Indenização por falta de energia: o que clientes da Enel em SP têm conseguido na Justiça?


Valores variam entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, de acordo com os danos sofridos; presidente da empresa diz que indenizações serão tratadas ‘caso a caso’

Por Isabela Moya
Atualização:

Uma família da capital paulista ficou quase 97 horas sem energia no apagão de novembro de 2023 e entrou na Justiça contra a Enel por danos morais e para reaver o prejuízo. A mãe e os filhos perderam tudo que estava na geladeira e precisaram se deslocar para a casa de pessoas próximas para tomar banho com água quente. Um dos filhos, que faz home office, não conseguiu trabalhar. Também tiveram de comprar gelo para tentar manter alguns alimentos e, após a interrupção de energia, um freezer e um computador apresentaram defeito, gerando um prejuízo calculado em R$ 1.355. Em segunda instância, a empresa foi condenada a pagar R$ 5.000 em danos morais e a reembolsar o valor dos prejuízos.

Assim como essa família, outras que também foram prejudicadas pela interrupção de energia elétrica no apagão de novembro de 2023 entraram na Justiça contra a Enel. Entre os clientes de uma startup que oferece consultoria para prejudicados por empresas de energia elétrica, a Religa.me, há consumidores que conseguiram indenizações entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, segundo a empresa. Os valores variam de acordo com os danos sofridos, e podem ser ainda maiores em casos envolvendo estabelecimentos de comércio ou serviços que tenham incorrido em danos materiais elevados. É fundamental que os consumidores guardem a documentação (como nota fiscal, por exemplo) e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados.

A Enel informa que os clientes podem ingressar com pedidos de ressarcimento de danos elétricos no app, no site da companhia, por telefone (0800 72 72 120) ou presencialmente em qualquer loja de atendimento.

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O presidente da companhia, Guilherme Lencastre, afirmou, em entrevista à GloboNews, que a indenização aos moradores da cidade de São Paulo e região metropolitana que ficaram sem energia durante dias será tratada “caso a caso”. Ele pediu que os clientes façam a solicitação por meio dos canais de comunicação da Enel.

“Nós também estamos acelerando o processo de indenização com relação aos danos elétricos. A gente vai analisar caso a caso, depois, em relação a outras situações”, disse Lencastre. “A gente precisa identificar o cliente, saber o que aconteceu e fazer a análise”, acrescentou, sem dar prazo para essa indenização ser realizada.

Restaurante sem energia elétrica na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, na zona oeste da capital. Foto: Werther Santana/Estadão
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O movimento de ações judiciais contra a Enel pode se repetir após o apagão recente, que teve início na sexta-feira, 11. Mais de uma semana depois, ainda tinha gente sem luz na capital.

Não há dados oficiais de quantos processos foram movidos contra a Enel especificamente pelos apagões e qual o porcentual de clientes que conseguiram indenização, mas um levantamento do Escavador, empresa de dados jurídicos, mostra uma crescente no número de processos contra a companhia no Estado de São Paulo. Em 2020, foram protocolados 2.465 ações contra a Enel. Em 2021, o número subiu para 3.739 e, em 2022, para 5.902. Já em 2023, alcançou o pico de 8.536 processos. Em 2024, até o momento, somam-se 3.639 ações.

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A resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula o setor de energia elétrica, determina que as empresas devem restabelecer o serviço, em caso de interrupção, em até 24 horas em áreas urbanas e 48 horas em áreas rurais (no último apagão, alguns locais da capital chegaram a ficar 6 dias sem luz). A regra diz que os consumidores prejudicados podem buscar compensações diretamente com a empresa, que podem ser feitas em descontos na fatura, por exemplo.

Quando os consumidores não conseguem retornos administrativamente, isto é, por meio de um acordo direto com a companhia, alguns partem para a via judicial. O perfil mais frequente dos processos que passam pela Religa.me é por fornecimento de energia elétrica (interrupções superiores a 24 horas, corte de luz indevido ou sem aviso e demora para religar a luz após pagamento de débitos, por exemplo) e indenização por dano moral. Há ainda pedidos de indenização por danos materiais.

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Danos comprovados

O professor de Direito da FGV-SP, Fernando Erbelin, diz que nos julgamentos referentes ao apagão de novembro de 2023 no Tribunal de Justiça de São Paulo, a tendência das decisões é no sentido de ressarcimento aos consumidores por danos devidamente comprovados e indenização por danos morais na situações em que a falta de fornecimento de energia perdurou por períodos mais longos, como quatro ou cinco dias.

“Os principais argumentos (para as indenizações) são danos a aparelhos elétricos, transtornos decorrentes da falta de prestação do serviço essencial e perecimento de produtos na geladeira. A maior parte dos casos se refere a pessoas físicas”, diz o advogado especialista em direito do consumidor.

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No caso de pessoas físicas, as ações muitas vezes têm foco nos danos morais sofridos pela interrupção do serviço, segundo Raquel Lima, diretora da Religa.me. Como exemplo ela cita casos de pessoas que precisam de aparelhos que necessitam de energia elétrica e afetam a saúde dos moradores, como aconteceu com Luciane Nietto, moradora de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, cuja filha tem uma doença rara e precisa de um respirador de forma ininterrupta. A mãe chegou a ligar o aparelho da filha no acendedor de cigarro do carro e a fazer um “gato” no vizinho para ter energia para manter a filha viva. A família pensa, agora, em entrar na Justiça.

“Eles (Enel) não estão conseguindo cumprir esse prazo de 24 horas. Então, a partir disso, essa discussão vai para o Judiciário. A jurisprudência tem sido favorável, porque a gente está falando de um direito essencial, energia é um bem essencial. Então, os transtornos são muito grandes, acaba que fica muito fácil demonstrar no Judiciário todos os transtornos”, diz Lima.

Ela afirma que os casos em que as decisões não estão sendo dadas em favor dos clientes costumam ter relação com interrupções não muito superiores a 24 horas. “A resolução fala em 24 horas, então se a empresa religou em 30 horas, pode ser que o juiz interprete que é compreensível e que isso não obriga a empresa a indenizar o consumidor”, explica.

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Erbelin acrescenta que, em alguns casos, não são concedidos os pedidos de indenização por danos morais porque a Justiça entende que estes não teriam sido comprovados pelos consumidores ou que a interrupção da energia não extrapolou um período razoável. “Também há situações em que os danos não são demonstrados - por exemplo, consumidores não conseguem demonstrar o prejuízo decorrente de perecimento de alimentos na geladeira, ou não fica claro o nexo causal entre a interrupção de energia e os danos a aparelhos elétricos”, diz o advogado.

Setores mais afetados

Dentre as empresas, o setor de bares e restaurantes foi um dos mais afetados pelo apagão. Trabalhadores do ramo relatam não apenas a perda de alimentos perecíveis, como prejuízos pela impossibilidade de atender os clientes durante o final de semana, justamente os dias mais movimentados para esses estabelecimentos.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel SP) ajuizou uma nova ação contra a Enel exigindo que a concessionária indenize os bares e restaurantes da capital paulista pelos prejuízos causados pela falta de energia. A entidade já havia entrado com processo contra a empresa no apagão de novembro do ano passado, o qual ainda não teve uma decisão.

A capital tem cerca de 155 mil estabelecimentos do setor, dentre os quais metade foi afetada pelo apagão, com perda mínima de cerca de R$ 10 mil cada, estima a associação. O dano moral pleiteado pela entidade é de R$ 20 mil por restaurante ou bar associado, e o dano financeiro será calculado para cada estabelecimento, podendo chegar a R$ 50 mil.

