Halloween: Conheça as lendas de Paranapiacaba, a vila de SP que inspirou até série de terror na HBO


No meio da Mata Atlântica, a ‘Silent Hill brasileira’ atrai turistas intrigados pelo ar de mistério e terá festival promovido pela Associação Brasileira de Bruxaria até esta terça-feira, 1º

Por João Ker
Atualização:

A cerca de 50 quilômetros da capital paulista e com pouco mais de mil habitantes, Paranapiacaba foi tombada há décadas pelo Iphan como patrimônio material do Brasil. Além do seu valor histórico, arquitetônico e artístico, o distrito de Santo André conhecido como “a Silent Hill brasileira” atrai turistas de todo o País pela sua aura mística, reforçada por encontros de bruxas, magos e lendas que são passadas de geração há mais de um século. Neste ano, a vila na Grande São Paulo também serviu de locação e inspiração para Vale dos Esquecidos, primeira série de terror produzida no Brasil pelo streaming da HBO.

A história de Paranapiacaba começa em 1860, quando passou a ser povoada por imigrantes ingleses que chegaram para trabalhar na São Paulo Railway Company (SPR) e logo depois foram acompanhados por espanhóis, libaneses, italianos e portugueses.

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O estilo de vida na vila, que conserva até hoje boa parte da estrutura construída naquela época e nas décadas seguintes, girava em torno da atividade ferroviária, iniciada de forma pioneira para transportar o café do interior do Estado para o porto de Santos.

Detalhe da estação ferroviária de Paranapiacaba, no centro da 'parte baixa' da vila. Foto: Taba Benedicto/Estadão

No início do século 20, a profusão de imigrantes em Paranapiacaba levou à vila ares cosmopolitas, o que atraiu visitantes das cidades próximas e a tornou ponto de referência da época. Hoje, é possível ter uma ideia de como os moradores dali viviam em 1930 com a exposição Casa da Família Ferroviária, que recria em uma das residências oficiais dos trabalhadores os cômodos, móveis e fotografias de então.

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“As famílias eram numeradas de acordo com a carteirinha do funcionário”, explica Eric Lamarca, diretor de gestão de Paranapiacaba na Prefeitura de Santo André, apontando para a imagem de uma mulher e duas crianças em frente a uma casa marcada com 451. Uma foto ao lado mostra uma banda de jazz que tocava ao vivo durante as exibições nos dois cinemas da vila. “Se tirar a Mata Atlântica do fundo, você está no Mississippi.”

Lendas e fatos

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Lado a lado com a prosperidade da vila, Paranapiacaba tornou-se também palco de algumas tragédias, mortes de ferroviários, incêndios, um surto de gripe espanhola e amores proibidos que embasaram muitas das lendas ouvidas e contadas ali até hoje. O cemitério aos pés da Paróquia Senhor Bom Jesus, por exemplo, existe desde o século 19 e é um dos cenários onde elas teriam acontecido.

Cemitério de Paranapiacaba, aos pés da Paróquia Senhor Bom Jesus. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“Algumas coisas realmente aconteceram, mas de outra forma. Com a história oral, isso foi se modificando ao longo do tempo”, explica o autor Alexandre Lince. Ele lançou em 2018 três versões diferentes do livro Lendas de Paranapiacaba, em prosa, ilustração e quadrinhos. Na obra, ele relata os principais contos orais entrelaçados de forma linear como se uma dependesse da outra. “A primeira história é de 1888, quando dizem que Jack, O Estripador, veio foragido para cá com uma leva de imigrantes ingleses e se tornou o primeiro médico da vila.”

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Mas o serial killer que amedrontou Londres no final do século 19 está longe de ser a figura principal nas lendas de Paranapiacaba. Uma das histórias mais contadas sobre a vila é a do filho de um engenheiro que teria se apaixonado pela filha de um ferroviário. Juntos, eles viveram escondidos um amor proibido entre duas classes sociais distintas. No dia em que iriam oficializar a união, entretanto, o pai do rapaz descobriu a relação e prendeu o filho em uma adega no subsolo da sua casa. Abandonada e desolada, a noiva arrastou seu véu até a ponte de uma gruta e se jogou dali.

Diz o ditado que quem conta um conto aumenta um ponto e os detalhes variam a depender de quem os narra (uns dizem que ela tropeçou e outros que foi jogada), mas a trama principal é que o luto da mulher teria se transformado na neblina espessa que cobre a vila diariamente. Segundo a lenda, a névoa seria o espírito da noiva cobrindo as ruas e telhados em busca do seu amado.

