Primeira igreja ortodoxa do Brasil, a Igreja Ortodoxa Antioquina da Anunciação à Nossa Senhora está entre os imóveis atingidos em um incêndio iniciado na noite de domingo, 10, na região da Rua 25 de Março, no centro de São Paulo. De 1904, o templo religioso é tombado na esfera municipal desde 2007, junto a outras edificações do chamado “Centro Velho”, e é um marco da imigração sírio-libanesa no País.
Segundo o Corpo de Bombeiros, o incêndio estava em fase de rescaldo ao menos até as 17 horas desta segunda-feira, 11. De acordo com o capitão André Elias, porta-voz da corporação, o depósito e o mezanino da igreja foram bastante destruídos. O templo religioso fica na Rua Cavalheiro Basílio Jafet, 115, e realizava missas semanais nas manhãs de quarta-feira.
Membros da comunidade religiosa tiveram autorização especial para retirar ícones e objetos litúrgicos e, segundo eles, o altar não foi afetado. Sacerdote da Catedral Ortodoxa Antioquina, o padre Gregório Teodoro disse ao Estadão que o momento é de acompanhamento dos trabalhos do Corpo de Bombeiros, para futura avaliação da segurança e danos do local. Ele também ressaltou que o fogo começou em uma edificação vizinha, não no templo religioso.
Em rede social, a página da igreja postou fotos das áreas internas após o incêndio, com estruturas colapsadas, danos à escada em espiral e ao mobiliário parcialmente atingido. “Infelizmente o estrago foi grande”, lamenta.
Igreja ressignificou a 25 de Março e é marco da história sírio-libanesa no País
A igreja foi erguida com recursos de imigrantes sírios e libaneses a partir de 1902, segundo informações da instituição. Duas décadas antes, em janeiro de 1897, uma missa em um salão na Rua 25 de Março teria sido a primeira da religião na América do Sul. A maior parte da comunidade local vivia e mantinha comércios de objetos e tecidos na região, que atraía movimentação de clientes por ficar no caminho entre as estações de trem e o Mercado Municipal.
“A igreja é um testemunho desse momento central, dessa fase inicial da vida desses imigrantes na cidade de São Paulo”, avalia o historiador Renato Brancaglione Cristofi, que estudou História da cidade e imigração árabe no mestrado, pela USP. “Nem todos eram ortodoxos, mas a grande maioria eram cristãos.”
Ele aponta que a própria escolha do nome da igreja foi um gesto de ressignificação, pois a “Ascensão de Nossa Senhora” é celebrada pelos cristãos ortodoxos em 25 de Março, enquanto o nome da região se refere originalmente ao "Dia da Constituição", data de assinatura da primeira carta constitucional, por D. Pedro I. “A igreja marca a ressignificação desse lugar na cidade, da 25 de Março dos ortodoxos.”
A igreja passou por diferentes transformações. Décadas atrás, o campanário e a torre originais foram modificados para a construção de seis pavimentos de salas comerciais. Com a mudança, passou a ser um edifício majoritariamente comercial, dividindo o térreo com lojas. A entrada hoje tem adornos, vitrais e uma grande porta de madeira. A rua, originalmente chamada Itobi, também foi redenominada para Cavalheiro Basílio Jafet, em homenagem ao empresário de origem libanesa.
Nas primeiras décadas do século 20, também foi um importante espaço de encontro da comunidade local. Mestra em Estudos Árabes pela USP, Juliana Mouawad Khouri aponta que diversas instituições ligadas a sírio e libaneses foram criadas no local, como o Hospital Sírio-Libanês, fundado no salão paroquial, por exemplo. “Naquela época ainda não tinha clubes e outros pontos de encontro. Era lá onde o pessoal se apresentava um para o outro, onde havia diversas reuniões. Tinha essa função social importante”, diz.
A igreja seguiu como um espaço de memória e referência mesmo após a inauguração da Catedral Ortodoxa Metropolitana, no Paraíso, em 1954, sede da diocese da religião em todo País. Com ascendência sírio-libanesa, Juliana conta que o incêndio comoveu a comunidade local. “Mexe com as pessoas. A maior parte da colônia passou pela região da 25 de Março e tem uma afetividade com a igreja.”
Anos atrás, o templo teve o sino original retirado e transferido para a Catedral Metropolitana Ortodoxa, a fim de ser exposto, segundo a instituição. Em 2016, esteve na agenda do patriarca ortodoxo russo Kirill ao Brasil.
A igreja é tombada no nível de proteção P-2, que “corresponde a bens de grande interesse histórico, arquitetônico ou paisagístico”, segundo a resolução de preservação municipal. Por isso, deve manter integralmente as características externas e parte das internas.