Descobrimos que era o circo mesmo”, conta a estudante Letícia Olimpo, de 16 anos, que curtia o dia de férias com as amigas.
“O desafio é trazer a população, né? Porque fica longe da rua, não dá pra ver”, diz Danilo Tenucci, artista de 29 anos que dá vida ao Palhaço Buzina e participa das intervenções ao longo de janeiro. Para ele, o espaço é mais que bem vindo. “A gente precisa de um lugar para treinar, se apresentar. Acho aqui incrível porque gera renda para a classe circense, entretenimento, lazer e cultura.”
A convite da filha Rafaela, de seis anos, a técnica em saúde bucal Angela França, de 40, também elogia. “Como ela está de férias, a gente tem de aproveitar esses momentos, porque senão a criança passa o tempo todo em casa, no celular.”
“É simplesmente histórico o que está sendo feito aqui, por dar um espaço com estrutura, banheiro, iluminação, sabe? Realmente, tem tudo pra funcionar”, diz Renan Evangelista, artista de 30 anos que vive o Palhaço Tibério e trabalha com circo de rua desde os 15. “A cereja do bolo seria abrir uma escola aqui, com curso profissionalizante.”
Da plateia ao picadeiro
Enquanto a vontade de Evangelista não se concretiza no Mundo do Circo SP, aulas e oficinas de iniciação à arte circense para crianças e adultos têm se multiplicado pela Grande São Paulo. Fundado há 19 anos, o Circo Zanni oferece programas de treinamento ao longo de todo o ano desde 2019, quando firmou sua lona em Cotia.
“Qualquer pessoa pode chegar e fazer. A ideia é realmente abrir essas possibilidades das artes circenses para todo mundo experimentar e entender o que são essas técnicas e o que é estar dentro da lona de circo”, explica Bel Mucci, sócia-fundadora do Zanni e uma das professoras.
Nestas férias, as oficinas ganham formato compacto que apresenta as principais artes circenses, passando por acrobacias aéreas e de chão, música, malabares, palhaçaria, yoga aérea e outras. As turmas são divididas entre crianças de 4 a 6 anos, de 7 aos 12 e outra para adolescentes, jovens e adultos.
Nas turmas infantis, o aluno aprende saltos, acrobacias, exercícios em tecido e liras. Parte da oficina também aborda artes plásticas, trabalhando a criatividade e outras competências socioemocionais que têm ganhado espaço também nos currículos escolares. “Não quero o rosa porque é cor de menina”, diz um dos pequenos, ao que a professora responde: “Cor é cor, não existe cor de menino ou menina”. Depois, ela explica para a turma também que “não existe jeito errado de pintar”.
“A gente encara o circo não como atividade puramente física, mas arte. Música, dança, interpretação e artes plásticas fazem parte desse leque que compõe as nossas ferramentas para ensinar, com o princípio pedagógico de estimular a criatividade com o circo e outras ferramentas”, explica Bel.
O advogado José Carlos Conceição, de 42 anos, saiu do Morumbi para levar a filha Laura, de 8, à sua terceira aula no Zanni. “Ela é muito ativa e adora esses exercícios interativos ao ar livre. Nessa idade, é muita energia, a gente não dá conta. Se ficar em casa, é o tempo todo na TV ou no TikTok”, conta.
“O circo proporciona diferentes formas de entender o corpo, como o malabarismo, que é completamente diferente de um trapézio”, explica a professora e artista Juliana Lazzari, de 41 anos, dos quais está há 18 mergulhada nessa arte. “Nas oficinas, a gente consegue passar por alguns tipos de atividades físicas. A mobilidade das crianças de 4 a 6 anos é diferente e as aulas são mais lúdicas do que para as de 7 a 12, por exemplo. Elas têm coordenação motora distintas.”
Mantendo a tradição secular de família circense, Bel já introduziu os filhos Gabriel e Luane, de 5 e 8 anos, à vida sob a lona. “Minha mãe fazia circo comigo na barriga”, brinca a menina, que já se apresenta em espetáculos da companhia e acompanha as oficinas. Medo de altura? Nem pensar. “Em algumas coisas dá um medinho na hora, mas depois passa.