Véu da noiva: à esquerda, gruta de onde a mulher teria se jogado e dado origem à neblina que cobre Paranapiacaba. Foto: Taba Benedicto/Estadão
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“Na verdade, foi o rapaz que morreu e se matou enforcado. Ela, inclusive, teve filhos e morreu velhinha”, conta Lince, que entrevistou vários moradores para o seu livro e planeja lançar nos próximos anos uma versão com “os fatos por trás das lendas”. “Essa história foi dita dessa forma para impedir relações entre pessoas de classes diferentes na vila”, afirma.

Há, claro, explicações científicas que justificam a neblina em uma vila no meio de uma serra da Mata Atlântica, mas isso não faz com que o fenômeno climático seja menos intrigante. Tanto que a vila ficou conhecida como a “Silent Hill brasileira”, em referência à cidade fictícia dos filmes, contos e jogos de terror que é constantemente coberta por… neblina. Por tudo isso, Paranapiacaba virou o cenário de Vale dos Esquecidos, da HBO.

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Protagonizada por Caroline Abras e Daniel Rocha, a produção mostra em dez episódios a jornada de um grupo que se perde durante uma trilha e, fugindo dos riscos encontrados na floresta, busca abrigo em uma vila escondida sob uma névoa constante que não está nos mapas (Paranapiacaba).

Nascido e criado ali, Jorge Mariano foi um dos moradores que participaram da produção. Guia turístico da agência Paranapiacaba Olho Vivo, ele é filho de um dos ferroviários que trabalhavam na vila. Mariano atua como monitor ambiental e cultural, promovendo passeios ecológicos, pedagógicos e “acrescentando algumas lendas urbanas” aos fatos, com encenações dramáticas, por exemplo, da história do “Véu da Noiva”.

Jorge Mariano, da agência Paranapiacaba Olho Vivo, durante passeio turístico de estudantes na casa do engenheiro-chefe. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“As lendas foram contadas por várias gerações e, com a neblina, aqui sempre tem esse ar de mistério, né? Os turistas, principalmente as crianças, gostam bastante. Sempre tentamos passar um pouco de tudo para criar um passeio bem lúdico”, conta. “Hoje, isso é um atrativo a mais para a vila, além das partes histórica, arquitetônica e ambiental.”

Bruxas e magos

Não bastassem as lendas, histórias e relíquias, Paranapiacaba também abriga a sede da Associação Brasileira de Bruxaria (ABB) e, nos últimos 17 anos, é palco para a Convenção de Bruxas e Magos, principal evento do País nesse segmento. Segundo a Prefeitura de Santo André, o encontro em maio passado reuniu mais de 30 mil pessoas.

Sede da Associação Brasileira de Bruxaria, em Paranapiacaba, com o caldeirão para as celebrações do Dia das Bruxas ao fundo Foto: Taba Benedicto/Estadão

“A vila é um dos pontos mais fortes de energia da região do centro de São Paulo. É um lugar onde toda a Mata Atlântica pulsa para trazer o maior equilíbrio e felicidade. As pessoas não sabem aproveitar isso, mas Paranapiacaba é extremamente mágica”, explica Tânia Gorin, presidente da ABB.

Ao contrário do que paira sobre o imaginário coletivo, as bruxas e magos de Paranapiacaba não têm vínculo com religiões, seitas ou qualquer entidade satânica. “As pessoas ainda têm muito medo, mas a bruxa busca na natureza uma melhor qualidade de vida, através de cristais e pedras, da terra, do fogo, da água e do ar, com um maior equilíbrio no caminho.”

O 31 de outubro que conhecemos como Halloween é, na verdade, o “réveillon das bruxas” e traz consigo a oportunidade de fazer três pedidos ao universo. A data será comemorada em Paranapiacaba com um festival que começou no sábado, 29, e vai até esta terça-feira, 1º. A programação inclui oficinas de “gastronomia mágica”, ecologia, shows, rituais e palestras. “Queremos mostrar para as pessoas que é uma celebração, um ano novo mesmo”, diz Tânia.

Véu da noiva, trem-fantasma e Pau da Missa: Conheça as principais lendas de Paranapiacaba

Véu da noiva: a principal lenda de Paranapiacaba deu nome a uma ponte na vila e é baseada no amor proibido entre o filho de um engenheiro e a filha de um ferroviário. Dizem que no dia em que iriam se casar secretamente, o pai do rapaz descobriu o caso por um funcionário e o prendeu em uma adega no subsolo da sala de jantar. O mesmo delator teria dito à noiva que ela foi enganada e que o rapaz nunca teve a intenção de oficializar a união, tanto que estaria voltando para a Inglaterra sem se despedir.

