O Estado de São Paulo registrou alta nos crimes de homicídio no ano de 2022, de acordo com dados divulgados nesta quinta-feira, 26, pela Secretaria da Segurança Pública. Os assassinatos tiveram alta de 7,2% em relação a 2021 e superaram a quantidade registrada em 2019 (+4,7%), último ano que não sofreu efeitos do período da pandemia. As estatísticas também mostraram alta recorde nos registros de furtos e estupros nas cidades paulistas.
São Paulo teve 2.909 casos de homicídios dolosos registrados ao longo do ano passado, o equivalente a oito crimes por dia. Essas ocorrências resultaram nas mortes de 3.044 pessoas, já que um caso pode ter mais de uma vítima. É o maior número observado no Estado desde o ano de 2018, quando houve 2.949 casos com 3.106 vítimas.
Os casos de homicídio no Estado apresentavam tendência de queda desde 2012, quando atingiram o total de 4.836. Em 2020, entretanto, esse índice começou a oscilar e cresceu novamente ao longo do ano passado quando comparado com o período anterior.
A maioria das pessoas assassinadas no Estado ao longo do no ano passado era do sexo masculino (84,8%), branca (45,4%) ou parda (43,3%) e tinha entre 20 e 44 anos (51,4%). Os crimes aconteceram majoritariamente em uma via pública (57,2%) ou na residência da vítima (21,4%).
Ainda segundo os dados divulgados pela SSP, a maioria dos homicídios teve como motivação algum conflito interpessoal entre pessoas conhecidas ou desconhecidas (34,9%). “Quando a gente fala de conflitos interpessoais é o que chamamos de ‘morte banal’, que pode ser no bar, em casa, no trânsito… Mas se há indício de execução, já é diferente, porque foi um crime encomendado e foi premeditado”, afirma Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz.
“É possível que as armas estejam mais presentes nesses crimes. Vimos casos recentes dos CACs, que acabam atirando sem querer e causando uma tragédia maior. Não é um índice causado única e exclusivamente por isso, mas ele torna os conflitos mais letais”, diz.
Professor de Gestão em Segurança Pública na FGV, Rafael Alcadipani afirma que outro fator contribuinte para o aumento desse índice no Estado é o crime organizado: “Houve uma alteração nas dinâmicas de facções criminosas, que hoje têm visto disputas internas como não se via antes. É preciso que a polícia esteja empenhada em tirar essas armas, principalmente as ilegais, das ruas”, diz.
Na capital, entretanto, a tendência foi inversa, mesmo que por pouco: foram 560 homicídios dolosos e 583 vítimas desses crimes, uma diferença de apenas três casos e 20 mortes a menos do que no ano passado. Assim, 2022 tornou-se o ano com menor índice dessas ocorrências ao longo da última década.
Isso não significa que a maior cidade do País esteja mais segura. “Às vezes, o homicídio acontece nas franjas da capital e o corpo é desovado em outro lugar, o que justifica por exemplo o aumento de homicídios na Grande São Paulo e no litoral. Essa é uma questão séria e importante, porque ninguém quer ver o aumento de assassinatos a ponto de chegarmos aos níveis de anos anteriores.”
“Se há indício de execução, já é diferente, porque foi morte encomendada e premeditada”, afirma Carolina. “É muito importante investir na capacidade de investigação e solução desses crimes. Essa variação com pouca explicação sobre os índices abre um chamado para São Paulo. É preciso reduzir ainda mais e esclarecer um por um. Nenhum homicídio pode ficar sem resposta.”
Furtos estão em alta
Os furtos dispararam, com 564.940 ocorrências, e atingiram o maior patamar desde 2005, quando houve apenas 20 registros a mais. Os dados do ano passado indicam que houve mais de um furto por minuto no Estado ao longo de 2022.
Os roubos, apesar de terem sido menos frequentes que antes da pandemia, criam um cenário parecido e superaram o total de 2020 e de 2021, com 245.900 ocorrências: foi um registro a cada quase dois minutos.
A maioria dos roubos aconteceu na rua (22,53%) ou a veículos (15,16%). Os objetos roubados com mais frequência foram documentos, como cartão bancário e registro de identidade, ou celulares, presentes em 42,12% e 67,29% das ocorrências, respectivamente.
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“Essa ‘volta ao normal’ faz os crimes voltarem ao ‘normal’ também. Acrescida ao momento econômico complexo e complicado que vivemos no Brasil, acredito que é o que leva esse índice (de furtos) ter chegado ao topo”, diz o cientista político André Zanetic, associado do Fórum de Segurança Pública.
Ele afirma que esse movimento foi diferente entre áreas nobres e aquelas de maior vulnerabilidade social, principalmente na capital paulista. “Nos bairros mais pobres, houve queda menor (de ocorrências) e número maior de crimes ocorrendo, provavelmente porque as pessoas tiveram menos oportunidade de fazer isolamento social. Enquanto nos bairros ricos, como os Jardins, e nas áreas comerciais, a queda foi mais abrupta.”
Na contramão desses aumentos, os registros de crimes como tentativa de homicídio e homicídio culposo, lesão dolosa e latrocínio foram maiores que os dos dois anos anteriores, mas ainda estão abaixo do patamar visto em anos pré-pandêmicos.
Violência contra a mulher
Os dados relativos à violência contra mulheres em 2022 também tiveram alta em São Paulo quando comparados com o ano anterior. O crescimento mais acentuado foi observado nos crimes contra a dignidade sexual. Os estupros chegaram ao total de 12.615, o maior total da série histórica iniciada em 2001 pela SSP e o equivalente a mais de um por hora ao longo do ano.
Desse total, 77% foi contra vítimas vulneráveis, formadas por crianças menores de 14 anos ou qualquer pessoa incapacitada de consentir ou discernir o ato sexual por condição mental ou física. Em 2022, os registros desses crimes foram os maiores desde que o perfil das vítimas passou a ser detalhado pela Secretaria, em 2016.
“O que mais tem nos deixado assustados é a quantidade de mulheres que chegam com nível de violência maior. A gravidade agora é muito alta. Recebemos mulheres desde 2004, mas agora as agressões mais violentas”, afirma Heloisa Melillo, coordenadora geral do programa Bem Querer Mulher, que oferece acolhimento às mulheres vítimas de violência doméstica direto nas delegacias.
Heloísa diz que “a pandemia passou, mas a população além de doente está empobrecida”, o que contribui para a violência doméstica. “Não dá para separar isso da questão com a mulher”, afirma.
Apesar de admitir que os números de São Paulo são dramáticos e ainda há subnotificação, ela diz que o contexto nacional é pior: “Em termos proporcionais, São Paulo é o Estado mais seguro para a mulher viver. A situação nacional é ainda pior”.
Esse movimento refletiu-se no crescimento das denúncias de lesão dolosa, que chegaram a 52.672 no ano passado, maior que nos dois anos anteriores, mas ainda inferior aos períodos de pré-pandemia. O total de ameaças contra as mulheres, entretanto, atingiu o maior patamar da década 75.248 ocorrências: mais de oito por hora.
Estado diz ter reforçado policiamento
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirma que ampliou o policiamento no Estado com a Operação Impacto, lançada no último dia 11 “a fim de potencializar a percepção de segurança”. Segundo a pasta, as forças policiais “utilizaram o reforço operacional de forma direcionada, com planejamento estratégico baseado no uso de inteligência policial e geoprocessamento de dados”.