GUARUJÁ - Vista da Praia de Pernambuco, a Ilha dos Arvoredos foi um mistério para turistas e moradores do Guarujá por décadas. Histórias e lendas até hoje envolvem o local, que começou a ser transformado em paraíso parcialmente autossustentável há 70 anos, em meio a experimentos diversos do engenheiro Fernando Eduardo Lee, morto em 1994. Parte das intervenções pode ser vista pela primeira vez pelo público em geral desde outubro, com a implementação de um passeio ecoturístico inédito, com saídas nos fins de semana.
O espaço já teve diversos nomes, como Ilha Encantada, Ilha do Sonho, Ilha do Arvoredo (no singular) e Shangri-Lee (referência à paradisíaca Shangri-lá criada pelo escritor James Hilton). Ele é originalmente uma grande rocha de 36 mil metros quadrados, que recebeu intervenções de engenharia e com plantas, areia e árvores de diferentes partes do mundo, para adaptação às intempéries marítimas e ampliação da vegetação. O engenheiro fez experimentos com piscicultura, criação de outros animais exóticos e tecnologias para a autossustentabilidade, como captação de energia solar e eólica, armazenamento de água da chuva (em caixas d’água invisíveis, em locais dinamitados e cobertos por vegetação) e compostagem.
Ao todo, são 97 obras de engenharia de portes variados, que incluem uma piscina de água salgada (que enchia a depender da maré), uma adega climatizada pelo vento e um acesso para pessoas em uma gaiola puxada por um guindaste anexado a uma fênix gigante de concreto armado. O acesso mais usado hoje é por uma rampa móvel. Parte dos espaços está incluída na visitação, enquanto outros (como a oficina em formato de embarcação e o farol) seguem com o acesso interno restrito, pois ainda dependem de obras de adaptação (como colocação de corrimões, por exemplo) e recuperação de danos.
O tour aborda tanto aspectos históricos da ilha quanto voltados à sustentabilidade. Também são lembradas curiosidades que dão ares dignos de ficção, como o anúncio de Lee nos classificados de um jornal atrás de vaga-lumes para iluminação da ilha, os tiros de canhão que anunciavam recém-chegados, a visita de um astronauta norte-americano, as referências a um leão (signo do engenheiro) em diferentes pontos e outras tantas. As histórias envolvendo a ilha também inspiraram a novela Vende-se um Véu de Noiva, que estreou no SBT em 2009. Embora rebatize o local como “Ilha do Profeta”, a trama faz referências a Lee, cujo legado científico é seguido por um dos personagens principais.
A atmosfera fantástica também é compartilhada pelos guardiões da ilha. Um dos mais antigos é Cleudson de Almeida Gomes, conhecido como Padeiro, de 42 anos. Desde os 21 anos, ele é como um zelador local, fazendo de tudo, desde conduzir embarcações até o manejo de animais e vegetação, incluindo algumas que diz ter plantado, como uma mangueira. Há mais de dez anos, teve de viver sozinho por 15 dias na ilha, por causa de intempéries climáticas. A situação deu origem a mais uma das lendas do local, de que depois somente conseguia dormir em casa se jogassem água na janela – que ele admite não ter ocorrido. Nascido em Minas, Padeiro só foi ver o mar quando chegou ao Guarujá e, sobre a ilha, resume: “aqui é um lugar encantado.”
A visita faz parte do projeto Mundo Sustentável e foi elaborada a partir da tese de doutorado de Priscilla Maria Bonini Ribeiro, diretora do câmpus Guarujá da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) e ligada à Fundação Fernando Eduardo Lee (FFEL), instituições responsáveis pelas atividades na ilha e recuperação do acervo de Lee, em parceria com o Instituto Nova Maré. Ela é autora do livro Ilha dos Arvoredos – Paraíso da Sustentabilidade (Editora Comunicar), com lançamento estimado para fevereiro. Para a educadora, Lee era um grande idealista, à frente do seu tempo, que transformou a ilha em um laboratório a céu aberto. Ela argumenta que o engenheiro buscou a autossuficiência em um momento em que o termo “sustentabilidade” não era difundido e não havia carência de recursos naturais, como hoje.
Priscilla descreve a ilha como um patrimônio, que merece ser reconhecido como marco da sustentabilidade em nível internacional. Também costuma destacar estudos feitos no local por pesquisadores da Unaerp e cientistas visitantes. “É a primeira vez que está sendo aberta a turistas. Anteriormente o movimento era de pesquisadores”, diz. Os planos para expansão são variados, incluindo a criação de passeios por outros meios de locomoção, como caiaque e banana boat, e a realização de aulas de mergulho na piscina salgada, dentre outros. A criação de um aplicativo também é prevista, a depender da captação de recursos por meio das visitas e passeios.
No local, é possível avistar parte da orla do Guarujá, especialmente da Praia de Pernambuco, a mais próxima, a cerca de 1,6 quilômetro. Em trechos mais próximos da ilha, o mar tinha dois tons de azul no dia da visita da equipe do Estadão. O custo do passeio é de R$ 230, com transporte, destinado à manutenção da ilha.
Como visitar a Ilha dos Arvoredos, no Guarujá:
Dias: sábados e domingos, 9h30, 11h30 e 13h30 Valor: R$ 230, com opção de meia entrada Bilheteria: bileto.sympla.com.br/event/68900 Duração: cerca de 2h40 Descrição: passeio de barco, orientação sobre animais marinhos e tour pela ilha Saída do passeio: Estrada Bertioga, 1.946, km 7, Praia do Perequê Mais informações: contato@inmar.org.br ou (13) 99611-0982 Recomendações: roupas leves e calçados confortáveis (que possam ser molhados no embarque/desembarque), embalagem para guardar eletrônicos durante percurso no mar, protetor solar e água potável. Observações: não há venda de alimentos e bebidas na ilha. Caminhada inclui subidas com escadarias (sem acessibilidade). Não são permitidas crianças com menos de 1,2 metro de altura. Agendamento para grupos é permitido nos demais dias, por R$ 3.150