Desolada, a moça saiu arrastando seu enorme véu pelos trilhos do trem e se jogou de uma ponte (outras versões dizem que ela tropeçou ou foi atirada de lá). Seu corpo nunca foi encontrado e, de acordo com a lenda, o espírito amargurado da noiva volta todo dia à vila em forma de neblina para procurar seu amado.

Pau da missa: localizado no início daquela que era a principal rua da vila, o tronco de uma árvore próxima à estação de trem era usado para anunciar o calendário social de Paranapiacaba. Avisos, nascimentos, mortes, casamentos e horários dos trens eram afixados ali. Com o passar dos anos, entretanto, a madeira teria adquirido poderes místicos e se tornado um portal para o além.

Reza a lenda que, se você bater três vezes no pau da missa exatamente à meia-noite de uma sexta-feira 13, o véu é levantado e um espírito sussurra no seu ouvido um segredo do além.

Pau da missa, hoje protagonista de uma das principais lendas em Paranapiacaba, era usado como ponto de referência para informes da vila no século passado Foto: Taba Benedicto/Estadão

O Engenheiro: por vezes associada à história do Véu da Noiva, a lenda d’O Engenheiro diz que Frederic Mens, chefe responsável pela ferrovia no fim do século 19, ainda supervisiona todo o movimento da vila do alto de sua residência oficial, onde brinca com a réplica de um trem. Alguns afirmam que ainda é possível vê-lo pelas janelas do Castelinho, construção no topo de um morro onde ele morou e hoje funciona um museu.

O Vigia: com o desenvolvimento de Paranapiacaba, ladrões começaram a surgir na vila e, assim, um guarda se certificava todas as noites de que as pessoas estavam seguras. Ele batia três vezes nas portas e precisava ouvir três batidas em resposta para saber que não havia nada errado.

Em uma noite de neblina, entretanto, ninguém ouviu as batidas. Pela manhã, descobriram que o vigia estava morto. O problema é que, depois de se recolherem para dormir naquele dia, os moradores da vila tiveram uma surpresa: toc-toc-toc. Ao abrirem a porta, não havia nada nem ninguém do lado de fora.

Lendas de Paranapiacaba

1 | 5

Guia do além

Foto: TABA BENEDICTO
2 | 5

Pau da Missa

Foto: TABA BENEDICTO
3 | 5

Casa do Engenheiro

Foto: TABA BENEDICTO
4 | 5

Véu da Noiva

Foto: TABA BENEDICTO
5 | 5

Trem-fantasma

Foto: TABA BENEDICTO

Trem-Fantasma: muitos acidentes de trabalho e mortes de ferroviários marcaram a expansão de Paranapiacaba no século 20. De acordo com alguns moradores da vila, os espíritos dessas pessoas voltam vez ou outra a bordo de um trem-fantasma. Há quem jure vê-los ou ouvi-los na saída do 13º túnel, que felizmente tem o acesso restrito.

Guia do além: o único cemitério da vila fica na entrada da “parte alta”, aos pés da Paróquia Senhor Bom Jesus, e existe desde o século 19. Uma das lendas contadas é a de que certos “moradores” enterrados ali matam as saudades da vila e voltam para circular por lá em dias de neblina. Alguns teriam inclusive aproveitado a viagem para guiarem turistas perdidos.

A cerca de 50 quilômetros da capital paulista e com pouco mais de mil habitantes, Paranapiacaba foi tombada há décadas pelo Iphan como patrimônio material do Brasil. Além do seu valor histórico, arquitetônico e artístico, o distrito de Santo André conhecido como “a Silent Hill brasileira” atrai turistas de todo o País pela sua aura mística, reforçada por encontros de bruxas, magos e lendas que são passadas de geração há mais de um século. Neste ano, a vila na Grande São Paulo também serviu de locação e inspiração para Vale dos Esquecidos, primeira série de terror produzida no Brasil pelo streaming da HBO.

A história de Paranapiacaba começa em 1860, quando passou a ser povoada por imigrantes ingleses que chegaram para trabalhar na São Paulo Railway Company (SPR) e logo depois foram acompanhados por espanhóis, libaneses, italianos e portugueses.

O estilo de vida na vila, que conserva até hoje boa parte da estrutura construída naquela época e nas décadas seguintes, girava em torno da atividade ferroviária, iniciada de forma pioneira para transportar o café do interior do Estado para o porto de Santos.