“Pode-se até admitir que a energia seja interrompida na sexta-feira por algumas horas, em alguns bairros, em decorrência da tempestade, mas é inaceitável que o serviço seja interrompido por longo período, afetando grande parte da cidade, como já aconteceu anteriormente”, diz o advogado e diretor da Abrasel SP, Percival Maricato.

Comerciantes tiveram de funcionar no escuro por causa da falta de energia. Foto: Werther Santana/Estadão

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) também quer responsabilizar na Justiça a Enel pelos prejuízos causados pelo apagão. A entidade representa mais de 502 mil estabelecimentos do setor, dos quais metade está na área afetada pela falta de luz. Em novembro do ano passado, o blecaute que atingiu a região metropolitana de São Paulo provocou para o setor um prejuízo de R$ 500 milhões, de acordo com cálculos da Fhoresp.

Clínicas odontológicas, de estética e cabeleireiros também são outros setores bastante afetados em casos de interrupção de energia, cita Lima.

A FecomércioSP estima que, entre sexta e terça-feira, as perdas de faturamento bruto de todo o setor de comércio e serviços da capital paulista somaram pelo menos R$ 1,82 bilhão. Nos cálculos da entidade, o setor mais prejudicado é o de serviços, com uma perda de receitas estimada em R$ 1,23 bilhão. São, em média, R$ 246 milhões perdidos a cada dia sem energia.

Os prejuízos mais significativos foram contabilizados no Dia das Crianças (sábado, 12), uma das datas mais relevantes do calendário comercial do País. Na ocasião, as empresas de serviços deixaram de faturar cerca de R$ 442,3 milhões.

Na análise da FecomercioSP, os impactos negativos da falta de energia elétrica devem ser ainda maiores, já que não entraram na conta todos os prejuízos causados pelas perdas de estoques, por exemplo, ou os custos fixos que se mantiveram mesmo sem as receitas. “No limite, as perdas totais do varejo e dos serviços devem aumentar conforme esses cálculos forem feitos – e cuja recuperação pode levar meses”, afirma.

Comércio fechado na zona oeste da capital; forte chuva derrubou centenas de árvores e deixou dezenas de bairros sem energia elétrica. Foto: Werther Santana/Estadao

Além das indenizações, a Enel foi multada pela Aneel em R$ 165 milhões pelo apagão de novembro de 2023, mas a empresa conseguiu uma decisão favorável na Justiça para não realizar o pagamento da multa.

Fora de São Paulo

A Enel tem um histórico de problemas em outras regiões do País. Em Goiás, após sucessivos apagões que resultaram em prejuízos para produtores rurais e desassistência à população, a companhia foi praticamente “expulsa” pelo governo do Estado, que mobilizou o Ministério Público Federal, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel para encerrar a atividade da empresa em solo goiano.

No Rio, o Ministério Público Estadual abriu ações contra a empresa por problemas que se repetem no fornecimento de energia em cidades onde há apagões e demora em restabelecer o serviço e falta de prazos.

As intercorrências da empresa ocorrem também na Região Nordeste. No Ceará, a Assembleia Legislativa do Estado (Alece) e o Ministério Público (MP-CE) adotaram medidas contra a Enel desde 2019. Os apagões têm prejudicado o comércio e o setor de turismo, mas também a área da saúde. Os fatos são descritos no relatório da CPI da Enel, publicado em maio deste ano. Os parlamentares pedem a caducidade do contrato.

Até mesmo fora do País, no Chile, a companhia também tem sido questionada pelas autoridades. Em agosto, o presidente chileno Gabriel Boric determinou que sua equipe reveja a concessão da empresa após um grande apagão.

O que fazer em caso de prejuízos pela falta de energia?

As ações variam de acordo com os danos causados pelo apagão e com a natureza de pessoa física ou jurídica. Pessoas físicas costumam ter maiores danos morais, enquanto para as empresas pesam mais os danos materiais, de acordo com Raquel Lima, da Religa.me.

É possível, em ambos os casos, tentar conseguir uma indenização tanto pela via administrativa, quanto judicialmente. E é sempre necessário juntar provas que demonstrem os prejuízos morais e materiais causados.

Porém, na percepção da diretora da startup, que auxilia, por meio da plataforma, os clientes nos processos de seleção de documentos tanto para entrarem com processo administrativos quanto judiciais, os meios “amigáveis” não estão tendo sucesso e, por isso, muitos clientes acabam recorrendo à justiça.

Já a Fecomércio orienta as empresas que esgotem os canais administrativos: pelos próprios canais da Enel, assim como pela Aneel e pelo Procon. “Na impossibilidade de resolver o problema, a empresa deverá avaliar os custos a serem despendidos com a ação judicial e os prejuízos econômicos sofridos com a falta de energia, cabendo à empresa decidir, com base nos custos x benefícios, ingressar (ou não) com a ação judicial”, explica a entidade.

Via administrativa

Para as pessoas e empresas que não desejam enfrentar um processo judicial (ou para as que desejam tentar a via administrativa antes), é preciso registrar formalmente uma reclamação perante a Enel, pelo telefone ou canais digitais. É possível, ainda, buscar a ouvidoria da empresa.

Caso não tenha retorno, deve-se procurar a Aneel com o número do protocolo da reclamação inicial em mãos. Se, mesmo assim, nenhum canal funcionar, a solução, então, pode ser um órgão de defesa do consumidor, como o Procon.

“Além de servir como documento oficial da queixa, em uma eventual ação jurídica, a via administrativa pode fornecer respostas mais rápidas”, diz a Fecomercio.

“É importante ressaltar que os pedidos de ressarcimento – tanto pela via administrativa quanto judicial – devem ser acompanhados de provas dos danos apontados, como fotografias, registros, documentos, relatórios de perda de receitas”, lembra a entidade.

O Procon ressalta que é direito do consumidor que a concessionária de energia elétrica faça um abatimento na conta mensal proporcional ao tempo em que o serviço deixou de ser prestado. Isso, inclusive, deve ser feito de forma automática, sem que o consumidor precise solicitar.

O Procon-SP orienta que os consumidores que perderam alimentos ou medicamentos guardem a documentação – como nota fiscal, rótulos e receitas no caso de medicamentos, por exemplo – e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados. Especificamente quanto aos aparelhos danificados, a orientação é, após registrar sua reclamação com a empresa, aguardar a vistoria.

Via judicial

Para entrar com um processo judicial, também é preciso juntar documentos, fotos, vídeos, recibos e notas fiscais que comprovem os prejuízos, além de já ter uma reclamação formal junto à distribuidora.

Os processos costumam demorar de 9 a 12 meses. “As indenizações vêm ao conseguir demonstrar esse transtorno que o consumidor passou: às vezes ele e a família têm criança, tem idoso, pessoas que moram em prédios muito altos, precisam descer 20 lances de escada por dia para conseguir se alimentar, porque precisa comprar comida fora”, exemplifica Raquel Lima, no caso de pessoas físicas. “Ou então, eletrodomésticos ou equipamentos de saúde que foram danificados.”

Já no caso de empresas, os comerciantes poderiam pleitear: ressarcimento de danos decorrentes de aparelhos queimados ou danificados, perecimento de mercadoria e lucros cessantes pelo período em que o estabelecimento não funcionou, cita Erbelin. “Neste caso, contudo, as provas devem ser mais robustas: o comerciante deve demonstrar que, de fato, não tinha condições de funcionar sem energia elétrica, que o período em que houve o corte foi maior do que aquele que seria razoável dadas as circunstâncias climáticas”, explica o advogado.

Raquel Lima menciona o caso de uma clínica de estética que aluga equipamentos para atender a sua agenda. “Esses equipamentos são muito caros e uma empresa dessa que ficou três, quatro, cinco dias sem luz, perdeu todos aqueles contratos, perdeu todos os atendimentos e o faturamento foi prejudicado. Então, a gente tem que demonstrar também o prejuízo do faturamento para pedir a recuperação e a indenização em danos materiais, e a empresa fazer o ressarcimento do problema no faturamento que ela causou”, completa.

