SÃO PAULO - Após críticas, o vereador Fernando Holiday (DEM) decidiu modificar pontos de um projeto de lei que previa a internação psiquiátrica de mulheres grávidas caso seja constatado, durante atendimento médico, que a paciente tem "propensão ao abortamento ilegal". O texto, apresentado na Câmara de São Paulo no fim de maio, tem causado polêmica entre parlamentares e especialistas.
O vereador afirmou ao Estado nesta quarta-feira que a previsão de internação psiquiátrica da mulher que pretende abortar será mantida, mas com a indicação de que essa internação ocorra apenas em casos específicos e extremos. "A ideia é de que uma pessoa não possa realizar o abortamento se não estiver em sã consciência", disse o vereador, citando o caso de mulheres dependentes de drogas que moram nas ruas. Nesses casos, a proposta é que as grávidas passem por uma internação de até 72 horas para "retomada da consciência". Segundo o vereador, haverá no novo texto uma "especificação sobre esses casos".
O ponto havia sido criticado por especialistas, que viram inconstitucionalidade na proposta. Segundo Mauro Aranha, psiquiatra e ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), a decisão de uma mulher pelo aborto "não tem qualquer relação com um transtorno mental na esmagadora maioria das vezes". O psiquiatra Daniel Martins de Barros também criticou a proposta, que, segundo afirma, aumenta o estigma tanto em relação ao aborto quanto aos transtornos mentais.
Conforme afirmou o vereador nesta quarta-feira, também será retirada do texto a obrigatoriedade de que a mulher apresente alvará judicial autorizando o aborto. Críticos ao projeto apontavam que a necessidade do documento poderia acabar estendendo a gravidez e impossibilitando o aborto.
Esse alvará, de acordo com Holiday, será substituído pela obrigatoriedade de apresentar um boletim de ocorrência em caso de gravidez por estupro. A mudança nesse dispositivo, segundo o vereador, ocorre para não postergar o procedimento.
"Se a mulher não consegue o alvará ou demora para sair, o feto vai se desenvolvendo mais, a sensibilidade do feto aumenta e o aborto fica mais complicado. Acaba sendo um sofrimento maior tanto para a mulher quanto para a segunda vida, que seria a do feto."
O texto original também previa a obrigatoriedade de que a mulher passasse por atendimento psicológico para "dissuadi-la da ideia de realizar o abortamento", escutasse batimentos cardíacos do feto e assistisse a exames de imagem da gravidez. Também indicava o atendimento religioso ou sobre "as questões bioéticas do abortamento".
De acordo com o vereador, o substitutivo do projeto vai retirar essas obrigatoriedades. "A ideia é de que exista a obrigação, mas da Prefeitura de disponibilizar os serviços e não da mulher de passar por esses procedimentos", disse Holiday. "Essa era a ideia original do projeto, mas isso acabou ficando muito impreciso no texto."
Perguntado se as exigências para o aborto, caso o projeto seja aprovado, não acabariam dificultando o procedimento, Holiday rebateu. "Todo o aparato necessário a Prefeitura já tem. Não seria uma demanda exacerbada para psicólogos que já estão no sistema de saúde. A única mudança significativa é de que agora essa seria uma exigência na legislação, mas os serviços já existem."
Plenário
O assunto voltou a causar polêmica na Câmara dos Vereadores nesta quarta-feira. Em sessão plenária, Holiday disse que não é seu desejo "aumentar o sofrimento de mulheres que passaram por situações absolutamente traumáticas", mas é importante que "tenham a oportunidade de refletir sobre as consequências do abortamento para ela e para a criança".
A vereadora Juliana Cardoso (PT) criticou. "O projeto é inconstitucional. Na nossa lei penal já está previsto. Não podemos legislar em cima da Bíblia", disse. "Um homem quer colocar legislação em cima dos corpos das mulheres sem de fato compreender o que é ter um bebê em um estupro", completou.