Detalhe da estação ferroviária de Paranapiacaba, no centro da 'parte baixa' da vila. Foto: Taba Benedicto/Estadão

No início do século 20, a profusão de imigrantes em Paranapiacaba levou à vila ares cosmopolitas, o que atraiu visitantes das cidades próximas e a tornou ponto de referência da época. Hoje, é possível ter uma ideia de como os moradores dali viviam em 1930 com a exposição Casa da Família Ferroviária, que recria em uma das residências oficiais dos trabalhadores os cômodos, móveis e fotografias de então.

“As famílias eram numeradas de acordo com a carteirinha do funcionário”, explica Eric Lamarca, diretor de gestão de Paranapiacaba na Prefeitura de Santo André, apontando para a imagem de uma mulher e duas crianças em frente a uma casa marcada com 451. Uma foto ao lado mostra uma banda de jazz que tocava ao vivo durante as exibições nos dois cinemas da vila. “Se tirar a Mata Atlântica do fundo, você está no Mississippi.”

Lendas e fatos

Lado a lado com a prosperidade da vila, Paranapiacaba tornou-se também palco de algumas tragédias, mortes de ferroviários, incêndios, um surto de gripe espanhola e amores proibidos que embasaram muitas das lendas ouvidas e contadas ali até hoje. O cemitério aos pés da Paróquia Senhor Bom Jesus, por exemplo, existe desde o século 19 e é um dos cenários onde elas teriam acontecido.

Cemitério de Paranapiacaba, aos pés da Paróquia Senhor Bom Jesus. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“Algumas coisas realmente aconteceram, mas de outra forma. Com a história oral, isso foi se modificando ao longo do tempo”, explica o autor Alexandre Lince. Ele lançou em 2018 três versões diferentes do livro Lendas de Paranapiacaba, em prosa, ilustração e quadrinhos. Na obra, ele relata os principais contos orais entrelaçados de forma linear como se uma dependesse da outra. “A primeira história é de 1888, quando dizem que Jack, O Estripador, veio foragido para cá com uma leva de imigrantes ingleses e se tornou o primeiro médico da vila.”

Mas o serial killer que amedrontou Londres no final do século 19 está longe de ser a figura principal nas lendas de Paranapiacaba. Uma das histórias mais contadas sobre a vila é a do filho de um engenheiro que teria se apaixonado pela filha de um ferroviário. Juntos, eles viveram escondidos um amor proibido entre duas classes sociais distintas. No dia em que iriam oficializar a união, entretanto, o pai do rapaz descobriu a relação e prendeu o filho em uma adega no subsolo da sua casa. Abandonada e desolada, a noiva arrastou seu véu até a ponte de uma gruta e se jogou dali.

Diz o ditado que quem conta um conto aumenta um ponto e os detalhes variam a depender de quem os narra (uns dizem que ela tropeçou e outros que foi jogada), mas a trama principal é que o luto da mulher teria se transformado na neblina espessa que cobre a vila diariamente. Segundo a lenda, a névoa seria o espírito da noiva cobrindo as ruas e telhados em busca do seu amado.

Véu da noiva: à esquerda, gruta de onde a mulher teria se jogado e dado origem à neblina que cobre Paranapiacaba. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“Na verdade, foi o rapaz que morreu e se matou enforcado. Ela, inclusive, teve filhos e morreu velhinha”, conta Lince, que entrevistou vários moradores para o seu livro e planeja lançar nos próximos anos uma versão com “os fatos por trás das lendas”. “Essa história foi dita dessa forma para impedir relações entre pessoas de classes diferentes na vila”, afirma.

Há, claro, explicações científicas que justificam a neblina em uma vila no meio de uma serra da Mata Atlântica, mas isso não faz com que o fenômeno climático seja menos intrigante. Tanto que a vila ficou conhecida como a “Silent Hill brasileira”, em referência à cidade fictícia dos filmes, contos e jogos de terror que é constantemente coberta por… neblina. Por tudo isso, Paranapiacaba virou o cenário de Vale dos Esquecidos, da HBO.

Protagonizada por Caroline Abras e Daniel Rocha, a produção mostra em dez episódios a jornada de um grupo que se perde durante uma trilha e, fugindo dos riscos encontrados na floresta, busca abrigo em uma vila escondida sob uma névoa constante que não está nos mapas (Paranapiacaba).

Nascido e criado ali, Jorge Mariano foi um dos moradores que participaram da produção. Guia turístico da agência Paranapiacaba Olho Vivo, ele é filho de um dos ferroviários que trabalhavam na vila. Mariano atua como monitor ambiental e cultural, promovendo passeios ecológicos, pedagógicos e “acrescentando algumas lendas urbanas” aos fatos, com encenações dramáticas, por exemplo, da história do “Véu da Noiva”.