Uma família da capital paulista ficou quase 97 horas sem energia no apagão de novembro de 2023 e entrou na Justiça contra a Enel por danos morais e para reaver o prejuízo. A mãe e os filhos perderam tudo que estava na geladeira e precisaram se deslocar para a casa de pessoas próximas para tomar banho com água quente. Um dos filhos, que faz home office, não conseguiu trabalhar. Também tiveram de comprar gelo para tentar manter alguns alimentos e, após a interrupção de energia, um freezer e um computador apresentaram defeito, gerando um prejuízo calculado em R$ 1.355. Em segunda instância, a empresa foi condenada a pagar R$ 5.000 em danos morais e a reembolsar o valor dos prejuízos.

Assim como essa família, outras que também foram prejudicadas pela interrupção de energia elétrica no apagão de novembro de 2023 entraram na Justiça contra a Enel. Entre os clientes de uma startup que oferece consultoria para prejudicados por empresas de energia elétrica, a Religa.me, há consumidores que conseguiram indenizações entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, segundo a empresa. Os valores variam de acordo com os danos sofridos, e podem ser ainda maiores em casos envolvendo estabelecimentos de comércio ou serviços que tenham incorrido em danos materiais elevados. É fundamental que os consumidores guardem a documentação (como nota fiscal, por exemplo) e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados.

A Enel informa que os clientes podem ingressar com pedidos de ressarcimento de danos elétricos no app, no site da companhia, por telefone (0800 72 72 120) ou presencialmente em qualquer loja de atendimento.

O presidente da companhia, Guilherme Lencastre, afirmou, em entrevista à GloboNews, que a indenização aos moradores da cidade de São Paulo e região metropolitana que ficaram sem energia durante dias será tratada “caso a caso”. Ele pediu que os clientes façam a solicitação por meio dos canais de comunicação da Enel.

“Nós também estamos acelerando o processo de indenização com relação aos danos elétricos. A gente vai analisar caso a caso, depois, em relação a outras situações”, disse Lencastre. “A gente precisa identificar o cliente, saber o que aconteceu e fazer a análise”, acrescentou, sem dar prazo para essa indenização ser realizada.

Restaurante sem energia elétrica na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, na zona oeste da capital. Foto: Werther Santana/Estadão

O movimento de ações judiciais contra a Enel pode se repetir após o apagão recente, que teve início na sexta-feira, 11. Mais de uma semana depois, ainda tinha gente sem luz na capital.

Não há dados oficiais de quantos processos foram movidos contra a Enel especificamente pelos apagões e qual o porcentual de clientes que conseguiram indenização, mas um levantamento do Escavador, empresa de dados jurídicos, mostra uma crescente no número de processos contra a companhia no Estado de São Paulo. Em 2020, foram protocolados 2.465 ações contra a Enel. Em 2021, o número subiu para 3.739 e, em 2022, para 5.902. Já em 2023, alcançou o pico de 8.536 processos. Em 2024, até o momento, somam-se 3.639 ações.

A resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula o setor de energia elétrica, determina que as empresas devem restabelecer o serviço, em caso de interrupção, em até 24 horas em áreas urbanas e 48 horas em áreas rurais (no último apagão, alguns locais da capital chegaram a ficar 6 dias sem luz). A regra diz que os consumidores prejudicados podem buscar compensações diretamente com a empresa, que podem ser feitas em descontos na fatura, por exemplo.

Quando os consumidores não conseguem retornos administrativamente, isto é, por meio de um acordo direto com a companhia, alguns partem para a via judicial. O perfil mais frequente dos processos que passam pela Religa.me é por fornecimento de energia elétrica (interrupções superiores a 24 horas, corte de luz indevido ou sem aviso e demora para religar a luz após pagamento de débitos, por exemplo) e indenização por dano moral. Há ainda pedidos de indenização por danos materiais.

Danos comprovados

O professor de Direito da FGV-SP, Fernando Erbelin, diz que nos julgamentos referentes ao apagão de novembro de 2023 no Tribunal de Justiça de São Paulo, a tendência das decisões é no sentido de ressarcimento aos consumidores por danos devidamente comprovados e indenização por danos morais na situações em que a falta de fornecimento de energia perdurou por períodos mais longos, como quatro ou cinco dias.

“Os principais argumentos (para as indenizações) são danos a aparelhos elétricos, transtornos decorrentes da falta de prestação do serviço essencial e perecimento de produtos na geladeira. A maior parte dos casos se refere a pessoas físicas”, diz o advogado especialista em direito do consumidor.

No caso de pessoas físicas, as ações muitas vezes têm foco nos danos morais sofridos pela interrupção do serviço, segundo Raquel Lima, diretora da Religa.me. Como exemplo ela cita casos de pessoas que precisam de aparelhos que necessitam de energia elétrica e afetam a saúde dos moradores, como aconteceu com Luciane Nietto, moradora de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, cuja filha tem uma doença rara e precisa de um respirador de forma ininterrupta. A mãe chegou a ligar o aparelho da filha no acendedor de cigarro do carro e a fazer um “gato” no vizinho para ter energia para manter a filha viva. A família pensa, agora, em entrar na Justiça.

“Eles (Enel) não estão conseguindo cumprir esse prazo de 24 horas. Então, a partir disso, essa discussão vai para o Judiciário. A jurisprudência tem sido favorável, porque a gente está falando de um direito essencial, energia é um bem essencial. Então, os transtornos são muito grandes, acaba que fica muito fácil demonstrar no Judiciário todos os transtornos”, diz Lima.

Ela afirma que os casos em que as decisões não estão sendo dadas em favor dos clientes costumam ter relação com interrupções não muito superiores a 24 horas. “A resolução fala em 24 horas, então se a empresa religou em 30 horas, pode ser que o juiz interprete que é compreensível e que isso não obriga a empresa a indenizar o consumidor”, explica.

Erbelin acrescenta que, em alguns casos, não são concedidos os pedidos de indenização por danos morais porque a Justiça entende que estes não teriam sido comprovados pelos consumidores ou que a interrupção da energia não extrapolou um período razoável. “Também há situações em que os danos não são demonstrados - por exemplo, consumidores não conseguem demonstrar o prejuízo decorrente de perecimento de alimentos na geladeira, ou não fica claro o nexo causal entre a interrupção de energia e os danos a aparelhos elétricos”, diz o advogado.

Setores mais afetados

Dentre as empresas, o setor de bares e restaurantes foi um dos mais afetados pelo apagão. Trabalhadores do ramo relatam não apenas a perda de alimentos perecíveis, como prejuízos pela impossibilidade de atender os clientes durante o final de semana, justamente os dias mais movimentados para esses estabelecimentos.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel SP) ajuizou uma nova ação contra a Enel exigindo que a concessionária indenize os bares e restaurantes da capital paulista pelos prejuízos causados pela falta de energia. A entidade já havia entrado com processo contra a empresa no apagão de novembro do ano passado, o qual ainda não teve uma decisão.

A capital tem cerca de 155 mil estabelecimentos do setor, dentre os quais metade foi afetada pelo apagão, com perda mínima de cerca de R$ 10 mil cada, estima a associação. O dano moral pleiteado pela entidade é de R$ 20 mil por restaurante ou bar associado, e o dano financeiro será calculado para cada estabelecimento, podendo chegar a R$ 50 mil.

“Pode-se até admitir que a energia seja interrompida na sexta-feira por algumas horas, em alguns bairros, em decorrência da tempestade, mas é inaceitável que o serviço seja interrompido por longo período, afetando grande parte da cidade, como já aconteceu anteriormente”, diz o advogado e diretor da Abrasel SP, Percival Maricato.