Festival lúdico e engajado
Quando crescer, Luane provavelmente vai encontrar uma cena de circo diferente da que sua mãe viveu. Prova disso está nas abordagens que os artistas vão apresentar entre os dias 24 e 29 deste mês na 15ª edição do Festival do Circo SP, promovido pelo Estado no Mundo do Circo SP.
A programação terá dezenas de atrações que passeiam pelos espetáculos mais tradicionais e clássicos do circo, mas conta também com números contemporâneos, que se propõem a provocar reflexões sociais, sem deixar de lado a leveza. “O circo sempre foi sobre resistência e vem, como todas as artes cênicas, se aproximando das questões identitárias porque isso se tornou urgente”, diz Morgana Olívia Manfrin, artista da coletiva Profanas e responsável pela direção do espetáculo M0rf0s!, que propõe reflexão sobre as formas e corpos que ocupam o picadeiro. “Quem é estranho? Quem é normal?”
Os números que serão apresentados na M0rf0s! trazem apresentações clássicas, mas com pegada engajada, como a inversão dos papéis tradicionalmente executados pelo homem e pela mulher no trapézio, mas que aqui invertem quem fica no platô e no volante. Helen Maria, uma artista trans, encena uma sereia que quer criar asas e voar. O mito da Monga, da mulher que se transforma em monstro, reverte a expectativa do público e mostra a metamorfose da humana em um corpo belo.
“O circo sempre foi grande acolhedor de variedades, mas não deixa de ser cruel com algumas pessoas e recortes. O negro nunca foi protagonista”, diz Ricardo Rodrigues, de 47 anos, que assina a direção do Prot{AGÔ}nistas - O movimento Negro no Picadeiro, grande celebração dos corpos pretos na arte circense. O espetáculo mistura dança, balé, música, hip hop e acrobacias, todos apresentados por artistas negros.
Para ele, a pulverização do ensino da arte circense em São Paulo ao longo das últimas duas décadas tem aberto caminho para novos artistas, com “muita gente boa nas bordas da cidade e do Estado”. “Hoje, temos mais negros em cena em todos os veículos e mídias, mas ainda estamos no lugar da representatividade, o que é importante pra dar parâmetro aos jovens. Mas a gente precisa encontrar o lugar da equidade. Ainda estamos no lugar do extraordinário.”
Serviço:
Festival do Circo SP
Data: 24 a 29 de janeiro
Horário: espetáculos a partir das 11h
Local: Parque da Juventude
Entrada gratuita, ingressos são distribuídos 1h antes
Mundo do Circo SP
Espetáculos diários, às 18h
Horário: abertura às 11h
Local: Parque da Juventude
Entrada gratuita, ingressos são distribuídos 1h antes
Aulas e oficinas de arte circense
Circo Zanni
Para crianças:
- Artes plásticas e circo: 24, 25 e 26 de janeiro, das 14h às 16h
- Preços a partir de R$ 350, com material incluso
Para jovens e adultos:
- Acrobacia aérea: 23 e 24 de janeiro (a partir de R$ 150)
- Yoga aérea: 27 de janeiro (a partir de R$ 150)
- Acrobacia com cosmai: 25 e 26 de janeiro (a partir de R$ 150)
- Manipulação de objetos: 26 e 27 de janeiro (a partir de R$ 150)
Todas as aulas e oficinas para este grupo são entre 18h30 e 20h30
Endereço: Rua Vaticano, nº2, no km 26 da Raposo, sentido São Paulo - Cotia
Fábricas de Cultura
As Fábricas de Cultura, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado, oferecem aulas de produção e criação voltados para as linguagens circenses. O programa é gratuito com opções nas Zonas Leste, Norte e Sul, para crianças a partir dos 8 anos. A programação completa pode ser conferida aqui.
Projeto Folia
Outro programa gratuito do governo estadual é o Projeto Folia. Ele oferece cursos profissionalizantes nas artes circenses para jovens a partir dos 16 anos. A duração é de dois anos e as inscrições podem ser feitas aqui.
Circo di Quebrada
O Circo di Quebrada, na Cidade Julia, zona sul de São Paulo, oferece oficinas regulares e gratuitas com duração de seis meses para crianças a partir dos seis anos. As inscrições deste semestre já se encerraram, mas você pode acompanhar a abertura de matrículas nos perfis do grupos.