Jorge Mariano, da agência Paranapiacaba Olho Vivo, durante passeio turístico de estudantes na casa do engenheiro-chefe. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“As lendas foram contadas por várias gerações e, com a neblina, aqui sempre tem esse ar de mistério, né? Os turistas, principalmente as crianças, gostam bastante. Sempre tentamos passar um pouco de tudo para criar um passeio bem lúdico”, conta. “Hoje, isso é um atrativo a mais para a vila, além das partes histórica, arquitetônica e ambiental.”

Bruxas e magos

Não bastassem as lendas, histórias e relíquias, Paranapiacaba também abriga a sede da Associação Brasileira de Bruxaria (ABB) e, nos últimos 17 anos, é palco para a Convenção de Bruxas e Magos, principal evento do País nesse segmento. Segundo a Prefeitura de Santo André, o encontro em maio passado reuniu mais de 30 mil pessoas.

Sede da Associação Brasileira de Bruxaria, em Paranapiacaba, com o caldeirão para as celebrações do Dia das Bruxas ao fundo Foto: Taba Benedicto/Estadão

“A vila é um dos pontos mais fortes de energia da região do centro de São Paulo. É um lugar onde toda a Mata Atlântica pulsa para trazer o maior equilíbrio e felicidade. As pessoas não sabem aproveitar isso, mas Paranapiacaba é extremamente mágica”, explica Tânia Gorin, presidente da ABB.

Ao contrário do que paira sobre o imaginário coletivo, as bruxas e magos de Paranapiacaba não têm vínculo com religiões, seitas ou qualquer entidade satânica. “As pessoas ainda têm muito medo, mas a bruxa busca na natureza uma melhor qualidade de vida, através de cristais e pedras, da terra, do fogo, da água e do ar, com um maior equilíbrio no caminho.”

O 31 de outubro que conhecemos como Halloween é, na verdade, o “réveillon das bruxas” e traz consigo a oportunidade de fazer três pedidos ao universo. A data será comemorada em Paranapiacaba com um festival que começou no sábado, 29, e vai até esta terça-feira, 1º. A programação inclui oficinas de “gastronomia mágica”, ecologia, shows, rituais e palestras. “Queremos mostrar para as pessoas que é uma celebração, um ano novo mesmo”, diz Tânia.

Véu da noiva, trem-fantasma e Pau da Missa: Conheça as principais lendas de Paranapiacaba

Véu da noiva: a principal lenda de Paranapiacaba deu nome a uma ponte na vila e é baseada no amor proibido entre o filho de um engenheiro e a filha de um ferroviário. Dizem que no dia em que iriam se casar secretamente, o pai do rapaz descobriu o caso por um funcionário e o prendeu em uma adega no subsolo da sala de jantar. O mesmo delator teria dito à noiva que ela foi enganada e que o rapaz nunca teve a intenção de oficializar a união, tanto que estaria voltando para a Inglaterra sem se despedir.

Desolada, a moça saiu arrastando seu enorme véu pelos trilhos do trem e se jogou de uma ponte (outras versões dizem que ela tropeçou ou foi atirada de lá). Seu corpo nunca foi encontrado e, de acordo com a lenda, o espírito amargurado da noiva volta todo dia à vila em forma de neblina para procurar seu amado.

Pau da missa: localizado no início daquela que era a principal rua da vila, o tronco de uma árvore próxima à estação de trem era usado para anunciar o calendário social de Paranapiacaba. Avisos, nascimentos, mortes, casamentos e horários dos trens eram afixados ali. Com o passar dos anos, entretanto, a madeira teria adquirido poderes místicos e se tornado um portal para o além.

Reza a lenda que, se você bater três vezes no pau da missa exatamente à meia-noite de uma sexta-feira 13, o véu é levantado e um espírito sussurra no seu ouvido um segredo do além.

Pau da missa, hoje protagonista de uma das principais lendas em Paranapiacaba, era usado como ponto de referência para informes da vila no século passado Foto: Taba Benedicto/Estadão

O Engenheiro: por vezes associada à história do Véu da Noiva, a lenda d’O Engenheiro diz que Frederic Mens, chefe responsável pela ferrovia no fim do século 19, ainda supervisiona todo o movimento da vila do alto de sua residência oficial, onde brinca com a réplica de um trem. Alguns afirmam que ainda é possível vê-lo pelas janelas do Castelinho, construção no topo de um morro onde ele morou e hoje funciona um museu.