Comerciantes tiveram de funcionar no escuro por causa da falta de energia. Foto: Werther Santana/Estadão

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) também quer responsabilizar na Justiça a Enel pelos prejuízos causados pelo apagão. A entidade representa mais de 502 mil estabelecimentos do setor, dos quais metade está na área afetada pela falta de luz. Em novembro do ano passado, o blecaute que atingiu a região metropolitana de São Paulo provocou para o setor um prejuízo de R$ 500 milhões, de acordo com cálculos da Fhoresp.

Clínicas odontológicas, de estética e cabeleireiros também são outros setores bastante afetados em casos de interrupção de energia, cita Lima.

A FecomércioSP estima que, entre sexta e terça-feira, as perdas de faturamento bruto de todo o setor de comércio e serviços da capital paulista somaram pelo menos R$ 1,82 bilhão. Nos cálculos da entidade, o setor mais prejudicado é o de serviços, com uma perda de receitas estimada em R$ 1,23 bilhão. São, em média, R$ 246 milhões perdidos a cada dia sem energia.

Os prejuízos mais significativos foram contabilizados no Dia das Crianças (sábado, 12), uma das datas mais relevantes do calendário comercial do País. Na ocasião, as empresas de serviços deixaram de faturar cerca de R$ 442,3 milhões.

Na análise da FecomercioSP, os impactos negativos da falta de energia elétrica devem ser ainda maiores, já que não entraram na conta todos os prejuízos causados pelas perdas de estoques, por exemplo, ou os custos fixos que se mantiveram mesmo sem as receitas. “No limite, as perdas totais do varejo e dos serviços devem aumentar conforme esses cálculos forem feitos – e cuja recuperação pode levar meses”, afirma.

Comércio fechado na zona oeste da capital; forte chuva derrubou centenas de árvores e deixou dezenas de bairros sem energia elétrica. Foto: Werther Santana/Estadao

Além das indenizações, a Enel foi multada pela Aneel em R$ 165 milhões pelo apagão de novembro de 2023, mas a empresa conseguiu uma decisão favorável na Justiça para não realizar o pagamento da multa.

Fora de São Paulo

A Enel tem um histórico de problemas em outras regiões do País. Em Goiás, após sucessivos apagões que resultaram em prejuízos para produtores rurais e desassistência à população, a companhia foi praticamente “expulsa” pelo governo do Estado, que mobilizou o Ministério Público Federal, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel para encerrar a atividade da empresa em solo goiano.

No Rio, o Ministério Público Estadual abriu ações contra a empresa por problemas que se repetem no fornecimento de energia em cidades onde há apagões e demora em restabelecer o serviço e falta de prazos.

As intercorrências da empresa ocorrem também na Região Nordeste. No Ceará, a Assembleia Legislativa do Estado (Alece) e o Ministério Público (MP-CE) adotaram medidas contra a Enel desde 2019. Os apagões têm prejudicado o comércio e o setor de turismo, mas também a área da saúde. Os fatos são descritos no relatório da CPI da Enel, publicado em maio deste ano. Os parlamentares pedem a caducidade do contrato.

Até mesmo fora do País, no Chile, a companhia também tem sido questionada pelas autoridades. Em agosto, o presidente chileno Gabriel Boric determinou que sua equipe reveja a concessão da empresa após um grande apagão.

O que fazer em caso de prejuízos pela falta de energia?

As ações variam de acordo com os danos causados pelo apagão e com a natureza de pessoa física ou jurídica. Pessoas físicas costumam ter maiores danos morais, enquanto para as empresas pesam mais os danos materiais, de acordo com Raquel Lima, da Religa.me.

É possível, em ambos os casos, tentar conseguir uma indenização tanto pela via administrativa, quanto judicialmente. E é sempre necessário juntar provas que demonstrem os prejuízos morais e materiais causados.

Porém, na percepção da diretora da startup, que auxilia, por meio da plataforma, os clientes nos processos de seleção de documentos tanto para entrarem com processo administrativos quanto judiciais, os meios “amigáveis” não estão tendo sucesso e, por isso, muitos clientes acabam recorrendo à justiça.

Já a Fecomércio orienta as empresas que esgotem os canais administrativos: pelos próprios canais da Enel, assim como pela Aneel e pelo Procon. “Na impossibilidade de resolver o problema, a empresa deverá avaliar os custos a serem despendidos com a ação judicial e os prejuízos econômicos sofridos com a falta de energia, cabendo à empresa decidir, com base nos custos x benefícios, ingressar (ou não) com a ação judicial”, explica a entidade.

Via administrativa

Para as pessoas e empresas que não desejam enfrentar um processo judicial (ou para as que desejam tentar a via administrativa antes), é preciso registrar formalmente uma reclamação perante a Enel, pelo telefone ou canais digitais. É possível, ainda, buscar a ouvidoria da empresa.

Caso não tenha retorno, deve-se procurar a Aneel com o número do protocolo da reclamação inicial em mãos. Se, mesmo assim, nenhum canal funcionar, a solução, então, pode ser um órgão de defesa do consumidor, como o Procon.

“Além de servir como documento oficial da queixa, em uma eventual ação jurídica, a via administrativa pode fornecer respostas mais rápidas”, diz a Fecomercio.

“É importante ressaltar que os pedidos de ressarcimento – tanto pela via administrativa quanto judicial – devem ser acompanhados de provas dos danos apontados, como fotografias, registros, documentos, relatórios de perda de receitas”, lembra a entidade.

O Procon ressalta que é direito do consumidor que a concessionária de energia elétrica faça um abatimento na conta mensal proporcional ao tempo em que o serviço deixou de ser prestado. Isso, inclusive, deve ser feito de forma automática, sem que o consumidor precise solicitar.

O Procon-SP orienta que os consumidores que perderam alimentos ou medicamentos guardem a documentação – como nota fiscal, rótulos e receitas no caso de medicamentos, por exemplo – e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados. Especificamente quanto aos aparelhos danificados, a orientação é, após registrar sua reclamação com a empresa, aguardar a vistoria.

Via judicial

Para entrar com um processo judicial, também é preciso juntar documentos, fotos, vídeos, recibos e notas fiscais que comprovem os prejuízos, além de já ter uma reclamação formal junto à distribuidora.

Os processos costumam demorar de 9 a 12 meses. “As indenizações vêm ao conseguir demonstrar esse transtorno que o consumidor passou: às vezes ele e a família têm criança, tem idoso, pessoas que moram em prédios muito altos, precisam descer 20 lances de escada por dia para conseguir se alimentar, porque precisa comprar comida fora”, exemplifica Raquel Lima, no caso de pessoas físicas. “Ou então, eletrodomésticos ou equipamentos de saúde que foram danificados.”

Já no caso de empresas, os comerciantes poderiam pleitear: ressarcimento de danos decorrentes de aparelhos queimados ou danificados, perecimento de mercadoria e lucros cessantes pelo período em que o estabelecimento não funcionou, cita Erbelin. “Neste caso, contudo, as provas devem ser mais robustas: o comerciante deve demonstrar que, de fato, não tinha condições de funcionar sem energia elétrica, que o período em que houve o corte foi maior do que aquele que seria razoável dadas as circunstâncias climáticas”, explica o advogado.

Raquel Lima menciona o caso de uma clínica de estética que aluga equipamentos para atender a sua agenda. “Esses equipamentos são muito caros e uma empresa dessa que ficou três, quatro, cinco dias sem luz, perdeu todos aqueles contratos, perdeu todos os atendimentos e o faturamento foi prejudicado. Então, a gente tem que demonstrar também o prejuízo do faturamento para pedir a recuperação e a indenização em danos materiais, e a empresa fazer o ressarcimento do problema no faturamento que ela causou”, completa.

Uma família da capital paulista ficou quase 97 horas sem energia no apagão de novembro de 2023 e entrou na Justiça contra a Enel por danos morais e para reaver o prejuízo. A mãe e os filhos perderam tudo que estava na geladeira e precisaram se deslocar para a casa de pessoas próximas para tomar banho com água quente. Um dos filhos, que faz home office, não conseguiu trabalhar. Também tiveram de comprar gelo para tentar manter alguns alimentos e, após a interrupção de energia, um freezer e um computador apresentaram defeito, gerando um prejuízo calculado em R$ 1.355. Em segunda instância, a empresa foi condenada a pagar R$ 5.000 em danos morais e a reembolsar o valor dos prejuízos.

Assim como essa família, outras que também foram prejudicadas pela interrupção de energia elétrica no apagão de novembro de 2023 entraram na Justiça contra a Enel. Entre os clientes de uma startup que oferece consultoria para prejudicados por empresas de energia elétrica, a Religa.me, há consumidores que conseguiram indenizações entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, segundo a empresa. Os valores variam de acordo com os danos sofridos, e podem ser ainda maiores em casos envolvendo estabelecimentos de comércio ou serviços que tenham incorrido em danos materiais elevados. É fundamental que os consumidores guardem a documentação (como nota fiscal, por exemplo) e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados.

A Enel informa que os clientes podem ingressar com pedidos de ressarcimento de danos elétricos no app, no site da companhia, por telefone (0800 72 72 120) ou presencialmente em qualquer loja de atendimento.

O presidente da companhia, Guilherme Lencastre, afirmou, em entrevista à GloboNews, que a indenização aos moradores da cidade de São Paulo e região metropolitana que ficaram sem energia durante dias será tratada “caso a caso”. Ele pediu que os clientes façam a solicitação por meio dos canais de comunicação da Enel.

“Nós também estamos acelerando o processo de indenização com relação aos danos elétricos. A gente vai analisar caso a caso, depois, em relação a outras situações”, disse Lencastre. “A gente precisa identificar o cliente, saber o que aconteceu e fazer a análise”, acrescentou, sem dar prazo para essa indenização ser realizada.

Restaurante sem energia elétrica na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, na zona oeste da capital. Foto: Werther Santana/Estadão

O movimento de ações judiciais contra a Enel pode se repetir após o apagão recente, que teve início na sexta-feira, 11. Mais de uma semana depois, ainda tinha gente sem luz na capital.

Não há dados oficiais de quantos processos foram movidos contra a Enel especificamente pelos apagões e qual o porcentual de clientes que conseguiram indenização, mas um levantamento do Escavador, empresa de dados jurídicos, mostra uma crescente no número de processos contra a companhia no Estado de São Paulo. Em 2020, foram protocolados 2.465 ações contra a Enel. Em 2021, o número subiu para 3.739 e, em 2022, para 5.902. Já em 2023, alcançou o pico de 8.536 processos. Em 2024, até o momento, somam-se 3.639 ações.

A resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula o setor de energia elétrica, determina que as empresas devem restabelecer o serviço, em caso de interrupção, em até 24 horas em áreas urbanas e 48 horas em áreas rurais (no último apagão, alguns locais da capital chegaram a ficar 6 dias sem luz). A regra diz que os consumidores prejudicados podem buscar compensações diretamente com a empresa, que podem ser feitas em descontos na fatura, por exemplo.

Quando os consumidores não conseguem retornos administrativamente, isto é, por meio de um acordo direto com a companhia, alguns partem para a via judicial. O perfil mais frequente dos processos que passam pela Religa.me é por fornecimento de energia elétrica (interrupções superiores a 24 horas, corte de luz indevido ou sem aviso e demora para religar a luz após pagamento de débitos, por exemplo) e indenização por dano moral. Há ainda pedidos de indenização por danos materiais.

Danos comprovados

O professor de Direito da FGV-SP, Fernando Erbelin, diz que nos julgamentos referentes ao apagão de novembro de 2023 no Tribunal de Justiça de São Paulo, a tendência das decisões é no sentido de ressarcimento aos consumidores por danos devidamente comprovados e indenização por danos morais na situações em que a falta de fornecimento de energia perdurou por períodos mais longos, como quatro ou cinco dias.

“Os principais argumentos (para as indenizações) são danos a aparelhos elétricos, transtornos decorrentes da falta de prestação do serviço essencial e perecimento de produtos na geladeira. A maior parte dos casos se refere a pessoas físicas”, diz o advogado especialista em direito do consumidor.

No caso de pessoas físicas, as ações muitas vezes têm foco nos danos morais sofridos pela interrupção do serviço, segundo Raquel Lima, diretora da Religa.me. Como exemplo ela cita casos de pessoas que precisam de aparelhos que necessitam de energia elétrica e afetam a saúde dos moradores, como aconteceu com Luciane Nietto, moradora de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, cuja filha tem uma doença rara e precisa de um respirador de forma ininterrupta. A mãe chegou a ligar o aparelho da filha no acendedor de cigarro do carro e a fazer um “gato” no vizinho para ter energia para manter a filha viva. A família pensa, agora, em entrar na Justiça.

“Eles (Enel) não estão conseguindo cumprir esse prazo de 24 horas. Então, a partir disso, essa discussão vai para o Judiciário. A jurisprudência tem sido favorável, porque a gente está falando de um direito essencial, energia é um bem essencial. Então, os transtornos são muito grandes, acaba que fica muito fácil demonstrar no Judiciário todos os transtornos”, diz Lima.

Ela afirma que os casos em que as decisões não estão sendo dadas em favor dos clientes costumam ter relação com interrupções não muito superiores a 24 horas. “A resolução fala em 24 horas, então se a empresa religou em 30 horas, pode ser que o juiz interprete que é compreensível e que isso não obriga a empresa a indenizar o consumidor”, explica.

Erbelin acrescenta que, em alguns casos, não são concedidos os pedidos de indenização por danos morais porque a Justiça entende que estes não teriam sido comprovados pelos consumidores ou que a interrupção da energia não extrapolou um período razoável. “Também há situações em que os danos não são demonstrados - por exemplo, consumidores não conseguem demonstrar o prejuízo decorrente de perecimento de alimentos na geladeira, ou não fica claro o nexo causal entre a interrupção de energia e os danos a aparelhos elétricos”, diz o advogado.

Setores mais afetados

Dentre as empresas, o setor de bares e restaurantes foi um dos mais afetados pelo apagão. Trabalhadores do ramo relatam não apenas a perda de alimentos perecíveis, como prejuízos pela impossibilidade de atender os clientes durante o final de semana, justamente os dias mais movimentados para esses estabelecimentos.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel SP) ajuizou uma nova ação contra a Enel exigindo que a concessionária indenize os bares e restaurantes da capital paulista pelos prejuízos causados pela falta de energia. A entidade já havia entrado com processo contra a empresa no apagão de novembro do ano passado, o qual ainda não teve uma decisão.

A capital tem cerca de 155 mil estabelecimentos do setor, dentre os quais metade foi afetada pelo apagão, com perda mínima de cerca de R$ 10 mil cada, estima a associação. O dano moral pleiteado pela entidade é de R$ 20 mil por restaurante ou bar associado, e o dano financeiro será calculado para cada estabelecimento, podendo chegar a R$ 50 mil.

“Pode-se até admitir que a energia seja interrompida na sexta-feira por algumas horas, em alguns bairros, em decorrência da tempestade, mas é inaceitável que o serviço seja interrompido por longo período, afetando grande parte da cidade, como já aconteceu anteriormente”, diz o advogado e diretor da Abrasel SP, Percival Maricato.