O Vigia: com o desenvolvimento de Paranapiacaba, ladrões começaram a surgir na vila e, assim, um guarda se certificava todas as noites de que as pessoas estavam seguras. Ele batia três vezes nas portas e precisava ouvir três batidas em resposta para saber que não havia nada errado.

Em uma noite de neblina, entretanto, ninguém ouviu as batidas. Pela manhã, descobriram que o vigia estava morto. O problema é que, depois de se recolherem para dormir naquele dia, os moradores da vila tiveram uma surpresa: toc-toc-toc. Ao abrirem a porta, não havia nada nem ninguém do lado de fora.

Lendas de Paranapiacaba

1 | 5

Guia do além

Foto: TABA BENEDICTO
2 | 5

Pau da Missa

Foto: TABA BENEDICTO
3 | 5

Casa do Engenheiro

Foto: TABA BENEDICTO
4 | 5

Véu da Noiva

Foto: TABA BENEDICTO
5 | 5

Trem-fantasma

Foto: TABA BENEDICTO

Trem-Fantasma: muitos acidentes de trabalho e mortes de ferroviários marcaram a expansão de Paranapiacaba no século 20. De acordo com alguns moradores da vila, os espíritos dessas pessoas voltam vez ou outra a bordo de um trem-fantasma. Há quem jure vê-los ou ouvi-los na saída do 13º túnel, que felizmente tem o acesso restrito.

Guia do além: o único cemitério da vila fica na entrada da “parte alta”, aos pés da Paróquia Senhor Bom Jesus, e existe desde o século 19. Uma das lendas contadas é a de que certos “moradores” enterrados ali matam as saudades da vila e voltam para circular por lá em dias de neblina. Alguns teriam inclusive aproveitado a viagem para guiarem turistas perdidos.

A cerca de 50 quilômetros da capital paulista e com pouco mais de mil habitantes, Paranapiacaba foi tombada há décadas pelo Iphan como patrimônio material do Brasil. Além do seu valor histórico, arquitetônico e artístico, o distrito de Santo André conhecido como “a Silent Hill brasileira” atrai turistas de todo o País pela sua aura mística, reforçada por encontros de bruxas, magos e lendas que são passadas de geração há mais de um século. Neste ano, a vila na Grande São Paulo também serviu de locação e inspiração para Vale dos Esquecidos, primeira série de terror produzida no Brasil pelo streaming da HBO.

A história de Paranapiacaba começa em 1860, quando passou a ser povoada por imigrantes ingleses que chegaram para trabalhar na São Paulo Railway Company (SPR) e logo depois foram acompanhados por espanhóis, libaneses, italianos e portugueses.

O estilo de vida na vila, que conserva até hoje boa parte da estrutura construída naquela época e nas décadas seguintes, girava em torno da atividade ferroviária, iniciada de forma pioneira para transportar o café do interior do Estado para o porto de Santos.

Detalhe da estação ferroviária de Paranapiacaba, no centro da 'parte baixa' da vila. Foto: Taba Benedicto/Estadão

No início do século 20, a profusão de imigrantes em Paranapiacaba levou à vila ares cosmopolitas, o que atraiu visitantes das cidades próximas e a tornou ponto de referência da época. Hoje, é possível ter uma ideia de como os moradores dali viviam em 1930 com a exposição Casa da Família Ferroviária, que recria em uma das residências oficiais dos trabalhadores os cômodos, móveis e fotografias de então.

“As famílias eram numeradas de acordo com a carteirinha do funcionário”, explica Eric Lamarca, diretor de gestão de Paranapiacaba na Prefeitura de Santo André, apontando para a imagem de uma mulher e duas crianças em frente a uma casa marcada com 451. Uma foto ao lado mostra uma banda de jazz que tocava ao vivo durante as exibições nos dois cinemas da vila. “Se tirar a Mata Atlântica do fundo, você está no Mississippi.”

Lendas e fatos

Lado a lado com a prosperidade da vila, Paranapiacaba tornou-se também palco de algumas tragédias, mortes de ferroviários, incêndios, um surto de gripe espanhola e amores proibidos que embasaram muitas das lendas ouvidas e contadas ali até hoje. O cemitério aos pés da Paróquia Senhor Bom Jesus, por exemplo, existe desde o século 19 e é um dos cenários onde elas teriam acontecido.