Comerciantes tiveram de funcionar no escuro por causa da falta de energia. Foto: Werther Santana/Estadão

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) também quer responsabilizar na Justiça a Enel pelos prejuízos causados pelo apagão. A entidade representa mais de 502 mil estabelecimentos do setor, dos quais metade está na área afetada pela falta de luz. Em novembro do ano passado, o blecaute que atingiu a região metropolitana de São Paulo provocou para o setor um prejuízo de R$ 500 milhões, de acordo com cálculos da Fhoresp.

Clínicas odontológicas, de estética e cabeleireiros também são outros setores bastante afetados em casos de interrupção de energia, cita Lima.

A FecomércioSP estima que, entre sexta e terça-feira, as perdas de faturamento bruto de todo o setor de comércio e serviços da capital paulista somaram pelo menos R$ 1,82 bilhão. Nos cálculos da entidade, o setor mais prejudicado é o de serviços, com uma perda de receitas estimada em R$ 1,23 bilhão. São, em média, R$ 246 milhões perdidos a cada dia sem energia.

Os prejuízos mais significativos foram contabilizados no Dia das Crianças (sábado, 12), uma das datas mais relevantes do calendário comercial do País. Na ocasião, as empresas de serviços deixaram de faturar cerca de R$ 442,3 milhões.

Na análise da FecomercioSP, os impactos negativos da falta de energia elétrica devem ser ainda maiores, já que não entraram na conta todos os prejuízos causados pelas perdas de estoques, por exemplo, ou os custos fixos que se mantiveram mesmo sem as receitas. “No limite, as perdas totais do varejo e dos serviços devem aumentar conforme esses cálculos forem feitos – e cuja recuperação pode levar meses”, afirma.

Comércio fechado na zona oeste da capital; forte chuva derrubou centenas de árvores e deixou dezenas de bairros sem energia elétrica. Foto: Werther Santana/Estadao

Além das indenizações, a Enel foi multada pela Aneel em R$ 165 milhões pelo apagão de novembro de 2023, mas a empresa conseguiu uma decisão favorável na Justiça para não realizar o pagamento da multa.

Fora de São Paulo

A Enel tem um histórico de problemas em outras regiões do País. Em Goiás, após sucessivos apagões que resultaram em prejuízos para produtores rurais e desassistência à população, a companhia foi praticamente “expulsa” pelo governo do Estado, que mobilizou o Ministério Público Federal, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel para encerrar a atividade da empresa em solo goiano.

No Rio, o Ministério Público Estadual abriu ações contra a empresa por problemas que se repetem no fornecimento de energia em cidades onde há apagões e demora em restabelecer o serviço e falta de prazos.

As intercorrências da empresa ocorrem também na Região Nordeste. No Ceará, a Assembleia Legislativa do Estado (Alece) e o Ministério Público (MP-CE) adotaram medidas contra a Enel desde 2019. Os apagões têm prejudicado o comércio e o setor de turismo, mas também a área da saúde. Os fatos são descritos no relatório da CPI da Enel, publicado em maio deste ano. Os parlamentares pedem a caducidade do contrato.

Até mesmo fora do País, no Chile, a companhia também tem sido questionada pelas autoridades. Em agosto, o presidente chileno Gabriel Boric determinou que sua equipe reveja a concessão da empresa após um grande apagão.

O que fazer em caso de prejuízos pela falta de energia?

As ações variam de acordo com os danos causados pelo apagão e com a natureza de pessoa física ou jurídica. Pessoas físicas costumam ter maiores danos morais, enquanto para as empresas pesam mais os danos materiais, de acordo com Raquel Lima, da Religa.me.

É possível, em ambos os casos, tentar conseguir uma indenização tanto pela via administrativa, quanto judicialmente. E é sempre necessário juntar provas que demonstrem os prejuízos morais e materiais causados.

Porém, na percepção da diretora da startup, que auxilia, por meio da plataforma, os clientes nos processos de seleção de documentos tanto para entrarem com processo administrativos quanto judiciais, os meios “amigáveis” não estão tendo sucesso e, por isso, muitos clientes acabam recorrendo à justiça.

Já a Fecomércio orienta as empresas que esgotem os canais administrativos: pelos próprios canais da Enel, assim como pela Aneel e pelo Procon. “Na impossibilidade de resolver o problema, a empresa deverá avaliar os custos a serem despendidos com a ação judicial e os prejuízos econômicos sofridos com a falta de energia, cabendo à empresa decidir, com base nos custos x benefícios, ingressar (ou não) com a ação judicial”, explica a entidade.

Via administrativa

Para as pessoas e empresas que não desejam enfrentar um processo judicial (ou para as que desejam tentar a via administrativa antes), é preciso registrar formalmente uma reclamação perante a Enel, pelo telefone ou canais digitais. É possível, ainda, buscar a ouvidoria da empresa.

Caso não tenha retorno, deve-se procurar a Aneel com o número do protocolo da reclamação inicial em mãos. Se, mesmo assim, nenhum canal funcionar, a solução, então, pode ser um órgão de defesa do consumidor, como o Procon.

“Além de servir como documento oficial da queixa, em uma eventual ação jurídica, a via administrativa pode fornecer respostas mais rápidas”, diz a Fecomercio.

“É importante ressaltar que os pedidos de ressarcimento – tanto pela via administrativa quanto judicial – devem ser acompanhados de provas dos danos apontados, como fotografias, registros, documentos, relatórios de perda de receitas”, lembra a entidade.

O Procon ressalta que é direito do consumidor que a concessionária de energia elétrica faça um abatimento na conta mensal proporcional ao tempo em que o serviço deixou de ser prestado. Isso, inclusive, deve ser feito de forma automática, sem que o consumidor precise solicitar.

O Procon-SP orienta que os consumidores que perderam alimentos ou medicamentos guardem a documentação – como nota fiscal, rótulos e receitas no caso de medicamentos, por exemplo – e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados. Especificamente quanto aos aparelhos danificados, a orientação é, após registrar sua reclamação com a empresa, aguardar a vistoria.

Via judicial

Para entrar com um processo judicial, também é preciso juntar documentos, fotos, vídeos, recibos e notas fiscais que comprovem os prejuízos, além de já ter uma reclamação formal junto à distribuidora.

Os processos costumam demorar de 9 a 12 meses. “As indenizações vêm ao conseguir demonstrar esse transtorno que o consumidor passou: às vezes ele e a família têm criança, tem idoso, pessoas que moram em prédios muito altos, precisam descer 20 lances de escada por dia para conseguir se alimentar, porque precisa comprar comida fora”, exemplifica Raquel Lima, no caso de pessoas físicas. “Ou então, eletrodomésticos ou equipamentos de saúde que foram danificados.”

Já no caso de empresas, os comerciantes poderiam pleitear: ressarcimento de danos decorrentes de aparelhos queimados ou danificados, perecimento de mercadoria e lucros cessantes pelo período em que o estabelecimento não funcionou, cita Erbelin. “Neste caso, contudo, as provas devem ser mais robustas: o comerciante deve demonstrar que, de fato, não tinha condições de funcionar sem energia elétrica, que o período em que houve o corte foi maior do que aquele que seria razoável dadas as circunstâncias climáticas”, explica o advogado.

Raquel Lima menciona o caso de uma clínica de estética que aluga equipamentos para atender a sua agenda. “Esses equipamentos são muito caros e uma empresa dessa que ficou três, quatro, cinco dias sem luz, perdeu todos aqueles contratos, perdeu todos os atendimentos e o faturamento foi prejudicado. Então, a gente tem que demonstrar também o prejuízo do faturamento para pedir a recuperação e a indenização em danos materiais, e a empresa fazer o ressarcimento do problema no faturamento que ela causou”, completa.