Cemitério de Paranapiacaba, aos pés da Paróquia Senhor Bom Jesus. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“Algumas coisas realmente aconteceram, mas de outra forma. Com a história oral, isso foi se modificando ao longo do tempo”, explica o autor Alexandre Lince. Ele lançou em 2018 três versões diferentes do livro Lendas de Paranapiacaba, em prosa, ilustração e quadrinhos. Na obra, ele relata os principais contos orais entrelaçados de forma linear como se uma dependesse da outra. “A primeira história é de 1888, quando dizem que Jack, O Estripador, veio foragido para cá com uma leva de imigrantes ingleses e se tornou o primeiro médico da vila.”

Mas o serial killer que amedrontou Londres no final do século 19 está longe de ser a figura principal nas lendas de Paranapiacaba. Uma das histórias mais contadas sobre a vila é a do filho de um engenheiro que teria se apaixonado pela filha de um ferroviário. Juntos, eles viveram escondidos um amor proibido entre duas classes sociais distintas. No dia em que iriam oficializar a união, entretanto, o pai do rapaz descobriu a relação e prendeu o filho em uma adega no subsolo da sua casa. Abandonada e desolada, a noiva arrastou seu véu até a ponte de uma gruta e se jogou dali.

Diz o ditado que quem conta um conto aumenta um ponto e os detalhes variam a depender de quem os narra (uns dizem que ela tropeçou e outros que foi jogada), mas a trama principal é que o luto da mulher teria se transformado na neblina espessa que cobre a vila diariamente. Segundo a lenda, a névoa seria o espírito da noiva cobrindo as ruas e telhados em busca do seu amado.

Véu da noiva: à esquerda, gruta de onde a mulher teria se jogado e dado origem à neblina que cobre Paranapiacaba. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“Na verdade, foi o rapaz que morreu e se matou enforcado. Ela, inclusive, teve filhos e morreu velhinha”, conta Lince, que entrevistou vários moradores para o seu livro e planeja lançar nos próximos anos uma versão com “os fatos por trás das lendas”. “Essa história foi dita dessa forma para impedir relações entre pessoas de classes diferentes na vila”, afirma.

Há, claro, explicações científicas que justificam a neblina em uma vila no meio de uma serra da Mata Atlântica, mas isso não faz com que o fenômeno climático seja menos intrigante. Tanto que a vila ficou conhecida como a “Silent Hill brasileira”, em referência à cidade fictícia dos filmes, contos e jogos de terror que é constantemente coberta por… neblina. Por tudo isso, Paranapiacaba virou o cenário de Vale dos Esquecidos, da HBO.

Protagonizada por Caroline Abras e Daniel Rocha, a produção mostra em dez episódios a jornada de um grupo que se perde durante uma trilha e, fugindo dos riscos encontrados na floresta, busca abrigo em uma vila escondida sob uma névoa constante que não está nos mapas (Paranapiacaba).

Nascido e criado ali, Jorge Mariano foi um dos moradores que participaram da produção. Guia turístico da agência Paranapiacaba Olho Vivo, ele é filho de um dos ferroviários que trabalhavam na vila. Mariano atua como monitor ambiental e cultural, promovendo passeios ecológicos, pedagógicos e “acrescentando algumas lendas urbanas” aos fatos, com encenações dramáticas, por exemplo, da história do “Véu da Noiva”.

Jorge Mariano, da agência Paranapiacaba Olho Vivo, durante passeio turístico de estudantes na casa do engenheiro-chefe. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“As lendas foram contadas por várias gerações e, com a neblina, aqui sempre tem esse ar de mistério, né? Os turistas, principalmente as crianças, gostam bastante. Sempre tentamos passar um pouco de tudo para criar um passeio bem lúdico”, conta. “Hoje, isso é um atrativo a mais para a vila, além das partes histórica, arquitetônica e ambiental.”

Bruxas e magos

Não bastassem as lendas, histórias e relíquias, Paranapiacaba também abriga a sede da Associação Brasileira de Bruxaria (ABB) e, nos últimos 17 anos, é palco para a Convenção de Bruxas e Magos, principal evento do País nesse segmento. Segundo a Prefeitura de Santo André, o encontro em maio passado reuniu mais de 30 mil pessoas.

Sede da Associação Brasileira de Bruxaria, em Paranapiacaba, com o caldeirão para as celebrações do Dia das Bruxas ao fundo Foto: Taba Benedicto/Estadão

“A vila é um dos pontos mais fortes de energia da região do centro de São Paulo. É um lugar onde toda a Mata Atlântica pulsa para trazer o maior equilíbrio e felicidade. As pessoas não sabem aproveitar isso, mas Paranapiacaba é extremamente mágica”, explica Tânia Gorin, presidente da ABB.