Uma família da capital paulista ficou quase 97 horas sem energia no apagão de novembro de 2023 e entrou na Justiça contra a Enel por danos morais e para reaver o prejuízo. A mãe e os filhos perderam tudo que estava na geladeira e precisaram se deslocar para a casa de pessoas próximas para tomar banho com água quente. Um dos filhos, que faz home office, não conseguiu trabalhar. Também tiveram de comprar gelo para tentar manter alguns alimentos e, após a interrupção de energia, um freezer e um computador apresentaram defeito, gerando um prejuízo calculado em R$ 1.355. Em segunda instância, a empresa foi condenada a pagar R$ 5.000 em danos morais e a reembolsar o valor dos prejuízos.

Assim como essa família, outras que também foram prejudicadas pela interrupção de energia elétrica no apagão de novembro de 2023 entraram na Justiça contra a Enel. Entre os clientes de uma startup que oferece consultoria para prejudicados por empresas de energia elétrica, a Religa.me, há consumidores que conseguiram indenizações entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, segundo a empresa. Os valores variam de acordo com os danos sofridos, e podem ser ainda maiores em casos envolvendo estabelecimentos de comércio ou serviços que tenham incorrido em danos materiais elevados. É fundamental que os consumidores guardem a documentação (como nota fiscal, por exemplo) e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados.

A Enel informa que os clientes podem ingressar com pedidos de ressarcimento de danos elétricos no app, no site da companhia, por telefone (0800 72 72 120) ou presencialmente em qualquer loja de atendimento.

O presidente da companhia, Guilherme Lencastre, afirmou, em entrevista à GloboNews, que a indenização aos moradores da cidade de São Paulo e região metropolitana que ficaram sem energia durante dias será tratada “caso a caso”. Ele pediu que os clientes façam a solicitação por meio dos canais de comunicação da Enel.

“Nós também estamos acelerando o processo de indenização com relação aos danos elétricos. A gente vai analisar caso a caso, depois, em relação a outras situações”, disse Lencastre. “A gente precisa identificar o cliente, saber o que aconteceu e fazer a análise”, acrescentou, sem dar prazo para essa indenização ser realizada.

Restaurante sem energia elétrica na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, na zona oeste da capital. Foto: Werther Santana/Estadão

O movimento de ações judiciais contra a Enel pode se repetir após o apagão recente, que teve início na sexta-feira, 11. Mais de uma semana depois, ainda tinha gente sem luz na capital.

Não há dados oficiais de quantos processos foram movidos contra a Enel especificamente pelos apagões e qual o porcentual de clientes que conseguiram indenização, mas um levantamento do Escavador, empresa de dados jurídicos, mostra uma crescente no número de processos contra a companhia no Estado de São Paulo. Em 2020, foram protocolados 2.465 ações contra a Enel. Em 2021, o número subiu para 3.739 e, em 2022, para 5.902. Já em 2023, alcançou o pico de 8.536 processos. Em 2024, até o momento, somam-se 3.639 ações.

A resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula o setor de energia elétrica, determina que as empresas devem restabelecer o serviço, em caso de interrupção, em até 24 horas em áreas urbanas e 48 horas em áreas rurais (no último apagão, alguns locais da capital chegaram a ficar 6 dias sem luz). A regra diz que os consumidores prejudicados podem buscar compensações diretamente com a empresa, que podem ser feitas em descontos na fatura, por exemplo.

Quando os consumidores não conseguem retornos administrativamente, isto é, por meio de um acordo direto com a companhia, alguns partem para a via judicial. O perfil mais frequente dos processos que passam pela Religa.me é por fornecimento de energia elétrica (interrupções superiores a 24 horas, corte de luz indevido ou sem aviso e demora para religar a luz após pagamento de débitos, por exemplo) e indenização por dano moral. Há ainda pedidos de indenização por danos materiais.

Danos comprovados

O professor de Direito da FGV-SP, Fernando Erbelin, diz que nos julgamentos referentes ao apagão de novembro de 2023 no Tribunal de Justiça de São Paulo, a tendência das decisões é no sentido de ressarcimento aos consumidores por danos devidamente comprovados e indenização por danos morais na situações em que a falta de fornecimento de energia perdurou por períodos mais longos, como quatro ou cinco dias.

“Os principais argumentos (para as indenizações) são danos a aparelhos elétricos, transtornos decorrentes da falta de prestação do serviço essencial e perecimento de produtos na geladeira. A maior parte dos casos se refere a pessoas físicas”, diz o advogado especialista em direito do consumidor.

No caso de pessoas físicas, as ações muitas vezes têm foco nos danos morais sofridos pela interrupção do serviço, segundo Raquel Lima, diretora da Religa.me. Como exemplo ela cita casos de pessoas que precisam de aparelhos que necessitam de energia elétrica e afetam a saúde dos moradores, como aconteceu com Luciane Nietto, moradora de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, cuja filha tem uma doença rara e precisa de um respirador de forma ininterrupta. A mãe chegou a ligar o aparelho da filha no acendedor de cigarro do carro e a fazer um “gato” no vizinho para ter energia para manter a filha viva. A família pensa, agora, em entrar na Justiça.

“Eles (Enel) não estão conseguindo cumprir esse prazo de 24 horas. Então, a partir disso, essa discussão vai para o Judiciário. A jurisprudência tem sido favorável, porque a gente está falando de um direito essencial, energia é um bem essencial. Então, os transtornos são muito grandes, acaba que fica muito fácil demonstrar no Judiciário todos os transtornos”, diz Lima.

Ela afirma que os casos em que as decisões não estão sendo dadas em favor dos clientes costumam ter relação com interrupções não muito superiores a 24 horas. “A resolução fala em 24 horas, então se a empresa religou em 30 horas, pode ser que o juiz interprete que é compreensível e que isso não obriga a empresa a indenizar o consumidor”, explica.

Erbelin acrescenta que, em alguns casos, não são concedidos os pedidos de indenização por danos morais porque a Justiça entende que estes não teriam sido comprovados pelos consumidores ou que a interrupção da energia não extrapolou um período razoável. “Também há situações em que os danos não são demonstrados - por exemplo, consumidores não conseguem demonstrar o prejuízo decorrente de perecimento de alimentos na geladeira, ou não fica claro o nexo causal entre a interrupção de energia e os danos a aparelhos elétricos”, diz o advogado.

Setores mais afetados

Dentre as empresas, o setor de bares e restaurantes foi um dos mais afetados pelo apagão. Trabalhadores do ramo relatam não apenas a perda de alimentos perecíveis, como prejuízos pela impossibilidade de atender os clientes durante o final de semana, justamente os dias mais movimentados para esses estabelecimentos.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel SP) ajuizou uma nova ação contra a Enel exigindo que a concessionária indenize os bares e restaurantes da capital paulista pelos prejuízos causados pela falta de energia. A entidade já havia entrado com processo contra a empresa no apagão de novembro do ano passado, o qual ainda não teve uma decisão.

A capital tem cerca de 155 mil estabelecimentos do setor, dentre os quais metade foi afetada pelo apagão, com perda mínima de cerca de R$ 10 mil cada, estima a associação. O dano moral pleiteado pela entidade é de R$ 20 mil por restaurante ou bar associado, e o dano financeiro será calculado para cada estabelecimento, podendo chegar a R$ 50 mil.

“Pode-se até admitir que a energia seja interrompida na sexta-feira por algumas horas, em alguns bairros, em decorrência da tempestade, mas é inaceitável que o serviço seja interrompido por longo período, afetando grande parte da cidade, como já aconteceu anteriormente”, diz o advogado e diretor da Abrasel SP, Percival Maricato.

Comerciantes tiveram de funcionar no escuro por causa da falta de energia. Foto: Werther Santana/Estadão

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) também quer responsabilizar na Justiça a Enel pelos prejuízos causados pelo apagão. A entidade representa mais de 502 mil estabelecimentos do setor, dos quais metade está na área afetada pela falta de luz. Em novembro do ano passado, o blecaute que atingiu a região metropolitana de São Paulo provocou para o setor um prejuízo de R$ 500 milhões, de acordo com cálculos da Fhoresp.

Clínicas odontológicas, de estética e cabeleireiros também são outros setores bastante afetados em casos de interrupção de energia, cita Lima.

A FecomércioSP estima que, entre sexta e terça-feira, as perdas de faturamento bruto de todo o setor de comércio e serviços da capital paulista somaram pelo menos R$ 1,82 bilhão. Nos cálculos da entidade, o setor mais prejudicado é o de serviços, com uma perda de receitas estimada em R$ 1,23 bilhão. São, em média, R$ 246 milhões perdidos a cada dia sem energia.

Os prejuízos mais significativos foram contabilizados no Dia das Crianças (sábado, 12), uma das datas mais relevantes do calendário comercial do País. Na ocasião, as empresas de serviços deixaram de faturar cerca de R$ 442,3 milhões.

Na análise da FecomercioSP, os impactos negativos da falta de energia elétrica devem ser ainda maiores, já que não entraram na conta todos os prejuízos causados pelas perdas de estoques, por exemplo, ou os custos fixos que se mantiveram mesmo sem as receitas. “No limite, as perdas totais do varejo e dos serviços devem aumentar conforme esses cálculos forem feitos – e cuja recuperação pode levar meses”, afirma.

Comércio fechado na zona oeste da capital; forte chuva derrubou centenas de árvores e deixou dezenas de bairros sem energia elétrica. Foto: Werther Santana/Estadao

Além das indenizações, a Enel foi multada pela Aneel em R$ 165 milhões pelo apagão de novembro de 2023, mas a empresa conseguiu uma decisão favorável na Justiça para não realizar o pagamento da multa.

Fora de São Paulo

A Enel tem um histórico de problemas em outras regiões do País. Em Goiás, após sucessivos apagões que resultaram em prejuízos para produtores rurais e desassistência à população, a companhia foi praticamente “expulsa” pelo governo do Estado, que mobilizou o Ministério Público Federal, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel para encerrar a atividade da empresa em solo goiano.

No Rio, o Ministério Público Estadual abriu ações contra a empresa por problemas que se repetem no fornecimento de energia em cidades onde há apagões e demora em restabelecer o serviço e falta de prazos.

As intercorrências da empresa ocorrem também na Região Nordeste. No Ceará, a Assembleia Legislativa do Estado (Alece) e o Ministério Público (MP-CE) adotaram medidas contra a Enel desde 2019. Os apagões têm prejudicado o comércio e o setor de turismo, mas também a área da saúde. Os fatos são descritos no relatório da CPI da Enel, publicado em maio deste ano. Os parlamentares pedem a caducidade do contrato.

Até mesmo fora do País, no Chile, a companhia também tem sido questionada pelas autoridades. Em agosto, o presidente chileno Gabriel Boric determinou que sua equipe reveja a concessão da empresa após um grande apagão.

O que fazer em caso de prejuízos pela falta de energia?

As ações variam de acordo com os danos causados pelo apagão e com a natureza de pessoa física ou jurídica. Pessoas físicas costumam ter maiores danos morais, enquanto para as empresas pesam mais os danos materiais, de acordo com Raquel Lima, da Religa.me.

É possível, em ambos os casos, tentar conseguir uma indenização tanto pela via administrativa, quanto judicialmente. E é sempre necessário juntar provas que demonstrem os prejuízos morais e materiais causados.

Porém, na percepção da diretora da startup, que auxilia, por meio da plataforma, os clientes nos processos de seleção de documentos tanto para entrarem com processo administrativos quanto judiciais, os meios “amigáveis” não estão tendo sucesso e, por isso, muitos clientes acabam recorrendo à justiça.

Já a Fecomércio orienta as empresas que esgotem os canais administrativos: pelos próprios canais da Enel, assim como pela Aneel e pelo Procon. “Na impossibilidade de resolver o problema, a empresa deverá avaliar os custos a serem despendidos com a ação judicial e os prejuízos econômicos sofridos com a falta de energia, cabendo à empresa decidir, com base nos custos x benefícios, ingressar (ou não) com a ação judicial”, explica a entidade.

Via administrativa

Para as pessoas e empresas que não desejam enfrentar um processo judicial (ou para as que desejam tentar a via administrativa antes), é preciso registrar formalmente uma reclamação perante a Enel, pelo telefone ou canais digitais. É possível, ainda, buscar a ouvidoria da empresa.

Caso não tenha retorno, deve-se procurar a Aneel com o número do protocolo da reclamação inicial em mãos. Se, mesmo assim, nenhum canal funcionar, a solução, então, pode ser um órgão de defesa do consumidor, como o Procon.

“Além de servir como documento oficial da queixa, em uma eventual ação jurídica, a via administrativa pode fornecer respostas mais rápidas”, diz a Fecomercio.

“É importante ressaltar que os pedidos de ressarcimento – tanto pela via administrativa quanto judicial – devem ser acompanhados de provas dos danos apontados, como fotografias, registros, documentos, relatórios de perda de receitas”, lembra a entidade.

O Procon ressalta que é direito do consumidor que a concessionária de energia elétrica faça um abatimento na conta mensal proporcional ao tempo em que o serviço deixou de ser prestado. Isso, inclusive, deve ser feito de forma automática, sem que o consumidor precise solicitar.

O Procon-SP orienta que os consumidores que perderam alimentos ou medicamentos guardem a documentação – como nota fiscal, rótulos e receitas no caso de medicamentos, por exemplo – e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados. Especificamente quanto aos aparelhos danificados, a orientação é, após registrar sua reclamação com a empresa, aguardar a vistoria.

Via judicial

Para entrar com um processo judicial, também é preciso juntar documentos, fotos, vídeos, recibos e notas fiscais que comprovem os prejuízos, além de já ter uma reclamação formal junto à distribuidora.

Os processos costumam demorar de 9 a 12 meses. “As indenizações vêm ao conseguir demonstrar esse transtorno que o consumidor passou: às vezes ele e a família têm criança, tem idoso, pessoas que moram em prédios muito altos, precisam descer 20 lances de escada por dia para conseguir se alimentar, porque precisa comprar comida fora”, exemplifica Raquel Lima, no caso de pessoas físicas. “Ou então, eletrodomésticos ou equipamentos de saúde que foram danificados.”

Já no caso de empresas, os comerciantes poderiam pleitear: ressarcimento de danos decorrentes de aparelhos queimados ou danificados, perecimento de mercadoria e lucros cessantes pelo período em que o estabelecimento não funcionou, cita Erbelin. “Neste caso, contudo, as provas devem ser mais robustas: o comerciante deve demonstrar que, de fato, não tinha condições de funcionar sem energia elétrica, que o período em que houve o corte foi maior do que aquele que seria razoável dadas as circunstâncias climáticas”, explica o advogado.

Raquel Lima menciona o caso de uma clínica de estética que aluga equipamentos para atender a sua agenda. “Esses equipamentos são muito caros e uma empresa dessa que ficou três, quatro, cinco dias sem luz, perdeu todos aqueles contratos, perdeu todos os atendimentos e o faturamento foi prejudicado. Então, a gente tem que demonstrar também o prejuízo do faturamento para pedir a recuperação e a indenização em danos materiais, e a empresa fazer o ressarcimento do problema no faturamento que ela causou”, completa.

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