Ao contrário do que paira sobre o imaginário coletivo, as bruxas e magos de Paranapiacaba não têm vínculo com religiões, seitas ou qualquer entidade satânica. “As pessoas ainda têm muito medo, mas a bruxa busca na natureza uma melhor qualidade de vida, através de cristais e pedras, da terra, do fogo, da água e do ar, com um maior equilíbrio no caminho.”

O 31 de outubro que conhecemos como Halloween é, na verdade, o “réveillon das bruxas” e traz consigo a oportunidade de fazer três pedidos ao universo. A data será comemorada em Paranapiacaba com um festival que começou no sábado, 29, e vai até esta terça-feira, 1º. A programação inclui oficinas de “gastronomia mágica”, ecologia, shows, rituais e palestras. “Queremos mostrar para as pessoas que é uma celebração, um ano novo mesmo”, diz Tânia.

Véu da noiva, trem-fantasma e Pau da Missa: Conheça as principais lendas de Paranapiacaba

Véu da noiva: a principal lenda de Paranapiacaba deu nome a uma ponte na vila e é baseada no amor proibido entre o filho de um engenheiro e a filha de um ferroviário. Dizem que no dia em que iriam se casar secretamente, o pai do rapaz descobriu o caso por um funcionário e o prendeu em uma adega no subsolo da sala de jantar. O mesmo delator teria dito à noiva que ela foi enganada e que o rapaz nunca teve a intenção de oficializar a união, tanto que estaria voltando para a Inglaterra sem se despedir.

Desolada, a moça saiu arrastando seu enorme véu pelos trilhos do trem e se jogou de uma ponte (outras versões dizem que ela tropeçou ou foi atirada de lá). Seu corpo nunca foi encontrado e, de acordo com a lenda, o espírito amargurado da noiva volta todo dia à vila em forma de neblina para procurar seu amado.

Pau da missa: localizado no início daquela que era a principal rua da vila, o tronco de uma árvore próxima à estação de trem era usado para anunciar o calendário social de Paranapiacaba. Avisos, nascimentos, mortes, casamentos e horários dos trens eram afixados ali. Com o passar dos anos, entretanto, a madeira teria adquirido poderes místicos e se tornado um portal para o além.

Reza a lenda que, se você bater três vezes no pau da missa exatamente à meia-noite de uma sexta-feira 13, o véu é levantado e um espírito sussurra no seu ouvido um segredo do além.

Pau da missa, hoje protagonista de uma das principais lendas em Paranapiacaba, era usado como ponto de referência para informes da vila no século passado Foto: Taba Benedicto/Estadão

O Engenheiro: por vezes associada à história do Véu da Noiva, a lenda d’O Engenheiro diz que Frederic Mens, chefe responsável pela ferrovia no fim do século 19, ainda supervisiona todo o movimento da vila do alto de sua residência oficial, onde brinca com a réplica de um trem. Alguns afirmam que ainda é possível vê-lo pelas janelas do Castelinho, construção no topo de um morro onde ele morou e hoje funciona um museu.

O Vigia: com o desenvolvimento de Paranapiacaba, ladrões começaram a surgir na vila e, assim, um guarda se certificava todas as noites de que as pessoas estavam seguras. Ele batia três vezes nas portas e precisava ouvir três batidas em resposta para saber que não havia nada errado.

Em uma noite de neblina, entretanto, ninguém ouviu as batidas. Pela manhã, descobriram que o vigia estava morto. O problema é que, depois de se recolherem para dormir naquele dia, os moradores da vila tiveram uma surpresa: toc-toc-toc. Ao abrirem a porta, não havia nada nem ninguém do lado de fora.

Lendas de Paranapiacaba

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Guia do além

Foto: TABA BENEDICTO
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Pau da Missa

Foto: TABA BENEDICTO
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Casa do Engenheiro

Foto: TABA BENEDICTO
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Véu da Noiva

Foto: TABA BENEDICTO
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Trem-fantasma

Foto: TABA BENEDICTO

Trem-Fantasma: muitos acidentes de trabalho e mortes de ferroviários marcaram a expansão de Paranapiacaba no século 20. De acordo com alguns moradores da vila, os espíritos dessas pessoas voltam vez ou outra a bordo de um trem-fantasma. Há quem jure vê-los ou ouvi-los na saída do 13º túnel, que felizmente tem o acesso restrito.

Guia do além: o único cemitério da vila fica na entrada da “parte alta”, aos pés da Paróquia Senhor Bom Jesus, e existe desde o século 19. Uma das lendas contadas é a de que certos “moradores” enterrados ali matam as saudades da vila e voltam para circular por lá em dias de neblina. Alguns teriam inclusive aproveitado a viagem para guiarem turistas perdidos.

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